agosto 29, 2025

******* FELLINI: MEMÓRIAS, SONHOS e FANTASIAS

 



“Sou apenas um contador de histórias,
e o cinema é o meu meio. Gosto dele
porque recria a vida em movimento,
amplifica-a. Está muito próximo
da criação milagrosa da vida.”
FEDERICO FELLINI 
 Oito e Meio
 
 
Um dos grandes diretores italianos, criou um estilo cinematográfico inimitável, combinando surrealismo com crítica social incisiva.  Explorou em 23 filmes suas obsessões com o circense, a decadência social, a redenção espiritual e as mulheres, gerando influências em diversos cineastas, como o siciliano Paolo Sorrentino ou o norte-americano Martin Scorsese, que diz rever “Oito e Meio” (1963) todo ano. FEDERICO FELLINI (1920 – 1993. Rimini / Itália) colocou a própria biografia em sua criação cinematográfica. Na realidade, aos dezenove anos deixou a provinciana cidade natal, transferindo-se para Roma. Seu primeiro emprego foi na revista humorística “Marc’Aurelio”. Na Itália semidestruída pela II Guerra Mundial, oscilou de um emprego a outro. Depois de trabalhar como repórter, locutor de rádio e escritor de fotonovelas, o famoso ator Aldo Fabrizi o contratou para escrever esquetes para espetáculos de uma companhia teatral ambulante. Com ela, o futuro cineasta correu a Itália, aprendendo a técnica de contar histórias a partir de pequenos incidentes dramáticos ou cômicos.
 
A guerra estava acabando. No meio dos destroços, entre bombas e fuzilamentos, o cinema italiano voltava a brilhar. Era o começo do neorrealismo, uma arte verdadeira, sem glamour e sem estrelas, que mudaria o panorama do cinema mundial. E ele fazia parte desse movimento. Seu primeiro trabalho em filmes foi em um roteiro para o lendário Roberto Rossellini, contando o episódio verídico do fuzilamento de um padre pelos nazistas. “Roma, Cidade Aberta / Roma Città Aperta” (1945) transformou-se em um clássico. Começava aí uma das carreiras mais exuberantes da sétima arte. A colaboração com o cinema se intensificou e alguns dos seus roteiros foram pontos altos do neorrealismo: “O Moinho do Pó / Il Mulino del Po” (1949), de Alberto Lattuada; “O Caminho da Esperança / Il Cammino della Speranza” (1950), de Pietro Germi; “Milagre em Milão / Miracolo a Milano” (1951), de Vittorio de Sica, entre outros. Em 1950, co-dirigiu com Alberto Lattuada “Mulheres e Luzes / Luci del Varietà”. O segundo filme, “Abismo de um Sonho / Lo Sceicco Bianco”, veio em 1952 e teve péssima recepção.
 
Um ícone da fantasia com uma visão pessoal acerca da sociedade, ele ressignificou suas lembranças da infância-juventude e seus sonhos, traduzindo-os em obras magistrais. O cinema se tornou, para o diretor, um espaço de interpretação de fantasias e desejos, de reconciliação com situações de tempos passados. Brincou sem limites entre o real e o imaginário, o ficcional e o biográfico, alta e baixa cultura, cinema de autor e de entretenimento, num universo onírico copiado mundialmente. A grande virada foi “A Doce Vida”, de 1960. Sucesso de bilheteria e condenado pela Igreja Católica, este filme insólito abandona o que poderíamos chamar de uma representação mais crua, buscando se aproximar de um mundo simbólico, estilizado. A partir deste momento decisivo, sua obra, que ele descrevia como “sonhos em celuloide”, funda um estilo próprio, no qual mescla memória e sonho, quase sempre não deixando claro onde termina um e começa o outro. Seu cinema barroco, delirante e pessoal torna sua filmografia uma das mais premiadas e envolventes de todos os tempos. 
 
Ele descrevia seu método criativo afirmando que a invenção para suas tramas se dava a partir de suas experiências, memórias, esperanças,
“uma mistura de emoções pessoais, alterações, as cores da escuridão que vivem em mim”. Condecorado com quatro estatuetas no Oscar, um recorde na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, seu legado é visto como um divisor de águas, rendendo um novo adjetivo no vocabulário cinematográfico: o termo felliniano. O cineasta teve como principais colaboradores, a atriz e esposa Giulietta Masina, o ator Marcello Mastroianni, o compositor Nino Rota, o produtor Angelo Rizzoli, o roteirista Ennio Flaiano e o editor Ruggero Mastroianni. Ele, pessoalmente, nos deixou em 1993. Seu cinema singular, de melancolia mágica, jamais nos deixará. É eterno. Cento e cinco anos após seu nascimento, FEDERICO FELLINI ainda se destaca como um gigante do cinema. Este post é um tributo a um artista criativo e livre, que inventou um universo cinematográfico próprio: uma visão mágica do mundo.
 
Oito e Meio
DEZ FILMES para CONHECER FELLINI
(por ordem de preferência)
 
01
A DOCE VIDA
(La Dolce Vita, 1960)

elenco: Marcello Mastroianni, Anita Ekberg, Anouk Aimée,

Yvonne Furneaux, Magali Noel, Alain Cuny,
Annibale Ninchi, Valeria Ciangottini e Laura Betti

Um dos maiores filmes do cinema. Impulsionou a carreira do cineasta italiano ao sucesso internacional - ironicamente, ao oferecer uma crítica contundente à cultura do estrelato. Um olhar sobre o vazio existencial por trás do estilo de vida sedutor dos ricos e glamorosos de Roma, acompanha um notório jornalista de celebridades (um Marcello Mastroianni sublimemente icônico) nas periferias dos holofotes. Mordaz, foi incisivo sobre a decadência da Europa contemporânea e forneceu um vislumbre premonitório de quão obcecada por fofocas e fama nossa sociedade se tornaria. Cunhou o termo paparazzo, mas seu verdadeiro mérito reside no cinismo com que disseca uma cidade.
 
Indicado ao Oscar de Melhor Direção
Palma de Ouro (Melhor Filme) no Festival de Cannes
David di Donatello de Melhor Diretor
Melhor Filme Estrangeiro do Círculo
dos Críticos de Cinema de Nova Iorque

 
02
AMARCORD
(Idem, 1974)
 
elenco: Magali Noel, Bruno Zanin, Puppella Maggio,
Armando Grancia, Ciccio Ingrassia e Maria Antonietta Beluzz

O realizador retorna à paisagem provinciana de sua infância com esta reminiscência, recriando sua cidade natal, Rimini, nos estúdios da Cinecittà e retratando seu cotidiano como um circo de rituais sociais, desejos adolescentes, fantasias masculinas e subterfúgios políticos. Esboçando uma galeria de caricaturas cômicas, evoca com carinho um mundo desaparecido, aureolado pelo brilho da memória, ao mesmo tempo em que satiriza um país embrutecido pelo fascismo. Entrelaça com maestria a cinematografia vibrante de Giuseppe Rottuno, os figurinos e cenários extravagantes de Danilo Donati e a trilha sonora nostálgica de Nino Rota. Talvez seja o filme mais pessoal do diretor.
 
Indicado ao Oscar de Melhor Diretor
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
David di Donatello de Melhor Filme e Melhor Diretor
Nastro d´Argento de Melhor Diretor
Melhor Filme Estrangeiro do National Board of Review
Melhor Filme e Melhor Diretor do Círculo dos Critícos
de Cinema de Nova Iorque

 
03
NOITES de CABÍRIA
(Le Notti di Cabiria, 1957)

elenco: Giulietta Masina, François Périer, Dorian Gray

e Amedeo Nazzari

 
Ascensão, queda e recuperação de uma prostituta, num ambiente de rua, exploração, milagres e trapaceiros. Grande consagração popular do cineasta, apresentando uma das personagens mais inesquecíveis de todo o cinema: Cabiria (magnífica Masina), uma trabalhadora sexual irreprimível e ferozmente independente que, enquanto se move por Roma, em meio à adversidade e à tristeza, precisa confiar em seu próprio espírito indomável para se manter de pé. O filme encerrou a fase inicial do diretor, de influência neorrealista, com um final sublimemente comovente, porém esperançoso, que incorpora a mistura do amargo e do doce que define sua recorrente visão de mundo. Obra-prima.
 
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
David di Donatello de Melhor Diretor
Nastro d´Argento de Melhor Diretor

 
 
04
Os BOAS VIDAS
(I Vitelloni, 1953)

elenco: Alberto Sordi, Franco Fabrizi, Franco Interlenghi,

 Leopoldo Trieste, Leonora Ruffo, Paola Borboni,
Lída Baarová e Vira Silenti

 
A segunda criação solo do diretor rendeu seu primeiro sucesso comercial: um retrato lúcido de cinco jovens mergulhados em um limbo provinciano, sonhando com aventuras e uma fuga de sua pequena cidade costeira. Baseando-se em memórias entre a nostalgia cômica de
“Amarcord” e a ressaca da cidade grande de “A Doce Vida”, cria um filmaço semiautobiográfico com personagens afiados: Fausto, o galã, forçado a se casar com uma moça que engravidou; Alberto, o filho perpétuo; Leopoldo, um escritor sedento de fama; e Moraldo, a consciência do grupo. A crônica cinematográfica captura a lassidão e o anseio de seus protagonistas com nostalgia, perspicácia humorada e compaixão.
 
Nastro d´Argento de Melhor Diretor
Leão de Prata no Festival de Veneza
 
05
FELLINI OITO e MEIO
(8½, 1963)

elenco: Marcello Mastroianni, Anouk Aimée, Claudia Cardinale,

Sandra Milo, Rossella Falk, Barbara Steele,
Madeleine Lebeau e Caterina Boratto

 
Considerado por muitos o seu melhor trabalho. Marcello Mastroianni interpreta Guido Anselmi, um cineasta cujo novo projeto está desmoronando ao seu redor, junto com sua vida. Um dos filmes mais aplaudidos pela crítica, teve um primeiro título provisório,
“A Bela Confusão”, e é exatamente isso: um sonho cintilante e um número de mágica. Códice para decifrar a obra felliniana, essa alucinação transgressora tem sido imitada desde sempre. Mastroianni substitui o próprio diretor em suas fantasias surreais sobre o bloqueio artístico, a infância que volta feroz, a cavalgada de mulheres que ele decepcionou, inseguranças, música e a certeza absoluta de que a vida é um circo.
 
Indicado ao Oscar de Melhor Diretor
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Nastro d´Argento de Melhor Diretor
Grande Prêmio no Festival de Moscou
Melhor Filme Estrangeiro no National Board of Review
Melhor Filme Estrangeiro no Círculo

dos Críticos de Cinema de Nova Iorque
 
06
A ESTRADA da VIDA
 (La Strada, 1954)

elenco: Giulietta Masina, Anthony Quinn e Richard Basehart

 
Uma decadente companhia de diversões ambulante percorre as estradas da Itália. O primeiro sucesso internacional do diretor. Ponte entre seu passado neorrealista e a fantasia lírica que está por vir, repleto de símbolos amargos e referências à commedia dell'arte. Com este drama inovador, o diretor retrata uma visão pessoal e poética da vida como um carnaval agridoce. A expressiva Masina registra tanto a maravilha infantil quanto o desespero de partir o coração como Gelsomina. A obra possui a pureza e a ressonância atemporal de uma fábula e continua sendo uma das visões mais comoventes do cinema sobre a humanidade lutando para sobreviver diante das crueldades da vida.
 
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Nastro d´Argento de Melhor Diretor
Melhor Filme Estrangeiro no Círculo dos Críticos
de Cinema de Nova Iorque
Leão de Prata no Festival de Veneza

 
07
SATYRICON de FELLINI
(Fellini – Satyricon, 1968)

elenco: Martin Potter, Hiram Keller, Salvo Randone,

Magali Noel, Capucine, Alain Cuny,
Lucia Bosè e Gordon Mitchell

 
A carreira do realizador atingiu novos patamares de excentricidade e brilhantismo com esta notável, controversa e extremamente livre adaptação da sátira romana clássica de Petrônio, escrita durante o império de Nero. Uma enxurrada episódica de licenciosidade sexual, violência profana e grotesco cativante, acompanha as façanhas de dois jovens pansexuais - o belo estudioso Encólpio e seu amigo vulgar e insaciavelmente lascivo Ascilto - enquanto se movem por uma paisagem de excessos pagãos de forma livre que remete ao sexo libertário moderno. Criando um caos aparente com controle primoroso, o diretor constrói um mundo antigo impactante e estranho que parece ficção científica.
 
Melhor Filme Italiano no Festival de Veneza
 
08
A TRAPAÇA
(II Bidone, 1955)

elenco: Broderick Crawford, Richard Basehart, Giu
lietta Masina,
Franco Fabrizi e Lorella De Luca

 
Abandonando em parte os floreios poéticos das obras mais famosas do realizador, é um drama policial neorrealista sombrio, pouco conhecido, estrelado por um magistral Broderick Crawford como um dos personagens mais complexos do cânone do diretor: um vigarista profissional decadente que, tendo feito carreira explorando a ingenuidade de camponeses pobres, de repente descobre que seus caminhos tortuosos começaram a alcançá-lo. Entrelaçando magistralmente o realismo humano da história com elementos de humor, cria um retrato contundente de um homem lidando com as consequências de suas escolhas de vida, que o atinge com a força de uma profunda e fatal tragédia moral.
 
09
JULIETA dos ESPÍRITOS
(Giulietta degli spiriti, 1965)

elenco: Giulietta Masina, Sandra Milo, Mario Pisu,

Valentina Cortese, Valeska Gert, José Luis de Vilallonga,
Caterina Boratto e Sylva Koscina

 
Primeiro longa-metragem em cores do diretor. Caleidoscópio projetado na psique de uma mulher de meia-idade que atravessa uma crise mística. Baseando-se em cenas de sua vida pessoal, Giulietta Masina interpreta uma senhora refinada que se aventura no espiritualismo e cujo domínio da realidade começa a se esvair quando descobre que o marido está tendo um caso, o que a leva a uma jornada alucinatória de autodescoberta na qual memórias, sonhos e forças sobrenaturais se fundem. Com a cinematografia virtuosa de Gianni di Venanzo, o filme examina as preocupações centrais do diretor - sexo e amor, vida e morte, fantasia e realidade - da perspectiva do intimismo feminino.
 
Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro
Melhor Filme Estrangeiro do National Board of Review
Melhor Filme Estrangeiro do Círculo dos Críticos
de Cinema de Nova Iorque

 
10
ROMA de FELLINI
(Roma, 1972)

elenco: Britta Barnes, Peter Gonzales Falcon e Anna Magnani

 
Relato de viagem, memórias e espetáculo cinematográfico ultrajante da Cidade Eterna. Esta fantasia urbana entrelaça lembranças da juventude do diretor na era de Mussolini com um retrato impressionista da Roma contemporânea. Os prazeres materiais do sexo, da comida, da vida noturna e de um alucinante desfile de moda eclesiástica são permeados por vislumbres de um passado monumental: o Coliseu cercado pelo trânsito, afrescos antigos desenterrados em um túnel de metrô, uma estátua de César manchada por pombos. Com uma mistura estonteante de imediatismo documental e artifício extravagante, penetra no mito e na mística da histórica e maravilhosa capital da Itália.
 
FONTES
“Eu, Fellini” (1995)
de Charlotte Chandler
 
“Fellini. Vou Falar-te de Mim”
(1999)
de Costanzo Costantini

 
CADERNO de SONHOS
Nos anos 60, incentivado pelo analista junguiano Ernst Bernhard, FEDERICO FELLINI passou a registrar os próprios sonhos através de textos e ilustrações - atividade que manteve por cerca de 30 anos. Para isso, mantinha um caderno em sua mesa de cabeceira. Pela manhã, assim que abria os olhos, tentava reproduzir, usando canetas hidrográficas coloridas, o que chamava de “trabalho noturno”. Em 2008, as 500 páginas foram publicadas com o título de “The Book of Dreams”.
 

GALERIA de FOTOS


O CINEMA ITALIANO NESTE BLOG

 
01
ATIRE PRIMEIRO, MORRA DEPOIS: POLIZIOTTESCHI
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02
ALIDA VALLI: a BARONESA ESTRELA de CINEMA
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03
O CINEMA POLÍTICO ITALIANO (1960 - 1979)
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04
LUCHINO VISCONTI: o CONDE CINEASTA
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05
LUISA FERIDA e OSVALDO VALENTI: PAIXÃO e CRIME
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06
MARCELLO MASTROIANNI: a ARTE da SEDUÇÃO
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07
O MELHOR do CINEMA ITALIANO: 30 FILMES
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08
15 ATORES à ITALIANA do SÉCULO 21
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09
SANDRA MILO, a AMANTE de FELLINI
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10
TELEFONE BIANCHI – o CINEMA FASCISTA ITALIANO
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Satyricon de Fellini


agosto 15, 2025

************** JOHN WAYNE, um HERÓI de CINEMA

 

 

Tenho orgulho do meu trabalho,
a ponto de ser o primeiro a chegar
ao set de filmagem. Não sofro
com críticas ruins, o público gosta
dos meus filmes e isso é tudo
o que importa.
 
Sou um patriota honesto,
um conservador de direita.
JOHN WAYNE
 
Altura: 1,93 m
Cabelos: castanho-escuros
Olhos: azuis 
Apelido: Duke e JW
 
para Doutor Antônio, meu pai
 
LEGIÃO INVENCÍVEL


Figura imponente do passado de Hollywood, por mais de trinta anos foi referência na indústria cinematográfica, simbolizando um tipo de masculinidade e estrelando filmes icônicos da Era de Ouro. Na adolescência, na solidão do quarto, eu imitava o seu andar característico de felino. Pegando emprestado armas da coleção de meu pai, fazia de conta que era o glorioso astro dos faroestes, matando sem piedade bandidos e selvagens. Repeti essas cenas durante anos. Nunca ninguém soube, era um segredo. Admirador dos faroestes que via em preto e branco na TV e na matinê de domingo nos cinemas de Itabuna, preferia os mocinhos Glenn Ford, Gary Cooper e Clint Eastwood. Como pai Antônio era fã de JOHN WAYNE (1907 – 1979. Winterset, Iowa / EUA), procurava substituí-lo no imaginário como pistoleiro imbatível. Queria ser como ele. Com a maturidade, terminei por esquecê-lo ao não o considerar um ator sério. Ao resgatar sua trajetória, percebi o engano. Suas performances em “Rio Vermelho” e “Rastro de Ódio”, entre outras, são impactantes. Não há dúvida de que era cativante e talentoso.
 
Ao descobrir que era republicano e sua batalha política conservadora durante décadas, a afeição juvenil pelo astro renasceu com força total. Portanto, este post é um tributo a sua longa e majestosa passagem por Hollywood. Vencedor de Oscar e Globo de Ouro, JOHN WAYNE se tornou o símbolo máximo do faroeste. Seus filmes frequentemente refletem valores tradicionais, são considerados clássicos do gênero, reverenciados e assistidos até os dias atuais. Steve McQueen, Sylvester Stallone, Bruce Willis e Chuck Norris o citaram como uma grande influência para eles, tanto profissional quanto pessoalmente. Assim como o lendário astro, cada um deles alcançou a fama interpretando personagens de ação heroica e apoiando causas de direita e o partido Republicano. Dedicado em seu trabalho, seu verdadeiro nome era Marion Michael Morrison. Fala lenta, voz grave e marcante, sotaque arrastado e olhar semicerrado, é lembrado como a imagem típica do caubói, quase sempre como um admirável herói solitário. Cresceu num rancho na Califórnia e fez 145 filmes, em mais de 40 anos de uma extraordinária carreira.
 
Duke (como os amigos o chamavam) teria sua trajetória ligada ao cineasta John Ford depois que interpretou Ringo Kid no clássico “No Tempo das Diligências”, em 1939. Ao todo, foram 14 filmes com o mestre. Ainda faria boas parcerias com outros importantes diretores, como John Huston, Howard Hawks, William A. Wellman, Raoul Walsh e Henry Hathaway. Crescendo em Iowa, um de seus passatempos favoritos era jogar futebol americano com o pai. Enquanto estudava na USC, juntamente com colegas, trabalhava meio período na Fox Film, carregando adereços de cenário e como figurante ocasional. Em 1930, teve sua oportunidade em “A Grande Jornada. O diretor Raoul Walsh o viu passar no set carregando uma mesa, gostou do seu jeito de se mover e contratou o rapaz inexperiente para o papel protagonista. A empresa depositava esperanças neste faroeste épico, mas ele fracassou nas bilheterias. A seguir, JOHN WAYNE sobreviveu na década de 30 estrelando dezenas de faroestes de baixo orçamento. Alguns levavam apenas oito dias para serem filmados.
 
Era um trabalho árduo. Não havia dublês, ele próprio lutava e cavalgava. Em 1933, casou-se com Josephine Alicia Saénz, filha de um poderoso funcionário do governo mexicano. Ela era da alta sociedade e uma mulher bonita. Tiveram quatro filhos, com os quais ele sempre foi muito próximo e afetuoso. Ainda desconhecido, chegava ao set às 6h e, depois de um dia difícil, voltava para casa sujo e cansado às 19h30, com a esposa aristocrática pronta para um jantar fora ou uma festa. A virada profissional veio em 1939 com o sucesso de “No Tempo das Diligências”, que o transformou em uma das estrelas em ascensão mais valiosas. Depois vieram outros filmes importantes. Na época, houve um distanciamento gradual da esposa, pois ele não se adaptava ao estilo elegante dela. Quando os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial, houve movimento de apoio, inclusive em Hollywood. JOHN WAYNE, com lesões no joelho, sofridas na faculdade, foi isento do alistamento. Mesmo assim, ele desejava servir e escreveu várias vezes a John Ford pedindo para se juntar à sua Unidade Fotográfica de Campo do OSS.
 
Em 1943, conheceu a atriz mexicana Esperanza Baur. Alta, esbelta e morena, ela havia trabalhado com Arturo de Córdoba em “O Conde de Monte Cristo / El Conde de Montecristo” (1942). Como JOHN WAYNE, ela gostava de uma vida simples e reuniões com poucos amigos ao redor de uma churrasqueira. Ele se divorciou e se casou com ela em 1946. Ward Bond foi o padrinho e a esposa do falecido Harry Carey, a madrinha. Mas o ator mudou. A partir do final da década de 1940, com os filmes “Sangue de Heróis”, “Rio Vermelho” e “O Céu Mandou Alguém”, ele foi nomeado estrela número um de bilheteria, junto com Doris Day, por três anos consecutivos, pelos donos de cinema do país. Tornou-se uma estrela de altíssima estatura e passou a apreciar a vida social de Hollywood. A esposa tinha temperamento explosivo, bebia muito, e depois de várias brigas, se separaram. No processo de divórcio, ela alegou o caso do marido com a atriz Gail Russell, e ele respondeu que Conrad Hilton Jr., casado com Elizabeth Taylor, havia se tornado hóspede constante da casa deles, enquanto viajava à trabalho.
 
marlene dietrich e john wayne
Ainda nos anos 40, JOHN WAYNE teve um namoro de três anos com Marlene Dietrich, mas seu romance com Maureen O'Hara durou ainda mais, restando uma boa amizade. Estrelaram cinco filmes juntos. Divorciado mais uma vez, casou-se com a peruana Pilar Palette, que conheceu enquanto procurava locações de filmagem no Peru para “O Álamo / The Alamo” (1960). Embora fosse casada, Pilar se divorciou e se mudou imediatamente para Hollywood. Deprimida e estressada pela radical mudança cultural, ela se viciou em pílulas para dormir. Certa noite, enquanto ele filmava na Louisiana, cortou os pulsos durante uma alucinação. O casal teve três filhos. Depois que a terceira esposa o deixou em 1973, ele se envolveu com sua secretária Pat Stacy pelos anos restantes de vida. Na política, ele era um feroz defensor dos republicanos, nacionalista ferrenho e anticomunista ativo. Participou ativamente da criação da Aliança Cinematográfica para a Preservação dos Ideais Americanos (MPA) em 1944 e foi eleito presidente cinco anos depois. Ronald Reagan, Walt Disney, Clark Gable, Robert Taylor, Gary Cooper e outros famosos estavam entre os membros da organização.

 
Defensor do Comitê de Atividades Antiamericanas (HUAC), expressou seu apoio contra o maldito comunismo no filme de ação “Uma Aventura Perigosa / Big Jim McLain” (1952) e incluindo traidores da pátria na Lista Negra de Hollywood. Promoveu a guerra do Vietnã, produzindo e estrelando “Os Boinas Verdes / The Green Berets” (1968). Por ser a estrela republicana mais proeminente de Hollywood, foi cotado por texanos republicanos a concorrer a um cargo nacional em 1968. Ele recusou dizendo que era “um homem de Richard Nixon”. Apoiou Ronald Reagan nas campanhas para governador da Califórnia em 1966 e 1970. Também rejeitou um convite para ser vice na candidatura presidencial de George Wallace, preferindo fazer campanha por Nixon, inclusive discursando na Convenção Nacional Republicana de 1968. O ditador soviético Joseph Stalin, indignado com o seu anticomunismo, encomendou seu assassinato. Na primeira tentativa, dois matadores russos se fizeram passar por agentes do FBI e tentaram assassiná-lo em seu escritório, na Warner Brothers, em Hollywood, mas foram capturados.
 
As conspirações soviéticas foram canceladas após a morte de Stalin, em 1953, por seu sucessor, Nikita Krushchev, que era fã do astro. “Essa foi uma decisão de Stalin nos últimos cinco anos loucos de sua vida. Quando ele morreu, eu revoguei a ordem”, teria dito Kruschev a JOHN WAYNE em um encontro entre os dois em 1958. No entanto, grupos comunistas norte-americanos assumiram a conspiração e tentaram assassiná-lo no México, nas filmagens de “Caminhos Ásperos / Hondo” (1953). Ele sobreviveu a essa tentativa de assassinato e a outra cometida por um franco-atirador durante visita que fez às tropas dos EUA no Vietnã, em 1966. Carismático e convincente, atuou em faroestes, aventuras, melodramas e filmes de guerra. Em 1956, ao protagonizar “Sangue de Bárbaros / The Conqueror”, resultou em uma tragédia futura. Rodado por treze semanas no Parque Estadual de Snow Canyon, em Utah, o set estava situado a apenas 220 km da área de testes de Nevada, um local para a realização de bombardeamos nucleares ao ar livre com perigos decorrentes da radiação.
 
O pó radioativo – levado pelo vento – se precipitou justamente sobre o local da filmagem. As consequências, porém, viriam anos depois, quando a maior parte do elenco e da equipe começaram a desenvolver câncer numa escala assustadora. O próprio astro, Susan Hayward e Agnes Moorehead padeceram de câncer nas décadas de 60 e 70. Na seguinte, 90 membros da equipe de 220 pessoas desenvolveram tumores malignos e 46 morreram. Já em 1991, seria a vez de John Hoyt, que veio a óbito após adquirir câncer no pulmão. Segundo especialistas, a exposição no set de filmagens possivelmente foi a causa do câncer desenvolvidos em 94 profissionais que trabalharam no filme. Em Hollywood, JOHN WAYNE foi um dos atores que mais recusaram oportunidades notáveis e, em alguns casos, prêmios importantes. Recusou a série “Gunsmoke”, que durou 20 temporadas; “Fugindo do Inferno / The Great Escape” (1963), um clássico do cinema de guerra, e o papel foi para Steve McQueen; “Os Doze Condenados / The Dirty Dozen” (1967), com Lee Marvin brilhando como o Major John Reisman, um papel que seria dele.
 
Disse também não para “Rebeldia Indomável / Cool Hand Luke” (1967), resultando em uma das atuações mais aclamadas de Paul Newman; “Perseguidor Implacável / Dirty Harry” (1971), cujo papel foi para Clint Eastwood, que criou um dos personagens mais famosos do cinema; “Um Estranho no Ninho / One Flew Over the Cuckoo's Nest” (1975), que deu o Oscar para Jack Nicholson; “Patton, Rebelde ou Herói? / Patton” (1970), Oscar para George C. Scott; “Apocalypse Now / Idem” (1979), que terminou nas mãos de Martin Sheen. Entre muitos outros. Dos seus muitos personagens no cinema, o favorito era Ethan Edwards em “Rastros de Ódio” (1956). Chegou a dar ao seu filho o nome de Ethan em homenagem a ele. Praticamente calvo, o astro usou peruca em sua ilustre carreira desde “O Rasto da Bruxa Vermelha / Wake of the Red Witch” (1948). Sua vitória de Melhor Ator no Oscar e no Globo de Ouro por “Bravura Indômita / True Grit” (1969) foi vista como prêmios pelo conjunto da obra. Continuou a estrelar filmes de sucesso até 1976, permanecendo entre as dez maiores estrelas de bilheteria dos EUA até 1974.
 
wayne com o oscar e barbra streisand
Seu álbum falado “America: Why I Love Her” foi indicado ao Grammy quando lançado em 1973. Relançado em CD em 2001, teve êxito novamente. Junto com Humphrey Bogart, JOHN WAYNE era considerado o fumante mais inveterado da meca do cinema, fumando cinco maços de Camel sem filtro até sua primeira batalha contra o câncer em 1964. Ele passou por uma cirurgia bem-sucedida para remover o pulmão esquerdo. Apesar de seus sócios quererem manter a doença em segredo, tornou pública a situação e incentivou o público a fazer exames preventivos. A doença o fez amargar 15 anos de sofrimento, que o levaram até a pensar em suicídio.  Dirigiu os filmes “O Álamo” e “Os Boinas Verdes”. Este último causou-lhe problemas. O roteiro, pró-guerra do Vietnã, alimentou a fúria da esquerda, que realizou vários protestos contra a exibição. Católico, leal aos amigos, fez o elogio fúnebre nos funerais de Ward Bond, John Ford e Howard Hawks. Tinha fama de beber bastante, e os diretores filmavam suas cenas pela manhã, com ele ainda sóbrio.
 
Junto com seu amigo de longa data, Louis Johnson, era dono de uma fazenda de gado Hereford puro-sangue com 63 quilômetros de extensão no Arizona, a 26 Bar Ranch. A fazenda criava mais de 400 touros, frequentemente vencendo nas grandes feiras de gado. O astro comparecia com frequência aos leilões e fazia o discurso de boas-vindas na abertura dos eventos. Em 1976, estrelou “O Último Pistoleiro / The Shootist”, dirigido por Don Siegel e ao lado de Lauren Bacall e James Stewart. Nesse seu último papel, morre de câncer, condição à qual o próprio sucumbiu três anos depois. O faroeste foi um sucesso de bilheteria e crítica, nomeado como um dos Dez Melhores Filmes de 1976 pelo National Board of Review. Faleceu em 11 de junho de 1979, aos 72 anos. Enterrado em segredo, o túmulo permaneceu sem identificação até 1999, para o caso de manifestantes da guerra do Vietnã não o profanarem. Vinte anos após sua morte, finalmente recebeu uma lápide de bronze. Vários locais públicos nos EUA foram nomeados em homenagem a JOHN WAYNE, refletindo seu status como ícone cultural.
 
Graças à sua coragem, dignidade, integridade, talento, honestidade política e à sua cordialidade como ser humano ao longo de sua poderosa carreira, ele tem um lugar único em nossos corações e mentes. Receberia postumamente a Medalha Presidencial da Liberdade em 1980, concedida pelo presidente Jimmy Carter. Em 1998, foi homenageado com o prêmio de Herança Naval pela Fundação Memorial da Marinha dos EUA, reconhecendo seu apoio às forças armadas. Em 1999, o Instituto Americano de Cinema (AFI) o classificou como a 13ª maior lenda masculina do cinema clássico de Hollywood. Continua sendo um dos atores mais intimamente associados não apenas à grandeza do cinema, mas também à grandeza do povo norte-americano. É uma verdadeira lenda, comove as massas, o público o adora. Poucos capturaram melhor o homem durão e corajoso, patriota e dedicado à família, conservador e leal, transbordando integridade e valores de direita: a imagem do herói cinematográfico inesquecível.
 
 
RIO VERMELHO
“O Oeste é o triunfo da coragem pessoal
sobre qualquer obstáculo, seja a natureza ou o homem.”

JOHN WAYNE
 

DEZ FAROESTES de JOHN WAYNE
(por ordem de preferência)
 
01
RIO VERMELHO
(Red River, 1948) 

direção de Howard Hawks
elenco: Montgomery Clift, Joanne Dru, Walter Brennan,
Coleen Gray, Harry Carey e John Ireland
 
02
RASTROS de ÓDIO
(The Searchers, 1956)
 

direção de John Ford
elenco: Jeffrey Hunter, Vera Miles, Ward Bond,
Natalie Wood e Antonio Moreno
 
03
No TEMPO das DILIGÊNCIAS
(Stagecoach, 1939)
 

direção de John Ford
elenco: Claire Trevor, Andy Devine, John Carradine,
Thomas Mitchell, George Bancroft e Tim Holt

04
LEGIÃO INVENCÍVEL
(She Wore a Yellow Ribbon, 1949) 

direção de John Ford
elenco: Joanne Dru, John Agar, Ben Johnson,
Victor McLaglen, Mildred Natwick e George O´Brien
 
05
A GRANDE JORNADA
(The Big Trail, 1930)
 

direção de Raoul Walsh
elenco: Marguerite Churchill, Tully Marshall e Ward Bond
 
06
SANGUE de HERÓIS
(Fort Apache, 1948)

direção de John Ford
elenco: Henry Fonda, Shirley Temple, Pedro Armendáriz,
Ward Bond, George O´Brien, Victor McLaglen,
Anna Lee e Movita
 
07
O CÉU MANDOU ALGUÉM
(3 Godfathers, 1948)

direção de John Ford
elenco: Pedro Armendáriz, Harry Carey Jr., Ward Bond,
Mae Marsh, Mildred Natwick, Jane Darwell
e Ben Johnson
 
08
RIO BRAVO
(Rio Grande, 1950)

direção de John Ford
elenco: Maureen O'Hara, Ben Johnson, Claude Jarman Jr.,
Harry Carey Jr., Chill Willis, J. Carrol Naish,
e Victor McLaglen
 
09
ONDE COMEÇA o INFERNO
(Rio Bravo, 1959)

direção de Howard Hawks
elenco: Dean Martin, Ricky Nelson, Angie Dickinson,
Walter Brennan e Ward Bond
 
10
O HOMEM QUE MATOU o FACÍNORA
(The Man Who Shot Liberty Valance, 1962)

direção de John Ford
elenco: James Stewart, Vera Miles, Lee Marvin,
Edmond O´Brien, Andy Devine, John Carradine,
Jeanette Nolan, Woody Strode e Lee Van Cleef
 

FONTES
JOHN WAYNE: a VIDA e a LENDA (2014)
John Wayne: The Life and Legend
de Scott Eyman
 
JOHN WAYNE – o HOMEM por TRÁS do MITO (2001)
John Wayne - The man behind the myth
de Michael Munn
 
O TITÃ AMERICANO:
PROCURANDO por JOHN WAYNE (2014)
American Titan: Searching for John Wayne
de Marc Eliot
 
“Não apareço em filmes que envergonhem o público. Podem levar a família para ver um dos meus filmes e nunca se sentirão envergonhados ou constrangidos”
JOHN WAYNE
 
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RASTROS de ÓDIO
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