Nascido em 24 de setembro de 1924, o escritor norte-americano
TRUMAN CAPOTE estaria com 90 anos hoje. Polêmico e excêntrico, ele morreu cerca
de um mês antes de completar 60 anos, em 1984. Escreveu
com acidez, beleza, inovação e escândalo, produzindo contos e romances. “Bonequinha
de Luxo / Breakfast at Tiffany's” (1958) e “A Sangue Frio / In Cold Blood” (1965) são suas obras mais conhecidas. Ele era abertamente
homossexual, além de um socialite ativo. Apresentado a MARILYN MONROE por John
Huston durante as filmagens de “O Segredo das Joias /
The
Asphalt Jungle” (1950), tornaram-se amigos confidentes e parceiros de festas e
bebedeiras.
Com sua beleza, inocência, e voz infantil, Marilyn
fez enorme sucesso. Mas, como costuma acontecer com astros que ficam presos a
um só papel, ela queria mais. Não se sentia bem sendo apenas uma deusa do sexo
e atriz de comédias românticas. Ela desejava ser levada a sério, não ser
pintada como loira burra. Queria um Oscar, e sabia que a academia raramente
premia comediantes. Morreu aos 36 anos, em 5 de agosto de 1962, devido a uma
overdose de barbitúricos. A morte foi caracterizada, segundo a versão oficial,
como “suicídio acidental”. Em virtude de seu relacionamento com o presidente
John F. Kennedy, o fato gerou suspeitas à época. Cogitou-se envolvimento da
própria CIA, com o objetivo de queima de arquivo.
marilyn e capote |
Época: 28 de
abril de 1955.
Cena: A
Capela da Casa Universal, de funerais, na Lexington Avenue com a rua 52, New
York City. Uma galáxia interessante se comprime nos bancos: gente famosa, na
maioria, de uma arena internacional de teatro, filmes, literatura, todos
presentes para prestar um tributo a Constance Collier, a atriz inglesa que
morrera no dia anterior, aos 75 anos de idade. Durante as últimas décadas de
sua vida, srta. Collier morou em New York onde trabalhava como professora de
arte dramática de calibre único – ela aceitava apenas profissionais que já eram
estrelas. Katharine Hepburn era uma aluna permanente; outra, Audrey, era uma protegée de Collier, assim como Vivien
Leigh e, por alguns meses antes de sua morte, uma neófita ao qual a srta. Collier
se referia como “meu problema especial”: MARILYN MONROE.
constance collier |
Mas a srta. Collier morreu, e aqui estava eu no
velório esperando Marilyn. Ela estava meia-hora atrasada; ela estava sempre
atrasada, mas eu pensei que uma vez na vida! Pelo amor de Deus! Maldição! Daí,
de repente, lá estava ela. Seu cabelo estava completamente coberto por um lenço
de chiffon preto; seu vestido era longo e comprido e parecia emprestado; meias
de seda pretas apagavam o brilho dourado de suas pernas finas. Sapatos pretos
de salto alto, vagamente eróticos, e óculos escuros tipo-coruja que
dramatizavam a palidez de baunilha de sua pele fresca como o leite.
MARILYN MONROE: Ah, baby, desculpe. Mas voce ve, eu
me maquiei inteira, daí decidi que nao deveria usar cílios, batom, e tudo isso,
entao tive que lavar o rosto e nao conseguia resolver o que deveria usar.
TRUMAN CAPOTE: Você está ótima.
MARILYN: Você tem certeza? Quero dizer, estou tao
nervosa. Onde é o banheiro? Se eu pudesse ir um minutinho.
TRUMAN: É tomar um remedinho? Não! A cerimonia vai
começar.
Na ponta dos pés, entramos na capela cheia de gente
e nos esprememos num espaço na última fila de bancos. Durante os discursos,
Marilyn tirava os óculos de tempos em tempos para enxugar numerosas lágrimas
que brotavam de seus olhos azuis acinzentados. Finalmente, a cerimonia finalizou
e todos começaram a se dispersar.
MARILYN: Por favor, vamos ficar sentados aqui. Vamos
esperar até que todo mundo tenha ido embora.
TRUMAN: Por que?
MARILYN: Não quero ter que falar com ninguém. Nunca
sei o que dizer.
TRUMAN: Então fique aqui sentadinha e eu espero lá
fora. Tenho que fumar um cigarro.
MARILYN: Você não pode deixar-me sozinha. Meu Deus! Fume
aqui.
TRUMAN: Aqui? Na capela?
MARILYN: Por que não? O que quer fumar? Um baseado?
TRUMAN: Muito engraçado. Vamos, vamos embora.
MARILYN: Por favor, há muitos fotógrafos na
escadaria. E eu certamente não queria que eles me fotografassem com essa cara.
TRUMAN: Não te culpo por isso.
MARILYN: Você disse que eu estava ótima.
TRUMAN: Você está. Perfeita. Para ser a noiva de
Frankenstein.
MARILYN: Agora está rindo de mim.
TRUMAN: Eu estou com cara de quem está rindo?
MARILYN: Está rindo por dentro. E esse é o pior tipo
de risada. Aliás eu poderia ter usado maquiagem. Vejo que todas estas pessoas estão usando.
TRUMAN: Eu estou. Quilos.
MARILYN: Falo sério. É meu cabelo. Preciso fazer a
tintura. Eu não tive tempo. Foi tudo tao inesperado. A morte da srta. Collier e
tudo mais. Quer ver?
Ela levanta um pouco seu lenço para mostrar uma
margem escura onde o cabelo se dividia.
TRUMAN: Pobre de mim, tao inocente. Todo esse tempo
eu achei que você fosse uma loira de verdade.
MARILYN: Sou. Mas ninguém é tao natural. E, antes
que eu me esqueça, foda-se.
TRUMAN: OK. Todo mundo já saiu. De pé.
MARILYN: Aqueles fotógrafos ainda estão lá embaixo.
Eu sei.
TRUMAN: Se eles não a reconheceram na entrada, não vão reconhece-la na saída.
MARILYN: Um deles me reconheceu. Mas eu já tinha
passado pela porta quando ele começou a berrar.
TRUMAN: Tenho certeza que há uma saída pelos fundos.
Podemos ir por lá.
MARILYN: Não quero ver defuntos.
TRUMAN: Por que veríamos defuntos?
MARILYN: Este é um velório. Eles tem que guardar os
defuntos em algum lugar. É só isso que me falta hoje. Entrar por acaso numa
sala cheia de defuntos. Seja paciente. Eu levo a gente para algum lugar e
podemos estourar uma borbulhante. Odeio enterros. Ainda bem que não terei que
ir ao meu. Só que eu não quero um enterro, só quero que minhas cinzas sejam
jogadas nas ondas por um dos meus filhos, se eu tiver filhos. Eu não teria
vindo hoje, mas a srta. Collier se preocupava comigo, com meu bem-estar, e ela
era exatamente como uma avó. Ela me ensinou muito. Ela me ensinou como
respirar. Eu usei isso muito, e não quero dizer só atuando. Há outras horas em
que a respiração é um problema. Todo mundo diz que eu não sei atuar. Eles
falavam a mesma coisa de Elizabeth Taylor. E eles estavam errados. Ela foi ótima
em “Um Lugar ao Sol”. Eu nunca conseguirei pegar um papel certo, nada do que eu
realmente quero. Minha aparência está contra mim. Ela é muito específica.
TRUMAN: Acha que podemos dar o fora daqui? Você me
prometeu champanhe, lembra-se?
MARILYN: Me lembro, mas não tenho dinheiro.
TRUMAN: Você está sempre atrasada e nunca tem
dinheiro. Por acaso pensa que é a rainha Elizabeth?
MARILYN: Quem?
TRUMAN: A rainha Elizabeth. Rainha da Inglaterra.
MARILYN: O que essa putona tem a ver com isso?
TRUMAN: A rainha Elizabeth nunca leva dinheiro. Ela não pode. A riqueza nojenta não pode manchar a palma da mão real. É uma lei ou
algo parecido.
MARILYN: Bem que eu queria uma lei assim para mim.
TRUMAN: Continue do jeito que é e quem sabe chega lá.
MARILYN: Puxa vida. Como ela paga as suas coisas
quando vai fazer compras?
TRUMAN: Uma lady vai trotando ao lado dela com o
saco cheio de dinheiro.
MARILYN: Quer saber de uma coisa? Aposto que lhe dão tudo de graça. Em troca de avais.
TRUMAN: Muito possível. Eu não me surpreenderia. Por determinação de Sua Majestade. Guloseimas. Maconha. Camisinhas.
MARILYN: O que ela iria fazer com camisinhas?
TRUMAN: Não ela, bobona. Para aquele gigolô que anda três passos atrás dela, o príncipe Phillip.
MARILYN: Ah, é. Ele é uma graça. Tem cara de ter um
pau legal. Eu já te contei da vez que eu vi Errol Flynn por o pau de fora e
tocar piano com ele? Faz cem anos, eu tinha acabado de começar a trabalhar como
modelo, e fui numa festa imbecil, e Errol, tao satisfeito com ele mesmo, estava
lá e tirou o pau e tocou piano com ele. Batia nas teclas. Ele tocou “You Are my
Sunshine”. Meu Deus! Todo mundo diz que Milton Berle tem o maior caralho de
Hollywood, mas quem se importa com isso? Escuta, você tem dinheiro?
TRUMAN: Talvez uns cinquenta dólares.
MARILYN: Isso deve dar para pagar uma borbulhante.
Na rua, olhamos as vitrines de antiquários. Numa
delas, uma bandeja de anéis antigos.
MARILYN: Eu queria tanto poder usar anéis, mas eu
odeio que as pessoas reparem nas minhas mãos. Elas são gordas demais. A Elizabeth
Taylor tem mãos gordas. Mas com aqueles olhos quem quer olhar para as mãos delas? Eu gosto de dançar nua na frente de espelhos e ver meus peitos pulando. Não há nada de errado com eles. Mas eu queria tanto que minhas mãos não fossem
tao gordas.
TRUMAN: Estou pronto para comprar aquela champanhe.
Fomos parar na Segunda Avenida, num restaurante
chines deserto. Pedimos a borbulhante.
MARILYN: Isto é divertido. É como estar filmando. Se você gosta de filmar em locação. O que eu certamente não gosto. “Torrente de Paixão
/ Niágara” (1953). Aquele lixo.
TRUMAN: Conte-me sobre seu amante escriba secreto.
MARILYN: (risadinha)
TRUMAN: Garçom, outra champanhe, por favor.
MARILYN: Você está tentando soltar minha língua?
TRUMAN: Estou. Vou dizer uma coisa. Vamos fazer uma
troca. Eu conto uma história e se você achar interessante podemos discutir
sobre o seu amigo escritor.
MARILYN: Sobre quem é a sua história?
TRUMAN: Errol Flynn.
MARILYN: Vá em frente.
TRUMAN: Se lembra do que estava falando sobre o
Errol? De como ele estava satisfeito com o pau dele? Pode acreditar nisso. Uma
vez passamos uma noite aconchegante juntos. Se você me entende.
MARILYN: Você está inventando. Está tentando me
enganar.
TRUMAN: Estou jogando limpo. Isso aconteceu quando
eu tinha dezenove anos. Foi durante a guerra. O inverno de 1943. Aquela noite a
Carol Marcus estava dando uma festa para sua melhor amiga, Gloria Vanderbilt.
Na Park Avenue. Festa grande. Umas cinquenta pessoas. Lá pela meia-noite, o
Errol Flynn entra gloriosamente com seu alter-ego, um playboy esnobe e
rebolante chamado Freddie McEvoy. Os dois estavam bem mais pra lá do que pra cá.
O Errol começou a papear comigo, e ele é inteligente, a gente estava rindo, e
de repente ele disse que queria ir ao El Morocco, e se eu não queria ir com
ele. Eu disse tudo bem, só que não fomos ao El Morocco. Pegamos um táxi até o
Gramercy Park, onde eu tinha um apartamento de um quarto. Ele ficou até o
meio-dia.
MARILYN: E qual sua nota? Numa escala de um a dez.
TRUMAN: Francamente, se não tivesse sido Errol
Flynn, acho que teria esquecido.
MARILYN: Essa história é meio sem graça. Não vale a
minha. Nem sonhando.
TRUMAN: Garçom, onde está nossa champanhe? Tem duas
pessoas sedentas aqui.
MARILYN: Não é nenhuma novidade. Sempre soube que
Errol andava em ziguezague. Eu tenho um massagista que é como se fosse uma irmã para mim. Ele me contou sobre a transa entre o Errol e o Tyrone Power. Ele era
massagista do Ty.
TRUMAN: Esqueça. Não precisa contar nada. Eu sei
quem é sua maravilha mascarada: Arthur Miller. Adivinhei na hora que disse que
ele era escritor.
MARILYN: Mas como? Quero dizer, ninguém.... Quero
dizer, quase ninguém...
TRUMAN: Só não se esqueça de me convidar para o
casamento.
MARILYN: Se você falar sobre isso eu o mato. Mando
alguém acabar com voce. Conheço uns homens que me fariam esse favor com prazer.
TRUMAN: Não duvido.
MARILYN: Se alguém lhe perguntasse quem é Marilyn
Monroe de verdade, o que responderia? Aposto que diria que sou uma palerma, uma
estúpida, uma sentimental.
TRUMAN: É claro. Mas eu também diria... que você é
uma criança linda.
Fotografias de BERT STERN, 1962
(úlimas fotos de Marilyn)
(úlimas fotos de Marilyn)
37 comentários:
era muito linda!
To pra ver esse filme da Relíquia Macabra. Já descobri site pra filmes antigos e estou me esbaldando. Qnto a Marilyn Monroe... impossível não se apaixonar!
DEUSA!!!
Um mito que não soube lidar com a fama e se destruiu!
A deusa loira de Hollywood!
Divaaaaaaaa
Buscou pai em todos os homens que conheceu. Buscou a mãe em todas as mulheres. Marilyn era uma "criança linda."
.Concordo com você, iluminada, Antonio querido!! Tão iluminada que apesar de sua "burrice", e sem nunca haver ganhado um oscar, até hoje o seu nome brilha, junto as estrelas!! Beijos!!
Marilyn nunca foi burra, era uma mulher muito inteligente e lia muito. Seu único problema foi a depressão e a falta de amor que sentia das pessoas por ela.
Linda!!
Divina
Suprema, única, deslumbrante!
Muito interessante . Parabéns, Antonio Nahud.
Que coincidência! Estou LENDO este livro!
Me desculpem mas sempre li que ela era burra e vulgar e sempre disseram isso a mim . Agora com vc estou tentando ver de outra forma ela.
Adorei.
Adorei ! ela é um mito,uma estrela que vai brilhar para sempre,amo
O carisma de Marilyn permanece até hoje no imaginário de quem curte cinema. Além da estonteante beleza e sob sua aparente insegurança, Marilyn era muito inteligente, uma mulher à frente de seu tempo, Por isso ela permanece,mesmo após tantos anos de sua morte, sempre querida e lembrada. Adorei o post Antonio Nahud, obrigada pela lembrança!
Além de inteligente e moderna, Marilyn estava à frente do seu tempo. E solidária. Mudou a vida de Ella Fitzgerald:
adorei amigo Antonio Nahud como sempre sua postagens maravilhosas para sempre MM.
Marilyn não é tão simples de ser analisada ou julgada. Era muito mais complexa.
Ela queria um Oscar por Nunca Fui Santa (Bus Stop)...
Capote eh escritor que admiro
Oh, Baby Love xoxo
A própria imagem dela é mto carismática. Marilyn foi um ser que veio ao mundo para deixar sua marca! Ela era real e encantadoramente peculiar!
Marylin é um Eterno Mito -
A maior, a que soube tirar proveito de tudo, tudo mesmo, por isso virou essa unanimidade eterna. Um sorriso dela era puro carisma.
Tenho ternura por ela... mas não a admiro. O 'sexy' me cansa. Mas sempre me surpreendo com seu sucesso, o quanto foi endeusada após a partida. La Monroe.
Goste-se ou não, tem que se admitir que ela se tornou um ícone cultural.
Em seus filmes, me sinto incapaz de olhar para outras figuras em cena que não ela. Totalmente carismática, mágica, deliciosa.
Apareceu pela primeira vez no cinema no clássico de John Huston, "O Segredo das Joias"
E se despediu do cinema em outro clássico de John Huston, "Os Desajustados"
FANTÁSTICO post. Hoje mesmo vou escrever (pela primeira vez no blog) sobre Marilyn. Acredito que tinha muito potencial, mas foi mal-aproveitada.
Abraços!
Postagem incrível Antônio. Parabéns! Eu me pergunto até que ponto será verdadeira essa "entrevista". Também me pergunto o que teria sido de MM se a mesma não tivesse morrido em 1962, estaria completamente esquecida?
MARILYN FOI UMA ATRIZ QUE SABIA O QUE QUERIA NUMA HOLLYWOOD DE CANIBAIS...ESTAVA A FRENTE DO SEU PROPRIO TEMPO, E DESBANCOU O PROPRIO LAWRENCE OLIVIER QUE SE DIZIA DA MELHOR ESCOLA DE ATORES INGLESA....IGUAL OU MELHOR, ESTA PARA NASCER ...FICA O SEU TRABALHO E A FORCA DE UM ICONO POP QUE REJUVENESCE A CADA DIA, UM PODER CARISMATICO QUE VARREU COM TODAS ATRIZES E ESTRELAS DE HOLLYWOOD, ANTES E DEPOIS DELA...., SEGUINDO SEU CAMINHO INALTERADO DE LUZ E MISTERIO!
Ela,realmente,foi uma atriz sui generis,respirava sensualidade por todos os poros do seu corpo,sabendo disso,naõ se fez de rogada ,.Deixou muitos marmanjos enlouquecidos.
HOLLYWOOD FEZ DE MARILYN MONROE A DEUSA DO AMOR E DO SEXO NA MITOLOGIA MODERNA, MAS ESQUECEU DE CONCEDER A ELA PODERES IMORTAIS, DEIXANDO-A APENAS COMO UM SER HUMANO SUJEITA A ERROS E A FRACASSOS
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