setembro 27, 2012

******************** SALA VIP: “O GATO”




O FIM de um AMOR

Adaptação de um romance do famoso escritor belga Georges Simenon, trata-se de um filme em que as atitudes e olhares importam mais que os diálogos (escassos, embora precisos). Tem como cenário um humilde subúrbio de Paris onde vegeta um idoso casal arruinado pelo fim do amor. Quando o marido dedica o seu afeto a um gato vira-lata, a tensão entre eles se torna insuportável. Aposentados, ela havia sido acrobata de circo, ele tipógrafo. Ela era linda e ele um trabalhador comum e dedicado como tantos outros. Inexplicavelmente, o amor desapareceu até o ponto de Julien (Jean Gabin numa atuação sagaz, dilacerante) só amar a seu gato, enquanto Clémence (Simone Signoret, lembrando Joan Crawford) ainda tem nostalgia de um amor perdido e se refugia na bebida. Enlouquecida pelo desprezo, ela mata o gato a tiros. Julien decide abandoná-la e vai viver com uma antiga namorada, mas Clémence assedia-o e consegue fazê-lo voltar para casa. E a rotina recomeça, mais terrível que nunca.

Controlar a amargura desta relação é quase impossível - apesar das recordações sutis -, custando imaginar que eles alguma vez se amaram e decidiram passar a vida juntos. O enorme peso da incomunicação, do silencio entre estas duas pessoas - que praticamente não se dirigem a palavra, comem sozinhos e dormem em camas separadas - e a forma em que seguem vivendo dependendo um do outro, geram uma tensão onipresente, com um desespero contido a ponto de explodir a qualquer momento. A câmera sufocante parece dizer o tempo todo que a morte dos ex-amantes é inevitável, e esse destino predeterminado nos comove profundamente. Sem nenhuma razão de existir, eles estão mortos antes de morrerem fisicamente.

Como vemos, não é um conto feliz, muito pelo contrário, com a infelicidade realçada o tempo todo por edifícios vizinhos que estão sendo derrubados, talvez como metáfora da decadência da dupla ou anunciação dos novos tempos que virão. A potência expressiva dessa narrativa se apoia nas interpretações soberbas de dois monstros sagrados do cinema: Simone Signoret e Jean Gabin. Em um duelo sem concessões, além de qualquer melodrama, absorve a atenção do espectador, hipnotizando-nos. Eles estão maravilhosos, numa impacto autodestruidor que lembra “Quem Tem Medo de Virginia Woolf? / Who’s Afraid of Virginia Woolf?” (1966), de Mike Nichols. A cena da morte de Clémence é arrebatadora, talvez a mais real que eu tenha visto nas telas.

Drama excepcional, de atmosfera neurótica e traumática, O GATO retrata sem dó nem piedade o fenecimento das ilusões amorosas. De atmosfera pesada, inquietante e perturbadora, desenvolve uma crise matrimonial numa progressão bem administrada e habilmente  dosada, entre o pessimismo e o desencorajamento. Foi dito, não sem razão, que esta é uma das obras cinematográficas mais devastadoras sobre a vida conjugal, traduzindo o amor destruído, o declínio definitivo e fatal da vida de casado. Mas com certeza não é uma história incomum. Não deve ser difícil encontrar casais que evitam o divórcio – especialmente se tem certa idade -, embora se detestem, continuando juntos por pura inércia, ou por temer uma solidão ainda maior.


Primeiro filme que vi deste diretor, surpreendi-me gratamente, tanto pelo argumento, cuja luminosidade devemos a Simenon, como por seu estilo direto, fulminante. Clássico e discreto, Pierre Granier-Deferre lembra o método eficaz e talentoso de William Wyler. Ele considerava O GATO o seu melhor trabalho. Recomendo, se tiver oportunidade de vê-lo. Não vai se arrepender. Com certeza irá procurar outros filmes do diretor ou dos atores protagonistas. Como conheço muito bem a filmografia de Gabin e Signoret, fui em busca de Granier-Deferre, assistindo “A Viúva / La Veuce Couderc” (1971) e “O Trem / Le Train” (1973), outros dois grandes filmes. Mas aí já é outra história.

O GATO. Título Original: Le Chat. Ano: 1971. Países: França e Itália. Gênero: Drama. Duração: 86 min. Produção: Raymond Danon (Lira Filmes / Cinétel / Gafer). Direção: Pierre Granier-Deferre. Roteiro: Pierre Granier-Deferre e Pascal Jardin. Baseado no romance de Georges Simenon. Fotografia: Walter Wottitz. Edição: Nino Baragli e Jean Ravel. Trilha Sonora: Philippe Sarde. Cenografia: Jacques Saulnier e Charles Merangel. Figurino: Yvette Bonnay e Micheline Bonnet. Elenco: Jean Gabin (“Julian Bouin”), Simone Signoret (“Clémence Bouin”) e Annie Cordy.

Nota: ***** (ótimo)

Prêmios: Urso de Prata de Melhor Atriz
e Melhor Ator no Festival de Berlim.

PIERRE GRANIER-DEFERRE
(1927 - 2007)

Cineasta francês que nunca obteve reconhecimento da crítica, ganhou um César (o Oscar francês) e teve uma carreira de mais de quatro décadas, dirigindo as principais estrelas da França dos anos 60 e 70, como Romy Schneider, Yves Montand, Jeanne Moreau, Alain Delon, Jean Gabin, Simone Signoret, Jean-Louis Trintignant, Lino Ventura, Michel Piccoli, Philippe Noiret, Jean Rochefort e Patrick Dewaere. Apaixonado por policiais noir de George Simenon, foi assistente de Marcel Carné. Era um desses diretores que os críticos não valorizam muito, mas nunca deixou de ser bom a serviço de um tema delicado, extraindo o melhor dos atores. Mais do que um cinema de autor, o dele era de ator. Conhecido pela despretensão estilística, fazia cinema baseado nas coisas simples (mas complexas) da vida. Um cinema honesto e de qualidade, que muitas vezes surpreendia.

GEORGES SIMENON
(1903 - 1989)

De uma fecundidade extraordinária, escreveu 192 romances e 158 novelas, além de obras autobiográficas e numerosos artigos e reportagens sob seu nome e dezenas de romances, contos e artigos sob vinte e sete pseudônimos diferentes. As tiragens acumuladas de seus livros atingem mais de 500 milhões de exemplares. Seu personagem mais famoso é o Comissário Maigret, presente em setenta e cinco novelas e vinte e oito contos. Em 1919, começa como repórter no jornal La Gazette de Liége, escrevendo com o pseudônimo de “G. Sim.”. Nesse ano, redige seu primeiro romance, “Au Pont dês Arches”, publicado em 1921. Nessa época, aprofunda seu conhecimento do meio boêmio, das prostitutas, dos bêbados, anarquistas, artistas e mesmo futuros assassinos. 

Diferente de muitos autores, que tentam construir uma intriga o mais complexa possível, como um jogo de ecos, Simenon propunha uma trama simples mas com personagens fortes, um herói humano obrigado a ir ao fundo de sua lógica. A sua mensagem é complexa e ambígua: nem culpados nem inocentes, mas culpas que se engendram e se destroem em uma cadeia sem fim. Os seus romances colocam o leitor em um mundo rico de cores, sentimentos e sensações. Baseados nas intrigas de pequenas vilas de província, evoluem à sombra de personagens de aparência respeitável mas que urdem feitos tenebrosos, numa atmosfera própria, do qual os do Comissário Maigret são, certamente, os mais populares.

SIMONE SIGNORET
(1921 - 1985)

Símbolo da França, viveu seus últimos dias doente, até ser derrotada por um câncer contra o qual lutou até o fim. Em seu último trabalho para o cinema, “Guy de Maupassant”, rodado em 1981, já tinha perdido 15 quilos, mas sua força e vitalidade continuavam intocadas. Judia de origem alemã, estreou no cinema em 1942. Sete anos depois encontra Yves Montand e a paixão é definitiva. Desde o começo, é uma relação única. Ela o acompanha em seu engajamento ideológico de esquerda e nas lutas pelos direitos do homem. Cada um faz sua carreira, Yves como cantor e ator de primeira grandeza e Simone como atriz completa, uma atriz que nunca quis ser estrela, mantendo ferozmente a individualidade, a vida à margem da ficção das telas. 

Seguem-se papéis memoráveis nas mãos de diretores como Max Ophuls, Marcel Carné, Henri-Georges Clouzot, Luis Buñuel, René Clement, Costa-Gavras, Sidney Lumet, Jean-Pierre Melville e Patrice Chéreau. Com o inglês “Almas em Leilão / Room at the Top” (1959), de Jack Clayton, ganha o prêmio de Melhor Atriz em Cannes e o Oscar de Melhor Interpretação Feminina. Sua carreira abrange mais de 60 filmes, desde superproduções até filmes políticos. Corajosa, lúcida, foi grande até o final. Sua luz, a luz de alguém que olhou a vida corajosamente de frente em todos os momentos, que amou e foi amada por seu público, brilhará para sempre.

JEAN GABIN
(1904 - 1976)

Passou quinze anos atuando em cabarés antes de debutar no cinema em 1928, nos brindado com verdadeiros clássicos como “A Grande Ilusão / La Grand Illusion” (1937), “Cais das Sombras / Le Quai des Brumes” (1938), “O Prazer / Le Plaisir” (1952), “French Can-Can / Idem” (1954) e “Gangsters de Casaca / Mélodie en Sous-sol” (1963). Seu início de carreira foi bastante difícil, trabalhando em produções de menor importância. Contudo, Julien Duvivier dá-lhe a oportunidade de mostrar seu talento em “A Bandeira / La Bandera” (1935) e, principalmente, na produção “O Demônio da Algéria / Pépe le Moko” (1937), no qual interpreta um criminoso com brio e grande sucesso. Em 1941 deixa a França em direção a Hollywood, pois se recusou a filmar para os alemães. Nos EUA atua em dois filmes: “Brumas / Moontide” (1942) e “O Impostor” (1944), enquanto se envolve amorosamente com Ginger Rogers e Marlene Dietrich. 

Quando retorna ao seu país, começa um período de declínio na sua carreira. O renascimento vem com o policial “Grisbi, Ouro Maldito / Touchez Pas au Grisbi” (1954), ao lado de Jeanne Moreau. Recuperado o sucesso, mostrando o quanto seu talento permanecia intacto, nos anos 60 abre sua própria empresa de produção, junto com Fernandel: a “Gafel”. Expande sua fazenda na Normandia comprando terras e tornando-se criador de gado. Seu último filme, a comédia “L'Année Sainte” (1976), dirigido por Jean Girault e com Jean-Claude Brialy e Danielle Darrieux, foi um fracasso. Nesse mesmo ano se foi, e com ele uma figura mítica do cinema francês.

setembro 18, 2012

*************** CLARK GABLE, o REI de HOLLYWOOD



Passei a me empolgar com a persona cinematográfica enérgica, forte e dominadora de CLARK GABLE há cerca de um ano. Já gostava desse herói que emana masculinidade e romantismo em “O Grande Motim”, Aconteceu Naquela Noite”, “... E o Vento Levou” e “Os Desajustados”, mas mesmo assim ele não fazia parte do meu “clube dos favoritos”. Talvez eu não o levasse a sério devido ao ar bonachão, cinismo latente e estampa de super-homem. Estava enganado, ele é sensacional! Astro de carisma perene e forte presença dramática - mesmo em histórias de aventura -, era alto, bonito, engraçado, robusto e sexy. Casou-se cinco vezes, dormiu com muitas de suas co-estrelas, e em quase todos os seus filmes como galã romântico, ele persuade, engana, espanca, dá tapas, maltrata o objeto de sua afeição. Em outras palavras, nas telas é um cafajeste, um cafajeste sedutor, de bom coração. Na vida real, nunca foi pego por mau comportamento. Além de sussurros na meca do cinema e insinuações nas colunas de fofocas, a sua imagem permaneceu relativamente imaculada. Seus negócios sexuais - e os frutos desses assuntos - foram mantidos em segredo pelos hábeis profissionais de publicidade do seu estúdio, a poderosa Metro-Goldwyn-Mayer.

gable e vivien leigh em “... e o vento levou”
Filho de um pequeno fazendeiro e de uma descendente de alemães e irlandeses, com alguns meses de vida, ele perdeu a mãe. Trabalhou como perfurador de petróleo e domador de cavalos, mas aos vinte e um anos herdou do avô trezentos dólares e partiu para Kansas City, unindo-se a uma companhia de teatro ambulante, que acabou se dissolvendo em poucos meses; então, mudou-se para o Oregon, juntando-se a outro grupo teatral, dirigido por Josephine Dillon. Ela ensinou-lhe postura, representação, pagou para arrumar seus dentes, mudou seu estilo de cabelo, melhorou-lhe a grosseira dicção, ensinou-lhe como comportar-se educadamente e o que fazer com as desajeitadas mãos e pés enormes, preparando-o para a carreira cinematográfica. Em 1924, eles foram morar em Hollywood e se casaram. Ela era quatorze anos mais velha que ele. Com a influência da experiente e ativa Josephine, o jovem ator conseguiu participação como figurante em filmes como “Ben-Hur / Ben-Hur:  A Tale of the Christ” (1925) e “A Viúva Alegre / The Merry Window” (1925).

Após sua atuação memorável na peça “The Last Mile”, em 1930, bancada por sua segunda esposa, CLARK GABLE teve ótima recepção da crítica, o que lhe angariou vários testes para o cinema. Um deles ficou famoso, quando Darryl F. Zanuck o testou para o papel principal de “Alma no Lodo / Little Caesar” (1931), e o rejeitou, alegando: “Não serve pra o cinema. As orelhas são grandes e se parece com um macaco”. No entanto, despertou o interesse da M-G-M, que confiou a ele um pequeno papel em “Tentação de Luxo / The Easiest Way”, em 1931, ao lado de Constance Bennett. Seu nome, porém, era o último do elenco, mas o estúdio recebeu uma avalanche de cartas e telegramas indagando sobre o “simpático ator”. Após alguns papéis descartáveis, alcançou fama como o marginal de “Uma Alma Livre / A Free Soul”, em 1931, praticamente roubando o filme. 

Com o sucesso, seu nome passou a representar um sinônimo de superioridade, e um jargão varreu os Estados Unidos e o mundo se alguém tentasse se meter a importante: “Quem você pensa que é, Clark Gable?”. Seu estilo peculiar nas telas foi criado por Louis B. Mayer e o diretor de publicidade Howard Strickling. Eles tiveram a ideia de lançar um novo tipo de galã, movido menos pelo romantismo e mais pelo cinismo, domínio e sex-appeal agressivo, características mais compatíveis com o período de violência e agitação da Grande Depressão. Tentaram também que operasse as orelhas, mas ele recusou. Concordou, porém, em trocar os dentes, que, dizem, eram horríveis, e mesmo assim os dentistas nunca os ajustaram corretamente. O bigode fino e a elegância impecável são algumas das características que fizeram sua fama.

Divorciado de Josephine Dillon, conheceu uma rica socialite do Texas, dezessete anos mais velha do que ele, Rhea Langham, que se tornou sua companhia constante, ensinando-o a se vestir como um nova-iorquino, melhorando-lhe as maneiras, apresentando-o às famílias da alta sociedade e mantendo-lhe sempre renovado o guarda-roupa. Casaram-se em 1930. Nos anos seguintes, CLARK GABLE seria par romântico nas telas das maiores estrelas da M-G-M: Norma Shearer, Greta Garbo, Joan Crawford, Jeanette MacDonald, Hedy Lamarr, Lana Turner, Greer Garson, Myrna Loy, Rosalind Russell, Jean Harlow, Ava Garner, Deborah Kerr, Eleanor Parker, Vivien Leigh, Marion Davies etc. 

Com Joan Crawford fez oito filmes. Segundo ela, quando o conheceu “foi como uma corrente elétrica passando pelo meu corpo ... meus joelhos fraquejaram ... se ele não tivesse me segurado pelos ombros, eu teria caído”. Embora casados (Joan com Douglas Fairbanks Jr., filho do grande astro do cinema mudo), começaram um caso nada discreto que iria durar muitos anos, atravessando vários filmes, casamentos e divórcios. Pressionados pelo estúdio e ameaçados pela mulher do ator, procuraram frear os ânimos. Em 1933, devido às suas insubordinações e impertinências, recusando papéis, CLARK GABLE foi cedido, como “castigo”, para a então modesta Columbia Pictures, para o papel do repórter Peter Wayne em “Aconteceu Naquela Noite”, de Frank Capra, o qual lhe valeu o Oscar de Melhor Ator. Nessa comédia, ele exerceu um profundo efeito sobre a moda masculina da época, quando apareceu em uma cena sem camiseta, ao tirar sua camisa, contrariando o costume então vigente. Vendedores de roupas masculinas de todo o país confirmam que houve uma queda na venda de camisetas nesse período.


carole lombard e gable
Ao rodar “O Grito da Selva” com Loretta Young, uma das mulheres mais belas do cinema e uma estrela importante, os dois se apaixonaram e tiveram um romance. Ela engravidou, mas como era contra a sua religião, não abortou, criando uma elaborada trama para esconder o fato: se escondeu na gravidez e depois adotou a própria filha como se fosse uma estranha. Se o nascimento tivesse saído na imprensa certamente teria arruinado a carreira de ambos. William Wellman Jr., diretor do filme, questionado sobre o caso, respondeu: “Tudo o que sei é que Loretta e Gable tornaram-se amigos íntimos enquanto faziam o filme e fazia muito frio por lá... Quando o trabalho terminou, ela desapareceu por uns tempos e mais tarde surgiu com uma garotinha com as maiores orelhas que eu jamais vira, a não ser num elefante, dizendo tê-la adotado”

Em 1935, o ator esteve no Rio de Janeiro, de férias, sendo recebido por uma multidão. Na época, seu nome estava incluído entre as dez maiores atrações do mundo do cinema, tendo sido uma das mais duradouras presenças na famosa lista anual dos “Top Ten Money Making Stars”, divulgada pelo “Motion Picture Herald e Fame”. Da primeira apuração oficial – 1932 – até a última vez em que seu nome constou entre os “dez mais” – 1955 -, teve dezesseis participações na lista. Em 1939, após uma eleição que mobilizou os jornais e revistas especializadas dos EUA, foi eleito o “Rei de Hollywood”, coroado por Ed Sullivan diante dos microfones da NBC. Myrna Loy ganhou o título de “Rainha”, que não seria duradouro. A popularidade de CLARK GABLE era assombrosa. As mulheres queriam beijá-lo, algumas lhe imploravam para ter um filho seu, outras tiravam o sutiã para que fosse autografado.

gable e claudette colbert
Cogitado para o papel de Rhet Butler em “... E o Vento Levou”, não apenas pela opinião do público, que o escolhera por votação em um concurso da revista “Photoplay”, mas também pelo produtor David O. Selznick, que tivera sua primeira negociação com Errol Flynn embargada pela Warner Brothers, CLARK GABLE, na verdade, nunca teve muita vontade de fazer a superprodução, e levou muito tempo para ler o romance de Margaret Mitchell, lendo-o mais por insistência dos amigos. No entanto, para o universo popular, é mais conhecido, até os dias atuais, pelo seu personagem nesse famoso épico. Ele jamais gostou da obra do megalomaníaco Selznick e costumava dizer que o melhor trabalho que fez foi “Parnell, o Rei Sem Coroa / Parnell” (1937), um absoluto fracasso de crítica e bilheteria. Apreciava também “Aconteceu Naquela Noite”. 

Depois de outro divórcio, ele se casou com Carole Lombard, na ocasião a atriz mais bem paga do mundo. Era no período da Segunda Guerra Mundial, e ele foi nomeado pelo presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, como presidente do “Comitê de Hollywood para a Vitória”, e Carole incluída na primeira viagem pelo esforço de guerra, com a finalidade de vender bônus. Em janeiro de 1942, o avião em que Carole e sua mãe estavam, caiu, matando todos a bordo. O ator ficou devastado. Em seguida, numa espécie de suicídio, serviu como voluntário na Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Adolf Hitler tinha GABLE como seu ator preferido, e ao saber de sua presença no front ofereceu uma recompensa por sua captura. Com a patente de major, ele recebeu a “Cruz de Distinção em Voo” e a “Medalha do Ar”, por “feitos excepcionalmente meritórios em cinco diferentes missões de combate em bombardeiros”


gable e hedy lamarr em “o inimigo x”
De volta ao mundano, teve um breve romance com a atriz Paulette Goddard, e em 1949, casou-se com Silvia Ashley, viúva de Douglas Fairbanks e baronesa de Alderly. O casamento teve curta duração e eles se divorciaram em 1952. Em 1955, casou-se com a bela Kathleen Williams, quinze anos mais nova, tornando-se padrasto de seus dois filhos. Viveu com ela até o fim de sua vida. Apesar de se manter popular, CLARK GABLE não se deu bem na segunda fase de sua carreira. Em 1944, retornou ao cinema em Aventura / Adventure” (1945), de Victor Fleming, um total fracasso. Então, seu encanto passou a ser questionado, como se o seu tipo de masculinidade estivesse ultrapassado. Logo seria substituído em popularidade por Burt Lancaster, Robert Mitchum, Glenn Ford ou Rock Hudson. 

Mesmo em declínio, ficaria na M-G-M até “Atraiçoados / Betrayed”, em 1954. Em 1955, contratado pela 20th Century-Fox, fez “O Aventureiro de Hong-Kong / Soldier of Fortune” e “Nas Garras da Ambição / The tall Men”. Posteriormente, experimentou produzir seus próprios filmes, mas não teve sucesso e desistiu. No começo dos anos 1960, ainda era um homem charmoso e imponente, seguro de si e com aquele toque de cinismo que torna inconfundível seu estilo e sua personalidade nas telas. Ao concluir as filmagens de “Os Desajustados”, sofreu um infarto do miocárdio e morreu dez dias depois. Enterrado no mesmo túmulo que havia construído para Carole Lombard e sua mãe, não viveu para ver sua última performance no cinema nem para conhecer seu filho, John Clark, fruto de seu casamento com Kay. Ao seu funeral, foram prestar-lhe homenagem, estrelas como Spencer Tracy, Robert Taylor e James Stewart.

Ele não tinha um rosto perfeito, possuía orelhas imensas e envelheceu precocemente (como Gary Cooper e James Stewart). Nada disso interferiu na sua imensa popularidade. Sem nunca fugir do estereótipo de galã machão, CLARK GABLE conquistou um número tão grande de fãs e de sucessos que, mesmo sem ser um ator extraordinário, foi alçado à condição de “Rei” incontestável de Hollywood por três décadas. Tinha como trunfos, um forte magnetismo e transpirava virilidade, numa época em que os galãs do cinema deviam ser gentis e até mesmo um pouco assexuados. Em 1999, o prestigioso American Film Institute (AFI) nomeou-o a sétima maior estrela masculina do cinema de todos os tempos.

gable e norma shearer em “este mundo louco”
10 FILMES de GABLE
(por ordem de preferência)

01
O GRANDE MOTIM
(Mutiny on the Bounty, 1935)

direção de Frank Lloyd
Com: Charles Laughton, Franchot Tone e Movita

02
ACONTECEU NAQUELA NOITE
(It Happened one Night, 1934)

direção de Frank Capra
Com: Claudette Colbert, Walter Connolly e Ward Bond

03
O GRITO das SELVAS
(The Call of the Wild, 1935)

direção de William A. Wellman
Com: Loretta Young e Jack Oakie

04
... E o VENTO LEVOU
(Gone with the Wind, 1939)

direção de Victor Fleming
Com: Vivien Leigh, Leslie Howard, Olivia De Havilland,
Hattie McDaniel, Thomas Mitchell e Jane Darwell

05
MARES da CHINA
(Chinas Seas, 1935)

direção de Tay Garnett
Com: Jean Harlow, Wallace Beery, Rosalind Russell,
Akim Tamiroff e Hattie McDaniel

06
Os DESAJUSTADOS
(The Misfits, 1961)

direção de John Huston
Com: Marilyn Monroe, Montgomery Clift, Thelma Ritter
e Eli Wallach

07
PILOTO de PROVAS
(Test Pilot, 1938)

direção de Victor Fleming
Com: Myrna Loy, Spencer Tracy, Lionel Barrymore
e Marjorie Main

08
TERRA de PAIXÕES
(Red Dust, 1932)

direção de Victor Fleming
Com: Jean Harlow, Mary Astor e Donald Crisp

09
MOGAMBO
(idem, 1953)

direção de John Ford
Com: Ava Gardner e Grace Kelly

10
O MAR é NOSSO TÚMULO
(Run Silent, Run Deep, 1958)

direção de Robert Wise
Com: Burt Lancaster e Jack Warden

GALERIA de FOTOS


 

setembro 09, 2012

****** “CASABLANCA”: ELEITO o MELHOR FILME



O drama romântico de Michael Curtiz, CASABLANCA, ficou no topo da seleção dos melhores filmes de todos os tempos deste blog.  A pesquisa foi realizada entre mais de sessenta leitores. Clássico absoluto, a escolha reflete que os cinéfilos parecem não ser tão ligados em filmes que se esforçam para ter um grande potencial artístico, como “Rashomon / Idem” (1951) de Akira Kurosawa; mas sim, a trabalhos que têm um significado pessoal maior. CASABLANCA arrebatou 15 votos. Entre os mais votados não espere encontrar sucessos de bilheteria recentes. O filme mais novo é “O Poderoso Chefão / The Godfather” de Francis Ford Coppola, lançado em 1972. Todos os vencedores são produções norte-americanas. Do Brasil, foi lembrado apenas “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund. Da Europa, entre os dez mais votados, “Morangos Silvestres / Smultronstallet” (1955) de Ingmar Bergman, com 9 votos, e “Fellini Oito e Meio / 8 1/2” (1963) de Federico Fellini, com 7 votos. Veja o resultado:

1º 
(15 votos)
CASABLANCA

2º 
(13 votos)
UM CORPO QUE CAI

3º 
(12 votos)
CIDADÃO KANE

4º 
(11 votos)
E o VENTO LEVOU 
(Gone With the Wind, 1939)

O PODEROSO CHEFÃO

5º 
(10 votos)
CREPÚSCULO dos DEUSES 
(Sunset Boulevard, 1950)



CASABLANCA
Título original: CASABLANCA
País: EU
A
Ano de lançamento: 1943
Duração: 102 minutos
Direção: Michael Curtiz
Produção: Hal B. Wallis (Warner Bros.)
Roteiro: Julius J. & Philip G. Epstein e Howard Koch,
baseado na peça de Murray Burnett e Joan Alison
Elenco: Humphrey Bogart (“Rick Blaine”), Ingrid Bergman (“Ilsa”), Paul Henreid (“Victor Lazslo”), Claude Rains (“Capitão Louis Renault”), Conrad Veidt (“Major Heinrich Strasser”), Sydney Greenstreet (“Señor Ferrari”), Peter Lorre (“Ugarte”), S. Z. Sakall, Madeleine Le Beau, Dooley Wilson (“Sam”), John Qualen, Helmut Dantine, Marcel Dalio (“Croupier”) e Curt Bois
Fotografia: Arthur Edeson
Edição: Owen Marks
Trilha Sonora: Max Seiner
Cenografia: Carl Jules Weyl
Figurino: Max Steiner

Um dos mais populares filmes da história do cinema, ganhou três Oscars da Academia, o de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro. Concorreu também aos Oscars de Melhor Fotografia, Trilha Sonora, Edição, Ator (Bogart) e Ator Coadjuvante (Rains). A crítica da época elogiou as performances carismáticas de Bogart e Bergman, junto à profundidade das caracterizações, a fotografia poética, a sagacidade do roteiro e do impacto emocional do trabalho. A história se passa durante a Segunda Guerra Mundial, em Casablanca, capital do Marrocos. Rota obrigatória de quem fugia das atrocidades dos nazistas, será em Casablanca que Rick Blane (Humphrey Bogart), dono de um  bar local, irá reencontrar Ilsa Lund (Ingrid Bergman), anos depois de terem se apaixonado em Paris. Ela surge acompanhada pelo marido, o herói da resistência tcheca Victor Laszlo (Paul Henreid). Um enredo comovente e uma trama empolgante. Inesquecível.

A Warner Bros. comprou os direitos por US$ 20.000, o preço mais alto já pago por uma peça que não havia sido encenada. As filmagens começaram em 25 de maio de 1942 e terminaram em 03 de agosto do mesmo ano, atingindo um custo de produção de US$ 1.039.000 milhões (75 mil dólares acima do orçamento). 

O roteiro teve alguns problemas quando Joseph Breen, um membro da censura da indústria de Hollywood, expressou sua oposição ao personagem do capitão Renault (Claude Rains), que pedia favores sexuais homossexuais em troca de vistos, e a cena em que Rick e Ilsa dormem juntos em Paris. Ambos os pontos, no entanto, praticamente desapareceram na versão final. Criado em cima de um caos absoluto, o roteiro foi finalizado em plena locação, na noite anterior em que as cenas seriam gravadas, confundindo os atores, que não sabiam o resultado final da história que se contava. Feito sem maiores ambições artísticas e dirigido por Michael Curtiz, um diretor especialista em sucessos de aventuras, dono de uma filmografia mediana, sem grandes genialidades, contrariou todas as expectativas, tornando-se um clássico e um dos maiores triunfos do cinema.

O primeiro cineasta convidado para dirigir o drama, o fantástico William Wyler (“Ben-Hur / Ben-Hur”, 1959), na época no auge do seu prestígio, declinou ao convite. A bela Hedy Lamarr (“Sansão e Dalila / Sansom and Dalilah”, 1949) foi escalada para o papel de Ilsa Lund, mas recusou diante das condições oferecidas pelo estúdio. George Raft não aceitou fazer Rick Blaine, abrindo caminho para o estrelato de Bogart e para sua própria decadência. 

Os produtores pensaram também em Ronald Reagan, Ann Sheridan e Dennis Morgan para os papéis protagonistas. Finalmente optaram por Bogart, um contratado do estúdio que vinha dos sucessos “O Falcão Maltês / The Maltese Falcon (1940)  e “O Último Refúgio / High Sierra” (1941), e Ingrid Bergman, sueca da trupe de David O. Selznick. Ingrid, no esplendor da sua beleza, comove o espectador com sensibilidade discreta. Humphrey Bogart, cínico e aparente frio, constrói um personagem que repetiria inúmeras outras vezes. A química entre ambos é total, levando a plateia às lágrimas quando um Bogart apaixonado abre mão do seu amor para que ela siga ao lado do marido, dizendo: “Nós sempre teremos Paris”. Ainda no elenco, poderosos coadjuvantes: o eslovaco Peter Lorre, os alemães Conrad Veidt e Curt Bois, os ingleses Sydney Greenstreet e Claude Rains, o francês Marcel Dalio, o italiano Paul Henreid e o tcheco S. Z. Sakall. Em 2005, CASABLANCA foi nomeado um dos 100 melhores filmes dos últimos 80 anos pela revista “Time”. Foi também reconhecido várias vezes pelo American Film Institute (AFI) em suas listas.


Um CORPO que CAI
Título original: VERTIGO
País: EUA
Ano de lançamento: 1958
Duração: 129 minutos
Direção: Alfred Hitchcock
Produção: Alfred Hitchcock (Paramount Pictures)
Roteiro: Alec Coppel e Samuel Taylor,
baseado no romance de Pierre Boileau e Thomas Narcejac
Elenco: James Stewart (“John 'Scottie' Ferguson”), Kim Novak (“Madeleine Elster/Judy”), Barbara Bel Geddes (“Midge”), Tom Helmore, Henry Jones, Raymond Bailey, Ellen Corby e Lee Patrick
Fotografia: Robert Burks
Edição: George Tomasi
Trilha Sonora: Bernard Herrmann
Cenografia: Hal Pereira e Henry Bumstead (d.a.); Sam Comer e Frank McKelvy (déc)
Figurino: Edith Head

Baseado no livro D'Entre les Morts, de Pierre Boileau e Thomas Narcejac, escrito especialmente para Hitchcock, após os autores tomarem conhecimento de que o diretor tentara adquirir, sem sucesso, os direitos de adaptação de outro livro deles, “Diabolique”, fala de um detetive aposentado, John 'Scottie' Ferguson (James Stewart), que sofre de um terrível medo de alturas. Certo dia, ele encontra um antigo conhecido, dos tempos de faculdade, que pede que siga sua esposa, Madeleine Elster (Kim Novak). John aceita a tarefa e fica encarregado da mulher, seguindo-a por toda a cidade. Ela demonstra uma estranha atração por lugares altos, levando o detetive a enfrentar seus piores medos e a acreditar que a mulher é louca, com possíveis tendências suicidas, quando algo estranho acontece nesta missão.

Hitchcock queria a atriz Vera Miles para o papel de Madeleine, mas ela ficou grávida pouco antes das filmagens. Ele e Novak não se deram bem e nunca mais voltaram a trabalhar juntos. O diretor aparece no filme aos onze minutos, vestindo terno cinza e caminhando no estaleiro. Um CORPO que CAI esteve inacessível ao público em geral durante muitos anos. Isto porque o diretor comprou de volta os direitos de cinco de seus longa-metragens e os deixou de legado para sua filha. Estes filmes receberam o apelido de "os cinco filmes perdidos de Hitchcock" e voltaram ao alcance do público em 1984, quando foram relançados. Os demais do pacote eram “Festim Diabólico / Rope” (1948), “Janela Indiscreta / Rear Window” (1954), “O Terceiro Tiro / The Trouble with Harry” (1955) e “O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew Too Much” (1956). 

Considerado a mais complexa obra de Hitchcock, a história parece banal quando é resumida em uma sinopse. Só que de convencional, esse filme não tem nada, e percebemos isso desde a abertura de Saul Bass, psicodélica e onírica. Filmado em VistaVision, a resposta da Paramount ao CinemaScope da Fox, foi idealizado para ser exibido em um formato grande de tela. Tirando vantagem disso, Hitch filmou sequências grandiosas, preenchendo a tela com suntuosos  enquadramentos, que mostravam os principais pontos de São Francisco, local onde se passa a trama. O interessante dessas grandes tomadas é que, em vez de parecem cartões postais da cidade, elas nos parecem mais como retratos deprimentes, com grandes espaços vazios, como que para deixar bem claro como os personagens estão se sentindo – sempre em busca de algo que não vão obter.


A bela Kim Novak nunca chegou a se tornar uma grande estrela, mas neste filme ela está fenomenal, dando conta da aura enigmática de Madeleine e do sofrimento extremo de Judy. O veterano James Stewart está excelente, comovendo com a sua obsessão em recuperar um amor perdido. Por fim, a atriz da Broadway Barbara Bel Geddes cativa o espectador com suas piadinhas e sua paixão abafada por Scotty. Na época do lançamento, Um CORPO que CAI foi um fracasso de público e crítica. Talvez o tema refinado ou o clima sombrio não tenha sido aceito ou compreendido pela sociedade da época. Felizmente, hoje possui a fama que merece: a de um clássico do cinema.


CIDADÃO KANE
Título original: CITIZEN KANE
País: EUA
Ano de lançamento: 1941
Duração: 119 minutos
Direção: Orson Welles
Produção: Orson Welles (Mercury Production / RKO Radio Pictures)
Roteiro: Herman J. Mankiewicz e Orson Welles
Baseado na peça de Murray Burnett e Joan Alison
Elenco: Orson Welles (“Charles Foster Kane”), Joseph Cotten (“Jedediah Leland”), Dorothy Comingore (“Susan Alexander”), Everett Sloane (“Mr. Bernstein”), Ray Collins, George Coulouris (”Walter Parks Thatcher”), Agnes Moorehead (“Mrs. Kane”), Paul Stewart (“Raymond”), Ruth Warrick, Erskine Sanford e Fortunio Bonanova
Fotografia: Gregg Toland
Edição: Robert Wise
Trilha Sonora: Bernard Herrmann
Cenografia:  Van Nest Polglase e Perry Ferguson
Figurino: Edward Stevenson

Primeiro filme dirigido por Orson Welles, encontrou forte oposição por parte de William Randolph Hearst, pois ele julgava que a obra denegria sua imagem (publicamente, Welles negava qualquer identificação entre o seu personagem e o magnata do jornalismo), e fez história devido às inovações, sobretudo nas técnicas narrativas e nos enquadramentos cinematográficos. Começa com o protagonista já morto, mudando-se a cronologia dos fatos; e a cenografia mostra pela primeira vez o teto dos ambientes. Conta a trajetória de ascensão e queda de grande empresário da mídia e a jornada de um repórter para saber o significado da última palavra que disse pouco antes de morrer: Rosebud. Indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Orson Welles), Melhor Cenografia, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Trilha Sonora e Melhor Som, venceu apenas na categoria de Melhor Roteiro Original. O filme é considerado, por parte da crítica especializada, como o maior da história do cinema até o momento, figurando durante muito tempo em primeiro lugar na lista do American Film Institute (AFI).

Orson Welles era um jovem de apenas 24 anos em 1939, mas já carregava nas costas alguns anos de intensa experiência artística no teatro e no rádio. Sua adaptação de “Macbeth”, em 1936, somente com atores negros e quando tinha 20 anos, é até hoje um marco do palco norte-americano. Em 30 de outubro de 1938, Welles fez sua famosa narração no rádio da clássica obra de H.G Wells “Guerra dos Mundos”. A narração foi tão convincente que muitas pessoas realmente se assustaram achando que era um noticiário sobre uma possível invasão alienígena, e Welles, já reconhecido como uma espécie de prodígio, alcançou imediatamente fama nacional. 

Todas essas atribulações não passaram despercebidas pelo executivo George Schaefer, chefe da RKO Radio Pictures, na época um dos maiores estúdios de Hollywood. Schaefer faria uma série de propostas para Welles migrar para o cinema, sempre recebendo uma recusa como resposta. A cada negativa, Schaefer acrescentava algo para fazer o teimoso jovem mudar de ideia, até que o mais famoso e inimaginável acordo da história do cinema acabou sendo concretizado: Orson Welles, que nunca havia dirigido, receberia algo que até os mais famosos diretores raramente conseguem: poder absoluto. Teria direito a escrever, dirigir e produzir dois filmes, sujeitos a aprovação final da RKO. Poderia escolher seus atores e receberia entre 20 e 25% de toda a renda de suas obras. Ainda mais importante, ele poderia assistir as cenas filmadas em privacidade e poderia editá-las da maneira que quiser.

Após alguns projetos abortados, Welles e o escritor Herman J. Mankiewicz resolveram criar um argumento baseado na vida William Randolph Hearst  (casado então com a atriz Marion Davies), com o título de “American”. Mankiewicz, prolífico roteirista que possuía sérios problemas com bebidas, escreveu um script com mais de 250 páginas que seria bastante alterado por Welles, inclusive seu título. Ambos disputariam até o fim os créditos do texto. Para interpretar, Welles chamou seus companheiros de confiança do teatro - o Mercury Theatre Group -, revelando para o cinema ótimos atores como Agnes Moorehead, Joseph Cotten e Everett Sloane. Em primeiro de maio de 1941, o filme foi lançado, mostrando nos seus 119 minutos uma série de técnicas, muitas já existentes, mas que nunca antes haviam sido reunidas com tanta eficácia. Sua fotografia profunda (do mestre Gregg Toland), seu uso fabuloso da luz, suas técnicas de flashback e de transição foram elogiados. Apesar das críticas positivas no lançamento, acabou causando prejuízo para a RKO devido as ações de Hearst, que buscou boicotar de todas as formas o filme, atacando-o constantemente em seus jornais.


Após CIDADÃO KANE, a vida artística de Welles decaiu. Foi dispensado da RKO, que cortou 43 minutos do seu segundo filme (“Soberba / The Magnificent Ambersons”, 1942), e se viu numa constante luta para obter financiamento para novos projetos. Até no Brasil veio, filmando um documentário que não foi lançado. A história dos bastidores do seu emblemático clássico foi contada em “RKO 281” (1999), dirigido por Benjamin Ross e estrelado por Liev Schreiber (como Welles), James Cromwell, Melanie Griffith, John Malkovich e Roy Scheider.