Considerada por John Updike, escritor laureado com dois prêmios Pulitzer, “uma grande crítica de cinema, maravilhosa pela forma que combina conhecimento prático com reflexão pessoal”, a polêmica norte-americana PAULINE KAEL (1919 - 2001. Petaluma, Califórnia, EUA), militou na imprensa desde a década de 50, escrevendo para a influente “The New Yorker” entre os anos de 1968 a 1991. Suas resenhas são aulas intensivas de cinema, construindo raciocínios lógicos para moldar os imortais e desconstruir mitos. Ela amava o cinema pela sua lógica de indústria e de idéias, e detestava quando alguém tentava burlá-lo com a hipocrisia dos falsos gênios ou, pior, do moralismo. Inteligente como poucos, reescrevia mesmo as menores notas infinitas vezes procurando a palavra correta. Com seu humor corrosivo, sua sensatez, em especial para não cair em modismos, e seu conhecimento, tornou-se uma das mais admiradas intelectuais da década de 60 e 70, até que o reacionarismo dos anos 80 levou-a a ser odiada, taxada publicamente de venenosa. Publicou o seu primeiro livro em 1965, “Perdi no Cinema”; “1001 Noites no Cinema” em 1982/1991; e em 1996, “Criando Kane”, entre outros. Neles faz críticas severas, incisiva em relação aos críticos empolados a. Sua escrita afiada resultou no importante prêmio American Book Award.
Quando ela analisava um filme, o fazia por completo. Não tinha rabo preso, nem se rendia ao recurso fácil das cotações e estrelinhas. Ainda assim, seus textos transpiravam emoção e amor pela arte cinematográfica. Referência obrigatória para cinéfilos e profissionais da área, PAULINE KAEL era adepta do antiintelectualismo, não perdoava filmes presunçosos e expressou sempre uma visão sem preconceitos. Formada em filosofia, filha de fazendeiros judeus, trabalhou como cozinheira para sustentar sua única filha, Gina.
Boêmia, casou-se e separou-se três vezes, escreveu peças, até que aceitou uma encomenda, em 1953, para analisar “Luzes da Cidade / Limelight” (1952). Detonou impiedosamente o clássico de Chaplin e assim começou a carreira de crítica e, com ela, as controvérsias. De início, era mais ligada às vanguardas e aos filmes europeus da virada dos anos 50 para os 60, soltando torpedos nas produções milionárias (desprezava David Lean, por exemplo), mas não embarcou em nenhum extremo do cinema-cabeça. Essa sinceridade radical fez com que perdesse o emprego da revista familiar “McCall”, por ter sido um dos poucos a abominar o mega sucesso “A Noviça Rebelde / The Sound of Music” (1965) logo no lançamento. Com o tempo passou a tolerar as narrativas lineares e as formas consagradas de cinema. No entanto, detestou o musical “Amor, Sublime Amor / West Side Story” (1961), considerava horrível “A Felicidade Não se Compra / It’s a Wonderful Life” (1946), de Frank Capra, e acusou de fascistas Clint Eastwood e seus filmes de Dirty Harry. Gostava de “M.A.S.H. / idem” (1970), de Robert Altman, e “O Último Tango em Paris / The Last Tango in Paris” (1972), de Bernardo Bertolucci, e sua famosa cena da manteiga. Amava também Cary Grant, para ela o ápice do glamour de Hollywood, o cinema em seu estado mais bruto: o de sonho.
Boêmia, casou-se e separou-se três vezes, escreveu peças, até que aceitou uma encomenda, em 1953, para analisar “Luzes da Cidade / Limelight” (1952). Detonou impiedosamente o clássico de Chaplin e assim começou a carreira de crítica e, com ela, as controvérsias. De início, era mais ligada às vanguardas e aos filmes europeus da virada dos anos 50 para os 60, soltando torpedos nas produções milionárias (desprezava David Lean, por exemplo), mas não embarcou em nenhum extremo do cinema-cabeça. Essa sinceridade radical fez com que perdesse o emprego da revista familiar “McCall”, por ter sido um dos poucos a abominar o mega sucesso “A Noviça Rebelde / The Sound of Music” (1965) logo no lançamento. Com o tempo passou a tolerar as narrativas lineares e as formas consagradas de cinema. No entanto, detestou o musical “Amor, Sublime Amor / West Side Story” (1961), considerava horrível “A Felicidade Não se Compra / It’s a Wonderful Life” (1946), de Frank Capra, e acusou de fascistas Clint Eastwood e seus filmes de Dirty Harry. Gostava de “M.A.S.H. / idem” (1970), de Robert Altman, e “O Último Tango em Paris / The Last Tango in Paris” (1972), de Bernardo Bertolucci, e sua famosa cena da manteiga. Amava também Cary Grant, para ela o ápice do glamour de Hollywood, o cinema em seu estado mais bruto: o de sonho.
Nunca apreciou Federico Fellini, salvo “Fellini Oito e Meio / Otto e Mezzo” (1963). Odiou “Hiroshima, Meu Amor / Hiroshima, Mon Amour” (1959), de Alain Resnais. Enquanto a crítica se derretia pelas entrelinhas e beleza poética do filme francês, PAULINE KAEL simplesmente se chateou. Dizia que Stanley Kubrick fazia publicidade de suas manias apenas para ocultar o que era: um hollywoodiano recalcado. Ao afirmar que o famoso documentário “Shoah / idem” (1985), de nove horas de duração, era uma apelação, como a maioria das produções sobre o Holocausto, causou furor, sendo chamada de anti-semita. Foi duramente atacada em sua carreira, afinal quem mais para dizer que o cinema de Vittorio de Sica é ingênuo e um tanto tolo?
Quando enfim começou a trabalhar na “The New Yorker”, teve estabilidade financeira, um ambiente artístico cosmopolita a seu dispor e, principalmente, nenhum editor a lhe mudar os textos sem permissão. Pode assim desenvolver honestamente sua carreira. Porém, quase perdeu o emprego com a crítica positiva do pornográfico “Garganta Profunda / Deep Throat” (1972) e negativa de “Terra de Ninguém / Badlands” (1974), o primeiro Terrence Malick. Aliás, suas constantes alusões às cenas de sexo, que ela adorava e se divertia bastante em descrever, deram munição de sobra aos puritanos. Como adorava Martin Scorsese e filmes policiais, acusaram-na de fazer apologia à violência e mitificar a máfia italiana. Alérgica aos filmes engajados, apaixonou-se, no entanto, por Michelangelo Antonioni, marxista declarado, depois de ter visto uma de suas obras-primas, “A Aventura / L’Aventura” (1959). Bergman não seria Bergman nos EUA sem ela, apesar de ter restrições a “Cenas de um Casamento / Scener ur ett Aktenskap” (1974). O mesmo pode ser dito do cinema japonês, divulgado mundialmente graças à ajuda inestimável de Kael, uma de suas mais venerandas fãs – mas ela desprezava alguns filmes de Akira Kurosawa. Seu ensaio sobre o cinema B é um do clássico, essencial para o resgate que se faz desse tipo de gênero.
Quando enfim começou a trabalhar na “The New Yorker”, teve estabilidade financeira, um ambiente artístico cosmopolita a seu dispor e, principalmente, nenhum editor a lhe mudar os textos sem permissão. Pode assim desenvolver honestamente sua carreira. Porém, quase perdeu o emprego com a crítica positiva do pornográfico “Garganta Profunda / Deep Throat” (1972) e negativa de “Terra de Ninguém / Badlands” (1974), o primeiro Terrence Malick. Aliás, suas constantes alusões às cenas de sexo, que ela adorava e se divertia bastante em descrever, deram munição de sobra aos puritanos. Como adorava Martin Scorsese e filmes policiais, acusaram-na de fazer apologia à violência e mitificar a máfia italiana. Alérgica aos filmes engajados, apaixonou-se, no entanto, por Michelangelo Antonioni, marxista declarado, depois de ter visto uma de suas obras-primas, “A Aventura / L’Aventura” (1959). Bergman não seria Bergman nos EUA sem ela, apesar de ter restrições a “Cenas de um Casamento / Scener ur ett Aktenskap” (1974). O mesmo pode ser dito do cinema japonês, divulgado mundialmente graças à ajuda inestimável de Kael, uma de suas mais venerandas fãs – mas ela desprezava alguns filmes de Akira Kurosawa. Seu ensaio sobre o cinema B é um do clássico, essencial para o resgate que se faz desse tipo de gênero.
Sem extremismos políticos, ela sabia que a esquerda era somente uma moda passageira, traduzindo-se como “uma liberal anti-comunista’’. George Lucas, outro saco de pancadas dela, criou um malvado general Kael em “Willow – A Terra da Magia / Willow” (1988), da qual foi produtor, em referência a ela. Mas nada disso significa que PAULINE KAEL não passava de uma intelectual encrenqueira que falava mal de todo mundo. Alguns ainda tentaram imprimir esta imagem nela, mas terminaram desistindo, ou porque admitiram sua soberana noção de cinema, ou porque desistiram de brigar com uma das maiores formadoras de opinião dos Estados Unidos. A partir da década de 90, quando se aposentou do jornalismo, afastou-se do cinema, cujo "empobrecimento estético e mental não tem fim", e dedicou seu tempo aos romances, à ópera, ao jazz e ao rock. Sua aposentadoria foi notícia em todo o mundo. Ela morreu em 2001, vítima do Mal de Parkinson, deixando o cinema na mão de três tipos de críticos: os papagaios do “mainstream”; os teóricos, com sua “logorréia vazia”, que só sabem citar outros autores e se expressam por termos acadêmicos; e a turma que adora tudo e nunca se posiciona por nada. A lúcida e realista definição é da própria Kael.
FONTE
“The New Yorker”, revista “Babélia / El País” .
“The New Yorker”, revista “Babélia / El País” .
CONVERSANDO com MISS KAEL
Seu texto tem um tom de conversa coloquial, e ainda assim uma liberdade que geralmente as pessoas não têm conversando. É intencional?
Sim. Faço isso conscientemente. As pessoas geralmente pensam que eu estou dizendo coisas sem querer, e isso me diverte. Eu tento a clareza, procurando escrever da maneira que falo. Quando comecei a escrever para revistas, nos anos 50, vivia insatisfeita com a leitura de textos de tom acadêmico. Eu odiava a escrita extravagante, e quando chegou a minha vez procurei escrever tão simples quanto possível, afinal escrevo sobre uma forma de arte popular. Escrevendo como se fala, atinge-se um público maior. É corajoso escrever do jeito que pensamos ao invés de escrever da maneira que nos foi ensinado.
Houve algum crítico que a tenha empolgado?
Vários escritores e artistas me empolgaram, levando-me a escrever. Gostava muito de alguns críticos de cinema. James Agee, mais do que ninguém. Mas nunca pensei em Agee como um modelo a seguir, eu simplesmente gostava de lê-lo. Discordei muitas vezes de suas opiniões, mas adorava sua linguagem apaixonada. Ele escrevia de maneira intensa, expressando uma raiva real se não apreciasse o filme resenhado. Parece-me a maneira mais natural, afinal é assim que normalmente reagimos quando não gostamos de determinados filmes.
Sim. Nos anos 60 e 70 eles desempenhavam um papel contraditório na cultura. Muitas pessoas de meia-idade, ou idosos, ficavam ofendidos quando iam ao cinema. A linguagem era mais livre do que eles esperavam. Havia uma atitude descontraída, uma certa esnobação ao patriotismo norte-americano, uma tranquilidade ao narrar relações sexuais. As pessoas mais velhas ficaram distantes de muitos filmes, afirmavam não compreendê-los, porque eles eram mais rápidos e mais elípticos. Assim, nessa época, os filmes tornaram-se uma espécie de inimigo. Agora, eles definitivamente não são o inimigo. Infelizmente. Eu gostaria que continuassem como inimigos.
A sua visão cinematográfica também mudou?
Eu me sentia mais entusiasmada em escrever sobre filmes no final dos anos 60 e na primeira metade dos anos 70 - o período em que Altman fazia um ótimo filme após o outro, quando Coppola, Scorsese, De Palma e Bertolucci estavam fazendo um trabalho sensacional. Esses filmes alimentavam meus sentidos. Tinha a sensação de que tentava me manter na corrente através deles. Porém, os tempos mudaram, não a minha visão.
Parece que durante um período admirou Godard incondicionalmente.
Godard representou a grande virada do cinema nos anos 60. Emocionei-me enormemente com quase todos os seus filmes até “Week-end”. Foi emocionante também escrever sobre alguns filmes de Coppola, Scorsese e Altman. Eles rompiam com o convencional. Assim o ato de criticar não era apenas dizer se o filme era bom. Importava também o que ele queria transmitir, como me sentia em relação a ele, o que representava. Em geral, procuro filmes que mostrem algum talento. Suponhamos que sou uma das primeiras pessoas a ler um escritor inovador, claro que terei vontade de divulgá-lo. Eu me sentia assim em relação a “Quando os Homens São Homens”, “Nashville”, “O Poderoso Chefão II” etc., dizendo aos meus leitores: “Olha o que está acontecendo!”. Esse frescor coletivo raramente acontece no cinema.
Falou no passado sobre um determinado tipo de emoção que pode começar a partir de um bom filme norte-americano.
Sinto maior facilidade em traduzir o que penso ao assistir um filme norte-americano do que ao ver um filme estrangeiro. Principalmente porque ele tem uma energia louca típica da nossa cultura que entendo perfeitamente, um tipo especial de humor e velocidade só encontrados em um bom filme norte-americano. Eu nunca senti nenhuma sensação parecida vendo uma comédia europeia como a que senti assistindo a “As Três Noites de Eva”, de Preston Sturges. Os nossos filmes são pop para nós de uma maneira que os estrangeiros raramente são. Essa é a diversão que enxergo em Almodóvar. Ele tem esse elemento pop em seu trabalho porque é influenciado pelos filmes norte-americanos.
Quais são as grandes atrizes de hoje?
Diane Keaton, Debra Winger e Jessica Lange. Elas são as melhores jovens atrizes das nossas telas. São aquelas cujo trabalho eu vou ver com entusiasmo. Keaton me surpreende, porque filme após filme ela ousa cada vez mais, revelando novas facetas e fazendo coisas incrivelmente inventivas, como sua atuação em “Crimes do Coração”. Ela é provavelmente a melhor jovem atriz norte-americana que temos. Mas, possivelmente, Debra Winger e Jessica Lange virão com novos filmes, e eu vou dizer que elas são as melhores. Gosto da Michelle Pfeiffer. Ela é extraordinária. Tão cristalina em sua beleza que as pessoas não conseguem reconhecer que é uma talentosa atriz.
Confia em seus instintos?
Claro. O que mais tenho? Se não confiar em meus instintos estaria na profissão errada. Mas muitas pessoas têm instintos ruins, enevoados. Só que para um crítico, com certeza, ajuda bastante confiar em seus instintos.
FONTE
Polly Frost e Ray Sawhill, Interview, 1989.
Polly Frost e Ray Sawhill, Interview, 1989.
tradução de Antonio Nahud