A atriz
respirou fundo outra vez, chorou novamente, mas a vida tinha de continuar. E
como continuou! Permaneceu lépida e fagueira. Sempre agitada, ganhou mais três
Oscars e foi indicada a dois Tony Awards, em 1970 por “Coco” e em 1982 por “The
West Side Waltz”. Em 1991 lançou a autobiografia “Me – Stories of my Life” e aos 84 anos costumava pedalar bicicleta pelo Central
Park, em Nova Iorque. Na época, afirmou que não tinha tempo de temer a morte, “mas
se ela chegar, vai ser um alívio”.
Filha de
um urologista e uma pioneira do feminismo, KATHARINE HEPBURN sempre teve personalidade
forte. Sabia o que queria e, principalmente, fazia o que queria. Aos três anos
já era escalada para atuar em espetáculos criados pela mãe, propagandeando a
ideia do voto entre as mulheres. Aos nove, decidiu se transformar em menino,
raspou a cabeça e disse a todo mundo que seu nome era Jimmy. A brincadeira
acabou depois de algum tempo, mas a postura masculina diante da vida perduraria
para sempre.
Aos
dezessete anos, entrou para a faculdade, pensando em estudar Medicina, e seus
modos nada femininos chocaram colegas mais conservadoras. Começou no teatro aos
21 anos, fazendo pequena participação num espetáculo intitulado “Czarina”. Em
seguida, ganhou outros papéis em peças montadas na Broadway. O pai não gostou,
mas ela, obstinada, bateu pé firme e venceu. Além disso, casou-se
com Ludlow Ogden Smith, da alta sociedade da Filadélfia e tornou-se dona do próprio nariz.
O
casamento não durou, mas a paixão pela arte de representar seria para sempre. Aos 25 anos, surgiu o primeiro expressivo papel no teatro e, logo em
seguida, veio o convite para fazer cinema. Desinteressada, pediu
um cachê astronômico. Os produtores, no entanto, aceitaram a proposta e ela
estreou em “Vítimas do Divórcio / A Bill of Divorcement” (1932),
dirigido por George Cukor. Dois filmes depois, atuando em “Manhã de Glória /
Morning Glory” (1933), ganhou
o primeiro Oscar de Melhor Atriz.
Indomada,
ela não se submetia à ditadura dos executivos dos estúdios, que determinavam
como as estrelas deveriam se comportar. Fazia tudo o que irritava
os chefões: fugia de caçadores de autógrafos (achava-os chatos),
mantinha a vida particular em segredo (escondeu o relacionamento com o
bilionário Howard Hughes, com quem viveu alguns anos) e, mais grave para
os rígidos padrões morais da época, não abria mão das calças compridas, que
usava estivesse onde estivesse.
As
histórias começaram a vazar. Falava-se de seu comportamento arrogante e sua
recusa em jogar o jogo de Hollywood, sempre usando calças e sem maquiagem,
nunca posando para fotos ou dando entrevistas. O público terminou chocado com
seu comportamento nada convencional e seus filmes deixaram de fazer sucesso. Em
1939, apaixonada pelo papel de Scarlett em “... E o Vento Levou / Gone With the
Wind”, submeteu-se aos testes para a escolha da protagonista, mas foi recusada.
Rotulada de “veneno de bilheteria”, voltou a Broadway em “The Philadelphia Story” (1938). Foi um sucesso. Ela comprou os direitos da
peça e os vendeu para a M-G-M, assumindo o papel principal. A versão
cinematográfica foi um êxito de bilheteria, e a atriz ganhou sua terceira
indicação ao Oscar.
Em 1942,
juntou-se a Spencer Tracy pela primeira vez, em “A Mulher do Ano”, e assim
começou um dos maiores pares românticos na história do cinema - e um dos mais
controversos casos de amor fora das telas. Ele era o par perfeito para aquela
mulher inteligente, dura e peculiar. A abordagem dela mais cerebral das coisas
era o oposto dos métodos naturais e instintivos de Spencer. Sua atuação sutil a
deixou impressionada. Ela a princípio o desconcertou, mas depois o seduziu com
sua lealdade, e caráter firme. Também agiu como protetora, mantendo o ator
complexo e atormentado longe da bebida e ensinando-lhe que poderia superar seu
vício. Ele desfrutaria de alguns dos mais longos períodos de sobriedade sob sua
vigilância.
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spencer tracy e kate |
O fato de
que forças tão opostas da natureza e amantes improváveis devam se unir é um
mistério em si. De alguma forma, os dois se apaixonaram, e seu caso fora e na
tela durou 25anos. Foi um caso, já que Spencer era casado com Louise Treadwell
desde 1923. KATHARINE HEPBURN não foi seu primeiro flerte extraconjugal, nem
seria o último, e os mesmos demônios que o enviaram continuamente em busca de
refúgio na garrafa também o levaram a pular de cama em cama. Durante o
relacionamento deles, ela foi uma fonte de conforto nos seus momentos
atormentados. Quando Spencer desaparecia por até meses, ela estava
pronta para cuidar dele quando voltasse.
Muitos
historiadores afirmam que KATHARINE HEPBURN era lésbica e que o relacionamento com
Spencer não passava de um estratagema para encobrir suas preferências sexuais.
Em contrapartida, os amigos íntimos descrevem os altos e baixos do casal,
sua devoção um ao outro e o profundo e permanente amor. No livro “Serviço
Completo - A Secreta Vida Sexual das Estrelas de Hollywood”, de Scotty Bowers e
Lionel Friedberg, um famoso cafetão de Hollywood garante que a atriz era uma
lésbica insaciável, e que ao longo dos anos levou cerca de 150 jovens mulheres para
ela. Segundo ele, Spencer era bissexual e o affair apenas uma bonita amizade.
Acho até possível
a atriz apreciar mulheres, ela tem todas as ferramentas para isso, mas creio no
romance com Spencer Tracy. Uma coisa não impede a outra. Eles fizeram nove
filmes e ela estava com ele na noite em que morreu. O ator havia se levantado
no meio da noite para pegar um copo de leite. Ela o seguiu o até a cozinha, mas
antes de chegar lá ouviu um vidro se estilhaçar e depois um baque alto.
Encontrou Spencer morto. Havia sofrido um ataque cardíaco fulminante.
Na década
de 1950, com “Uma Aventura na África”, recebeu sua quinta indicação ao Oscar.
Suas performances no cinema diminuíram nos anos 60, dedicando o seu tempo ao
parceiro enfermo. Por uma de suas aparições na tela, em “Longa Jornada Noite
Adentro”, recebeu sua nona indicação ao Oscar. Nos anos 1970, fez bons filmes
para a TV, entre eles “Algemas de Cristal / The Glass Menagerie” (1973), “Um Amor Entre Ruínas / Love
Among the Ruins” (1975) e “O Coração Não Envelhece / The Corn Is Green” (1978). No cinema brilhou em “Justiceiro Implacável / Rooster Cogburn”
(1975), com John Wayne, e “Num Lago Dourado / On Golden Pond” (1981), com Henry
Fonda, rendendo sua quarta vitória ao Oscar.
Seu
último longa foi “Segredos do Coração / Love Affair” (1994), com
Warren Beatty e Annette Bening, e seu derradeiro filme para TV, “O Poder do
Natal / One Christmas” (1994). Com a saúde em declínio, aposentou-se, morrendo
aos 96 anos. Além do marido e de Spencer Tracy, teve como amantes Howard
Hughes, Humphrey Bogart, John Ford e o empresário Leland Hayward. De acordo com biógrafo A. Scott Berg, “A Mulher que Soube Amar / Alice Adams”
(1935) e “Longa Jornada Noite Adentro” eram seus filmes favoritos. Suas atrizes
preferidas, Bette Davis e Vanessa Redgrave. Adorava Vanessa e dizia que ela era
“uma emoção de se ver e ouvir”.