Assisti “Atlântida” (1932) por volta dos 13 anos de idade, na
Cinemateca Walter da Silveira, em Salvador, apaixonando-me pela heroína Antinéa
interpretada por BRIGITTE HELM (Berlim, Alemanha. 1906 - 1996). Na história,
dois oficiais franceses perdidos no deserto do Saara são acolhidos numa
cidadela misteriosa, onde conhecem a rainha Antinéa e ficam loucamente
seduzidos por ela. Vi apenas outros cinco filmes da mítica atriz germânica: “Metrópolis”, “O
Dinheiro”, “Crise”, “Conquista a tua Mulher / Gloria” (1931) e a comédia “A Condessa de
Monte Carlo / Die Gräfin von Monte-Christo” (1932). Ao longo de sua carreira, a belíssima estrela encarnaria muitas outras femmes fatales,
tornando-se uma das estrelas mais populares da Alemanha do final do cinema mudo
e primeiros anos do falado. Ela faz parte de um privilegiado grupo de atrizes
ícones da década de 20, de Louise Brooks a Greta Garbo.
Verdadeira lenda por causa do seu duplo papel - uma mocinha
mística que prega a chegada de um Messias e um robô - no clássico de ficção-científica “Metrópolis” (1927), de Fritz Lang, na sequência fez mais
de 30 filmes. Nunca estando totalmente à vontade como atriz, ultrapassou sem
problemas a transição do cinema mudo para o falado, mas de forma inesperada se
aposentou em 1935. Filha de um oficial prussiano, conseguiu o papel
protagonista em “Metrópolis” após sua mãe enviar uma foto sua aos 18 anos
de idade para a roteirista e esposa de Lang, Thea von Harbou, que encantada com
a beleza enigmática da garota conseguiu um teste para ela, resultando em um
contrato de dez anos com a poderosa produtora UFA (Universum Film AG).
Mundialmente conhecida por “Metrópolis”, sabe-se hoje que as
filmagens foram problemáticas, com a protagonista sofrendo queimaduras graves na cena
da fogueira e arriscando a vida suspensa em sets
altíssimos. Ela ficou tão traumatizada pela experiência que pelo resto da
vida evitou falar sobre o filme, chegando a negar que tivesse aparecido nele. A
complexa produção levou 310 dias para ser finalizada (numa época em que muitas eram rodados em quinze dias), mas o perfeccionismo do emblemático diretor criou
uma ficção-cientifíca visualmente maravilhosa, ficando na história e influenciando a
arquitetura moderna.
Obra expressionista. Embora Lang rejeite a filiação, ele o é pelos fortes contrastes entre luzes e sombras e pelas
interpretações exasperadas que exige dos atores – expressões demoníacas e gestos
desvairados da Mulher-Máquina. Valorizado pela fotografia
de Karl Freund, o filme retrata uma grande metrópole do futuro, onde operários
quase escravos vivem em condições miseráveis nos subterrâneos, operando
máquinas 24 horas por dia para manterem funcionando a suntuosa cidade. O filho
do chefão local, um milionário, descobre a injustiça e tenta corrigi-la tomando
o lugar de um dos explorados. Há um cientista (louco, claro) que criou uma
espécie de robô (Helm, super sexy) para pregar a destruição de tudo. Ao estrear
na Alemanha, sob o domínio do nazismo, a esperada superprodução acabou sendo um
fracasso de bilheteria. Seu alto custo foi calculado na época em 168 milhões de
marcos.
Eva Braun, a amante tonta de Adolf Hitler, tinha predileção pelos
filmes estrelados pela famosa atriz, pois haviam dito, em várias ocasiões,
que elas eram parecidas. Seu filme favorito era “O Amor de Jeanne Ney”,
dirigido por Pabst. BRIGITTE HELM foi muitas vezes escolhida para interpretar
heroínas más ou sedutoras, como nas duas versões dos notáveis “Mandrágora”, a
muda de 1928 dirigida por Henrik Galeen e a falada de 1930, de Richard Oswald. Fala
sobre uma prostituta inseminada com o esperma de um criminoso enforcado,
gerando uma filha que adulta passa a matar os homens que se apaixonam por ela.
No melodrama de guerra “O Amor de Jeanne Ney” (1927), o mestre G. W. Pabst
destacou a personalidade misteriosa da intérprete, que tem um desempenho
assustador como uma cega. Dando continuidade a uma carreira impecável, atuou em
“Crise” (1928), também de Pabst, solidificando seu talento.
No seu primeiro filme falado, o musical “A Voz do Meu Coração / Die
Stadt Singende” (1930), de Carmine Gallone, tem como partner o cantor lírico
Jan Kiepura. Tanto esse, como outros sonoros, o
inglês “O Danúbio Azul / The Blue Danube” (1932), “Ouro / L'Or” (1934) etc. -
não tiveram o mesmo prestígio artístico dos seus melhores filmes mudos. Na
ocasião, o seu relacionamento com o UFA passou a ser conflituoso. Embora o estúdio tenha feito dela uma estrela e
aumentava gradualmente o seu salário, ela não se conformava com os papéis que
lhe eram oferecidos, considerando-os superficiais.
Errou feio ao rejeitar a cantora de cabaré Lola-Lola de “O Anjo
Azu / Der Blaue Engel” (1930), de Josef von Sternberg, abrindo caminho para o
estrelado internacional de Marlene Dietrich. Também foi a primeira escolha de
James Whale para o célebre clássico de terror “A Noiva de Frankenstein / Bride
of Frankenstein” (1935), mas ela se recusou a ir a América do Norte. No
auge da fama, declarou que não se importava com a carreira, preferindo ser
uma dona de casa comum, cozinhando e educando filhos.
Suas opiniões públicas anti-nazistas e a ascendência judaica do segundo
marido, o industrial Hugo von Kuenheim, tornaram impossível que continuasse a
trabalhar no cinema alemão, na época totalmente controlado por Adolf Hitler. Em
1935, não renovou o contrato com a UFA. Também influenciaram sua decisão as
críticas negativas sobre os seus longas mais recentes e reportagens
sensacionalistas na imprensa sobre seus acidentes de trânsito (em um deles foi
condenada a curta pena de prisão).
A Condessa
Gertrud Chiltern na comédia “Um Marido Ideal / Ein Idealer Gatte” (1935), adaptação
da famosa peça de Oscar Wilde, marcou sua despedida do cinema.
Tímida e modesta, BRIGITTE HELM mudou-se com o marido para a Itália e depois Ascona,
na Suíça, afastando-se do universo cinematográfico, recusando propostas de
filmes, peças teatrais e aparições na tevê, além de nunca ter dado entrevistas
depois da aposentadoria precoce, num eterno anonimato. Desde então, não saiu
mais de seu retiro em Ascona, nem para receber, em 1968, um prêmio pelo
conjunto de sua carreira no Festival de Berlim, e que seu filho foi receber em
seu nome. Em 1978, contudo, de modo súbito e inesperado, fez uma última
aparição nas telas, num obscuro curta-metragem: “Como em Sonho / Wie im Traum” (1978),
de Egon Haase. E nunca mais foi vista num filme. Teve quatro filhos. Em 1996,
morreu do coração, aos 90 anos de idade.
10 INTERPRETAÇÕES de BRIGITTE HELM
01
O Robô/Maria em
METRÓPOLIS
(Metropolis, 1927)
direção de Fritz Lang
02
Gabrielle em
O AMOR de JEANNE NEY
(Die Liebe der Jeanne
Ney, 1927)
direção de Georg Wilhelm Pabst
03
Baronesa Sandorf em
Baronesa Sandorf em
O DINHEIRO
(L'argent, 1928)
direção de Marcel L'Herbier
04
Irene Beck em
CRISE
(Abwege, 1928)
direção de Georg Wilhelm
Pabst
05
Alraune ten Brinken
em
MANDRÁGORA
(Alraune, 1928)
direção de Henrik Galeen
06
Nina Petrowna em
As DELICIOSAS MENTIRAS de NINA PETROWNA
(Die Wunderbare Lüge der Nina Petrowna, 1929)
direção de Hanns Schwarz
07
Alraune ten Brinken em
MANDRÁGORA
(Alraune, 1930)
direção de Richard Oswald
08
Vera Lanskaja em
SERVIÇO SECRETO
(Im Geheimdienst, 1931)
direção de Gustav Ucicky
09
Antinéa em
ATLÂNTIDA
(L’Atlantide, 1932)
direção de Georg Wilhelm Pabst
10
Marion Savedra em
A ESTRELA de VALÊNCIA
(L'étoile de Valencia, 1933)
direção de Serge de Poligny
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