Foi
uma experiência estranha entrar num escritório da Universal - isto em 1961 - e
dar de cara com um homem que não me conhecia, mas que eu conhecia desde que me
lembrava. Clifford Odets, um amigo comum - nessa altura ainda era vivo -, tinha
pedido a CARY GRANT para me receber, por isso falamos um pouco de Clifford, e
não me lembro de uma única palavra do que dissemos. O meu espírito estava
inundado de imagens dos seus filmes que tinha visto e só conseguia pensar em
como se parecia com a sua imagem cinematográfica - o mesmo charme, o mesmo
humor, o ar de mistério não fabricado, mas nítido. É claro que não foi a sua
celebridade que me impressionou, conheço muitas estrelas que nunca me
impressionariam, mas ele foi sempre um dos meus três ou quatro atores
favoritos, e certamente uma de um punhado de grandes personalidades do cinema.
Contudo,
o que o distingue de todos os outros - algo de especialmente pertinente nesta
época em que o sistema de estúdio desapareceu - é o fato de Cary ter sido a
primeira estrela a se tornar independente. Desde que o seu contrato com a
Paramount acabou em 1936, ele nunca mais assinou outro com exclusividade para qualquer
companhia. Por isso, ao contrário de qualquer estrela (até o início dos anos
50), ele escolheu os argumentos e os realizadores com quem desejava trabalhar,
nenhum executivo lhe escolheu os filmes, nunca foi forçado a fazer coisas de
que não gostasse. Responsável por sua trajetória, construiu o arco da sua
carreira, moldando a sua persona cinematográfica através do seu próprio
direcionamento, coisa que homens como Bogart ou Cagney ou Tracy ou Cooper nunca
puderam fazer.
Até a
época de sua ligação com a Paramount, era pouco mais que uma primeira figura
masculina apreciável, levemente desajeitada e bastante convencional numa
fileira de filmes para esquecer. Se alguém se lembra de vê-lo contracenar com
Mae West em “Santa Não Sou / She Done him Wrong” ou com Marlene Dietrich em “A
Vênus Loira / Blonde Venus”, de Josef von Sternberg, é porque é tão
surpreendentemente diferente do CARY GRANT futuro. Começamos a notar a
diferença pela primeira vez em “Vivendo em Dúvida / Sylvia Scarlet”, de George
Cukor, em 1935, e dois anos depois, desta vez quase atingindo a perfeição, em
“Cupido é Moleque Teimoso”, de Leo McCarey, em 1938. Com “Boêmio Encantador /
Holiday”, de Cukor, e “Levada da Breca”, de Hawks, tornou-se sinônimo
de um determinado personagem - uma espécie de impertinência charmosa mesclada
de um gosto impecável e de uma graça sutil e requintada.
O que
o tornou tão desejável como intérprete, e tão inimitável (e teve muitos
imitadores ao longo dos anos) foi uma mistura poderosa de talento com um
aspecto de ídolo de matinês. Qual seria a estrela capaz de expressar cólera
resfolegando como um cavalo (como fez em “Levada da Breca”) e, no entanto,
manter a sua masculinidade? Quem mais seria capaz de dar cambalhotas para
exprimir o seu amor pela vida (como em “Boêmio Encantador”) e fazer com que
isso parecesse justo? Tinha uma maneira de dizer as frases mais
banais que as fazia parecer uma coisa inteligentíssima (vale a pena ver “Quem é
Meu Amor? / Dream Wife”).
Tornou-se
um mestre tão perfeito em comédia, sofisticada ou popular, que o seu talento
foi muitas vezes subestimado. Contudo, a profundidade emocional e a amplitude
do seu trabalho em filmes como “Paraíso Infernal / Only Angels Have Wings” de
Hawks ou “Serenata Prareada / Penny Serenade” de George Stevens ou “Ainda Resta
uma Esperança / None But the Lonely Heart” de Clifford Odets, apagariam
qualquer dúvidas. Mesmo um melodrama simpático, mas menor, como foi o primeiro
filme de Richard Brooks, “Terra em Fogo / Crisis”, é animado pelo sentimento de
verdade e a qualidade profissional que Cary põe na sua interpretação:
desempenha o papel de um cirurgião - observe-se as cenas de operação e
julgaremos que nunca fez outra coisa na sua vida. Com um argumento adequado e
mesmo um realizador indiferente, a personalidade do ator pode transformar um
filme como “Aventureiro da Sorte / Mr. Lucky” em algo de memorável e tocante.
Quando todos os elementos estão certos, a sua presença torna-se parte indispensável
da obra-prima: “Paraíso Infernal” e “Jejum de Amor” de Hawks, “Intriga
Internacional / North by Northwest” e “Interlúdio / Notorious” de Hitchcock.
grant e ingrid bergman em “interlúdio” |
Ele
não faz filmes desde 1966, quando fez “Devagar, Não Corra / Walk Don't Run”, no
qual deixou Jim Hutton e Samantha Eggar conduzir a matéria amorosa, enquanto
desempenhava o papel de casamenteiro, interpretação que tinha sido
originalmente de Charles Coburn na primeira versão da história, “Original
Pecado / The More the Merrier”. O filme não é desagradável, mas o público não
está interessado em vê-lo fazer aquele papel. Há um momento do filme em que
Cary dá a Miss Eggar uma taça de champanhe e um beijo na mão que deve ter feito
toda a gente ansiar por mais - é de certeza o momento mais romântico de todo o
filme. Mas o ator tinha decidido que estava demasiado velho para contracenar
com mulheres mais novas e, de fato, julgo que o relativo fiasco de “Devagar, Não
Corra” acelerou a sua partida inesperada do cinema. Se as pessoas o queriam
apenas como figura romântica e ele se sentia velho para isso, a única coisa a
fazer era abandonar o cinema.
Como
é que o poderemos convencer de que não tem razão? Há pouco tempo disse a CARY
GRANT que gostaria de tê-lo num filme e ele respondeu-me brincando
que se fosse um papel de um velho de cadeira de rodas talvez aceitasse. Não lhe
interessa o fato de parecer ter apenas cinquenta anos e de a maior parte das
mulheres que conheço começarem a devanear à simples menção do
seu nome. Não há nada a fazer - está metido até ao pescoço no mundo dos
negócios e diz que adora.
Talvez
seja feliz, mas o cinema perdeu alguém insubstituível. Cedo demais. Pode
argumentar ter feito tudo que havia de fazer no cinema, o que é verdade, mas
desejaria que continuasse nas telas. Por mim, daria tudo para tê-lo num filme,
assim como muitos outros realizadores, e tenho a certeza que o público não
ficaria triste por ter esse estilo especial e essa sofisticação única de novo.
Deve ser para os espectadores, como foi para mim da primeira vez que com ele me
encontrei, um velho e querido amigo. Temos saudades dele.
Texto de PETER BOGDANOVICH
1972
GRANT-RANDOLPH SCOTT: “o CASAL FELIZ”
Elegância,
charme e talento são as palavras certas para definir CARY GRANT (1904
-1986), que se afastou do cinema em 1966, logo após ingressou na indústria de
cosméticos Fabergé, como relações-públicas, e depois saltou para executivo. Ele
era para a Hollywood dos anos dourados o que Brad Pitt é para a indústria do
cinema nos dias de hoje. Um dos atores preferidos de Alfred Hitchcock, com quem
fez clássicos como “Ladrão de Casaca / To Catch a Thief” (1955) e “Intriga Internacional” (1959), serviu de
modelo para Ian Fleming criar o agente secreto 007. Desde sempre o astro foi
alvo de comentários sobre sua suposta homossexualidade. Ele nunca assumiu
publicamente nem mesmo uma bissexualidade, casando-se com cinco mulheres
em intervalos diferentes. Em 1980, aos 76 anos, processou o comediante Chevy
Chase, que teria assim se referido a ele na tevê: “What a gal!” (“Que garota!”).
Nos
anos 1930, o ator, solteiro e um dos mais cobiçados da época, vivia numa mansão em Santa Monica, em
Los Angeles, com Randolph Scott, estrela de faroestes e filmes de aventuras.
Moraram juntos por 12 anos nessa praia particular da Califórnia. A residência
ficou conhecida como a “mansão dos solteirões”. Em 1932, a Paramount
fez 30 fotos deles para divulgar a alegria da vida de solteiro que levavam. As
imagens ambíguas da dupla, tratados pela imprensa como “o casal feliz”, os mostram na
piscina, levantando pesos, fazendo cooper,
jogando dama ou jantando à luz de velas. Num flagrante bem íntimo, Scott
aparece sentado à mesa olhando um documento, enquanto
CARY GRANT o observa, a mão apoiada no ombro do amigo.
“Aqui
estamos, vivendo da forma que achamos melhor como solteiros, numa ótima casa e
a um preço relativamente barato”, disse Grant a uma revista da época. Dessa série, a foto que mais intriga é aquela
que mostra a silhueta dos dois amigos no clima romântico de um fim de tarde,
diante do mar. Gay assumido, o cineasta George Cukor, que o dirigiu em “Núpcias
de Escândalo”, comentou a postura do colega: “Ele nunca falaria sobre isso. No
máximo, diria que os dois fizeram belas fotos juntos. Scott talvez admitisse -
mas para um amigo.” Diante do frisson provocado por essa suspeita sexual, os
estúdios Paramount procuravam tirar proveito do sussurrado romance. E os filmes de
CARY GRANT arrebentavam na bilheteria.
Verdade
ou mentira, tudo se passava entre quatro paredes. Os dois astros estavam sempre
juntos, inclusive nas noitadas. Por tal razão, a irônica e afiada Carole
Lombard disparou: “Gostaria de saber qual destes dois garotos paga as contas.”.
Vários livros nos contam que eram realmente homossexuais e extremamente
apaixonados. Dizem que se conheceram durante um almoço na Paramount. Na época,
Randolph Scott era amante de Howard Hughes, já CARY GRANT, vivia um romance com
um estilista chamado Wright Neale. Para tentar encobrir as diversas aventuras
homossexuais do seu astro Grant, a Paramount arranjava mulheres para sua
companhia, mas nunca deu certo. A atração dos dois foi imediata e recíproca,
Scott mudou-se imediatamente para o apartamento de Cary.
Não
era comum dois jovens, belos e famosos atores viverem juntos naquela
época. Pela exposição dos dois – eles apareciam juntos nas estreias sem companhia
feminina – os mexericos se espalharam rapidamente. Inicialmente Grant e Scott
encontraram refúgio num apartamento próximo de um reduto de homossexuais, Griffith
Park. Mais adiante se mudaram para a “mansão dos solteirões”.
Mesmo
depois de casados com mulheres mantiveram diversos encontros. Ao saber do
falecimento de Cary Grant, em 1986, o velho Randolph Scott (85 anos de idade)
compareceu ao velório antes da cremação, dirigiu-se ao caixão, pegou nas mãos
do amado, beijou-as, colocou-as sobre sua cabeça, e chorou copiosamente.
APAIXONADO por SOPHIA LOREN
Em
1957, durante a rodagem, em Espanha, de “Orgulho e Paixão / The Pride and the
Passion”, de Stanley Kramer, CARY GRANT se apaixonou loucamente pela estrela
italiana Sophia Loren, e tentou convencê-la a casar-se com ele. Ela conta esse
episódio na sua autobiografia, “Ieri, Oggi, Domani / Ontem, Hoje, Amanhã”.
Tinha 23 anos, ele 53 e estava casado com a terceira das suas cinco
mulheres (casamentos que não abafaram os rumores da bissexualidade do
ator).
Passado
em Espanha durante as guerras napoleônicas, o épico conta a história de um oficial inglês, interpretado por CARY GRANT, que ajuda um grupo de espanhóis a
combater o invasor francês. Sophia Loren é Juana, a filha do chefe espanhol,
por quem o herói britânico se apaixona. A atriz explica que Grant lhe enviava
ramos de flores todos os dias e insistia em que ambos rezassem a pedir
orientação divina para saber se deveriam deixar as pessoas com quem estavam
envolvidos.
Ele
estava então casado, há já oito anos, com a atriz Betsy Drake, de
quem só viria a divorciar-se em 1962. Foi o seu casamento mais duradouro, e o
ator sempre se mostrou grato a Betsy por ter conseguido fazê-lo recuperar a sua
“paz interior”. Ela o convenceu dos benefícios de um tratamento por LSD,
então legal, que parece ter resultado, segundo o próprio, onde o ioga, o
hipnotismo e outras terapias falharam.
Sophia
Loren, embora tivesse apenas 23 anos, era já uma atriz experiente e que dera
nas vistas em filmes populares. Quando conheceu CARY GRANT, mantinha desde a
adolescência uma relação com o produtor de cinema Carlo Ponti, com quem estava
prestes a se casar. E casaram-se no dia 17 de Setembro de 1957, por procuração,
depois de o produtor se ter divorciado da sua primeira mulher no México.
Para
Sophia Loren, a idade de CARY GRANT não era problema, uma vez que “andava à procura de uma figura paternal”. O próprio Ponti era 22 anos mais
velho do que ela. Mas “tinha de fazer uma escolha” e inclinou-se para o seu marido. “O Carlo era italiano, pertencia ao meu mundo, era a coisa certa
a fazer”, explica na autobiografia. “Na época não tive remorsos, amava o meu marido e, embora tivesse afeto por Cary, não
conseguiria casar com um gigante de outro país e deixar Carlo”.
10 GRANDES COMÉDIAS de CARY GRANT
(por ordem de preferencia)
01
NÚPCIAS do ESCÂNDALO
(The Philadelphia Story, 1940)
direção de George Cukor
com Katharine Hepburn
02
LEVADA da BRECA
(Bringing Up Baby, 1938)
direção de Howard Hawks
com Katharine Hepburn
direção de Howard Hawks
com Katharine Hepburn
03
CUPIDO é MOLEQUE TEIMOSO
(The Awful Truth, 1937)
direção de Leo McCarey
com Irene Dunne
direção de Leo McCarey
com Irene Dunne
JEJUM de AMOR
(His Girl Friday, 1940)
direção de Howard Hawks
com Rosalind Russell
direção de Howard Hawks
com Rosalind Russell
05
O INVENTOR da MOCIDADE
(Monkey Business, 1952)
direção de Howard Hawks
com Ginger Rogers e Marilyn Monroe
direção de Howard Hawks
com Ginger Rogers e Marilyn Monroe
06
E a VIDA CONTINUA
(The Talk of the Tawn, 1942)
direção de George Stevens
com Jean Arthur
CARÍCIAS de LUXO
(That Touch of Mink, 1962)
direção de Delbert Mann
com Doris Day
08
VIVENDO em DÚVIDA
(Sylvia Scarlett, 1935)
direção de George Cukor
com Katharine Hepburn
09
INDISCRETA
(Indiscreet, 1958)
direção de Stanley Donen
com Ingrid Bergman
10
direção de Stanley Donen
com Ingrid Bergman
10
MINHA ESPOSA FAVORITA
(My Favorite Wife, 1940)
direção de Garson Kanin
com Irene Dunne
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