Figura fundamental na filmografia do diretor sueco Ingmar
Bergman, LIV ULLMANN recebeu prêmio especial na mais recente edição do European
Film Awards, em reconhecimento da carreira de mais de quatro décadas e cerca
de 50 filmes. Nascida em Tóquio, Japão, 1938, ela brilhou na
juventude no Teatro Nacional Norueguês, em Oslo, interpretando Ofélia e Julieta de William Shakespeare.
Após modestos papéis no cinema, “Persona” (1966) – intitulado
ridiculamente no Brasil “Quando Duas Mulheres Pecam” – lhe deu prestígio no cenário internacional. Bergman utilizou a força dramática de
LIV ULLMANN em dez filmes, culminando em 2003 com “Sarabanda”, continuação do
premiado “Cenas de Um Casamento”, de 1973.
Em Barcelona, a simpática atriz falou da carreira vitoriosa, do ex-marido Bergman e do mais recente projeto, a adaptação cinematográfica de “Casa de
Bonecas”, de Ibsen. Aos 67 anos, profundos olhos azuis, falando pausadamente, passa serenidade e vitalidade juvenil.
(Antonio Nahud, Barcelona, Espanha. Entrevista publicada no jornal
baiano “A Tarde”, 21-fevereiro-2005)
Segundo consta, seu primeiro encontro com Ingmar Bergman, acompanhada por
Bibi Andersson, deixou o diretor impressionado com a semelhança das duas,
imaginando logo a seguir o enigmático “Persona”. É uma história real?
Foi assim que aconteceu. Em “Persona” sou uma atriz de
teatro que repentinamente deixa de falar. Um papel quase sem diálogos. Aos 28
anos, eu não tinha a menor ideia do que o filme queria dizer. Olhava
para Ingmar e sentia que a mulher que eu estava representando tinha muito a ver
com ele. Alguém muito famoso que não queria falar nem explicar nada sobre sua
vida ou criação, escondendo-se atrás de uma fachada. Resolvi copiar sua expressão
facial angustiada. Deu certo e fizemos outros filmes. Creio que trabalhamos tanto
tempo juntos porque eu não fazia perguntas, apenas seguia suas orientações.
Tem uma filha com Bergman, a escritora Linn Ullmann, e ele a
transformou em um dos rostos mais famosos do cinema. Pode nos contar algo
íntimo do relacionamento de vocês?
Disse a Ingmar que ele era “um gênio”, enquanto que eu
era somente “um talento”. A reação dele foi uma metáfora que eu nunca me
esqueci: “Você é meu Stradivarius”. Foi o elogio mais comovente que alguém me
disse em toda a minha vida. Essa relação honesta entre o maestro e sua solista
aprofundou a nossa arte. Com ele aprendi que o grande artista é alguém que puxa
um pouquinho o limite da verdade. Como a bailarina que salta e consegue ficar
dois segundos além do possível no ar.
O que diz do último filme que fizeram juntos, “Sarabanda”?
Abandonei o cinema como atriz em 1994, cansada de filmes
medíocres, e tinha bem claro que só voltaria a atuar caso fosse convidada por
Ingmar. O nosso reencontro foi natural, como regressar à terra natal. É um filme forte e autobiográfico, como todos os seus filmes, o que não quer
dizer que sejam cópias de sua própria vida. Ele explora as horríveis relações
entre pais e filhos, ainda mais dramático quando um deles não sabe pedir
perdão. Ao filmar “Sarabanda” Ingmar estava longe dos sets há quinze
anos. Novos métodos de filmagem, aos quais ele não estava acostumado nem se
acostumaria, impediam que ficasse colado à câmera como sempre fez. Perdi aquele
espectador privilegiado, fiquei perdida. Quando ele disse ação, felizmente foi tudo bem.
Ingmar Bergman é um extraordinário diretor de atrizes. Deu
papéis excelentes para você, Harriet Andersson, Ingrid Thulin, Eva Dahlbeck e
Bibi Andersson. Havia competitividade?
Nunca. Bibi Andersson poderia ter me odiado porque ela era a
favorita de Ingmar até eu surgir. Continuou sendo a minha melhor amiga. A
verdade é que as mulheres são capazes de um grau de intimidade, cumplicidade e
aceitação que os homens desconhecem.
Qual filme que sente mais orgulho?
Talvez “Os Imigrantes / Utvandrarna” (1971), de Jan Troell. Interpreto uma camponesa nórdica obrigada pela miséria a fugir da terra natal, partindo para
a conquista de territórios ainda virgens no meio-oeste norte-americano. Em segundo lugar, “Face a Face”, de Ingmar.
Desde menina desejava ser atriz?
Atuar é uma extensão do que sou. Quando era muito
jovem e vulnerável, não via a atuação como trabalho, via como paixão de adolescente
que nunca foi a mais bela nem a mais popular da escola, divertindo-se ao fazer
os melhores papéis em produções estudantis. Pouco a pouco percebi que deveria
levar a sério aquele ofício. Ainda hoje fico um pouco assustada com uma
profissão nascida no cotidiano escolar para me dar prazer. Não sei como
consegui sobreviver e ter uma vida familiar maravilhosa fazendo o que gosto.
Atuar é uma alegria. Um bom ator e um bom filme ajudam o espectador a ter
consciência de si mesmo. Quando isso ocorre, as pessoas se sentem mais
valorizadas e procuram fazer coisas importantes na vida.
Bergman odiava dar entrevistas ou revelar publicamente suas
afeições, mas chegou a elogiá-la publicamente como grande atriz. Qual foi sua reação?
Sei que sou boa atriz, tenho talento. Sei que Ingmar me considera
uma grande atriz e também sei que ele é um gênio. Essa confiança mútua foi
muito importante para o nosso trabalho. No entanto, não creio que eu seja
melhor atriz do que muitas outras. Não sei o motivo dele me escolher entre
tantas outras mais talentosas, talvez porque eu seja uma pessoa de convívio
fácil, tranquila, sem atritos.
Em 1992 estreou como diretora em “Sofie”. Foi uma reviravolta na
sua carreira.
Quando as atrizes envelhecem recebem ofertas de papéis estúpidos, não transmitem nada, deixando de ser divertido atuar. Eu tive sorte, pude
mudar de rumo e dirigir. Creio que algo diferente acontece comigo.
Minha vida passa por uma renovação criativa. Quero dirigir muitos filmes,
escrever muitos livros. Essa intensidade surgiu com o sentido de mortalidade,
da vida se que vai. Sinto que tenho algo para transmitir. Antes não tinha essa
consciência.
Existe continuidade temática em seus filmes como diretora?
Creio que estão diretamente relacionados a busca do amor. O
amor desejado, o amor recebido e o amor que nos abandona.
Dois deles têm roteiro de Bergman: “Enskilda Samtal” e
“Infidelidade”.
Foi ele que me pediu para dirigi-los. Eu fiquei comovida. Com eles
provei que uma mulher pode narrar uma história de uma maneira distinta da
versão masculina. Algumas ideias desses dois filmes são minhas, outras de
Ingmar. Isso é o mais excitante no cinema, podem-se fazer diferentes
interpretações de uma mesma história.
Qual seu próximo projeto cinematográfico?
Estou pronta para iniciar as filmagens de “Casa de Bonecas”, falta finalizar uma coisa ou
outra. Serei fiel a Ibsen. O clássico narra a hipocrisia e
convencionalismos da sociedade do final do século XIX. Nora salva a vida do
marido doente graças a empréstimo conseguido falsificando a assinatura de seu
pai. Como consequência, acaba abandonando o esposo e os filhos. Interpretei Nora
na Broadway, em 1975. Ao subir no palco, na pré-estreia, as feministas
vibraram. Quando o pobre coitado que fazia meu marido, Sam Waterston, abria a
boca, choviam vaias. Fiquei impressionada. É um texto atual.
Quem fará Nora?
Kate Winslet. Pensei na atriz australiana Cate
Blanchett, que não pôde aceitar por estar grávida. Admiro o trabalho de Kate.
Temos conversado por telefone e ela disse estar impaciente para iniciar as
filmagens. O marido, Torvald, será John Cusack. O Stellan Skarsgard também está
no elenco, e possivelmente Tim Roth.
Nos anos setenta do século passado, você era um modelo a seguir: intelectualizada,
independente e liberal. Por que sua carreira não deu certo em Hollywood?
Escolhi mal meus filmes. Mas não foi uma experiência
decepcionante. Diverti-me muito e ganhei dinheiro. As portas da Broadway se
abriram. Quando a aventura se acabou voltei à Europa e continuei trabalhando. Concorri
duas vezes ao Oscar, e fiquei decepcionada com as derrotas. Era jovem, ingênua,
ambiciosa. Tudo caminhou bem. Se tivesse ficado em Hollywood seria uma dessas
estrelas esquecidas com o rosto esticado e inexpressivo para agradar aos
produtores.
Atriz, escritora, roteirista e diretora. Qual desses ofícios é o
mais complicado?
Dirigir. Principalmente porque sou mulher. No primeiro filme tinha
mais de 50 anos, e tentei ser simpática, mas riam da ingenuidade. Depois
de rodar cinco filmes, aprendi: não tenho que ser ingênua ou dura, devo crer em mim, e pronto. Evito assim o complexo mulher madura. Procuro orgulhar-me de ser esta mulher.
LIV e INGMAR JUNTOS no CINEMA
PERSONA – QUANDO DUAS MULHERES PECAM
elenco: Bibi Andersson e Gunnar Björnstrand
A HORA do LOBO
elenco: Max von
Sydow, Erland Josephson
e Ingrid Thulin
VERGONHA
elenco: Max von Sydow e Gunnar Björnstrand
A PAIXÃO de ANA
elenco: Bibi
Andersson, Max von Sydow
e Erland Josephson
GRITOS e SUSSURROS
elenco: Harriet
Andersson, Kari Sylwan,
Ingrid Thulin e Erland
Josephson
CENAS de um CASAMENTO
elenco: Erland
Josephson, Gunnel Lindblom
e Bibi Andersson
FACE a FACE
elenco: Erland Josephson e Gunnar Björnstrand
O OVO da SERPENTE
elenco: David
Carradine, Gert Froebe
e Heinz Bennent
SONATA de OUTONO
elenco: Ingrid Bergman, Gunnar Björnstrand
e Erland Josephson
ENSKILDA SAMTAL
direção de Liv Ullmann
roteiro de Ingmar Bergman
INFIEL
direção de
Liv Ullmann
roteiro de Ingmar
Bergman
SARABANDA
elenco: Erland Josephson
LIV e INGMAR: uma HISTÓRIA de AMOR
documentário de Dheeraj Akolkar
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