O cinema é a arma mais forte
do regime fascista.
BENITO MUSSOLINI
(1883 – 1945. Predappio / Itália)
BENITO MUSSOLINI
(1883 – 1945. Predappio / Itália)
Assisti seis dos dez filmes em que eles atuaram juntos. Tinham carisma, talento e eram famosos no cinema italiano do final da década de 30 e início dos 40. Viveram uma avassaladora história de amor que terminou tragicamente em Milão, 30 de abril de 1945, pouco antes da meia-noite. Chovia muito, a cidade estava deserta e um caminhão parou na Via Poliziano, no Hipódromo San Siro. Alguns partidários da Brigada Pasubio fizeram um homem e uma mulher saírem do veículo. Iluminados pelos faróis, LUISA FERIDA (1914 - 1945. Castel San Pietro Terme, Emilia-Romagna / Itália) e OSVALDO VALENTI (1906 – 1945. Istambul / Turquia) foram executados com rajadas de metralhadora. De uma casa paroquial próxima, o padre Dom Adolfo Terzoli viu a chacina e depois se aproximou, concedendo a extrema unção. Ela segurava o sapatinho de lã do seu filho Kim, que morreu com apenas cinco dias de vida em 1942. Assim terminou um invejado e glamourizado romance, que encheu páginas e mais páginas de jornais e revistas, com o crime causando incômodo na opinião pública daqueles dias confusos.
Notável
por sua beleza de traços morenos e pela sensualidade de seus movimentos, a
presença de LUISA FERIDA permanece como uma das mais relevantes do universo
cinematográfico europeu do período de 1939-1945. Filha de um rico proprietário
de terras, que morreu quando ela era criança, iniciou sua carreira como atriz
de teatro, participando da companhia de Ruggero Ruggeri e Paola
Borboni. Em 1935 fez a primeira aparição no cinema em um papel coadjuvante no
policial “Flecha de Ouro / Freccia d'oro” (1935). Por causa de sua fotogenia,
logo se destacou em filmes como a comédia histórica “Il Re Burlone” (1935), com
Armando Falconi. Entre 1937 e 1938, formou uma dupla de sucesso com Amedeo
Nazzari. Em 1939, o celebrado diretor Alessandro Blasetti a escolheu como
protagonista de “Romântico Aventureiro”. Segundo o cineasta, ela chegou ao
set disposta a tudo, deixando claro que “não seria indiferente aos seus desejos
como diretor ou homem”. Blasetti pediu a OSVALDO VALENTI que explicasse para ela que de
fato era “uma mulher maravilhosa, mas que ele tinha outros interesses
sentimentais”.
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luisa ferida |
Filho de uma família rica, OSVALDO VALENTI estudou Direito em Milão, mas abandonou os estudos para circular por Paris e Berlim. Em 1928, estreou no cinema na Alemanha em “O Iate dos Sete Pecados / Die Yacht der Sieben Sünden”, com Brigitte Helm. Na década de 1930, retornou à Itália, filmando com Mario Bonnard e Amleto Palermi. Dirigido por Alessandro Blasetti fez filmes decisivos para sua carreira, estabelecendo sucesso entre a crítica e o público italiano. Consolidou-se como um dos atores mais requisitados e bem pagos, atuando em filmes de diretores de prestígio como Goffredo Alessandrini, Carmine Gallone, Duilio Coletti e Camillo Mastrocinque. De charme indiscutível e rosto ambíguo vagamente melancólico, era perfeito para papéis de vilão. Conhecido entre os colegas como mitomaníaco e cínico, falava quatro idiomas e mantinha boas relações com fascistas de alto escalão. Inquieto e exagerado, recebia autoridades e suas amantes em seu iate, ancorado em Fregene, Fiumicino, divertindo os convidados com imitações debochadas de Adolf Hitler (ele nunca escondeu seu desprezo pelos nazistas).
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osvaldo valenti |
As duas estrelas viviam em um luxo desenfreado como em uma pequena corte. Tinham agente, governanta, secretário, mordomo, cozinheiro, garçons, tratador de cães e até mesmo um poeta particular para escrever madrigais para a diva. Por algum tempo, OSVALDO VALENTINI foi comissário de entretenimento e acalentou dirigir seus próprios filmes. No verão de 1943, o colapso do fascismo e os bombardeios aéreos em Roma interromperam a atividade cinematográfica. A indústria foi reativada meses depois, no norte do país, resultando no Cinevillaggio. Eles estavam entre os poucos artistas que acreditaram na recém-criada República Social Italiana. Atuaram em “Notícia”, que foi um total fracasso e o último filme deles. Criticado por sua suposta ideologia fascista, o ator renunciou ao cargo de comissário, enquanto sua parceira abortava acidentalmente um segundo e tão desejado filho. Eles nunca aderiram oficialmente ao fascismo, mas ao decidirem não se mudar para a Espanha, onde continuariam o trabalho como atores, e voltarem a Milão na primavera de 1944, assinaram um trágico destino.
Em Milão, atraído pela facilidade de drogas, OSVALDO VALENTI frequentou a sinistra Villa Triste, na Via Paolo Uccello, quartel da unidade especial de polícia política, conhecida como Banda Koch, responsável pela tortura e assassinato de opositores do regime. Devido à sua brutalidade sádica, Pietro Koch revelou-se impopular até em hierarcas fascistas, sendo preso pela polícia de Salò em dezembro de 1944, por ordem do próprio Benito Mussolini. Na ocasião, LUISA FERIDA e o marido viviam no luxuoso Hotel Continental, na Via Manzoni, frequentado por fascistas e nazistas. A guerra estava prestes a terminar, os pelotões de fuzilamento partidários atuavam intensamente, matando suspeitos de fascismo. O casal entregou-se à Brigada Pasubio e foram presos, após a denúncia de um fascista que confessou tê-los visto na Villa Triste. Levados para uma fazenda nos arredores de Milão, ocuparam uma sala e um quarto em um primeiro andar, vigiados por uma mulher denominada Senhora Rossi, que se responsabilizou por uma fortuna em liras e uma caixa de joias da atriz.
O partidário Giuseppe Marozin, codinome “Vero”, aparecia com frequência na improvisada prisão dos atores, garantindo: “Vocês estão em boas mãos. É questão de tempo, logo estarão livres.” Quando a rádio divulgou a falsa notícia de que OSVALDO VALENTI havia sido baleado, LUISA FERIDA se apavorou, não saindo mais do quarto, insone e com frequentes crises de choro. O primeiro julgamento do ator durou um dia inteiro até o pôr do sol. Ele confessou que sua relação com Pietro Koch era somente pelo fornecimento gratuito de cocaína, negando a participação ou testemunho em torturas. Ao retornar, tentou tranquilizar a esposa: “Eu pedi uma investigação mais aprofundada, haverá outro julgamento. E em qualquer caso, não precisa ter medo, seu nome nem foi mencionado.” Ele a chamava de Luisina, enxugando suas lágrimas, mas ela repetia: “Eu sei que eles vão nos matar”. Nos últimos dias de abril de 1945, depois de submetidos a um julgamento sumário, acusados de cumplicidade dos horrores cometidos por Koch, foram considerados culpados. Para eles, o triste destino estava selado.
Assassinados, LUISA FERIDA, aos 31 anos, estava grávida de quatro meses, e OSVALDO VALENTI tinha 39 anos. Seus cadáveres foram exibidos em público, junto aos de outras vítimas executadas, e depois enterrados um ao lado do outro, no cemitério Maggiore di Musocco, em Milão. Suas malas, deixadas no hotel, cheias de roupas, peles, dinheiro e joias, foram roubadas no dia do crime. Da casa em Milão saquearam um autêntico tesouro, do qual o chefe partidário Giuseppe “Vero” Marozin admitiu anos passados o “confisco”, mas alegando não se lembrar onde esses bens foram parar. Ele declarou também que a execução foi ordenada por Sandro Pertini, mais tarde presidente da república italiana. Na década de 1950, a empobrecida mãe de LUISA FERINA solicitou ao governo uma pensão de guerra, uma vez que sua filha era sua única fonte de renda. Foi, portanto, necessária uma investigação cuidadosa para apurar as reais responsabilidades da atriz. Ao final da qual, se concluiu que ela, injustamente assassinada, não foi culpada de nenhum crime de guerra. Sua mãe, portanto, obteve a pensão, incluindo os valores em atraso.
A história infeliz dos icônicos atores, depois de esquecida durante décadas, voltou à tona em 2008 com o filme dirigido por Marco Tullio Giordana, “Sangue de Guerra / Sanguepazzo”, com Luca Zingaretti e Monica Bellucci como o casal trágico, apresentado no Festival de Cinema de Cannes em 18 de maio de 2010. Dias depois, a RAI 1 transmitiu a versão completa em uma minissérie de dois episódios que alcançou grande audiência. Esse amor maldito foi contado anteriormente em um telefilme, em 1993, “Jogo Perverso / Gioco Perverso”, com Fabio Testi e Ida Di Benedetto.
FONTES
“A Fábrica de Sonhos de Mussolini:
o Estrelato do Cinema na Itália Fascista” (2013)
de Stephen Gundle
“Jogo Perverso - a Verdadeira História
de Osvaldo Valenti e Luisa Ferida
entre Cinecittà e a Guerra Civil” (2007)
de Italo Moscati
“Luisa Ferida e Osvaldo Valenti –
a Ascensão e Queda de Duas Estrelas de Cinema” (2007)
de Edward Reggiani
LUISA e
OSVALDO JUNTOS na TELA
01
ROMÂNTICO AVENTUREIRO
(Un'avventura di Salvator Rosa, 1939)
“A Fábrica de Sonhos de Mussolini:
o Estrelato do Cinema na Itália Fascista” (2013)
de Stephen Gundle
“Jogo Perverso - a Verdadeira História
de Osvaldo Valenti e Luisa Ferida
entre Cinecittà e a Guerra Civil” (2007)
de Italo Moscati
“Luisa Ferida e Osvaldo Valenti –
a Ascensão e Queda de Duas Estrelas de Cinema” (2007)
de Edward Reggiani
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massimo girotti e luisa ferida em “a coroa de ferro” |
01
ROMÂNTICO AVENTUREIRO
(Un'avventura di Salvator Rosa, 1939)
direção de Alessandro Blasetti
elenco: Gino Cervi, Rina Morelli e Paolo Stoppa
02
A COROA de FERRO
(La Corona di Ferro, 1941)
direção de Alessandro Blasetti
elenco: Elisa Cegani, Rina Morelli, Gino Cervi,
Massimo Girotti e Paolo Stoppa
03
A FARSA TRÁGICA
(La Cena delle Beffe, 1942)
direção de Alessandro Blasetti
elenco: Amedeo Nazzari, Clara Calamai,
Valentina Cortese e Elisa Cegani
04
A BELA ADORMECIDA
(La Bella Addormentata, 1942)
direção de Luigi Chiarini
elenco: Amedeo Nazzari
05
HORIZONTE de SANGUE
(Orizzonte di Sangue, 1942)
direção de Gennaro Righelli
elenco: Valentina Cortese
06
FEDORA
(Idem, 1942)
direção de Camillo Mastrocinque
elenco: Amedeo Nazzari e Rina Morelli
07
CAVALEIROS do DESERTO
(I Cavalieri del Deserto, 1942)
direção de Gino Talamo e Osvaldo Valenti
elenco: Luigi Pavese e Guido Celano
08
ENCONTRO SANGRENTO
(Harlem, 1943)
direção de Carmine Gallone
elenco: Massimo Girotti, Amedeo Nazzari, Vivi Gioi
e Elisa Cegani
09
A DONA da POUSADA
(La Locandiera, 1944)
direção de Luigi Chiarini
elenco: Armando Falconi, Camilo Pilotto, Elsa De Giorgi,
Paola Borboni e Gino Cervi
10
NOTÍCIA
(Fatto di Cronaca, 1945)
direção de Piero Ballerini
elenco: Anna Capodaglio
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