setembro 24, 2023

*** O ROMANCE de JEAN MARAIS e JEAN COCTEAU

 

“Obrigado do fundo do meu coração por ter me salvado. Eu estava me afogando e você se jogou na água sem hesitar, sem olhar para trás.”
De JEAN COCTEAU para JEAN MARAIS, em 1939.
 
 
Ele foi um dos atores mais populares do cinema francês. Começou a se destacar nos anos 40 e teve um percurso cinematográfico célebre. JEAN MARAIS (1913 – 1998. Cherbourg, Manche/ França) deixou como legado um porte romântico e atlético perpetuado em mais de 80 filmes, destacando-se no gênero capa-e-espada no final dos anos 50 e meados de 60. Em 1975, publicou uma de suas memórias, “Histórias da Minha Vida / Histoires de Ma Vie”, muito comentado por sua franqueza. Nele, recordou sua infância ingrata, a mãe possessiva meio louca que ele amava, o trabalho como ator prejudicado pela voz afetada e seu longo affair com o genial dramaturgo, poeta e cineasta JEAN COCTEAU (1889 – 1963.Maisons-Laffitte, Yvelines / França).
 
Apesar de belo, JEAN MARAIS tinha pouco talento e uma voz lamentável. Nunca entendi sua fama. Tudo começou em 1937. O ator desde 1933 trabalhava no cinema como figurante ou em papéis minúsculos e fazia teatro amador. Ao passar no teste em uma peça que seria dirigida por seu futuro amante, foi utilizado em cena vestido apenas com uma minúscula faixa branca, imóvel como uma estátua e revelando seu corpo impactante. Em poucos dias ele se apaixonou pelo gênio. Assim começou a íntima colaboração profissional e amorosa que durou décadas.
 
cocteau e marais
Quando se conheceram, tinha 24 anos e JEAN COCTEAU, 48. Juntos, fizeram clássicos como “A Bela e a Fera (1946), “A Águia de Duas Cabeças (1948), “O Pecado Original / Les Parents Terribles” (1948), “Coriolano / Coriolan” (1950), “Orfeu (1950) e “Testamento de Orfeu” (1960). Todos ricos em imagens inesquecíveis. O ator afirmou que o cineasta foi o amor de sua vida e gostaria de tê-lo encontrado antes.
 
Conhecido por filmes poéticos, a filmografia de JEAN COCTEAU faz parte da história do cinema. Na vida privada, teve casos com figuras notáveis, como o escritor Raymond Radiguet e o boxeador Panama Al Brown. No entanto, o ponto alto foi o relacionamento com JEAN MARAIS. Apelidado de O Príncipe Frívolo, nasceu em uma rica família parisiense. Após sair de casa, publicou um livro de poemas aos 19 anos de idade e logo se tornou conhecido nos círculos artísticos e boêmios de Paris, associado aos escritores Marcel Proust e André Gide. Nos anos seguintes, ele se relacionou com o poeta Guillaume Apollinaire e os pintores Picasso e Modigliani.
 
Seu talento se estendeu por toda a Europa e, em 1917, o empresário russo Sergei Diaghilev o convenceu a escrever o livreto para o ballet “Parade”. Em 1920, tornou-se viciado em ópio, depois do choque causado pela morte inesperada do poeta francês Raymond Radiguet, seu amante, o que o fez submeter-se a várias internações em clínicas. Apesar de ter um caso com a princesa Natalie Paley - filha de um duque Romanov, atriz e modelo – as suas relações mais longas foram com os atores JEAN MARAIS e Edouard Dermithe, a quem adotou formalmente depois de contratá-lo como um jardineiro. Teve alguns casos menores com algumas mulheres e namorou homens mais velhos bem relacionados, como o conhecido ator Eduard De Max. 
 
o jovem cocteau
De Max apresentou JEAN COCTEAU ao quem é quem da cena parisiense e usou sua influência para organizar um encontro de poesia dedicada ao jovem poeta, considerado um grande sucesso nos círculos literários. Logo ele começou a contribuir com poemas e desenhos para revistas literárias. De Max também o ajudou a publicar seus três primeiros livros. Em essência, ele foi um poeta que escreveu romances, peças, crítica literária, dirigiu filmes e foi um artista plástico inspirado, que deixou sua marca em capelas da Provence e Côte D’Azur. Este talento múltiplo não se diluiu em suas atividades, somou-se. Como ele explica: “Explorei tantos caminhos para que minha semente se espalhasse por toda a parte.”.
 
Uma vez famoso, JEAN COCTEAU começou a namorar homens mais jovens, seus “enfants”, como ele se referia a eles, belos jovens amantes e colaboradores. A partir de 1916, incentivou a carreira do poeta John LeRoy, que morreria apenas dois anos depois. Ele escreveu sobre LeRoy: “…coloquei nele o que foi desperdiçado em mim pela vida desordenada. Ele era jovem, bonito, bom, corajoso, cheio de gênio, nada afetado, tudo o que a Morte gosta.”. A próxima obsessão foi Raymond Radiquet, de 15 anos. A dupla escreveu quatro romances de sucesso enquanto moravam juntos. Em 1923, Radiquet morreu de febre tifóide, aos 20 anos de idade.
 
Nem todos os seus amantes eram talentosos ou bem-sucedidos. Maurice Sachs roubou o seu apartamento e depois escreveu “Witches Sabbath”, um relato contundente de seu relacionamento. Sachs acabou sendo morto pelos nazistas. “Les Enfants Terrible”, o romance publicado em 1929 e depois adaptado para um filme por Jean-Pierre Melville, foi em parte inspirado na vida familiar de seu próximo amante, Jean Bourgoint. O relacionamento não durou muito e Bourgoint acabou se tornando um monge trapista, trabalhando em uma colônia de leprosos nos Camarões.
 
Em 1927, JEAN COCTEAU morava com o poeta Jean Desbordes, que escreveu em 1928, “J’Adore”, conhecido como uma carta de amor de 200 páginas ao amante. Foi algo muito picante para a época. Eles passaram o verão no interior da França com Gertrude Stein e Coco Chanel, que ficou irritada porque os dois viviam a maior parte do dia trancados no quarto fumando ópio. Desbordes tornou-se um líder da Resistência durante a Segunda Guerra Mundial. Tragicamente, os nazistas o capturaram, arrancaram-lhe os olhos e depois o mataram. Em 1930, JEAN COCTEAU lançou sua primeira obra-prima cinematográfica, “Sangue do Poeta”, influenciado por sua amizade com surrealistas e dadaístas. Ele realizou sete filmes e é um dos mais importantes cineastas de todos os tempos.
 
Com uma infância sofrida, porque a sua mãe era mentalmente instável, JEAN MARAIS nasceu na antiga cidade portuária de Cherbourgh. Seus pais se separaram depois da Primeira Guerra Mundial e a mãe, ele e o irmão Henri se mudaram para os subúrbios de Paris. Fascinado pelo teatro desde criança, dizia aos amigos que a mãe era uma atriz da Comedie Française. Incapaz de conseguir um trabalho regular, a mãe tornou-se ladra de lojas e foi presa várias vezes. Sozinhas, as crianças tiveram que aprender a se defender sozinhas. Expulso da escola por se vestir de menina e flertar com um professor, o futuro ator fazia biscates como desenhista, jornaleiro e fotógrafo.
 
Enquanto lutava para se estabelecer como ator em Paris, foi rejeitado pelas principais escolas de arte dramática até conhecer JEAN COCTEAU. Juntos formaram um dos casais mais admirados da vida cultural francesa. Trabalhou na peça “Les Parents Terribles” e mais tarde na versão cinematográfica de 1948, batizada “O Pecado Original” em português. Deu vida ao conto infantil “A Bela e a Fera”, de 1946, o filme mais popular dos dois. O ator trabalhou também com outros diretores magistrais como Jean Renoir, Luchino Visconti e Bernardo Bertolucci.
 
marais e cocteau
O relacionamento deles foi extremamente apaixonado e intenso, com COCTEAU escalando MARAIS para seus próprios projetos cinematográficos. Ele estrelou a maioria dos filmes do amante. O cineasta afirmou que sua atuação em “Orfeu” “ilumina o filme com sua alma”. Na verdade, o ator passou a ser conhecido como muso do cineasta. Eles tomaram a decisão de permanecer numa Paris ocupada pelos nazistas, apesar da oposição a homossexualidade. Eram abertamente gays e o ator chegou a ser rejeitado pela Resistência em França por isso. Já COCTEAU, dependia do ópio para se inspirar. Com o amado conseguiu superar o vício.
 
O cineasta tinha admiradores poderosos que protegiam os dois, mesmo quando JEAN MARAIS deu um soco em um crítico colaboracionista por escrever uma crítica negativa sobre uma das peças do amante. Os seus nomes foram arrastados pela lama da imprensa controlada pelos nazis, mas nunca foram presos ou enviados para um campo de concentração. JEAN COCTEAU morreu de um ataque cardíaco em seu castelo em Milly-la-Forêt, Essonne, em 1963, com 74 anos. Contam que seu coração parou depois de ouvir que Edith Piaf, uma de suas grandes amigas, tinha morrido. JEAN MARAIS mandou gravar na sua lápide: “Eu fico com você”.
 
Falecido em 1998, aos 85 anos, entre os trabalhos mais recentes de JEAN MARAIS estão apresentações no Cabaré Les Folies Bergères e a interpretação de Próspero em “A Tempestade”, de Shakespeare, nos palcos de Paris. Seus últimos filmes foram “Os Miseráveis / Les Misérables” (1995), de Claude Lelouch; e “Beleza Roubada” (1996), de Bernardo Bertolucci. Publicou mais de uma autobiografia e organizou uma retrospectiva de seu trabalho como artista plástico em 1995. Tinha um filho adotivo, Sobre JEAN COCTEAU, ele comentou: “Lamento amargamente não ter passado toda a minha vida servindo Cocteau em vez de me preocupar com minha carreira.”
 
jean marais em “orfeu”

CINCO FILMES de JEAN COCTEAU
(por ordem de preferência)
 
01
A BELA e a FERA
(La Belle et la Bête, 1946)

Elenco: Jean Marais, Josette Day e Michael Auclair
 
02
A ÁGUIA de DUAS CABEÇAS
(L'aigle à Deux Têtes, 1948)

Elenco: Edwige Feuillère
 
03
O SANGUE de um POETA
(Le Sang d'un Poète, 1932)

Elenco: Enrique Rivero, Elizabeth Lee Miller e Pauline Carton
 
04
ORFEU 
(Orphée, 1950)

Elenco: François Périer, María Casarés, Marie Déa e Juliette Gréco
 
05
O TESTAMENTO de ORFEU
(Le Testament d'Orphée ou ne me Demandez pas Pourquoi, 1960)

Elenco: Françoise Arnoul, Claudine Auger, Jean Marais, Charles Aznavour, Lucia Bosè, Yul Brynner e María Casarés
 
jean marais em “a bela e a fera

DEZ FILMES de JEAN MARAIS
(por ordem de preferência)
 
01
A BELA e a FERA
(La Belle et la Bête, 1946)

Direção: Jean Cocteau
Elenco: Josette Day e Michael Auclair
 
02
NOITES BRANCAS
(Le Notti Bianche,1957)

Direção: Luchino Visconti
Elenco: Maria Schell, Marcello Mastroianni, Clara Calamai e Giorgio Albertazzi
 
03
O CASTELO de CRISTAL
(Le Chateau De Vêrre, 1950)

Direção: René Clement
Elenco: Michèle Morgan, Jean Servais e Fosco Giachetti
 
04
A ÁGUIA de DUAS CABEÇAS
(L'aigle à Deux Têtes, 1948)

Direção: Jean Cocteau
Elenco: Edwige Feuillère
 
05
As ESTRANHAS COISAS de PARIS
(Elena et les Hommes, 1956)

Direção: Jean Renoir
Elenco: Ingrid Bergman, Mel Ferrer, Juliette Gréco e Dora Doll
 
06
ORFEU
(Orphée, 1950)

Direção: Jean Cocteau
Elenco: François Périer, María Casarés, Marie Déa e Juliette Gréco
 
07
ENTRE o AMOR e o TRONO
(Ruy Blas, 1948)

Direção: Pierre Billon
Elenco: Danielle Darrieux, Marcel Herrand e Gabrielle Dorziat
 
08
MILAGRES ACONTECEM uma VEZ
(Les Miracles n'ont Lieu qu'une Fois, 1951)

Direção: Yves Allégret
Elenco: Alida Valli
 
09
BELEZA ROUBADA
(Stealing Beauty, 1996)

Direção: Bernardo Bertolucci
Elenco: Liv Tyler, Joseph Fiennes, Jeremy Irons, Stefania Sandrelli, Rachel Weisz e Sinéad Cusack
 
10
Os AMORES de CARMEN
(Carmen, 1944)

Direção: Christian-Jaque
Elenco: Viviane Romance, Marguerite Moreno e Bernard Blier
 
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agosto 28, 2023

************** JOSEPH LOSEY: PAIXÃO e LUCIDEZ

 

“Os filmes ilustram a existência. Eles podem angustiar, perturbar e fazer com que as pessoas pensem sobre si mesmas e sobre problemas. Mas não dão respostas.”
JOSEPH LOSEY
 
Ao contrário do que muitos pensam, JOSEPH LOSEY (1909 – 1984. Wisconsinb / EUA) não nasceu no Reino Unido. Depois de estudar teatro com Bertold Brecht na Alemanha e de elogiada trajetória teatral no seu país de origem, dirigiu para a RKO Radio Pictures “O Menino dos Cabelos Verdes / The Boy with Green Hair” (1948), fábula humanista acerca do racismo em uma pequena cidade, estrelada por Dean Stockwell e Robert Ryan. Empolgado com o cinema, fez mais cinco filmes em Hollywood, entre eles o ótimo “M / idem” (1951), refilmagem do clássico de Fritz Lang.
 
joseph losey e dirk bogarde
Taxado de comunista, tentou continuar filmando nos EUA, assinando suas fitas sob pseudônimo o Victor Hanbury, mas o truque não deu certo por muito tempo e ele teve que amargar exílio forçado na Europa. Continuou sua trajetória cinematográfica primeiro na Itália, depois na Inglaterra, onde recebeu um importante empurrão de Dirk Bogarde, astro em ascensão, realizando “O Monstro de Londres / The Sleeping Tiger”, em 1954. Anos depois, elogiado pela crítica francesa, solidificou sua carreira, elaborando dramas intimistas, perversos e elegantes.
 
Sua carreira teve como ponto alto a parceria com o dramaturgo Harold Pinter, roteirista de três de seus filmes: “O Criado”, “Estranho Acidente” e “O Mensageiro”, mergulhando fundo na decadência burguesa. Ilustrador de fraquezas humanas, apaixonado pelas imagens, mesmo em seus filmes menores há cenas mágicas. JOSEPH LOSEY realizou 32 filmes em quase 40 anos de atividade. O último deles, “A Sauna / Steaming” (1985), tem no elenco as inglesas Vanessa Redgrave, Sarah Miles e Diana Dors.
 
Um dos maiores diretores de cinema. Com talento nato para encenar lucidamente as crueldades do ser humano, capaz de captar com seu olhar único e absoluta perspicácia, o lado mau de uma pessoa. Os traços mais marcantes no seu estilo são o barroquismo e a câmera que acompanha insistentemente os personagens. Homenageando esse diretor que admiro, posto abaixo depoimentos de atores que trabalharam com ele e cinco filmes seus que curto muito.


ALEXIS SMITH 
(1921 - 1993. Penticton / Canadá)
(“O Monstro de Londres”, 1954)

“O que impressiona de imediato em Joseph Losey é uma força e uma energia muito incomuns e, ao mesmo tempo, um grande poder de concentração. Como Raoul Walsh, ele é gerador de uma energia enorme no set e é essa energia que verdadeiramente faz o filme. Com Losey, acrescenta-se uma imaginação, uma descoberta da interioridade orgânica vivida do personagem, uma aproximação fisiológica – e logo o personagem adquire uma dimensão muito maior do que aquela que você imaginava pra ele no roteiro, uma intensidade e uma sensibilidade que possuem uma verdadeira realidade. 
 
Essa vida, ele concede a partir de reflexos pessoais cuja imaginação vem de muito longe nele; sua abordagem das coisas é ingênua, ao mesmo tempo em que seu trabalho é muito profissional. O que é impressionante em Losey é a possibilidade que o ator tem de interpretar num alto ponto emocional, sem nunca ter que baixar a intensidade. Como dizia, eu também gostei muito de trabalhar com Walsh e com Blake Edwards, que possuem uma grande imaginação, um espírito muito vivo, e um senso de humor formidável. Assim é Losey. Ele é maravilhosamente espontâneo.”.
 
HARDY KRUGER 
(1928 – 2022. Berlim / Alemanha)
(“Entrevista com a Morte / Blind Date”, 1959)

“Conhecia Joseph Losey apenas de nome quando me foi proposto fazer sob sua direção ‘S.O.S. Pacific’ e, apesar de meu interesse por ele, recusei o papel, porque o roteiro era ruim demais. Ele veio me ver e, logo em seguida, ganhei por ele uma grande simpatia. Conversamos sobre o assunto, e me dei conta que ele vislumbrava o roteiro da única forma possível. Tornamos-nos amigos, e íamos rodar quando o produtor decidiu voltar à primeira versão do roteiro. Transferimos o nosso contrato para um outro projeto: ‘Entrevista com a Morte’. Durante a preparação desse filme não reparei diferença de natureza entre Joe e outros diretores que havia trabalhado antes – ele era apenas mais aberto, mais humano. Por outro lado, tive uma espécie de revelação diante de seu trabalho no set. A primeira coisa que me espantou foi a forma com a qual, com ele, um personagem pode se desenvolver no cenário, reagir em relação a uma situação, um conjunto, o tempo, a luz. 
 
Joe também não esquece que os atores têm um corpo e que eles se expressam, antes de mais nada, pelos seus corpos. Ele lhe explica o que ele deseja, o que você tem a fazer, seu percurso, o eventual movimento de câmera, as razões de tudo e, se fiando no trabalho anterior fornecido sobre os personagens no roteiro, lhe deixa muito livre, de forma que o percurso nasça do movimento de seu corpo – você esquece até a câmera. Joe experimenta também uma grande necessidade de contato com as pessoas, uma necessidade também de ser compreendido. Durante uma filmagem fica muito próximo de seus principais colaboradores, ele se interessa por sua vida pessoal. Ele é muito concentrado e repara nas pessoas coisas que ninguém mais repararia”.
 
VIRNA LISI 
(1936 – 2014. Ancona / Itália)
(“Eva”, 1962)

“'Eva’ me agrada muito. É muito moderno. Meu personagem é um personagem não-cerebral, simples, e eu sempre estive à vontade no meu trabalho com Joseph Losey. É um diretor que tem uma comunicação muito grande, e, logo em seguida, uma corrente de compreensão e de amizade, de afinidades, se estabelece entre ele e você. Quando, no curso do trabalho, ele diz uma coisa, essa coisa – e também a força e a inteligência com as quais Losey a apresenta – é tal, que o ator a executa como por osmose. Se você não sente exatamente o que ele lhe pede, ele leva em conta suas sugestões. Ele espera dos atores reações menos mecânicas. Concede igualmente muito cuidado a tudo que diz respeito ao ambiente: o calor, a qualidade do ar, os perfumes. E, assim, seu trabalho se torna mais verdadeiro, mais real. 
 
Antes do início da filmagem de ‘Eva’, Losey fez uma leitura geral para todos os atores; depois, durante a filmagem, a cada manhã, ele reunia os atores e lhes dava informações precisas da cena a ser rodada: o que ele busca, antes de tudo, é que tudo esteja bem claro. Tenho, de minha parte, alguns desprazeres quanto a esse filme. De início, duas das minhas cenas – que significavam muito para o meu personagem – foram cortadas no conflito entre Losey e os produtores. E também o próprio Losey talvez não tenha colocado todos os personagens no mesmo plano, o que, eu acho, deveria ser feito. Enfim, ‘Eva’ não é a verdadeira natureza de Losey. Ele é formidável. Eu gostaria muito de ter a oportunidade de trabalhar novamente com ele – e, dessa vez, da forma como o conheci na vida”.
 
 

CINCO FILMES de JOSEPH LOSEY
(por ordem de preferência)
 
01
EVA
(idem, 1962)

Elenco: Jeanne Moreau, Stanley Baker e Virna Lisi

 
Filmado em Veneza e adaptado de um livro de James Hadley Chase, com a presença sublime de Jeanne Moreau, é um excelente retrato da atração de um escritor pilantra por uma mulher proibida que o humilha, negligenciando sua esposa.
 
02
O CRIADO
(The Servant, 1963)

Elenco: Dirk Bogarde, Sarah Miles e James Fox

 
Baseado em romance de Robin Maugham, explora a relação entre as classes sociais através de um jovem e rico solteiro que contrata um criado mais velho para que satisfaça as suas vontades domésticas. Pouco a pouco os papéis se invertem.
 
03
ESTRANHO ACIDENTE
(Accident, 1967)

Elenco: Dirk Bogarde, Stanley Baker, Jacqueline Sassard, Michael York, Vivien Merchant, Delphine Seyrig e Alexander Knox

 
Com leve sátira ao mundo acadêmico, apresenta o conflito entre um professor casado e outro mais jovem, ambos com as atenções voltadas para uma bela garota.
 
04
O MENSAGEIRO
(The Go-Between, 1970)

Elenco: Julie Christie, Alan Bates, Margaret Leighton, Michael Redgrave e Edward Fox

 
Homem relembra um fato ocorrido quando era garoto: serviu de intermediário entre uma mulher aristocratra e um rude fazendeiro, levando cartas de amor.
 
Palma de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cannes
 
05
CIDADÃO KLEIN
(Mr. Klein, 1976)

Elenco: Alain Delon, Jeanne Moreau, Juliet Bert, Suzanne Flon e Massimo Girotti

 
Em 1942, na Paris ocupada pelos nazistas, negociante de arte vê seus lucros aumentarem bastante quando judeus perseguidos lhe vendem obras-de-arte a preços módicos. Porém, quando um outro utilizando seu nome comete atos misteriosos e ameaçadores, ele passa a ser perseguido pela polícia.
 
Prêmio César de Melhor Filme e Melhor Direção
 

julho 29, 2023

***** A BELA BAAROVÁ – a AMANTE de GOEBBELS


 

“Aqui está uma mulher de beleza perfeita”
JOSEPH GOEBBELS
(1897 – 1945. Rheydt, Mönchengladbach / Alemanha)

 
 
Considerada a estrela de cinema mais bonita da Europa na década de trinta, ela trabalhou em filmes tchecos, alemães, italianos e espanhóis, conquistando maior popularidade no período em que atuou como contratada da companhia cinematográfica alemã Universum Film Aktien Gesellschaft (UFA). Sua fama transcendeu seu país de origem, fazendo dela uma atriz famosa mundialmente. Porém, LÍDA BAAROVÁ (1914 – 2000. Praga / Tchecoslováquia) ficou mais conhecida por sua vida fora das telas, como amante oficial de Joseph Goebbels, o terrível e poderoso ministro da Propaganda do regime nazista.
 
Filha de funcionário público, ainda criança estudou no Conservatório Estadual de Praga, e aos 14 anos estreou no teatro interpretando Julieta em “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare. Aos 17 anos, no cinema, atuou em “Kariéra Pavla Camrdy” (1931), e logo se tornou uma estrela do cinema local, conseguindo papéis em filmes para sua mãe, Ludmila Babková, e sua irmã, Zorka Janu. O sucesso da atriz chamou a atenção dos produtores da UFA, na época o maior estúdio cinematográfico europeu. Diante da proposta irrecusável, mudou-se para a Alemanha, iniciando uma bem sucedida carreira cinematográfica no país.
 
Assim que chegou na Alemanha foi presentada pelo estúdio com um Mercedes Benz prata e aplaudida por todos os funcionários da casa. O auge de sua carreira veio com o sucesso mundial de “Barcarola / Barcarole” (1935), que protagonizou ao lado de Gustav Fröhlich, um astro do cinema alemão desde os tempos do cine mudo (ele foi o protagonista do clássico “Metrópolis / Idem”, 1927, de Fritz Lang), e que chegou a filmar em Hollywood. A parceria se estendeu além das telas, e eles passaram a morar juntos em uma luxuosa vila modernista que a atriz mandou construir, onde também moravam sua mãe e irmã. A casa, feita pelo famoso arquiteto Ladislav Zák, tinha o formato de um navio.
 
 Nos primeiros meses no novo país recebeu convite para tomar chá, a sós, com o Führer Adolf Hitler, que demonstrava interesse romântico por ela, apesar de sua origem judaica. O grande ditador a recebeu em um luxuoso quarto e contou sobre sua semelhança com uma de suas ex-amantes, Gerri Raubel, que havia se matado. “Estamos satisfeitos por ter escolhido o cinema alemão”, afirmou. No próximo encontro, Hitler tentou persuadi-la a renunciar à cidadania tcheca, mas ela recusou. Não houve novos encontros. Ela havia selado sua sentença fatal.
 
Terminou casando-se com Gustav Fröhlich, seu ídolo desde a adolescência. Fizeram diversos filmes juntos, inclusive outro sucesso internacional, “Hora da Tentação / Die Stunde der Versuchung” (1936), e tornaram-se um casal queridinho do público germânico. A UFA, estúdio em que a atriz reinava, estava sofre controle estatal, e era Goebbels quem decidia que filmes seriam produzidos. Ele tinha relações sexuais com praticamente todas as estrelas do estúdio, que também tinham de estar disponíveis para outros oficiais do alto escalão nazista.
 
lída e gustav fröhlich
O destino da jovem e bela atriz poderia ter sido diferente se Goebbels não tivesse ficado fascinado por ela. Um dos personagens mais sinistros da Segunda Guerra Mundial, ele tinha um corpo franzino, pequena estatura e um pé aleijado. Ao se tornar a amante favorita do político, promoveu sua carreira, mas destruiu sua vida. O luxurioso ministro agia como se fosse o próprio Casanova. Fazia isso usando o poder decorrente de ser um dos maiores líderes nazistas e o responsável pelo cinema alemão: isso lhe permitia fazer testes do sofá.
 
O ministro possuía mansões, iates e carros de luxo, o que fica fácil quando se tem à disposição o patrimônio judeu a preço de banana. Era um namorador profissional. Ele, que padecia de transtorno narcisista, escreveu em seu diário: “Não tenho tempo para me entregar totalmente às mulheres, missões maiores esperam por mim”. Atribuía seu sucesso a seus dotes de sedutor, mas tinha mais a ver com ser difícil resistir a um cupincha de Hitler. Era chamado
(pelas costas, claro) no ministério de “cabra tarada”.
 
Casado e pai de três filhos na época, Goebbels convidou a atriz para reuniões sociais e durante meses a assediou implacavelmente. Em 1937, ela recusou uma proposta vantajosa da Metro-Goldwyn-Mayer, decisão da qual se lamentaria: “Eu poderia ter sido tão famosa quanto Marlene Dietrich”. Não foi bem assim. A verdade é que se deslumbrou com o estrelato alemão, virando as costas a Hollywood. E, além disso, havia se apaixonado por Goebbels, com quem teve um caso de dois anos.
 
Certo dia, Gustav Fröhlich chegou em casa sem avisar e flagrou sua mulher e o amante na cama. Ele insultou o ministro e desferiu um soco em seu rosto, arrancando um dente de sua boca. Como resultado, um dos maiores astros do cinema alemão acabou banido das telas e foi preso em um campo de concentração. A esposa de Goebbels, Magda, sabia dos casos extraconjugais do marido, e nada fazia em relação a isto. Porém, com o escândalo, após seu esposo ter apanhado de um ator, procurou Hitler e pediu para ele proibir o romance com a atriz. 
 
lída e joseph goebbels
Goebbels se mostrou determinado a renunciar à sua carreira no partido nazista para viver com a amante. “Se for preciso abro mão dos meus cargos, das minhas obrigações e do meu país, mas não consigo viver sem ela.”, protestou. Indignado, Hitler ordenou que ele nunca mais voltasse a vê-la. Por telefone, Goebbels acabou o romance: “Não podemos continuar. Tudo se acabou.”. E não só se afastou da atriz, como a baniu do cinema alemão, mandando retirar seu filme mais recente, “Os Homens Devem Ser Assim / Männer Müssen So Sein” (1939) dos cinemas, e destruindo todo seu material publicitário.
 
Chamada a uma delegacia de polícia, LÍDA BAAROVÁ foi intimidada e proibida de trabalhar na Alemanha ou de participar de qualquer ato social. Tomaram de volta sua luminosa Mercedes Benz. Ela foi aos estúdios para se despedir de seus colegas, mas todos lhe deram as costas. O caso custou caro. Tornou sua vida um inferno. Passou a ser vigiada pela Gestapo. Quando a II Guerra Mundial estourou, fugiu com a família para Praga. participando de filmes checos, peças teatrais e recebendo o Prêmio Nacional em 1940.
 
Com a ocupação alemã na sua pátria, foi novamente proibida de trabalhar e então viajou para a Itália, a fim de continuar sua carreira, fazendo vários papéis principais no cinema italiano.  A atriz viu Goebbels pela última vez no Festival de Veneza de 1942. Segundo o que escreveu em suas memórias – “A Doce Amargura de Minha Vida”, publicada postumamente – ele, ao vê-la, não lhe deu a menor atenção.
 
Em 1945, ela foi presa pelos norte-americanos e encarcerada por colaboração.Sua mãe teve uma parada cardíaca, morrendo durante um interrogatório, e Zorka Janu, sua irmã, acuada, cometeu suicídio, jogando-se da janela do prédio onde morava. Goebbels e sua esposa ficaram com Hitler no bunker, tirando suas próprias vidas e as de seus seis filhos, envenenados pelos pais. Terminada a guerra, em Praga, LÍDA BAAROVÁ foi condenada à morte como colaboradora do nazismo. 
 
a mansão de lída em berlim
Ficou atrás das grades por 18 meses, sofrendo um colapso nervoso e acabando internada em um sanatório psiquiátrico. Próxima do seu fuzilamento, o produtor teatral Jan Kopeckí a salvou, casando-se com ela. Fugiram para a Argentina, onde passaram necessidades financeiras, chegando a viver em situação de miséria. Na década de 1950, ela retornou à Itália, onde foi convidada por Federico Fellini para atuar em “Os Boas Vidas / I Vitelloni” (1953). Sem êxito na Itália, tentou a carreira teatral na Áustria, mas também não foi bem recebida, devido ao seu envolvimento com os nazistas. Na Espanha conseguiu seus últimos papéis, atuando em filmes menores.
 
Em 1956 ela se divorciou de Kopeckí e mudou-se para Salzburgo, onde se tornou cidadã austríaca. Em 1970, se casou com um ginecologista, Kurt Lundwal, que morreu três anos depois. Seu passado de amor com o líder nazista nunca foi esquecido ou perdoado. Mesmo na Áustria. No teatro de Graz, em 1967, um grupo de manifestantes atirou-lhe ovos. Ela continuou, enquanto pôde. Em 1975 fez parte da versão teatral alemã de “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”. Em seus últimos anos, mergulhou no álcool e justificou seus laços nazistas, dizendo que era jovem e ingênua, não tinha consciência política e que, como muitas mulheres, não podia dizer não a tais homens poderosos, por medo.
 
Morreu na Áustria, em Salzburgo, na propriedade que herdou do seu último marido, vítima de mal de Parkinson, em 28 de outubro de 2000, aos 86 anos de idade. Em 2016 sua vida foi contada na cinebiografia tcheca “Lída Baarová”, estrelada pela atriz Tatiana Pauhofová.  Ela atuou em 63 filmes. O último deles em 1958, o italiano “Il Cielo Brucia”, ao lado de Amadeo Nazzari e Antonella Lualdi.
 
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