Talvez
esta seja uma oportunidade para muita gente conhecer o valioso trabalho desta
que foi, sem dúvida, uma das mais célebres, ousadas, criativas e produtivas
atrizes nascidas no Brasil. Intensa, com alta dose de dramaticidade e emoção à
flor da pele, GLAUCE ROCHA (Campo Grande, MT, 1930 - São Paulo, SP, 1971) marcou
época. Poucas viveram com tamanha grandeza seu ofício. Uma vida curta, vigorosa
e expressiva, entregue à criação artística e a construção de uma sociedade mais
justa. Militante política sem filiação partidária, vivia em permanente luta em
defesa da liberdade de expressão e dos valores democráticos. Morreu jovem, aos
41 anos de idade, em meio às gravações da telenovela “O Hospital” (TV Tupi). Deixou na história a marca de uma atriz inigualável. Uma das maiores do cinema
brasileiro. Morena, expressão dramática, transmitia uma extraordinária emoção -
e ao longo de duas décadas de carreira atuou em dezenas de montagens teatrais, inúmeras
participações na televisão (infelizmente, pouco ou quase nada mais resta) e em 24 filmes - alguns dos quais
básicos do CINEMA NOVO. Numa entrevista ao jornal Zero Hora, em 1970, a atriz
disse: “O cinema não vale a pena monetariamente, o teatro vale um pouco mais e
a televisão mais ainda. Mas, quando a gente morre, pelo menos os filmes ficam.
Não tive um filho, não escrevi um livro e não plantei uma árvore. Ao menos me
lembrarão pelos meus filmes”.
Na
década de 1950, as chanchadas eram, como o carnaval e o futebol, sinônimo de
Brasil. O primeiro filme a citar GLAUCE ROCHA nos créditos foi justamente a
chanchada “Uma Aventura no Rio”
(1952), co-produção com o México estrelada pela famosa cubana Ninón Sevilla. Depois faria “Rua sem Sol”,
de 1954, de Alex Viany, com toques do cinema neo-realista. Sua carreira
no cinema teria destaque maior no ano seguinte, ao interpretar a namorada grávida
de um fuzileiro naval (Roberto
Bataglin) em “Rio, 40 Graus”, de Nelson
Pereira dos Santos - o precursor do Cinema Novo, que iria eclodir anos depois,
e com um outro filme referencial: “Cinco Vezes Favela” (1962), produzido pelo CPC-UNE. A atriz participa
do episódio dirigido por Leon Hirzman, “Pedreira de São Diogo”, com imagens
eisensteineanas. Em 1962, no
papel de uma prostituta, aparecia logo nas primeiras sequências do polemico “Os
Cafajestes”, de Ruy Guerra, outro filme-marco.
Em “Sol Sobre a Lama”, de 1962, mostrou ser uma atriz
à frente de seu tempo, aparecendo inteiramente nua na tela. “Rio,
40 Graus”, de Nelson Pereira dos Santos, e “Terra em Transe” (1967), de Glauber
Rocha, colocaram GLAUCE ROCHA no epicentro do chamado CINEMA NOVO. O primeiro
foi proibido em todo o território nacional pelo conteúdo supostamente “comunista”,
“ideologia contrária aos padrões de valores culturais coletivamente aceitos
pelo país” e de “conter uma tônica violenta e comportar libertinagem e práticas
de lesbianismo”. Ficou popular uma frase da atriz dita ao
coronel Menezes Cortes, responsável pela proibição da obra: “Olha, o senhor me dá
licença de acreditar na natureza humana?”. Liberado mais tarde e escolhido para
representar o Brasil no Festival de Cannes, tornou-se um marco na história do
cinema brasileiro, revelando o talento fundamental de Nelson Pereira dos
Santos.
A
atriz tem sua mais lendária atuação cinematográfica em “Navalha na Carne”, de
1969. Segundo a crítica Mariângela Alves de Lima, GLAUCE ROCHA atinge, na
interpretação da prostituta Neusa Sueli, uma “singular construção reducionista”,
economizando na configuração do trágico: “É incapaz de esboçar gestos à altura
das violências que a atingem. O rosto, encoberto pelo cabelo em desalinho e a
voz que não tem força para o grito, que, ao contrário, se reduz a um murmúrio
quando o sofrimento se intensifica, reforçam a ideia de que há sempre um degrau
mais baixo nesse calvário de humilhação. Glauce percorre, enfim, o caminho
inverso ao da progressão dramática, retirando camadas de vitalidade da sua
personagem até conduzi-la ao impressionante mutismo final”. Em outros filmes -
mesmo os mais fracos - a presença da atriz sempre foi vigorosa, um toque de
classe e qualidade, com atuações marcantes. Sua última aparição no cinema
aconteceu na comédia “Cassy Jones, o Magnífico Sedutor” (1972), produção acima
da média, mesmo aproveitando a onda de ressurgimento comercial do cinema
brasileiro através das pornochanchadas.
Ela
se fez atriz numa época politicamente difícil do Brasil, em plena ditadura
Getúlio Vargas, quando as atrizes eram consideradas, oficialmente, prostitutas
e recebiam, dos órgãos do governo, a mesma “carteirinha” de identificação.
GLAUCE ROCHA foi uma das primeiras a lutar pelo reconhecimento da sua
profissão. O pai, tenente, morreu assassinado quando ela ainda era criança,
marcando-a para sempre. Ela viveu intensamente. De gênio forte, sem papas na
língua, ainda é uma personalidade viva, dona de uma estrela que reluz até os
dias atuais. Viveu como uma predestinada. Sobre sua existência, a atriz confessou:
“Gostaria de morrer jovem. Mas, se Deus me permitir, quero partir para a outra
vida com a mocidade e a glória da minha arte”. “Eu me identifico na fixação
pela luta, mesmo com tudo adverso ao meu redor. Não desanimo nunca, não me
deixo dominar pelos reverses sofridos ou pelos obstáculos encontrados”, disse
também. Ela gostava dos cineastas Michelangelo Antonioni,
Luchino Visconti, Akira Kurosawa, François Truffaut e Jean-Luc Godard. Entre as
atrizes prediletas, Anna Magnani, Geraldine Page, Alida Valli, Melina Mercouri,
Jeanne Moreau, Cacilda Becker, Natália Thimberg, Fernanda Montenegro e Lilli
Palmer. Atores, James Mason, Charles Laughton, Anthony Perkins, Laurence Olivier,
Toshiro Mifune e Jean-Paul Belmondo.
com rubens de falco em “o exercício” |
Deu
vida a textos teatrais escritos por Garson Kanin, Eugène Ionesco, Jean Cocteau,
Anton Tchecov, Tennessee Williams, Sófocles, Bertolt Brecht, Nelson Rodrigues,
Molière, Samuel Taylor, William Gibson, Truman Capote, Ariano Suassuna e Eugene
O`Neill, entre outros. Musa por seu estilo e personagens que interpretava, GLAUCE
ROCHA atravessou duas gerações de criadores. Trabalhou sob a direção dos
renovadores dos anos 1950 - Ziembinski, Flamínio Bollini Cerri, Adolfo Celi,
Luís de Lima, Henriette Morineau - e se engajou no projeto dos novos
encenadores – Rubens Correa, Ademar Guerra, Antunes Filho, Antônio Abujamra,
Fauzi Arap, Joao das Neves, B. de Paiva. Com forte consistência intelectual, a
profissão de atriz não lhe supre inteiramente, levando-a a desenvolver a
direção, a produção, a dramaturgia e a crítica em sua vida artística. Começou em 1950,
fazendo peças infantis. Estreia em “Abertura de Um Testamento”, em
1951. Em 1952, ingressa no Teatro Duse, de Paschoal Carlos Magno. Seu
desempenho em “João Sem Terra”, de Hermilo Borba Filho, lhe vale uma carta
entusiasmada do diretor de teatro Renato Viana. Em
1960, atua em “Doce Pássaro da Juventude”, de Tennessee
Williams, direção de Ademar Guerra, pelo qual recebe o prêmio de Melhor Atriz
da Associação Paulista de Críticos Teatrais (APCT).
Participa
de montagens do Grupo Decisão, com direção de Antônio Abujamra - “Terror e
Miséria no III Reich”, de 1963; e “Electra”, 1965. O crítico Yan Michalski
observa, a respeito de seu desempenho na cena em que a protagonista trágica
recebe a urna contendo as cinzas do irmão, que “a atriz atinge um nível de
inspiração excepcionalmente elevado e projeta sua emoção para a plateia com um
impacto impressionante”. Em 1964 é dirigida por Rubens Corrêa em “Além do
Horizonte”, de Eugene O'Neill; e “À Margem da Vida”, de Tennessee Williams. Para GLAUCE ROCHA, o papel mais difícil que viveu foi o de GH, extraído do
romance de Clarice Lispector, “A Paixão Segundo GH”, no espetáculo “Perto do
Coração Selvagem”, primeira direção de Fauzi Arap, em 1965. Em suas encenações
a entrega era tanta que, ao final de alguns espetáculos, deixava o palco
febril. Em 1968, ganha o Prêmio Molière de Melhor Atriz. Em 1969, atua em “O
Exercício”, de Lewis John Carlino, direção B. de Paiva, ao lado de Rubens de
Falco. Segundo o crítico Sábato Magaldi, um “magnífico desempenho”,
conquistando em São Paulo o Prêmio Governador do Estado.
Teve
também presença marcante na TV brasileira. Entre 1952 e 1971 participou de 64 teleteatros, especiais e
telenovelas, na Tupi, Rio e
Globo. Atuou com destaque em “Passos dos Ventos” (Janete Clair, 1968), “A
Última Valsa” (Glória Magadan, 1969), “Véu de Noiva” (Janete Clair, 1969),
“Irmãos Coragem” (Janete Clair, 1969) e “O Hospital” (Benjamin Cattan, 1971).
GLAUCE ROCHA era uma das prediletas da célebre escritora Janete Clair, que sempre
a escalava. Conhecida no meio artístico pela incrível capacidade de
trabalho, a atriz passava o dia inteiro na TV, à noite no teatro e ainda
conseguia tempo para fazer cinema, lutar politicamente pela regulamentação da
carreira de ator e contra a censura (que tanto na ditadura de Getúlio quanto na
ditadura militar campeava solta). Acontece que para fazer tudo isso, tomava
remédios para dormir e remédios para acordar. Fumava muitíssimo. Engravidou
nove vezes, mas nunca teve filhos, numa maternidade negada que a deixava
frustrada.
Também não era feliz no amor. Casou-se com o ator cearense Milton
Moraes, em 1952, vivendo apenas seis meses com ele. Juntos, trabalharam em duas
peças: “Madame San Gene” (1952) e “Dona Xepa” (1953). Moraes, para quem não se
lembra, tem carreira longa e importante, destacando-se em cerca de 30 filmes
como “Gimba, Presidente dos Valentes” (1963), “Os Senhores da Terra” (1970) e
“Sagarana, o Duelo” (1973). Morreu em 1993, aos 63 anos. Glauce teve outros
companheiros. O ator Jardel Filho foi um deles. Começaram em 1966, quando
juntos fizeram a peça “Tartufo”, mas terminariam definitivamente durante as
filmagens de “Terra em Transe”. Ela trabalhava demais. A televisão
não poupava seus profissionais. Trabalhar no veículo era verdadeira maratona,
sem descanso. GLAUCE ROCHA incorporou o ritmo, mas seu corpo logo cedeu. Em
seus últimos anos de vida, chegou a passar doze horas gravando para TV, vestida
em quentes roupas de veludo. Depois seguia direto para o teatro, onde encarava
mais duas horas de espetáculo, e de madrugada fazia cinema. Nunca dava a mínima
importância ao dinheiro. Mal remunerada, muitas vezes trabalhando de graça
(principalmente no cinema), sempre ajudava a todo mundo, sem olhar a quem.
Nos
últimos anos de vida, consagrada, vivia freneticamente. Além da intensa atuação
política, não relutava em abrir mão do sono das madrugadas para trabalhar. Adorava
ler, de Clarice Lispector a Guimaraes Rosa, passando por Jorge Amado. Gostava
de MPB e música clássica. Era carinhosa, inclusive com os animais. Não fazia
pose, não se importava em ser conhecida. Sorria pouco, quase sempre calada e
seca. Franqueza, lealdade e generosidade são as características mais lembradas
por seus amigos. Sempre que podia visitava no Rio de Janeiro, o Retiro dos
Artistas, casa de abrigo a atores aposentados. Depois do seu falecimento, o
jardim do lugar passou a ser chamado “Jardim Glauce Rocha”. O fim da censura
foi uma de suas maiores lutas. Viveu de perto o drama de ter de ficar em
silêncio vendo seu trabalho proibido. No seu camarim, havia um bocado de
remédios, entre calmantes e excitantes, que tomava regularmente. Morre
precocemente, de súbito enfarte, aos 41 anos de idade (ou 38, como alguns
afirmam), em 1971, recebendo um Prêmio Molière póstumo, pelo conjunto de
trabalhos. GLAUCE ROCHA, mais do que uma atriz, foi um marco na dramaturgia
brasileira. Atriz maravilhosa, um dos maiores ícones de um país sem memória.
FILMOGRAFIA COMPLETA
1952
Uma AVENTURA no RIO
direção de Alberto Gout
Produção
mexicana com exteriores no Brasil e estrelada pela estonteante rumbeira Ninon
Sevilla. Glauce passou oito dias filmando, resultando quinze minutos em cena.
1954
RUA SEM SOL
Um
dos melhores críticos cinematográficos do país, este foi o segundo
longa-metragem de Viany. Glauce faz Marta, um papel de grande dramaticidade,
uma mulher digna e corajosa que se vê obrigada a trabalhar num sórdido cabaré
por problemas financeiros. Foi muito elogiada, ganhando o seu primeiro premio,
o de Melhor Atriz no Festival de Cinema do Distrito Federal. O filme foi fracasso de público e crítica.
1955
RIO, 40 GRAUS
Uma
mistura de drama, comédia, melodrama e chanchada, com interpretações musicais e
toque neo-realista, contando várias histórias interligadas umas nas outras,
tendo como ponto de referencia os meninos que descem dos morros cariocas para
vender amendoim torrado em locais turísticos. Feito em regime cooperativo e com
precárias condições materiais. Glauce personifica Rosa, a nordestina seduzida
pelo fuzileiro naval (Roberto Bataglin), formando o par amoroso desde filme
preocupado com a realidade urbana das grandes cidades, com o qual nascia o
cinema brasileiro de ideias, como instrumento de avanço cultural. No elenco, o mítico
Jece Valadão.
1957
O NOIVO da GIRAFA
A
história das confusões vividas por Aparício Boamorte (Amácio Mazzaropi) que
trabalha no Jardim Zoológico e tem uma girafa como confidente para desabafar as
broncas que leva de todas as pessoas com quem se relaciona. Glauce faz Inesita.
1958
TRAFICANTES do CRIME
direção de Mario Latini
Policial
com Glauce como Marina, uma moça que é assassinada, por engano, pelo chefe de
uma quadrilha de traficantes de drogas.
1959
Um CASO de POLÍCIA
direção de Carla Civelli
Comédia
baseada numa história de Dias Gomes. Glauce faz
Belinha.
1961
MULHERES e MILHÕES
direção de Jorge Ileli
Depois
de assalto a agencia bancária, bandidos são perseguidos pela polícia. Com diálogos
adicionais de Nelson Rodrigues, é um policial eficiente com abordagem social e
temperatura tensa. Com as divas Norma Bengell e Odete Lara. Num papel
coadjuvante, Glauce ganhou vários prêmios, entre
eles, o Governador do Estado (SP) e o Saci.
1962
Os CAFAJESTES
direção de Rui Guerra
Moderno
e audacioso, com nítidas influencias da Nouvelle Vague, centra-se no
comportamento estúpido de personagens desocupados da classe média. Num papel
bastante expressivo no prólogo do filme, faz uma prostituta, sendo premiada
como Melhor Atriz Coadjuvante pela Associação Brasileira de Cronistas
Cinematográficos. Censurado na época, tem no elenco Jece Valadão e Norma
Bengell.
1962
CINCO VEZES FAVELA
Episódio “Pedreira de São Diego”
direção de Leon Hirszman
direção de Leon Hirszman
Um
dos primeiros ícones do Cinema Novo. Divide-se em cinco episódios
passados em favelas. Revelou grandes diretores, principalmente Joaquin Pedro de
Andrade e Leon Hirszman. No episódio de Glauce, Sadi Cabral, Joel Barcellos e
Zózimo Bulbul.
1962
QUATRO MULHERES PARA um HERÓI
(Homenaje a la Hora de la Siesta)
direção de Leopoldo Torre Nilson
Co-produção
franco-argentina protagonizada pela estrela italiana Alida Valli. Repórter
francês assiste a uma homenagem em honra de quatro protestantes assassinados
por indígenas. Glauce é uma das viúvas, Berenice Bellington. Nunca foi exibido no Brasil.
1963
MARAFA
direção de Adolfo Celi
Baseia-se
numa história de Marques Rebelo. Roteiro de Millôr Fernandes. Não chegou a ser
concluído, filmaram apenas uns dez minutos. Glauce Rocha e Agildo Ribeiro eram
os protagonistas. Foram rodadas cenas durante o carnaval do Rio de Janeiro, com Glauce pegando fogo pela rua afora, que era justamente a
última sequencia do filme.
1963
SOL SOBRE a LAMA
Tendo
como cenário a feira de Água de Meninos, em Salvador, conta a história de dois feirantes
líderes interpretados por Geraldo Del Rey (Valente) e Roberto Ferreira (Vadu).
O primeiro defendendo uma política de não violência contra os métodos
agressivos do segundo. Glauce vive Pureza, a explosiva namorada de Valente, vendedora
de carimã. No elenco de luxo, Othon Bastos, Teresa Rachel, Antonio Pitanga e
Jurema Penna.
1965
O BEIJO
direção de Flávio Tambellini
Adaptação
da peça “O Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues. O drama de um homem (Reginaldo
Faria) que, assistindo a um moribundo, recém-atropelado, atende-lhe ao pedido
de um beijo, provocando uma reviravolta em sua vida. Glauce faz uma dona de
boate, uma mulher misteriosa e cheia de sabedoria. O filme gerou muita
polemica.
1966
ENGRAÇADINHA DEPOIS dos TRINTA
direção de J. B. Tanko
No
segundo semestre de 1959, os leitores do jornal Última Hora se deliciaram e se
escandalizaram diariamente com as aventuras dos personagens de “Asfalto
Selvagem”. O folhetim de Nelson Rodrigues tinha sexo, violência e adultérios
saindo pelo ladrão. Nesta adaptação, revela-se essa rede de relações perigosas.
Há mesmo uma sugestão de atração homossexual disfarçada de violência, o que
leva a história para as páginas policiais. Pode ser visto também como uma
espécie de crônica do Rio de Janeiro dos anos 1960, na visão do grande dramaturgo
moralista. As cenas de abertura, com o calçadão de Copacabana e o trem chegando
a Vaz Lobo, fazem a cartografia das classes sociais. A Barra da Tijuca, ainda
bastante inexplorada, era o território da evasão e do pecado. O Centro da
cidade, com suas lojas e redações de jornal, era onde se dava o comércio de
desejos. No papel de Engraçadinha, Irma Álvarez, uma das musas do cinema
brasileiro de então. Nascida na Argentina, Irma foi vedete de Carlos Machado e
uma das “Certinhas do Lalau”, concurso de beleza promovido pelo escritor
Stanislau Ponte Preta na década de 50. Foi uma atriz dada a ousadias, como
protagonizar a primeira fotonovela brasileira, desfilar de biquíni no
Copacabana Palace e raspar completamente a cabeça para filmar com Ruy Guerra o
inacabado “Cavalo de Oxumaré”. Irma faleceu em 2007, aos 73 anos. A voz de
Engraçadinha, no entanto, não é dela, mas de Glauce Rocha, que a dublou (além de atuar no filme).
1967
A DERROTA
Um
homem (Luís Linhares) é aprisionado por um bando, num velho casarão.
Procuram-lhe tirar informações. O prisioneiro resiste aos maus tratos e tentativas
de persuasão. Sua mulher (Glauce), porém, rende-se às exigências, satisfazendo,
inclusive, aos desejos do chefe. O diretor, Fiorani, um italiano radicado no
Brasil, era também poeta e escritor. A atmosfera do filme é opressiva e
angustiante. Libelo contra a violência e a brutalidade, revela cenas de
tortura. Na direção de fotografia, Mário Carneiro.
1967
TERRA em TRANSE
Contraditório como a própria realidade espelhada, esse filme barroco brilha no lirismo dos diálogos e na beleza plásticas de suas cenas, refletindo a realidade social e o pensamento politico de um tempo. O inquieto Glauber fala de mazelas e incoerências. Glauce faz Sara, uma líder estudantil apaixonada por um poeta atormentado (Jardel Filho). Ainda no elenco, Paulo Autran, Paulo Gracindo, Jofre Soares e José Lewgoy. Censurado, foi premiado em Cannes e ganhou elogios mundo a fora. Glauce levou o prêmio Governador do Estado (SP) de Melhor Atriz.
1968
Na MIRA do ASSASSINO
direção de Mario Latine
Criminal
modesto. Baseado no romance de Berliet Jr., conta uma aventura policial algo
ingênua. Com Agildo Ribeiro, Milton Gonçalves e Paulo Gracindo. Glauce faz
Magricela.
1968
JARDIM de GUERRA
direção de Neville D`Almeida
Primeiro
longa-metragem do mineiro D`Almeida, inicialmente interditado pela censura federal.
Na trama, Edson, sem dinheiro e sem emprego, recorre a um tipo estranho que tem
contato com o submundo. Incumbido de missão, termina nas mãos de uma
organização criminosa. Glauce interpreta uma interrogadora neste filme
politizado e experimental. Fotografia do lendário Dib Lutfi. Com Joel Barcellos
e Zózimo Bulbul.
1969
TEMPO de VIOLÊNCIA
direção de Hugo Kusnet
Primeiro
filme do argentino Kusnet. Glauce, em participação especial, faz dona Maria da
Glória, esposa de um jornalista, que ousada e corajosamente denuncia, através
da imprensa, uma quadrilha de contrabandistas e passa a ser perseguido.
Fotografia de Ricardo Aronovich. Tônia Carrero é a estrela deste
eficiente policial. Pelo desempenho, Glauce levou o Troféu Candango de
Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Brasília.
1969
INCRÍVEL, FANTÁSTICO, EXTRAORDINÁRIO
direção de C. Adolpho Chadler
Quatro
episódios baseados no programa radiofônico de Almirante. Com Cyl Farney.
1969
NAVALHA na CARNE
Filme de estreia de Chediak, ficaria nas mãos dos censores durante um ano. Filmado logo após o sucesso da peça teatral de Plínio Marcos, fala da relação conturbada de três marginalizados: um faxineiro gay (Emiliano Queiróz), uma prostituta (Glauce) e seu amante rude (Jece Valadão). Como Norma Sueli, Glauce foi elogiada até pelo prestigioso crítico do New York Times, Vincent Canby: “Ela é soberba, demonstra grande personalidade, controle e disciplina, sustentando o melodrama. Lembra Jeanne Moreau”.
1970
Um HOMEM SEM IMPORTÂNCIA
direção de Alberto Salvá
Flávio
(Oduvaldo Vianna Filho), filho de um mecânico rude, com recortes de classificados no bolso, percorre escritórios, em busca de melhor
colocação. Amargo e humano, o filme cresce nas sequencias com Selma, a desquitada interpretada por Glauce.
1971
DIA MARCADO
direção de Iberê Cavalcanti
Glauce
faz Glória, uma tenente de polícia disfarçada de enfermeira, que se apaixona
por um ladrão internado. Fotografia de Jorge Bodansky. Com Leila Diniz.
1972
CASSY JONES, o MAGNÍFICO SEDUTOR
direção de Luiz Sérgio Person
Comédia
colorida onde se enfocam as aventuras de um conquistador inveterado, que
promove uma série de trapalhadas. Person cria situações cheias de absurdo e non sense, desenvolvendo uma narrativa
intencionalmente marcada pelo descompromisso e pelo humor erótico. Inspira-se
nas comédias leves do cinema italiano. Glauce faz a zelosa Frida, cuidando a
toda hora da integridade sexual de Clara (Sandra Bréa).
SOBRE GLAUCE ROCHA
ANTUNES FILHO
(diretor teatral)
“Eu
tenho da Glauce assim uma lembrança extraordinária como atriz, porque toda a
minha geração considerava a Glauce, ao lado da Cacilda Becker e da Fernanda
Montenegro, as três maiores atrizes do país. Mas o que é fundamental dizer é
que a inteligência e a sensibilidade da Glauce Rocha eram uma coisa assim, pra
mim, estarrecedora, ela era muito inteligente,
discutia qualquer assunto, sabia das coisas.”
BIBI FERREIRA
(atriz e diretora teatral)
“Era
uma mulher sem defeitos para representar. Não tinha truques, não usava lugares
comuns. Ela era pura, simples, dedicada ao trabalho. Não busca nunca o brilho
narcisístico. Tinha uma voz extraordinária e a usava como ninguém, sem artifícios.”
CLARICE LISPECTOR
(escritora)
“Como
explicar o que aconteceu no palco? (...) A GH surgiu de rosto nu e exposto no
palco. A voz falava de uma profundidade que me fez entender então ainda mais o
que GH significava. Os gestos de eram sóbrios, no entanto ela
vibrava. E eu, sentada na plateia, fui obrigada a me respeitar: Glauce Rocha
tinha feito isso por mim. Ela é uma grande atriz, não só pelo fino talento mas,
também, porque é uma grande pessoa.”
JOSÉ WILKER
(ator)
“No
Rio dos anos 1960, descobri uma companhia teatral incrível, o Grupo Decisão,
dirigido pelo Abujamra, onde vi um dos maiores momentos de teatro da minha
vida: Glauce Rocha fazendo Electra! Se não me engano, assisti a esse espetáculo
umas 40 vezes! O trabalho dessa mulher foi a maior lição de teatro que aprendi
na vida.”
SÁBATO MAGALDI
(crítico teatral)
“Tinha
a verdade inata das grandes atrizes. Que se distinguia nela? Lembre-se a
elegância e a firmeza de seus movimentos no palco. A expressão corporal
dava-lhe um domínio raro em cena. O que mais impressionava nela, porém, era a
máscara flexível, cheia de personalidade, que registrava com extrema rapidez os
mais desencontrados sentimentos. Uma voz de timbre agradável, que se prestava
aos diálogos suaves, adquiria uma autoridade exemplar nos momentos dramáticos.”
TÔNIA CARRERO
(atriz)
“Não
sou atriz de talento. Sou uma atriz de trabalho. Tudo que fiz na vida foi
por determinação. Sei que não nasci tão atriz quanto uma Cacilda Becker ou
Glauce Rocha.”
YAN MICHALSKI
(crítico teatral)
“Em
talento puro, vibração dramática, força de personalidade, ela podia rivalizar
com as nossas melhores atrizes. Em dedicação, seriedade de trabalho, garra,
consciência de seu papel social de atriz, ela estava um passo à frente de
muitas das suas famosas colegas. O desaparecimento de Glauce tem algo de chocante e escandaloso, talvez por sentirmos que
aquilo que ela tinha para nos dar era bem mais do que o muito que já nos dera.”
MAIS SOBRE GLAUCE ROCHA
Documentário
“A Estrela Anunciada”, de Sônia Garcia. Conta a trajetória da atriz.
Monólogo
“O Belo Indiferente”, de Jean Cocteau, gravado em vinil pela artista em 1967.
Livro
“Glauce Rocha, Atriz, Mulher, Guerreira” (1996), de José Octávio Gizzo.
55 comentários:
Quem viu Glauce nos palcos teve um privilegio extraordinario: impossivel esquecer como ela fazia rir em Tartufo, como era versatil em "O Exercicio" e como deixava a plateia impactada como atriz de tragedia (a unica desse nivel que ja tivemos em Electra. Sua morte precoce me frustra ate hoje, mais de 40 anos depois pois nao tivemos nem nas grandes Cacilda e Fernanda uma atriz tao visceral como Glauce.
Quem viu Glauce nos palcos teve um privilegio extraordinario: impossivel esquecer como ela fazia rir em Tartufo, como era versatil em "O Exercicio" e como deixava a plateia impactada como atriz de tragedia (a unica desse nivel que ja tivemos em Electra. Sua morte precoce me frustra ate hoje, mais de 40 anos depois pois nao tivemos nem nas grandes Cacilda e Fernanda uma atriz tao visceral como Glauce.
Que fantástica a história dessa mulher! Muito obrigada pela oportunidade de conhecer gente tão gente assim.
Bela matéria
Atuações antológicas e inesquecíveis. Que atriz maravilhosa! Aplausos eternos.
que mulher linda. e que força.
me lembro de Glauce, eu um menino mesmo, na Tupi no Sumaré, a Campo Grandensse Glauce que morreu de exaustão por trabalhar com uma paixão desenfreada, linda, forte, brasileirissima, Matogrossensse, olhinhos puxados, inesquecível. Temos pudores com memórias e filmes e peças de nossos astros, que tem coisas lindas em suas vidas. Glauce fazia platéias suspirarem e eu já sabia o que era uma diva. Esteja linda en seu céu, Glauce., com um pé de guavira por perto.
Amava!
Gláuce, um amor se pessoa... Além de excelente atriz!
Eu tive o privilégio e a honra de dividir o palco com ela!!
Uma grande e intensa atriz
Divina .
Em "O noivo da girafa", com Mazzaropi, divina Glauce.
Excepcional atriz!!!! Eu amava!!! Fonte de inspiração
Em Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector, no teatro dirigida pelo grande e tb saudoso Fauzi Arap.
Glauce foi única e de uma linhagem que desapareceu com Isabel Ribeiro
Seu melhor papel foi em NAVALHA NA CARNE, dirigida pelo Braz Chediak. Não sei por que insistem em esquecer, também, este que é um dos maiores filmes do cinema brasileiro em todos os tempos.
Concordo. É um dos maiores filmes que já vi na vida. Glauce Rocha, Emiliano Queiroz e Jece Valadão dão um show inesquecível. Braz Chediak é um grande cineasta. Glauce Rocha é genial. Assistam NAVALHA NA CARNE e constatem.
Glauce Rocha fez algum trabalho com Jardel Filho ?.Vi os dois juntos em um restaurant a anos no Rio.
Havíamos terminado de filmar NAVALHA NA CARNE e fui para Vassouras dirigir os atores de MEU PÉ DE LARANJA LIMA.
No final de semana, Glauce foi nos visitar. Quando chegou, estávamos fazendo uma cena e resolvi colocar um figurante passando numa esquina, para dar equilíbrio ao quadro. Não tinha figuração.
Então ela se aproximou, toda séria e humilde, e pediu para fazer.
Ponderei que era só uma figuração.... e ela me respondeu: “não faz mal, fica o registro da minha presença no filme!”
Ela fez a cena. Não sei se foi editada. Coisas do cinema daquela época.
MAS MOSTRA BEM QUEM ERA GLAUCE, QUE MULHER QUE AMAVA SUA ARTE, E A TRATAVA COM HUMILDADE E RESPEITO.
Viva a grande Glauce Rocha e a todos os que fizeram esse filme maravilhoso, dirigido pelo Braz Chediak. É preciso lançar ele mais vezes.
Que bom ver Glauce Rocha sendo lembrada. Uma atriz admirável que estava nos meus planos dirigir. Uma pessoa doce, incrível. Acho que sim, ela teve um caso com Jardel Filho. ,
Teve, sim.
Mas não foram felizes. Jardel, maracilhoso, Alfredo Sternheim, não era fácil. E adoro o teu livro da Dulce Damaceno de Brito.
Jardel era muito temperamental. Diz que uma vez ele jogou Miriam Persia, com quem tava casado, vestida, na piscina.
Minha maior emoção em teatro até hoje foi vê-la em Electra, nos anos 1960.
Uma das melhores atrizes brasileiras !
não esqueço o trabalho da atriz na peça "o exercício", no teatro glaucio gil.
Tenho os DVDs da novela Irmãos Coragem, em que ela interpretou Estela. Acredito que um dos últimos trabalhos dela...
Lembro-me muito bem de Glauce em Terra em Transe. Não sabia nada sobre a vida tão intensa e dedicada à arte!
Abraços!
Minha maior emoção em teatro até hoje foi vê-la em Electra, nos anos 1960.
Uma atriz e tanto!
E um ser humano maravilhoso! Amiga, parceira, solidária... E fez a diferença politicamente, defendendo a democracia.
Alguém se lembra de uma peça chamada" Soraia Posto 6," com a Glauce?
Ôi, Jorge Gomes. A peça era SORAIA POSTO DOIS, com Glauce e Jece Valadão. O autor era o Pedro Block. Houve outra que era POSTO 6, mas não me lembro do nome do autor, do diretor e dos atores. Creio que o título era: COPACABANA POSTO 6", mas não tenho certeza.
Magnífica Glauce Rocha.
Aplausos eternos para a Glauce.
Brasil é um país de difícil memória.
INESQUECÍVEL....
SAUDOSA COLEGUINHA, TRABALHAMOS EM "PEDREIRA DE SÃO DIOGO" E "JARDIM DE GUERRA, SENSIBILIDADE A FLOR DA PELE, VIVA EM MINHA MEMÓRIA!!!! ONDE ESTIVER JAMAIS SERÁS ESQUECIDA!!!!!
Jamais, Joel querido! Fui "filha" dela em "O Milagre de Ana Sullivan", em 1961, e, depois de 54 anos, ainda tenho na memória o misto de força e doçura que moravam em seu olhar. Grata por essas lembranças!
Muito obrigada pela oportunidade de conhecer essa história tão extraordinária!!
Glauce, Glauce...
Ah Antonio Nahud.....vc sempre nos trazendo imgens bárbaras...gerando comentarios bacanas..
Inesquecível!!!!
Ela morreu há 17 anos de um infarto e seu nome hoje está em praças, teatros - inclusive o que pertence à Fundação Nacional das Artes Cênicas e outros locais. Em Curitiba, por iniciativa de Antônio Carlos Guerber, quando diretor artístico da Fundação Teatro Guaíra, deu nome à biblioteca do antigo Curso de Arte Dramática mantido por aquela instituição. Glauce Rocha, mais do que uma atriz, foi um marco no teatro brasileiro dos anos 50 a 60.
Linda. Joel Pizzini tem um belo filme chamado Glauces
Aqui em Campo Grande, cidade natal dela, onde vivo, há um acervo doado pela família e amigos. Está no MIS. E também tem o Teatro Glauce Rocha, em pleno funcionamento, na Universidade Federal, UFMS. Gostaria de fazer mais... Talvez, preparar para agosto, seu mês natalino, um dia de filme com ela... Brasil afora, onde alguém lembra e puder ajudar a fazer...
A expressiva interpretação no filme (A Navalha na Carne)
Gran atriz e gran mulher
Infelizmente o Brasil não tem memória. Uma pena!
Uma grande atriz... vi em Teatro , Cinema e TV...
Vi varias novelas 1 peça de teatro e conheço o teatro Glauche Rocha no Rio.
É um País sem memória mesmo.
Conheci Glauce desde seus trabalhos em TV.No Teatro dois grandes trabalhos: O EXERCICIO no Teatro Aliança Francesa.Nesta mesma noite presente na plateia Hebe Camargo.
O segundo espetáculo que assisti com Glauce Rocha foi UM UISQUE PARA O REI SAUL de Cesar Vieira na abertura do Festival de Teatro Amador do Sesc Anchieta Dr.Vila Nova.
Para quem conheceu seus trabalhos de atriz como eu só podemos dizer qqueGlauce Rocha continuará sempre viva em nossa memoria e no nosso coração .Saudades.
Conheci Glauce desde seus trabalhos em TV.No Teatro dois grandes trabalhos: O EXERCICIO no Teatro Aliança Francesa.Nesta mesma noite presente na plateia Hebe Camargo.
O segundo espetáculo que assisti com Glauce Rocha foi UM UISQUE PARA O REI SAUL de Cesar Vieira na abertura do Festival de Teatro Amador do Sesc Anchieta Dr.Vila Nova.
Para quem conheceu seus trabalhos de atriz como eu só podemos dizer qqueGlauce Rocha continuará sempre viva em nossa memoria e no nosso coração .Saudades.
Verdade. Sou apaixonada pelo filme. E me apaixonei por ela.
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