março 12, 2011

*** SALA VIP: “SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA”



SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA
(1965)

País: Brasil
Gênero: Drama
Duração: 111 mins.
Produção: Renato Magalhães Gouvêa
(Socine Produções Cinematográficas)
Direção e Roteiro: Luís Sérgio Person
Fotografia: Ricardo Aronovich
Edição: Glauco Mirko Laurelli
Música: Cláudio Petraglia
Cenografia: Jean Laffront (d.a.)
Elenco:
Walmor Chagar (“Carlos”), Ana Esmeralda (“Hilda”),
Eva Wilma (“Luciana”), Ottelo Zeloni (“Arturo”),
Darlene Glória (“Ana”), Etty Frazer,
Silvio Rocha e Nadir Fernandes

Nota: ***** (ótimo)

Prêmios:
Prêmios Saci de Melhor Filme, Melhor Direção
e Melhor Edição

AGONIA na TERRA PROMETIDA


walmor chagas
Cinemanovista, marginal, regional ou paulista, reconhecido como um dos filmes mais representativos da filmografia brasileira, a tentativa de rotular SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA já foi motivo de inúmeros artigos, ensaios e teses de mestrado. Rico esteticamente e socialmente, mistura documentário e ficção de maneira equilibrada, usando cortes repentinos, num estimulante exercício de linguagem. 

Fala da crise existencial do jovem e vitorioso empresário Carlos (Walmor Chagas), perdido num mundo que o leva a ganhar dinheiro a qualquer custo – numa terra prometida, a capital paulistana, em desenvolvimento desordenado e em crescimento industrial, símbolo então da prosperidade e da abundância. Esse dilema do personagem central é conduzido pelo diretor e atores como se ele estivesse sofrendo de uma espécie de homossexualidade reprimida. Em torno dele, uma esposa mimada (Eva Wilma), que insiste na perpetuação da posição social de sucesso financeiro; a ex-amante fútil e interesseira (Darlene Glória); e o sócio (Zeloni), um imigrante italiano que enriqueceu à base de golpes desonestos, envolvendo-o na corrupção. Com habilidade magistral, Walmor Chagas, na época marido e parceiro profissional da atriz número um do teatro nacional, Cacilda Becker, expõe a angústia e o desequilíbrio necessários para evidenciar o inconformismo de Carlos.


walmor e darlene glória
Incômodo e transgressor, agressivo na sua análise intimista, cronista sombrio da vida, de uma moral atormentada, o filme retrata a desumanidade de uma grande cidade, captada generosamente pela fotografia de Ricardo Aronovich, mestre argentino que em sua temporada brasileira filmou com Ruy Guerra, Leon Hirszman e Eduardo Coutinho.  São imagens opressoras de arranha-céus, indústrias automobilísticas, a avenida Paulista, o viaduto da Sé, o parque do Ibirapuera, a multidão anônima, exposições de arte, imigrantes, pregadores religiosos, estacionamentos futuristas, o subúrbio, etc. Uma honesta crônica de costumes que lembra Yasujiro Ozu em sua poesia e autenticidade. Mas embora tenha como cenário uma cidade, não se apega aos trejeitos dela. 

Diferente do Cinema Novo, por exemplo, cuja tentativa válida de politizar o cinema brasileiro esbarra na repetição exaustiva de temáticas relacionadas à pobreza e a figuras como a do cangaceiro, do retirante ou a do político corrupto. Em SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA não há uma tentativa da estatização do paulistano burguês. É um cinema ordinário, urbano e universal. O original ponto de vista do filme é marcado pela bonita música de Claudio Petraglia e um elenco pontuado por nomes notáveis em pequenos papéis: Etty Frazer, Silvio Rocha e Ottelo Zeloni. Uma sensual Darlene Glória - antes da explosão definitiva em “Toda Nudez Será Castigada” (1974) -, brilha em closes, molhada, dançando, ou quando canta o refrão “soy pecadora como mujer de filme mexicano”

Entretanto, depois da metrópole, a mais comovente protagonista da obra é a bailarina espanhola Ana Esmeralda. Interpretando a intelectual Hilda (será uma referência a poeta Hilda Hilst, que na década de 60 tinha vida semelhante naquela cidade?) com magnetismo, constrói um personagem profundo em seu infortúnio. “Eu devo amar”, ela diz. Hilda, a que queria demais da vida, cheira lança-perfume, tem diversos amantes, veste-se elegantemente e fala com sabedoria: “Quem não viu Guernica, de Picasso, não conhece nada de pintura”, ensina ao companheiro. O seu suicídio acelera a insatisfação de Carlos.

walmor e eva wilma
O diretor e roteirista paulista Luís Sérgio Person, que morreu em 1976, aos 39 anos, vítima de um acidente de carro, não passou para a história como Glauber Rocha ou Nelson Pereira dos Santos, mas sem dúvida com este filme construiu uma das obras mais sólidas do cinema brasileiro. Dois anos depois, repetiria o feito com “O Caso dos Irmãos Naves”, com Juca de Oliveira e Raul Cortez no elenco. Seu talento dramático e pictórico particularmente se destaca na abertura operística, no furioso beijo trocado entre os amantes na praia do Guarujá e nos rostos filmados nas ruas, a serviço da investigação de uma cidade (e do homem urbano), numa perspectiva ideológica vital. Atmosfera de cubículo, planos fechados, ambientes pequenos. Não há a grandiloqüência na São Paulo retratada por Person. Há, sim, uma banalização. 

SÃO PAULO SOCIEDADE ANÔNIMA é o Brasil dos anos 60 e o de hoje: futebol, praia, negócios desonestos, televisão, valores familiares em decadência, o poder da mídia e o culto às celebridades, embora revele uma certa ingenuidade esperançosa, diferente do cinismo e  descrença  atuais. Atrevido, com uma opção estética em aberta confrontação com o enfoque dominante do cinema brasileiro, numa audaz indignação formal que propõe novas formas cinematográficas, é radical e verdadeiramente moderno, bonito em sua memória subjetiva exposta, clássico de referência para o desenvolvimento de uma cinematografia inteligente e harmoniosa. Qual o filme nacional do século 21 que seria capaz de finalizar com o protagonista afirmando, alucinado: “Recomeçar. Mil vezes recomeçar. Recomeçar de novo, recomeçar sempre. Recomeçar”? Não me lembro de nenhum, nem mesmo os mais experimentais de Júlio Bressane.

FILMOGRAFIA de LUÍS SÉRGIO PERSON

AL LADRO 
(CM, 1962)

L’OTTIMISTA SORRIDENTE 
(CM, 1963)

IL PALAZZO DORIA PAMPHILI 
(1963)

SÃO PAULO S/A 
(1965)

Um MARIDO BARRA LIMPA 
(1967)

O CASO dos IRMÃOS NAVES 
(1967)

TRILOGIA do TERROR
(Episódio, “A Procissão dos Mortos”, 1968)

PANCA de VALENTE 
(1968)

CASSY JONES, o MAGNÍFICO SEDUTOR 
(1972)

VICENTE do REGO MONTEIRO 
(1974)


4 comentários:

Marcelo Castro Moraes disse...

Até então era-me desconhecido esse filme. É bom todos nos redescobrir esses clássicos brasileiros, pois o cinema brasileiro não se vive apenas após retomada.

linezinha disse...

Eu tb não conhecia esse filme vou procurar assistir,o Luís Sérgio Person é um cineasta que está sendo redescoberto pela mídia e o cinema brasileiro atual, a 1 vez que ouvi falar dele foi quando lançaram um documentário sobre ele se não me engano saiu em 2009 ou 2010 e ele é pai da ex apresentadora da Mtv Brasil Marina Person

Dilberto L. Rosa disse...

Com certeza, um dos melhores filmes de todos os tempos (está na minha lista dos 50 melhores: confira em antigo post nos Morcegos!)! Tive o inesquecível prazer de assistir a essa obra-prima no mesmo cinema em que estava o Walmor, aqui em São Luís, numa mostra do Guarnicê de Cine e Vídeo em sua homenagem! O mais legal foi dizer ao final, apertando sua mão: "Trabalho primoroso, Sr. Walmor! Quando o Sr. volta a atuar?"... Abração, excelente postagem e ainda mais excelente lembrança de um filme injustamente esquecido!

David Cotos disse...

Esa cinta provoca verla, no creo que la vendan en Perú, pero me voy a grabar el nombre. Gracias por el resumen. Saludos.