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jacques perrin e marcello mastroianni em “dois destinos” |
Todos os
meus filmes se parecem,
do primeiro ao último. Neles, como na vida,
amar é
inútil, porque amar implica
a infelicidade. É inútil acreditar
em alguém porque
irá se desapontar.
Definitivamente, se trata sempre
não da tragédia
existencial,
mas da tristeza existencial.
VALERIO ZURLINI
VALERIO ZURLINI
Não há
cineasta mais delicado
do que Valerio Zurlini. É um autor
cuja doçura triste, delicadeza
de traço,
constância, têm muito a nos dizer.
Sobre a vida, sem dúvida,
mas
também sobre o cinema.
INÁCIO ARAÚJO
(1948. São Paulo / SP)
crítico de cinema
INÁCIO ARAÚJO
(1948. São Paulo / SP)
crítico de cinema
Embora o nome de VALERIO ZURLINI (1926 – 1982. Bolonha / Itália) seja respeitado, raramente se encontram referências a sua obra em livros sobre cinema. Não compreendo porque motivo a literatura cinematográfica especializada demonstra completa ignorância em relação ao cineasta. Autor de algumas das mais singulares obras-primas produzidas entre os anos 1950 e 1970, no esplendor da era de ouro do cinema italiano, investiu uma rara delicadeza para compor narrativas intimistas. Nos seus filmes enxergamos a Itália através das percepções de um artista sensível e culto, visualmente influenciado pelos pintores Giorgio de Chirico, Giorgio Morandi e Ottone Rosai. Conhecido como o “Poeta da Melancolia”, sua criação fílmica mostra paisagens melancólicas, além de expor uma visão minuciosa e inquietante através de personagens muito bem construídos emocionalmente. Dirigiu apenas oito longas-metragens. Nos seus últimos anos de vida se dedicou ao ensino no Centro Sperimentale di Cinematografia em Roma.
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valerio zurlini |
Em 1961, rodou “A Moça com a Valise”, um filme
afetuoso e delicado de um amor platônico entre um adolescente e uma mulher um
pouco mais velha. Em 1962, concretizou o seu projeto “Dois Destinos”, adaptação
de outra obra de Pratolini, onde mais uma vez predomina a poesia dos
sentimentos. Após
alguns filmes menores, VALERIO ZURLINI voltou a lidar com o mundo dos
sentimentos, mas desta vez gravitando em torno das dúvidas existenciais e do
fantasma da morte, em “A Primeira Noite de Tranquilidade”, de 1972. Com grande
habilidade, em 1976, dirigiu a versão cinematográfica de “O Deserto dos
Tártaros”, que traduziu o romance mais popular de Dino Buzzati em imagens
esplêndidas. Cineasta da melancolia, ele filmava a trajetória humana em busca de sua
própria identidade. Não parece há saída para os seus personagens senão
viver a vida, mesmo na crença de que não havia objetivo nenhum na
existência. Talvez o que una todos esses personagens seja a tristeza.
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zurlini e jacques perrin |
Após sua morte, seu trabalho caiu em relativa obscuridade, mas recuperou popularidade na década de 2000, depois que várias de suas retrospectivas foram recebidas com sucesso internacional. Durante os longos invernos venezianos, poucos anos antes de morrer, ele escreveu sobre arte, da qual era um grande conhecedor. Deixou inconcluso um romance – “L’Estate Indiana” – e no ano seguinte ao de sua morte, em 1983, foi publicado, com prefácio de Pratolini, o seu “Gli Anni delli Immagine Perdute”. É um diretor que poderia ter ido mais longe, ter feito muito mais filmes. Uma obra interrompida pelas dificuldades de produção, pelos amores fracassados, pela doença. A despeito do esquecimento em torno da sua filmografia (tanto na Itália quanto fora), não há como negar os seus extraordinários e sempre atuais filmes, nascidos de um verdadeiro autor.
thriller de “o deserto dos tártaros”
TODOS os
FILMES de ZURLINI
(por ordem de preferência)
(por ordem de preferência)
01
DOIS DESTINOS
(Cronaca Familiare, 1962)
(Cronaca Familiare, 1962)
elenco: Marcello Mastroianni, Jacques Perrin,
Sylvie,
Salvo Randone e Valeria Ciangottini
Separados ainda crianças, dois irmãos se reencontram adultos. A longa separação fez com que poucas semelhanças fossem preservadas. O mais velho, um jornalista, tornou-se ideologicamente de extrema esquerda. O mais novo, educado pela aristocracia local, frequentou os melhores colégios. Caberá ao primogênito cuidar do frágil caçula que está muito doente. Sóbrio retrato de laços de sangue e barreiras sociais que ora atraem, ora afastam as pessoas. Um belo drama existencial com excelentes atuações.
Leão de Ouro (Melhor Filme) no Festival de
Veneza
02
VERÃO VIOLENTO
(Estate Violenta, 1959)
(Estate Violenta, 1959)
elenco: Eleonora Rossi Drago, Jean-Louis
Trintignant,
Enrico Maria Salerno e Jacqueline Sassard
Em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, jovens italianos, ricos e desocupados, gastam seus dias à beira do mar, animados por romances passageiros e inconsequentes, longe dos campos de batalha e da mira dos bombardeiros norte-americanos. Um deles se apaixona por uma mulher mais velha, viúva de um oficial da Marinha. O filme mostra o vazio que circundava a juventude daquele período, um vazio intelectual, cultural, uma ausência de fé, uma ausência de expectativa em relação ao futuro.
03
A PRIMEIRA NOITE de TRANQUILIDADE
elenco: Alain Delon, Giancarlo Giannini,
Sonia Petrovna,
Renato Salvatori, Alida Valli, Salvo Randone
e Lea Massari
Filme italiano de maior sucesso em 1972, foi
também o que o diretor confessou que teve menos prazer em realizar. Ele e o
ator-produtor Alain Delon não se entenderam e discutiram muito. Para Zurlini,
Delon era o extremo oposto da moral do seu personagem, um maduro professor de
literatura à deriva e prestes a se separar da mulher. Ateu e alcóolatra, ele se
apaixona por uma aluna que faz parte de um grupo de
playboys, sai com qualquer um e está envolvida em pornografia e
prostituição.
04
04
A MOÇA com a VALISE
(La Ragazza con la Valigia, 1960)
(La Ragazza con la Valigia, 1960)
Corrado Pani e Gian Maria Volontè
Esse filme tornou a bela Claudia Cardinale uma estrela internacional. Ela faz uma garota pobre, abandonada à própria sorte por um galanteador, que se torna amiga de um adolescente rico e solitário (e irmão mais novo do playboy). Seduzida pelo primeiro com falsas promessas, ela não aceita ser abandonada. O desenvolvimento da trama, a vida da mulher vítima de um mundo cínico e o amor impossível de um garoto, encontra seu clímax nas mais óbvias e banais situações de uma cidade à beira mar.
05
O DESERTO dos TÁRTAROS
(Il Deserto dei Tartari, 1976)
(Il Deserto dei Tartari, 1976)
elenco: Jacques Perrin, Vittorio Gassman,
Giuliano Gemma,
Helmut Griem, Philippe Noiret, Francisco Rabal,
Fernando Rey,
Laurent Terzieff, Jean-Louis Trintignant
e Max von Sydow
Adaptado do romance de Dino Buzzati, produzido por
Jacques Perrin e com um elenco de estrelas. O resumo mais acabado de suas ideias: o tempo,
a inquietação (que aqui se traduz por tédio), a expectativa, é o que nos
destrói. Tenente é enviado para uma fortaleza localizada no deserto, construída
para prevenir um possível ataque pelos temidos tártaros. Todos os soldados que
habitam o local sacrificam sua juventude para defender a nação do inimigo
imaginário, vigiando o horizonte.
David de Donatello de Melhor Filme e Melhor
Direção
06
MULHERES no FRONT
elenco: Mario Adorf, Anna Karina, Marie
Laforêt,
Lea Massari, Tomas Milian e Valeria Moriconi
Grupo de prostitutas é “convocado” para trabalhar em prostíbulos militares italianos durante a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de animar seus soldados. A trama, no entanto, se desenvolve a partir do relacionamento das garotas com os três militares que as conduzem na longa viagem que empreendem em direção à base militar, localizada em uma região montanhosa da Grécia. No elenco, Anna Karina, a musa de Godard.
07
SENTADO à sua DIREITA
(Seduto alla sua Destra, 1968)
(Seduto alla sua Destra, 1968)
elenco: Woody Strode, Franco Citti, Jean
Servais
e Pier Paolo Capponi
Livre adaptação da biografia do político africano Patrice Hemery Lumumba, um líder nacionalista que se tornou primeiro-ministro do Congo e foi assassinado depois de uma crise política. Foi lançado em alguns países com o título de “Jesus Negro”. A intenção era apresentar Lumumba como Cristo, convivendo no cárcere com um delinquente que corresponderia ao ladrão crucificado à esquerda de Cristo. A influência de Pier Paolo Pasolini é evidente, inclusive na participação de um dos seus atores, Sergio Citti.
08
QUANDO o AMOR é MENTIRA
(Le Ragazze di San Frediano, 1955)
(Le Ragazze di San Frediano, 1955)
elenco: Antonio Cifariello,
Rossana Podestà, Giovanna Ralli
e Corinne Calvet
As artimanhas utilizadas por um jovem mecânico, em seus jogos de sedução, chegando a namorar cinco garotas ao mesmo tempo. O realizador bolonhês transforma esta comédia com toques irônicos num estudo psicológico sobre a vaidade humana. Adaptado livremente do romance de Vasco Pratolini, a estreia de Zurlini em longa-metragem seria o seu único filme mais leve, embora também seja tingido com alguma angústia. Um estudo sensível e divertido das psicologias, especialmente das mulheres.
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valerio zurlini |
FONTES
“A
Dimensão do Silêncio no Cinema de Valerio Zurlini” (2008)
de Celia Regina Cavalheiro
“Elogio Della Malinconia. Il Cinema di Valerio Zurlini” (2000)
de Giamfranco Casadio
“A Praia no Deserto. Os Filmes de Valerio Zurlini” (2007)
de Francesco Savelloni
“Valerio Zurlini” (1993)
de Sergio Toffetti
“Valerio Zurlini” (2001)
de Gianluca Minotti
de Celia Regina Cavalheiro
“Elogio Della Malinconia. Il Cinema di Valerio Zurlini” (2000)
de Giamfranco Casadio
“A Praia no Deserto. Os Filmes de Valerio Zurlini” (2007)
de Francesco Savelloni
“Valerio Zurlini” (1993)
de Sergio Toffetti
“Valerio Zurlini” (2001)
de Gianluca Minotti
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“o deserto dos tártaros” |
“Viver a vida não possui outra finalidade senão deixá-la escorrer e a morte é a única justificativa... Não existe validade de um sentimento, não existe validade de uma ilusão, não existe idealismo que dure, não existe nada que escape da amarga sobrevivência. De minha parte existe um consolo cristão, mas em sentido leigo, pagão.”
VALERIO
ZURLINI
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