Entrevista:
DAVID GRITTEN
“Los
Angeles Times”, 1992
Tradução:
ANTONIO NAHUD
Há quase
uma década, o veterano diretor FRED ZINNEMANN (1907 – 1997. Viena / Áustria),
cuja assinatura está em alguns dos mais notáveis filmes de
Hollywood, está em aposentadoria voluntária - descartado da indústria do cinema
pelo veneno das críticas ao seu último filme, “Cinco Dias de Verão / Five Days One Summer”. Sua idade
- ele tem 85 anos - e problemas de saúde contribuíram para a decisão,
mas o julgamento perverso ao filme de 1983, uma aventura romântica ambientada
nos Alpes franceses e estrelado por Sean Connery, deixou o diretor desanimado.
“Não estou dizendo que foi um bom filme”, diz ele. “Mas havia um certo grau de crueldade nas críticas. O prazer que algumas pessoas tiveram em destruí-lo realmente doeu.” Ele tinha visto seu amigo, o falecido David Lean, passar pela mesma experiência. Lean ficou deprimido com a hostilidade a “A Filha de Ryan / Ryan's Daughter”, em 1970. Depois disso, Lean fez apenas mais um filme, “Uma Passagem para a Índia / A Passage to India”, lançado em 1984, embora estivesse trabalhando em “Nostromo”, de Joseph Conrad, na época de sua morte, no ano passado.
“Cinco
Dias de Verão Five” será o canto do cisne de FRED ZINNEMANN no cinema. Mas a
amargura permanece. “Sentimos que, mesmo que o filme não represente nada, temos
direito a algum respeito”, se queixa. “Não mais do que isso.” O currículo do
diretor seria elogioso se tivesse apenas
“Espíritos Indômitos / The Men”, o primeiro filme de Marlon Brando, de
1950. Mas ele dirigiu também os clássicos “Matar ou Morrer”, “A Um Passo da
Eternidade” e “Júlia”, bem como outros filmes
excelentes: o drama “Uma Cruz à Beira do Caminho”, com Audrey
Hepburn, o simpático musical
“Oklahoma! / Idem” (1955) e o tenso thriller “O Dia do Chacal”.
Não ficou ocioso em sua aposentadoria. Nos últimos cinco anos, trabalhou
meticulosamente em sua autobiografia pictórica, “Fred Zinnemann: A Life in the
Movies”, recentemente publicada pela Scribners. As críticas têm sido excelentes.
Frederic Raphael, no “London Sunday Times”, chamou o volume de fascinante e o
descreveu como “um relato admiravelmente conciso de uma carreira de diretor que
coincide com o período clássico de Hollywood”. “Ainda outro relato de uma vida
no cinema, mas de alguma forma muito mais do que isso”, afirmou a “Entertainment
Weekly”. O “Boston Globe” destacou
a “grande riqueza de imagens como matéria-prima” do livro.
Em uma
tarde recente em seu escritório perto de Berkeley Square, em Mayfair, FRED ZINNEMANN
admitiu que seu esforço de cinco anos foi “uma estrada longa e triste cheia de
armadilhas”. “Um problema era o custo de ter tantas fotos. Os editores não
entendiam por que tinha que haver tantas. E uma editora não tinha dinheiro para
continuar com o livro, então fomos para outra. Mas eu pensei que sem as fotos
seria inútil. Eu não sou um escritor. Tinha
que haver ilustrações. Era preciso ver como Harry Cohn
parecia para entender como ele se comportava”.
Existem
agora 440 fotos no livro, algumas delas de valor inestimável. Há uma cena de um
bêbado em um bar vazio, que foi cortada de “Matar ou Morrer”, e outra de Gary
Cooper e Grace Kelly almoçando com a equipe. Lá está Brando visitando Zinnemann
e Montgomery Clift no set de “A Um Passo da Eternidade”. O livro abrange os
primeiros anos do cineasta em Viena, seguidos por períodos na escola de cinema
em Paris e como assistente de cinegrafista em Berlim. Ele chegou aos Estados
Unidos em 1929, trabalhou para o diretor Berthold Viertel e aprendeu seu ofício
como aprendiz até sua estreia na direção em 1942, “Um Assassino de Luvas / Kid Glove Killer”, no qual Ava
Gardner teve um papel de duas falas.
Ele
divide sua vida subsequente em capítulos que correspondem a seus filmes e usa
suas experiências como trampolim para uma série de reminiscências. Se lembra
vividamente do jovem Brando, entusiasmado com seu sucesso em “Um Bonde Chamado
Desejo” na Broadway, fazendo um teste para ele e os produtores Stanley Kramer e
Carl Foreman para o papel principal em “Espíritos Indômitos”. “Ele tinha uma
intensidade real”, lembra FRED ZINNEMANN. “Era como um vulcão. Não era fácil de
trabalhar. Suspeitava do pessoal de Hollywood e conservava suas próprias
impressões.” Mas aceitou o papel, interpretando um veterano de guerra
paraplégico em uma enfermaria de hospital cheia de ex-soldados paralíticos.
“Kramer e
Foreman fizeram o filme de forma independente. Se alguém tivesse ido a um
estúdio com um tema como este, não chegaria a lugar nenhum.” Fiel ao seu
treinamento do método, Brando viveu em uma verdadeira enfermaria paraplégica
por três semanas, ao final das quais apenas médicos e enfermeiras sabiam que
ele não estava realmente paralisado. Embora alguns atores agora se preparem para papéis com tanta meticulosidade, esta foi sem dúvida a
primeira vez que um ator de cinema se preparou com tanta profundidade.
“Ele
concebeu um personagem”, disse FRED ZINNEMANN. “Minha direção foi puramente a
parte técnica. Não venho do teatro e não pretendo dizer aos atores como fazer
algo. Conto a eles sobre o desenvolvimento do personagem, o que uma cena
específica exige e é isso.” Montgomery Clift foi outro ator incrível que apareceu
em dois filmes do diretor, “Perdidos
na Tormenta / The Search” (1948) e “A Um Passo da Eternidade” (1953),
como o soldado individualista e talentoso boxeador que se recusa a ser controlado
pelas duras regras da vida do Exército.
O diretor
discutiu com Harry Cohn quando insistiu que queria Clift na produção. “Ele
achava que o filme era sobre boxe, e eu achava que era sobre o espírito
humano”, diz. Cohn queria outro ator que, segundo ele, “está sob contrato, não
trabalha há 10 semanas, seu salário está subindo, ele parece um boxeador e as
garotas gostam dele”. Quando disse que preferia Clift, retrucou que ele “não
era soldado, nem boxeador e provavelmente homossexual”.
Acontece
que Cohn estava certo em todos os aspectos, mas subestimou a capacidade de
Clift de se colocar psicologicamente em um papel. FRED ZINNEMANN ameaçou
desistir de um grande robusto se Clift não conseguisse o papel. Ele cedeu e,
diz o diretor “quando Monty estava pronto para o papel, poderíamos jurar que
ele era um soldado de primeira linha e um bom boxeador”.
Deborah
Kerr foi outra escolha complicada para a esposa adúltera do capitão. “Joan
Crawford estava pronta para fazer o papel e, na verdade, já estava reclamando
de seu guarda-roupa”, diz. “Mas então, quando Deborah foi sugerida, todos nós
pensamos que seria uma excelente ideia contratar outra atriz. Naquela época,
Deborah era vista quase como a rainha da Inglaterra, fria como um iceberg. Mas
funcionou lindamente.”
Kerr e
Burt Lancaster gravaram uma das cenas mais memoráveis da história do cinema -
um abraço explosivo na praia enquanto as ondas quebravam sobre eles. FRED ZINNEMANN
observa ironicamente que os ônibus turísticos ainda param em Diamond Head, no
Havaí, para apontar onde a cena foi filmada: “É uma curiosa contribuição que
demos à cultura popular.”
O
faroeste “Matar ou Morrer” continua sendo o filme mais conhecido de Zinnemann e
que rende várias interpretações para diferentes pessoas. Ele não concorda com a
afirmação do roteirista Carl Foreman de que é uma alegoria do macarthismo.
“Algumas pessoas até acham que é uma alegoria da Guerra da Coréia”, acrescenta.
“Mas eu vejo como um homem lutando para salvar sua própria
vida, um homem que deve tomar uma decisão de acordo com sua consciência.”
Ele
gostou muito de dirigir o filme e trabalhar com Gary Cooper, que interpretou o
corajoso xerife de uma pequena cidade. Mas diz que gostou igualmente do desafio
de completar o faroeste dentro dos 28 dias previstos. Esse tipo de comentário
levou FRED ZINNEMANN a ser visto por alguns críticos como um mestre da
logística, e não como um diretor com uma visão autoral. Certamente, admite ter
gostado dos problemas técnicos envolvidos na filmagem de “Oklahoma!”. E o que
ele lembra melhor sobre “O Dia do Chacal” foi “ver se o suspense poderia ser
mantido com o público sabendo o final – isto é, que o Chacal falhou em matar De
Gaulle. Esse tipo de coisa me fascinava, tornou-se como um jogo de palavras
cruzadas.”
A melhor
e mais divulgada história sobre diretor é boa. Cerca de uma
dúzia de anos atrás, com todos os filmes clássicos em
seu currículo, ele foi persuadido a fazer uma reunião com um ousado e jovem executivo
de um estúdio de Hollywood. “Então,” iniciou o executivo, destemido na própria
ignorância, “nós nunca nos encontramos antes. Conte-me algumas das coisas que
você fez. “Não, não”, disse educadamente. “Você primeiro.” É verdade? Ele
ri. “Há anos venho tentando repudiar essa história. Parece-me que Billy Wilder
me contou sobre si mesmo.”
Quer a
história seja verdadeira ou não, ela se encaixa. FRED ZINNEMANN, que ainda tem
um forte sotaque austríaco, é educado e cheio da antiga cortesia vienense. Mas
está impaciente com a nova Hollywood. Por mais que ele fale mal de Harry Cohn e
daquela raça autocrática de chefes de estúdio, pelo menos eles conheciam
filmes. “Eram gananciosos, e eu sentia desprezo
pela forma como usavam o poder. Mas o amor deles pelo cinema - isso era algo se
poderia discutir com eles.”, diz ele.
Agora,
como ele vê, tudo é diferente, contadores e advogados comandam o show. “Se
falarmos com esses caras sobre o amor pelo cinema, não tenho certeza se eles
saberão do que estamos falando”, diz ele. A virada que azedou o diretor ocorreu
em 1969, quando a MGM cancelou sua versão do romance de Andre Malraux, “Man's
Fate”, no qual ele vinha trabalhando há três anos. Sem motivo, o
estúdio findou o filme três dias antes do início das filmagens em
Londres.
“Até
aquele ponto”, diz com um suspiro, “havia uma certa honra de ladrão no negócio.
Mas depois disso, um aperto de mão não era mais um aperto de mão.” Ainda assim,
ele é um profissional sem rancor. Sua autobiografia é bastante desprovida de
amargura pessoal, não há contas sendo acertadas com velhos inimigos ou fofocas
maliciosas. Sobre o fiasco de “Man's Fate”, se refere a um executivo da MGM com
quem nunca mais falou - mas não o menciona no livro. Ele também se refere a uma
rixa com a dramaturga Lillian Hellman, que escreveu o conto no qual “Júlia” foi
baseado, mas nos poupa de quaisquer detalhes.
“Não vejo
para que serve revisar essas coisas”, diz. “Não estou prestes a julgar
ninguém.” Mas ele admite que viu Hollywood “do ponto de vista de um verme. Vi
pessoas se comportando mal. Aprendi muito sobre a natureza humana. Pode ser
engraçado, mas com certeza não é interessante. Achei que a melhor maneira era
rir disso.” A vida privada de FRED ZINNEMANN também não se intromete muito em
seu livro. Renée, sua esposa há mais de 50 anos, recebe sua maior menção por
meio de um pequeno papel que desempenhou em “Uma Cruz à Beira do Caminho”. “Bem”, diz, “há coisas que devem
permanecer privadas. Algumas das coisas que as pessoas escrevem sobre suas
próprias vidas são indecentes.”
À sua
maneira, ele nada contra a maré - apesar dos críticos que acusam seus filmes de
serem conservadores e convencionais. Ele se lembra de ter lido “O Vermelho e o
Negro”, de Stendhal, quando era estudante. “Era sobre um jovem se arriscando,
nadando contra a corrente o tempo todo, e isso influenciou toda a minha
atitude.” E quando teve a chance de dirigir seus próprios filmes, eles tendiam
a ser sobre questões em debate. Seus filmes do pós-guerra, influenciados por
cineastas neorrealistas italianos, abordaram temas como a situação dos
veteranos de guerra, noivas de guerra estrangeiras e crianças deslocadas.
Logo foi
procurado para dirigir filmes de grande orçamento. “As pessoas achavam que
havia um certo tipo de história que eu gostava de fazer”, lembra ele. “Eu queria cada
vez mais filmar histórias no local a que elas pertenciam. E isso me levou cada
vez mais à Europa.” Ele insiste que nunca deu as costas a
Hollywood, embora viva na Grã-Bretanha, que considera um país civilizado, há
quase 30 anos.
No
entanto, admite alguma exasperação com o sistema estelar. “É uma coisa
puramente pessoal”, refletiu. “Alguns diretores - Billy Wilder, John Huston,
William Wyler - eram muito bons com estrelas, eram espirituosos, sabiam falar
com elas e trabalhar com elas. Descobri que, a menos que se possa retirar esse
elemento de estrelato do trabalho, haveria problemas. Para mim, foi mais fácil
trabalhar com pessoas que podiam esquecer que eram estrelas.”
“Não
apenas as estrelas custam muito dinheiro, mas psicologicamente os produtores, o
estúdio, todo mundo sente que a estrela é a pessoa central e deve ser a história.”
FRED ZINNEMANN descobriu que as demandas das estrelas podem ter um efeito
desgastante sobre todos em um set de filmagem. Outros atores -
menciona Vanessa Redgrave e Paul Scofield, de “O Homem que Não
Vendeu sua Alma”, a quem descreve como um santo - são generosos e fornecem
sustento para seus colegas.
Ele sente
que se divertiu e teve sorte. Tem uma filmografia para olhar para
trás, que resiste ao teste do tempo. Hoje, ele recebeu um cartão de um amigo na
Alemanha com uma citação de Schopenhauer, que diz: “Como é feliz no
final da vida ver que sua obra não envelheceu com você”. O diretor se permite
um sorriso irônico. “Não sou louco pelos alemães, mas eles são bons em citações.
E essa é muito boa”.
10 FILMES
de FRED ZINNEMANN
(por
ordem de preferência)
01
A um
PASSO da ETERNIDADE
(From
Here to Eternity, 1953)
Elenco: Burt
Lancaster, Montgomery Clift, Deborah Kerr, Donna Reed, Frank Sinatra, Ernest
Borgnine e Jack Warden
02
JÚLIA
(Idem, 1977)
Elenco: Jane
Fonda, Vanessa Redgrave, Jason Robards, Maximilian Schell, Hal Holbrook, Rosemary
Murphy, Meryl Streep, Dora Doll e Cathleen Nesbitt
03
MATAR ou
MORRER
(High
Noon, 1952)
Elenco: Gary
Cooper, Grace Kelly, Thomas Mitchell, Lloyd Bridges, Katy Jurado, Otto Kruger, Lon
Chaney Jr. e Lee Van Cleef
04
Uma CRUZ à
BEIRA do ABISMO
(The
Nun's Story, 1959)
Elenco: Audrey
Hepburn, Peter Finch, Edith Evans, Peggy Ashcrof, Dean Jagger, Mildred Dunnock
e Beatrice Straight
05
O HOMEM que
NÃO VENDEU sua ALMA
(A Man
for All Seasons, 1966)
Elenco: Paul
Scofield, Wendy Hiller, Robert Shaw, Leo McKern, Orson Welles, Susannah York, John
Hurt e Corin Redgrave
06
A VOZ do
SANGUE
(Behold a
Pale Horse, 1964)
Elenco: Gregory Peck, Anthony Quinn, Omar
Sharif, Raymond Pellegrin, Paolo Stoppa, Mildred Dunnock, Daniela Rocca e Christian
Marquand
07
O
PEREGRINO da ESPERANÇA
(The
Sundowners, 1960)
Elenco: Deborah Kerr, Robert
Mitchum, Peter Ustinov, Glynis Johns e Dina Merrill
08
O DIA do
CHACAL
(The Day
of the Jackal, 1973)
Elenco: Edward Fox, Michel
Auclair, Alan Bade, Derek Jacobi e Michael Lonsdale
09
A SÉTIMA
CRUZ
(The
Seventh Cross, 1944)
Elenco: Spencer Tracy, Signe Hasso, Hume
Cronyn, Jessica Tandy, Agnes Moorehead, Felix Bressart, Ray Collins e George
Macready
10
ATO de
VIOLÊNCIA
(Act of
Violence, 1948)
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