dezembro 27, 2022

****** FRED ZINNEMANN – Uma VIDA no CINEMA




Entrevista: DAVID GRITTEN
“Los Angeles Times”, 1992
Tradução: ANTONIO NAHUD
 
 
Há quase uma década, o veterano diretor FRED ZINNEMANN (1907 – 1997. Viena / Áustria), cuja assinatura está em alguns dos mais notáveis filmes de Hollywood, está em aposentadoria voluntária - descartado da indústria do cinema pelo veneno das críticas ao seu último filme, “Cinco Dias de Verão / Five Days One Summer”. Sua idade - ele tem 85 anos - e problemas de saúde contribuíram para a decisão, mas o julgamento perverso ao filme de 1983, uma aventura romântica ambientada nos Alpes franceses e estrelado por Sean Connery, deixou o diretor desanimado.
 
“Não estou dizendo que foi um bom filme”, diz ele. “Mas havia um certo grau de crueldade nas críticas. O prazer que algumas pessoas tiveram em destruí-lo realmente doeu.” Ele tinha visto seu amigo, o falecido David Lean, passar pela mesma experiência. Lean ficou deprimido com a hostilidade a “A Filha de Ryan / Ryan's Daughter”, em 1970. Depois disso, Lean fez apenas mais um filme, “Uma Passagem para a Índia / A Passage to India”, lançado em 1984, embora estivesse trabalhando em “Nostromo”, de Joseph Conrad, na época de sua morte, no ano passado.
 
“Cinco Dias de Verão Five” será o canto do cisne de FRED ZINNEMANN no cinema. Mas a amargura permanece. “Sentimos que, mesmo que o filme não represente nada, temos direito a algum respeito”, se queixa. “Não mais do que isso.” O currículo do diretor seria elogioso se tivesse apenas “Espíritos Indômitos / The Men”, o primeiro filme de Marlon Brando, de 1950. Mas ele dirigiu também os clássicos “Matar ou Morrer”, “A Um Passo da Eternidade e “Júlia”, bem como outros filmes excelentes: o drama “Uma Cruz à Beira do Caminho”, com Audrey Hepburn, o simpático musical “Oklahoma! / Idem” (1955) e o tenso thriller “O Dia do Chacal”.

zinnemann e grace kelly
Não ficou ocioso em sua aposentadoria. Nos últimos cinco anos, trabalhou meticulosamente em sua autobiografia pictórica, “Fred Zinnemann: A Life in the Movies”, recentemente publicada pela Scribners. As críticas têm sido excelentes. Frederic Raphael, no “London Sunday Times”, chamou o volume de fascinante e o descreveu como “um relato admiravelmente conciso de uma carreira de diretor que coincide com o período clássico de Hollywood”. “Ainda outro relato de uma vida no cinema, mas de alguma forma muito mais do que isso”, afirmou a “Entertainment Weekly”. O “Boston Globe” destacou a “grande riqueza de imagens como matéria-prima” do livro.
 
Em uma tarde recente em seu escritório perto de Berkeley Square, em Mayfair, FRED ZINNEMANN admitiu que seu esforço de cinco anos foi “uma estrada longa e triste cheia de armadilhas”. “Um problema era o custo de ter tantas fotos. Os editores não entendiam por que tinha que haver tantas. E uma editora não tinha dinheiro para continuar com o livro, então fomos para outra. Mas eu pensei que sem as fotos seria inútil. Eu não sou um escritor. Tinha que haver ilustrações. Era preciso ver como Harry Cohn parecia para entender como ele se comportava”.
 
Existem agora 440 fotos no livro, algumas delas de valor inestimável. Há uma cena de um bêbado em um bar vazio, que foi cortada de “Matar ou Morrer”, e outra de Gary Cooper e Grace Kelly almoçando com a equipe. Lá está Brando visitando Zinnemann e Montgomery Clift no set de “A Um Passo da Eternidade”. O livro abrange os primeiros anos do cineasta em Viena, seguidos por períodos na escola de cinema em Paris e como assistente de cinegrafista em Berlim. Ele chegou aos Estados Unidos em 1929, trabalhou para o diretor Berthold Viertel e aprendeu seu ofício como aprendiz até sua estreia na direção em 1942, “Um Assassino de Luvas / Kid Glove Killer”, no qual Ava Gardner teve um papel de duas falas.
 
Ele divide sua vida subsequente em capítulos que correspondem a seus filmes e usa suas experiências como trampolim para uma série de reminiscências. Se lembra vividamente do jovem Brando, entusiasmado com seu sucesso em “Um Bonde Chamado Desejo” na Broadway, fazendo um teste para ele e os produtores Stanley Kramer e Carl Foreman para o papel principal em “Espíritos Indômitos”. “Ele tinha uma intensidade real”, lembra FRED ZINNEMANN. “Era como um vulcão. Não era fácil de trabalhar. Suspeitava do pessoal de Hollywood e conservava suas próprias impressões.” Mas aceitou o papel, interpretando um veterano de guerra paraplégico em uma enfermaria de hospital cheia de ex-soldados paralíticos.
 
“Kramer e Foreman fizeram o filme de forma independente. Se alguém tivesse ido a um estúdio com um tema como este, não chegaria a lugar nenhum.” Fiel ao seu treinamento do método, Brando viveu em uma verdadeira enfermaria paraplégica por três semanas, ao final das quais apenas médicos e enfermeiras sabiam que ele não estava realmente paralisado. Embora alguns atores agora se preparem para papéis com tanta meticulosidade, esta foi sem dúvida a primeira vez que um ator de cinema se preparou com tanta profundidade.
 
“Ele concebeu um personagem”, disse FRED ZINNEMANN. “Minha direção foi puramente a parte técnica. Não venho do teatro e não pretendo dizer aos atores como fazer algo. Conto a eles sobre o desenvolvimento do personagem, o que uma cena específica exige e é isso.” Montgomery Clift foi outro ator incrível que apareceu em dois filmes do diretor, “Perdidos na Tormenta / The Search” (1948) e “A Um Passo da Eternidade” (1953), como o soldado individualista e talentoso boxeador que se recusa a ser controlado pelas duras regras da vida do Exército.
 
O diretor discutiu com Harry Cohn quando insistiu que queria Clift na produção. “Ele achava que o filme era sobre boxe, e eu achava que era sobre o espírito humano”, diz. Cohn queria outro ator que, segundo ele, “está sob contrato, não trabalha há 10 semanas, seu salário está subindo, ele parece um boxeador e as garotas gostam dele”. Quando disse que preferia Clift, retrucou que ele “não era soldado, nem boxeador e provavelmente homossexual”.
 
Acontece que Cohn estava certo em todos os aspectos, mas subestimou a capacidade de Clift de se colocar psicologicamente em um papel. FRED ZINNEMANN ameaçou desistir de um grande robusto se Clift não conseguisse o papel. Ele cedeu e, diz o diretor “quando Monty estava pronto para o papel, poderíamos jurar que ele era um soldado de primeira linha e um bom boxeador”.
 
Deborah Kerr foi outra escolha complicada para a esposa adúltera do capitão. “Joan Crawford estava pronta para fazer o papel e, na verdade, já estava reclamando de seu guarda-roupa”, diz. “Mas então, quando Deborah foi sugerida, todos nós pensamos que seria uma excelente ideia contratar outra atriz. Naquela época, Deborah era vista quase como a rainha da Inglaterra, fria como um iceberg. Mas funcionou lindamente.”
 
Kerr e Burt Lancaster gravaram uma das cenas mais memoráveis ​​da história do cinema - um abraço explosivo na praia enquanto as ondas quebravam sobre eles. FRED ZINNEMANN observa ironicamente que os ônibus turísticos ainda param em Diamond Head, no Havaí, para apontar onde a cena foi filmada: “É uma curiosa contribuição que demos à cultura popular.”
                                                                                                                                   
O faroeste “Matar ou Morrer” continua sendo o filme mais conhecido de Zinnemann e que rende várias interpretações para diferentes pessoas. Ele não concorda com a afirmação do roteirista Carl Foreman de que é uma alegoria do macarthismo. “Algumas pessoas até acham que é uma alegoria da Guerra da Coréia”, acrescenta. “Mas eu vejo como um homem lutando para salvar sua própria vida, um homem que deve tomar uma decisão de acordo com sua consciência.”
 
Ele gostou muito de dirigir o filme e trabalhar com Gary Cooper, que interpretou o corajoso xerife de uma pequena cidade. Mas diz que gostou igualmente do desafio de completar o faroeste dentro dos 28 dias previstos. Esse tipo de comentário levou FRED ZINNEMANN a ser visto por alguns críticos como um mestre da logística, e não como um diretor com uma visão autoral. Certamente, admite ter gostado dos problemas técnicos envolvidos na filmagem de “Oklahoma!”. E o que ele lembra melhor sobre “O Dia do Chacal” foi “ver se o suspense poderia ser mantido com o público sabendo o final – isto é, que o Chacal falhou em matar De Gaulle. Esse tipo de coisa me fascinava, tornou-se como um jogo de palavras cruzadas.”
 
A melhor e mais divulgada história sobre diretor é boa. Cerca de uma dúzia de anos atrás, com todos os filmes clássicos em seu currículo, ele foi persuadido a fazer uma reunião com um ousado e jovem executivo de um estúdio de Hollywood. “Então,” iniciou o executivo, destemido na própria ignorância, “nós nunca nos encontramos antes. Conte-me algumas das coisas que você fez. “Não, não”, disse educadamente. Você primeiro.” É verdade? Ele ri. “Há anos venho tentando repudiar essa história. Parece-me que Billy Wilder me contou sobre si mesmo.
 
Quer a história seja verdadeira ou não, ela se encaixa. FRED ZINNEMANN, que ainda tem um forte sotaque austríaco, é educado e cheio da antiga cortesia vienense. Mas está impaciente com a nova Hollywood. Por mais que ele fale mal de Harry Cohn e daquela raça autocrática de chefes de estúdio, pelo menos eles conheciam filmes. “Eram gananciosos, e eu sentia desprezo pela forma como usavam o poder. Mas o amor deles pelo cinema - isso era algo se poderia discutir com eles.”, diz ele.

marlon brando, zinnemann
e montgomery clift
Agora, como ele vê, tudo é diferente, contadores e advogados comandam o show. “Se falarmos com esses caras sobre o amor pelo cinema, não tenho certeza se eles saberão do que estamos falando”, diz ele. A virada que azedou o diretor ocorreu em 1969, quando a MGM cancelou sua versão do romance de Andre Malraux, “Man's Fate”, no qual ele vinha trabalhando há três anos. Sem motivo, o estúdio findou o filme três dias antes do início das filmagens em Londres.
 
“Até aquele ponto”, diz com um suspiro, “havia uma certa honra de ladrão no negócio. Mas depois disso, um aperto de mão não era mais um aperto de mão.” Ainda assim, ele é um profissional sem rancor. Sua autobiografia é bastante desprovida de amargura pessoal, não há contas sendo acertadas com velhos inimigos ou fofocas maliciosas. Sobre o fiasco de “Man's Fate”, se refere a um executivo da MGM com quem nunca mais falou - mas não o menciona no livro. Ele também se refere a uma rixa com a dramaturga Lillian Hellman, que escreveu o conto no qual “Júlia” foi baseado, mas nos poupa de quaisquer detalhes.
 
“Não vejo para que serve revisar essas coisas”, diz. “Não estou prestes a julgar ninguém.” Mas ele admite que viu Hollywood “do ponto de vista de um verme. Vi pessoas se comportando mal. Aprendi muito sobre a natureza humana. Pode ser engraçado, mas com certeza não é interessante. Achei que a melhor maneira era rir disso.” A vida privada de FRED ZINNEMANN também não se intromete muito em seu livro. Renée, sua esposa há mais de 50 anos, recebe sua maior menção por meio de um pequeno papel que desempenhou em “Uma Cruz à Beira do Caminho”. “Bem”, diz, “há coisas que devem permanecer privadas. Algumas das coisas que as pessoas escrevem sobre suas próprias vidas são indecentes.”
 
À sua maneira, ele nada contra a maré - apesar dos críticos que acusam seus filmes de serem conservadores e convencionais. Ele se lembra de ter lido “O Vermelho e o Negro”, de Stendhal, quando era estudante. “Era sobre um jovem se arriscando, nadando contra a corrente o tempo todo, e isso influenciou toda a minha atitude.” E quando teve a chance de dirigir seus próprios filmes, eles tendiam a ser sobre questões em debate. Seus filmes do pós-guerra, influenciados por cineastas neorrealistas italianos, abordaram temas como a situação dos veteranos de guerra, noivas de guerra estrangeiras e crianças deslocadas.

zinnemann e audrey hepburn
Logo foi procurado para dirigir filmes de grande orçamento. “As pessoas achavam que havia um certo tipo de história que eu gostava de fazer”, lembra ele. “Eu queria cada vez mais filmar histórias no local a que elas pertenciam. E isso me levou cada vez mais à Europa.” Ele insiste que nunca deu as costas a Hollywood, embora viva na Grã-Bretanha, que considera um país civilizado, há quase 30 anos.
 
No entanto, admite alguma exasperação com o sistema estelar. “É uma coisa puramente pessoal”, refletiu. “Alguns diretores - Billy Wilder, John Huston, William Wyler - eram muito bons com estrelas, eram espirituosos, sabiam falar com elas e trabalhar com elas. Descobri que, a menos que se possa retirar esse elemento de estrelato do trabalho, haveria problemas. Para mim, foi mais fácil trabalhar com pessoas que podiam esquecer que eram estrelas.”
 
“Não apenas as estrelas custam muito dinheiro, mas psicologicamente os produtores, o estúdio, todo mundo sente que a estrela é a pessoa central e deve ser a história.” FRED ZINNEMANN descobriu que as demandas das estrelas podem ter um efeito desgastante sobre todos em um set de filmagem. Outros atores - menciona Vanessa Redgrave e Paul Scofield, de “O Homem que Não Vendeu sua Alma”, a quem descreve como um santo - são generosos e fornecem sustento para seus colegas.
 
Ele sente que se divertiu e teve sorte. Tem uma filmografia para olhar para trás, que resiste ao teste do tempo. Hoje, ele recebeu um cartão de um amigo na Alemanha com uma citação de Schopenhauer, que diz: “Como é feliz no final da vida ver que sua obra não envelheceu com você”. O diretor se permite um sorriso irônico. “Não sou louco pelos alemães, mas eles são bons em citações. E essa é muito boa”.
 

10 FILMES de FRED ZINNEMANN
(por ordem de preferência)
 
01
A um PASSO da ETERNIDADE
(From Here to Eternity, 1953)

Elenco: Burt Lancaster, Montgomery Clift, Deborah Kerr, Donna Reed, Frank Sinatra, Ernest Borgnine e Jack Warden
 
02
JÚLIA
(Idem, 1977)

Elenco: Jane Fonda, Vanessa Redgrave, Jason Robards, Maximilian Schell, Hal Holbrook, Rosemary Murphy, Meryl Streep, Dora Doll e Cathleen Nesbitt
 
03
MATAR ou MORRER
(High Noon, 1952)

Elenco: Gary Cooper, Grace Kelly, Thomas Mitchell, Lloyd Bridges, Katy Jurado, Otto Kruger, Lon Chaney Jr. e Lee Van Cleef
 
04
Uma CRUZ à BEIRA do ABISMO
(The Nun's Story, 1959)

Elenco: Audrey Hepburn, Peter Finch, Edith Evans, Peggy Ashcrof, Dean Jagger, Mildred Dunnock e Beatrice Straight       
 
05
O HOMEM que NÃO VENDEU sua ALMA
(A Man for All Seasons, 1966)

Elenco: Paul Scofield, Wendy Hiller, Robert Shaw, Leo McKern, Orson Welles, Susannah York, John Hurt e Corin Redgrave
 
06
A VOZ do SANGUE
(Behold a Pale Horse, 1964)

Elenco: Gregory Peck, Anthony Quinn, Omar Sharif, Raymond Pellegrin, Paolo Stoppa, Mildred Dunnock, Daniela Rocca e Christian Marquand
 
07
O PEREGRINO da ESPERANÇA
(The Sundowners, 1960)

Elenco: Deborah Kerr, Robert Mitchum, Peter Ustinov, Glynis Johns e Dina Merrill
 
08
O DIA do CHACAL
(The Day of the Jackal, 1973)

Elenco: Edward Fox, Michel Auclair, Alan Bade, Derek Jacobi e Michael Lonsdale
 
09
A SÉTIMA CRUZ
(The Seventh Cross, 1944)

Elenco: Spencer Tracy, Signe Hasso, Hume Cronyn, Jessica Tandy, Agnes Moorehead, Felix Bressart, Ray Collins e George Macready
 
10
ATO de VIOLÊNCIA
(Act of Violence, 1948)

Elenco: Van Heflin, Robert Ryan, Janet Leigh, Mary Astor e Phyllis Thaxter

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