Entrevista: Antonio Nahud
Auditório da FNAC, Barcelona, Espanha, 2002.
Publicada em jornais e revistas do Brasil e Portugal.
Faz parte do livro “ArtePalavra – Conversas no Velho Mundo”.
Faz parte do livro “ArtePalavra – Conversas no Velho Mundo”.
Perturbado, entre a comoção e o nervosismo, observei atentamente a
estrela madura e elegante, que um dia a revista “Look” batizou como “a atriz
mais bela do mundo”, concluindo que ela conserva intacto o fascínio
aristocrático. Respirei fundo, seguindo seus movimentos e esperando a hora de
iniciar a conversa. O local do nosso encontro estava lotado de jornalistas,
fotógrafos e muitos convidados. A impressão é que estava diante
de um monumento vivo, um monumento de rara beleza.
Debutando no cinema em 1957, aos 14 anos, CATHERINE DENEUVE
projetou-se em 1963 como a co-protagonista de “Vício e Virtude / Le Vice et la Vertu”, do seu
pigmalião e amante Roger Vadim (ex-Brigitte Bardot e futuro Jane Fonda). Nascida em
Paris, 1943, filha de atores de teatro e irmã da também atriz Françoise
Dorléac, que morreu num acidente de carro aos 25 anos, ganhou duas vezes o
prestigiado prêmio César de Melhor Atriz (“O Último Metrô” e “Indochina”), obteve
uma nomeação ao Oscar de Melhor Atriz e levou um prêmio no Festival de
Veneza com a performance de um rica viúva bêbada e deprimida de “Place Vendôme”.
Construiu uma carreira arriscada, selecionada, sólida e brilhante,
filmando com grandes cineastas como Jacques Demy, Roman Polanski, Luis Buñuel, Mario
Monicelli, François Truffaut e André Téchiné, entre outros.
Admirada no mundo inteiro, a atriz é um ícone.
Resguardada, durante a entrevista limitou-se aos cumprimentos de gentileza e às
respostas curtas e contundentes.
O corpo é pequeno, enxuto. Os passos curtos e rápidos,
equilibrados em saltos altíssimos. Vestida em um Saint-Laurent negro e
adornada por uma manta de pele, CATHERINE DENEUVE conserva a beleza em cada linha do rosto, na sofisticação natural, no talento
calculado, no porte de diva.
Gérard Depardieu disse que a senhora é a mulher que ele queria
ser, e na verdade muita gente compartilha esse desejo com ele.
Não exagere, mocinho. De qualquer forma, não gosto de ser modelo
de ninguém, porque creio que ninguém deve ser modelo de quem quer que seja.
Cada um deve parecer consigo mesmo. Mas Gérard, como o senhor, são muito
gentis. De qualquer forma, não creio que mereça ser copiada, não sou feliz,
embora tenha vivido muitos momentos felizes. Tenho um caráter melancólico.
São admiradores da personalidade notável e da beleza intacta que ilumina as telas e capas
de revistas desde o final dos anos 1950.
Estou cansada da minha suposta beleza em primeiro plano,
principalmente da dita “beleza fria”, que pouco tem a ver comigo. A beleza pode
ser um grande fardo, pode ter certeza. Felizmente nunca me consideraram uma
estúpida. O consolo que tenho na maturidade, ao perder a beleza física, é que
finalmente lembraram a boa atriz que sempre fui.
O seu talento é reconhecido desde a
burguesa prostituta de “A Bela da Tarde”... Em relação ao que desabafou pouco antes,
fiquei surpreso com a assumida melancolia.
Tenho uma tendência grande para a
melancolia, principalmente quando o passado me vem à memória. Sei que fui muito
mimada pela vida, construí uma bela carreira, mas não creio que exista a
felicidade. Existem momentos felizes que passam rápidos.
Eu a imagino como uma artista focada em sua profissão, e como ela é
muito bem sucedida, acredito que dificilmente algo abala o seu bem-estar.
Não é bem assim. A carreira nunca esteve em primeiro plano
na minha vida. Sempre me preocupei mais com meus amigos e família,
principalmente meus filhos. Nunca hesitei em deixar de lado uma boa
oportunidade profissional por uma questão pessoal, íntima. Eu gosto do mundo do
cinema. É o meu trabalho, e faço o melhor que posso, mas a felicidade encontro nos meus filhos, nos meus amores e nos amigos.
É conhecida por preservar a intimidade. Nunca fala dos seus
romances com Truffaut, Vadim, Mastroianni ou David Bailey. Tampouco sobre seus
filhos.
Esforço-me para preservar a intimidade e não me arrependo.
Eu tenho dificuldades em revelar-me, inclusive nas telas. Há na construção de
cada personagem um mistério, uma imagem lutando para não se entregar
por inteiro ao público sedento da verdade imediata. Revelar-me é sempre um desafio. Não é o que prefiro, mas é o que aceito quando é decisivo
para a construção do personagem. Estou disponível para isso, embora comece com
uma certa relutância.
Ainda se lembra do seu primeiro sucesso?
Evidente que lembro, mesmo passados quase 40 anos. Eu era bastante
nova, tinha uns 21 anos e tive a felicidade de atuar em “Os Guarda-Chuvas do
Amor”, premiado com a Palma de Ouro em Cannes... Ah, bons tempos, Demy era
único.
É o seu diretor favorito?
Filmei com grandes cineastas. Demy, como Truffaut, não era
apenas diretor de filmes, mas também um lutador de posições fortes. Eles fazem falta no cinema atual.
Vi recentemente “Os Ladrões” e fiquei impressionado com sua Marie.
Téchiné é um diretor que procura a alma dos personagens. “Os
Ladrões” é um filme difícil, que fala da solidão, da incomunicabilidade dos
sentidos, dos jogos do desejo. A Marie é uma figura tocada pela tragédia, uma
mulher transfigurada pelo desejo, e quando já não há desejo, é mesmo o fim de
tudo. É um personagem dramático e solitário.
Acaba de filmar “A Vingança do Mosqueteiro”. Significa que
finalmente resolveu trabalhar em Hollywood?
Na época de “Fome de Amor” recebi propostas tentadoras para atuar
em superproduções hollywoodianas, e preferi continuar filmando na Europa.
Muitos disseram que era uma decisão irracional, mas foi uma decisão sensata. Lá
jamais seria oferecido a uma atriz reconhecida um papel ousado como o de “Os
Ladrões”. Hoje, com a idade que tenho, caso estivesse no cinema
norte-americano, não me ofereceriam trabalho, e se o fizessem não
seriam papéis dignos.
Qual o seu papel na comédia de sucesso “Oito Mulheres”?
as irmãs françoise dorléac e catherine |
O elenco conta com Fanny Ardant, Isabelle Huppert, Emmanuelle
Béart, Danielle Darrieux... Não houve problemas nas filmagens nessa junção de
tantas estrelas?
Felizmente não. As filmagens foram tranquilas. Sem atos invejosos, ciumeiras ou atritos. Houve uma extraordinária dinâmica de
grupo e não tive a sensação de estar comprometendo as
companheiras com a minha atuação. O mesmo aconteceu com todas as atrizes.
Afinal, não tínhamos do que reclamar, pois todos os personagens são ricos,
fortes, cheios de referências e com seu momento de destaque.
Obrigado por sua atenção e gentileza.
Vai ficar para a exibição de “Oito Mulheres”? Espero que aprecie.
10 FILMES de CATHERINE DENEUVE
(por ordem de preferência)
01
O ÚLTIMO METRÔ
direção de François Truffaut
elenco: Gérard Depardieu, Jean
Poiret, Andréa Ferréol,
Paulette Dubost e Heinz Bennent
02
Os GUARDA-CHUVAS do AMOR
direção de Jacques Demy
elenco: Nino Castelnuovo e Anne Vernon
03
TRISTANA, uma PAIXÃO MÓRBIDA
direção de Luis Buñuel
elenco: Fernando Rey e Franco Nero
04
REPULSA ao SEXO
direção de Roman Polanski
elenco: Ian Hendry, John
Fraser e Yvonne Furneaux
05
A BELA daTARDE
direção de Luis Buñuel
elenco: Jean Sorel, Michel Piccoli, Pierre Clémenti,
Geneviève Page, Francisco Rabal e Françoise Fabian
06
INDOCHINA
direção de Régis Wargnier
elenco: Vincent Perez, Linh
Dan Pham, Jean Yanne
e Dominique Blanc
07
MINHA ESTAÇÃO PREFERIDA
direção de André Téchiné
elenco: Daniel Auteuil e Marthe Villalonga
08
DANÇANDO NO ESCURO
direção de Lars von Trier
elenco: Björk, David Morse e Joel Grey
09
Os LADRÕES
direção de André Téchiné
elenco: Daniel Auteuil, Laurence Côte e Benoît Magimel
10
PLACE VENDÔME
direção de Nicole Garcia
elenco: Jean-Pierre Bacri, Emmanuelle Seigner e Jacques Dutronc
GALERIA de FOTOS
23 comentários:
seu blog me conquistou já pelo fato de logo de cara me deparar com CATHERINE DENEUVE!!! vim no intuito de agradecer por ter passado no meu espaço e tenho essa ótima surpresa. Catherine é uma das minhas atrizes favoritas! os guarda-chuvas... fome de viver, Repulsa ao sexo e principlamente A BELA DA TARDE! tenho todos!... parabéns!!
Ah, Deneuve é realmente espetacular! Vi recentemente ' mulheres' e gostei bastante, uma ótima comédia...ms da Deneuve eu prefiro 'a bela da tarde': clássico!
parabéns pelo excelente post
Antonio
Os Guarda Chuvas do Amor é um filme que me comoveu quando do seu lançamento.O revi 20 anos atrás e mais recentemente e a impressão pemanece.Que outra definição senão obra de arte ?
Excelente post Antônio!! Parabéns!
Há 2 anos atrás, tive o privilégio de estar jantando num restaurante em Paris onde, algumas mesas depois da minha, se encontrava a diva Deneuve. Observei tímida e discreta, sua eterna beleza sem ousar me aproximar...
Comungo com esta ideia: "não creio que exista a felicidade. Existem momentos felizes que passam rápidos.” Em "Gritos e Sussurros", dentre vários temas, Ingmar Bergman trata desta questão. Curiosamente o compositor Otto anos depois gravou em "The Moon 1111" , "A Noite Mais Linda do Mundo- A Felicidade", em que comunga também desta ideia.
Uma das "muitas alegrias" é ver Deneuve ativa e na maioria dos casos em bons filmes e papeis dignos da carreira que ela construiu. Acho uma pena ver poucas veteranas em atividade intensa. Viva Deneuve, Charlotte Rampling, Judi Dench, Helen Mirren e Meryl Streep.
Nos EUA eu acredito que só Meryl Streep tem conseguido continuamente grandes papéis para toda sua carreira até então. em língua inglesa, de acordo com sua idade. Em "Florence-Quem é Esta Mulher?" de Stephen Frears está impecável, deliciosa, equilibrando muito bem drama e comédia, sem cair jamais na caricatura. "Em "Ricki and the Flash" de Jonathan Deem, podemo ver certa frouxidão no roteiro, mas o trabalho de Meryl como uma roqueira de meia idade, ainda trabalhando, mesmo que em bares mambembes, com atitudes/gestos roqueiros e cantando, é sensacional. Vamos ver o que acontecerá com Julianne Moore, Cate Blanchett. etc. Das que desaparecem com grandes papéis, mesmo sendo excelentes atrizes, temos Sissy Spacek , Holly Hunter, Ellen Burstyn ,Sharon Stone, dentre outras. O caso mais gritante é o de Louise Fletcher que ganhou o Oscar de Melhor Atriz por "Um Estranho Ninho", merecidamente, num papel das mais tirânicas e monstruosas pessoas do Cinema, que quer respaldar seu discurso por uma razão enlouquecida. Pois bem. Depois deste clássico , ela não fez nada que tivesse relevância e que chegasse até a mim. Podem estar fazendo mini-séries. Mas pra mim, nada substitui a magia da Tela Grande.
Não consigo imaginar a emoção e a responsabilidade de entrevistar Catherine Deneuve. Em seu lugar, eu provavelmente ficaria muda, estática, catatônica. Foi uma entrevista reveladora. Eu também não a imaginava melancólica.
Abraços!
Antonio, sou apaixonada por Cinema e me encantei com o seu blog. As horas voam quando estou lendo postagens antigas. O cinema europeu sempre foi o meu favorito e Catherine é uma das minhas atrizes referência. Ela faz valer uma frase do Chaplin que diz: A maior paisagem do cinema é a expressão humana. Fome de viver e Indochina me trazem boas recordações. Parabéns e obrigada por dividir tanta coisa conosco! Abraços
Acabei de gravar e ainda não assisti o famoso A Bela da Tarde......belo site.
blog completo sobre cinema, parabéns, hoje ñ se veêm muitos blog assim.
abraços
Rapaz, você mesmo entrevistou a Catherine? Waall!!!
Bela entrevista.
Desde que vi Tristana, numa mais deixei de procurar os filmes dela.
Parabéns pelo blog. O melhor sobre cinema que já vi até hoje.
Vou aparecer diariamente por aqui.
Oi, Antonio, tudo bem?
Amo Cinema e seu blog é incrível, sem dúvida alguma será um prazer ler suas postagens sobre tudo relacionado. Estarei o seguindo.
Abraço.
Buena semblanza de un actriz estupenda, de la que pensado escribir algo en mi blog. Sus trabajos con Buñuel son los que más me interesan: Belle de jour y Tristana. En realidad toda su primera etapa, que es la mejor.
Me gusta tu blog. Nos leemos...
Un cordial saludo.
Me encantó Catharine Deneuve en "Indochina", espectacular...
Interesante blog para todos los que nos gusta el cine. Y esta entrada me ha gustado mucho porque soy un adminador de Catherine Deneuve desde que descubrí sus películas. Me gusta su estilo tan francés.
Saludos
OLá querido.
Blog tá lindo mesmo!!!
E você ainda escreveu sobre Cath Deneuve, uma das atrizes francesas que mais amo. Super talentosa e linda até os dias de hoje.
Fiquei até com vontade de rever Oito Mulheres, gosto muito dos filmes de Ozon.
E este é super divertido.
Beijinhussssssssss e Parabéns pelo Visual novo e Matéria tão bem escrita.
Bom final de semana!
Amigo Antonio. Tu blog es magnífico, pero honestamente no puedo gozarlo al cien por cien, ya que no capto toda la esencia del idioma portugués. De todas formas, dado el interés que tiene te pondré en mi lista de seguidores para que cualquier amigo, con conocimientos de ese bello idioma, pueda seguirte.
Un abrazote.
Vi pouca coisa com a Deneuve, mas confesso que fiquei impressionado com sua atuação em Repulsa ao Sexo, um dos filmes mais perturbadores do cinema.
Prezado Antonio Nahud,
parabéns pelo blog, acabo de dar um rasante nele; voltarei para ler seus textos.
abraço,
do Marcos Pierry
Sábias palavras, adoro Deneuve. O cinema de um modo geral é cruel com os atores mais velhos. Mas também não podemos nos esquecer que temos a alegria de assistir veteranas como Meryl Streep e Isabelle Huppert ainda recebendo bons papéis.
Ela tá linda e ótima em Repulsa ao sexo, de Polanski.
Acho linda, mas nunca achei tão boa atriz. Bem dirigida, dava clima a certos filmes. Mas os méritos me pareciam da direção.
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