outubro 03, 2016

*************** FLORINDA: do CEARÁ para o MUNDO



De Carmen Miranda à Norma Bengell, de Rejane Medeiros a Sônia Braga, de Denise Dumont a Bruna Lombardi, de Cristiana Reali a Alice Braga, algumas de nossas atrizes se lançaram à carreira internacional. Na década de 1970, uma bela cearense que ainda não tinha atuado no Brasil, consagrou-se como uma das principais atrizes da Itália. FLORINDA BOLKAN (1941. Uruburetema, Ceará / Brasil) tem relação apaixonada com a câmera, carisma, coisa de estrela. Ganhou três prêmios David di Donatello - o Oscar italiano – de Melhor Atriz, o Globo de Ouro italiano e o prêmio de Melhor Atriz do Círculo dos Críticos de Cinema de Los Angeles por “Amargo Despertar”. Atuou em mais de 40 filmes e outros tantos para a TV.

Sensual e sofisticada, ela fez um sucesso durante uma certa época. Capas de revistas nacionais e europeias. Eu a conheci através do amigo e cantor Emilio Santiago, em Lisboa, 1998. Passamos juntos uma tarde, numa feira internacional de turismo, ao lado da sua companheira, a princesa italiana Anna Chigi della Rovera. Na época, FLORINDA BOLKAN era cinquentona, ainda formosa, elegante, de forte personalidade. Ficou surpreendida quando eu citei seus filmes. “Um jovem brasileiro que viu meus filmes? Inacreditável. O Brasil me esqueceu”, queixou-se. Tinha razão, raramente é lembrada entre nós, mas jamais deixou de ser ícone na Itália.

Magra, alta e morena, nasceu em Uruburetama, no Ceará, crescendo com curiosidade de conhecer o mundo. Filha de pai poeta e deputado, e descendente de índios pelo lado materno, aos 18 anos já dominava o francês e o inglês. Nunca fez segredo de suas preferências sexuais, mas também nunca vestiu a camiseta da militância lésbica. A condessa italiana Marina Cicogna Volpi, produtora de filmes, foi influência fundamental em sua vida. Viveram juntas dezoito anos. Quatro deles em Beverly Hills, frequentando festas de celebridades. Sob a proteção da condessa, estrelou filmes. Mas o cinema não era uma meta. Ocorreu meio por acaso.

Quando tinha 14 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como secretária. Depois conquistou uma boa posição como aeromoça na Varig Airlines e circulava com gente fina da alta sociedade. Uma troca de escala, de última hora, salvou-a de morrer num acidente, no Peru. Traumatizada, FLORINDA BOLKAN desistiu de ser aeromoça e, convidada pela amiga socialite Regina Lecléry, em 1963 foi morar em Paris, onde ficou dois anos, e, depois, em Roma. “Achei um absurdo ela me convidar, mas Regina era riquíssima. Passamos ainda por Palm Beach e seguimos para Paris”, contou numa entrevista. Na França, recebeu propostas para trabalhar como modelo, mas devido ao seu caráter introvertido, recusou.

florinda e a condessa marina cicogna
Ainda em Paris, frequentou cursos de francês na Sorbonne e de história da arte no Museu do Louvre. Em Ischia, ilha napolitana, conheceu um ator austríaco, Helmut Berger, namorado de um dos maiores diretores de cinema. Em pouco tempo, ela estava frequentando a casa de Luchino Visconti. “Saíamos de lá para dançar a noite toda”. Foi Visconti quem descobriu, nela, a atriz. Propôs-lhe um teste para “Os Deuses Malditos”, sua ópera antinazista. “Ele adorava o povo, mas nunca abriu mão de viver como o aristocrata que era.”, disse ela sobre Visconti, o grande artista. Com De Sica, a experiência foi igualmente marcante. “Ao contrário de Visconti, a origem dele era humilde e sempre permaneceu fiel a ela, mesmo depois que virou um grande ator e diretor. O que ele gostava mesmo era de colocar pessoas humildes na tela”.

florinda e helmut berger
 recebendo o david di danatello
Na Itália, adaptou a grafia de seu sobrenome Bulcão para torná-lo mais pronunciável aos estrangeiros. No seu primeiro filme, em 1968, contracenou com o beatle Ringo Starr. Logo atuaria ao lado de Jean-Louis Trintignant em “O Ladrão de Crimes / Le Voleur de Crimes” (1969), aparecendo nua. Nesta época, seu nome foi parar nas páginas de fofocas de todo o mundo. A star Liz Taylor ficou uma arara porque a revista Time publicou uma foto de Richard Burton dançando com a atriz brasileira. Na verdade, golpe de publicidade da Condessa Cicogna. FLORINDA BOLKAN foi adotada pelos italianos, passando a ser chamada de La Bolkan, como outras deusas cinematográficas da Itália.

Seu tipo físico, a beleza morena, chamava a atenção dos cineastas. No segundo ano de trabalho fez seis filmes. Mal fazia um personagem e já estava na pele de outro. Tudo rápido para alguém que, como ela chegou a dizer que só queria ficar sem fazer nada. Nos anos seguintes, protagonizou longas que renderam fama, tornando-se uma das atrizes mais populares de sua época. Em 1970, brilhou ao lado de Gian Maria Volontè em “Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita”, que conquistou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. “O Anônimo Veneziano”, o filme mais visto na Itália em 1970, rendendo para ela o status de estrela.

Na década de 1970, sex-symbol absoluta, atuou sob o comando de importantes diretores: Vittorio De Sica, Elio Petri, Giuliano Montaldo, Michel Deville, Damiano Damiani, Richard Lester, Giuseppe Patroni Griffi etc. Após uma grave crise de identidade, decidiu fazer coisas que nunca tinha tempo de fazer, evitando as pressões que uma celebridade passa. Passou a viajar, construir e vender casas, plantar árvores, praticar esportes, montar cavalos, velejar, esquiar e jogar tênis.

Após três anos de jejum artístico, FLORINDA BOLKAN percebeu a importância de atuar outra vez. Assim, mudou-se para uma casa de campo nas proximidades de Roma, e em 1986 começou a gravar o seriado de TV “La Piovra”, batendo todos os recordes de audiência e ganhando prêmios. No inverno de 1984 estreou no teatro, com Michele Placido, na comédia “Metti Una Sera a Cena”, com o mesmo diretor que, anos antes, tinha rodado o filme, Giuseppe Patroni Griffi. Foi um sucesso incrível. Entre 1985-86, também sob a direção de Patroni Griffi, ela interpretou Yelena Andreyevna, da comédia “Tio Vânia”, de Anton Tchecov.

Nunca deixou de visitar o Brasil. Construiu uma casa no Ceará, em Quixadá, de frente para o mar. Mas teve raras passagens pela TV brasileira – uma delas a minissérie na Rede Manchete, “A Rainha da Vida”, em 1987. No Brasil, depois de muitos projetos frustrados, fez “Bela Donna” (1998), dirigida por Fábio Barreto. “Mas não é um bom filme”, reconhece. Nesta co-produção Brasil/EUA, faz Mãe Ana, líder religiosa de um vilarejo, tão temida quanto respeitada. Fracassado, o drama nordestino tem um elenco pouco atraente: Natasha Henstridge, Eduardo Moscovis, Sophie Ward, Letícia Sabatella e Andrew McCarthy. Em 2000, estreia na direção com o filme “Eu Não Conhecia Tururu”. Produz, dirige e interpreta uma das quatro irmãs de uma história passada no Ceará. No elenco, Maria Zilda e Suzana Gonçalves.

luchino visconti e florinda
FLORINDA BOLKAN reside em Milão. Ela não pensa em morar no Brasil, mas se pode encontrá-la vez ou outra em Quixadá. Empresária do setor alimentício, mantém uma ONG que cuida da educação de crianças no Ceará. Seu talento gastronômico, pouco conhecido, está no livro “À Mesa com Florinda e suas Receitas Preferidas”, lançado em 1993. Hoje, tem 75 anos de idade, e há 11 anos se aposentou.


OLHOS de QUEM CONHECEU a FOME

“De todos os filmes que fiz, gosto particularmente de “Amargo Despertar”, de De Sica, de 1977. Nele, interpreto Clara, que era o meu reflexo. Não tinha como ela um marido ciumento, não era operária tuberculosa, internada em sanatório, mas em certo período também tivera, como ela, a pressão de uma família que tinha de sustentar, com a percepção de que o cumprimento dessa tarefa não acabava nunca e não deixava espaço para mim. Por isso, quando interpretei Clara, fiquei inteiramente à sua mercê. Felizmente, De Sica – aquela jovem de 73 anos com quem tive o raro privilégio de trabalhar – sabia tirar o melhor de cada ator. Ao mesmo tempo, nos deixava à vontade, fazendo-nos totalmente livres, felizes. Com ele, nunca tive a sensação de trabalho duro, mas sim a da criação, a da abertura. Ele me deixou inventar gestos, olhares, coisas que adivinhara que eu tivesse vivido. Um dia, me disse porque me escolhera para o papel: “Você tem olhos de quem já conheceu a fome”. Devo a ele, a esse filme, a abertura no mercado norte-americano, onde, inclusive, cheguei a fazer televisão. O filme estourou nos EUA, me deu prêmios, etc. Passei de sex-symbol para a pele de uma operária horrorosa. Acabei comparada à Sophia Loren em “Duas Mulheres”, também de De Sica. Para mim, o mais importante foi saber que estava mesmo apta a fazer qualquer papel no cinema”.

Fonte:
“Depoimento - A Vida de Florinda Bolkan.


10 FILMES de FLÔ

01
Os DEUSES MALDITOS 
(La Caduta degli Dei, 1969)

direção de Luchino Visconti
com Dirk Bogarde, Ingrid Thulin, Helmut Griem, Helmut Berger e Charlotte Rampling

02
INVESTIGAÇÃO de um CIDADÃO ACIMA de QUALQUER SUSPEITA 
(Indagine su un Cittadino al di Sopra di Ogni Sospetto, 1970)

direção de Elio Petri
com Gian Maria Volontè e Salvo Randone

03
AMARGO DESPERTAR 
(Una Breve Vacanza, 1973)

direção de Vittorio De Sica
com Renato Salvatori e Adriana Asti

04
O ANÔNIMO VENEZIANO
(Anonimo Veneziano, 1970)

direção de Enrico Maria Salerno
com Tony Musante

05
A FÚRIA dos INTOCÁVEIS 
(Gli Intoccabili, 1969)

direção de Giuliano Montaldo
com John Cassavetes, Britt Ekland, Peter Falk, Gabriele Ferzetti, Salvo Randone e Gena Rowlands

06
Uma LAGARTIXA num CORPO de MULHER 
(Una Lucertola con la Pelle di Donna, 1971)

direção de Lucio Fulci
com Stanley Baker e Jean Sorel

07
CAROS PAIS 
(Cari Genitori, 1973)

direção de Enrico Maria Salerno
com Catherine Spaak e Maria Schneider

08
O SOLDO da CORRUPÇÃO 
(Un Detective, 1969)

direção de Romolo Guerrieri
com Franco Nero e Adolfo Celi

09
O HERÓICO COVARDE 
(Royal Flash, 1975)

direção de Richard Lester
com Malcolm McDowell, Alan Bates e Oliver Reed

10
NUMA NOITE... um JANTAR
(Metti, una Sera a Cena, 1969)

direção de Giuseppe Patroni Griffi
com Jean-Louis Trintignant, Tony Musante, Annie Girardot e Adriana Asti

GALERIA de FOTOS

 
 
 
 
 

36 comentários:

Kley Coelho disse...

INVESTIGAÇÃO DE UM CIDADÃO ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA é genial, mas mesmo que a Florinda apareça nesse filme com todo seu esplendor, o espetáculo é todo de Gian Maria Volonté, ele rouba todas as cenas. Obra-prima.

JÚLIA XAVIER disse...


Bom dia, querido Antonio!
Uma delicia o seu blog.
Beijos

JAMIL JACKYSON LANDIM disse...


De Florinda vi "Os Deuses Malditos" de Visconti. Muito bela. Tem jeito de Garbo: alta, magra e masculina.

Gene Eliza Tierney disse...


Boa noite, finalmente estou estreando em seu blog, um verdadeiro achado para cinéfilas como eu, parabéns pelo excelente trabalho, minuncioso e enebriante!
Um abraço!

Simone Cunha Borges disse...


PARABÉNS!

victor ramos disse...


Linda atriz. Só assisti um filme com ela, mas esse filme é um dos melhores que assisti, e dígno de TOP 10. O SEGREDO DO BOSQUE DOS SONHOS, dirigido pelo mestre do terror Lucio Fulci.

bette disse...


Florinda abriu caminho para Sonia Braga.

Maria disse...

Este é um dos blogs mais interessantes dos quais eu costumo ler.Parabéns!!!!!

Um abraço,

Zelia Felix disse...

Lindaaaaa !!!!

Ricardo Mello disse...

De Sica? Visconti sim ! Até porque a condessa com que ela vivia era amicissima de Luchino. Ela ,inclusive agora subiu de patamar . Está de princesa cantora à tiracolo. Não a considero uma boa atriz.

Eraldo Urano disse...

Excelente texto sobre minha conterrânea, única brasileira que construiu uma carreira como estrela na Europa. Em "Amargo Despertar" provou que era ótima atriz. Dos filmes citados, lembro que assisti "O Soldo da Corrupção", com Franco Nero, quando era menino, num Corujão da vida.

Egberto Martelli Cavariani disse...

Lembro dela

Luiz A. Ferreira disse...

Aos 75 Florinda continua linda1

Alice Dias disse...

Belíssima!

Jean Guilherme Paixão disse...

Estava linda num policial ótimo com Gian Maria Volonté.

Egberto Martelli Cavariani disse...

Ela tinha uma amiga italiana, a Condessa Marina Cicogna Volpi, que deu uma boa ajuda pra ela no início da carreira. Mas a Florinda era linda e talentosa. Início de carreira é sempre assim, não basta ter talento, é preciso uma oportunidade para poder mostra-lo. O mundo do cinema é muito fechado e concorrido.

Jose Antonio Loyola disse...

Eu assistir alguns capítulos da serie da manchete em que ela trabalhou, realmente o brasileiro tem mente curta para suas estrelas. Obrigado pela linda lembrança.

Luiz A. Ferreira disse...

Florinda sempre foi bela e talentosa. A classe artística da época é que torcia o nariz pra ela. Ela demonstrou seu talento, trabalhando com grandes diretores internacionais. Continua, bela e prestigiada na Itália.

Antônio Sales disse...

Lembra de Rejane Medeiros, a potiguar?

Italia Barra disse...

Linda!

Maria Aparecida disse...

Belíssima mulher ,,,, há muito não ouvi falar dela .

Genildo Carvalho disse...

Linda !

Alice Dias disse...

Não conheço seus filmes. Muito bela. O nosso país é sem memória.

Márcia Guimarães disse...

Não sabia que estava viva. 75 anos é uma bela idade. Gostaria de saber como está.Certamente ainda bela.

Mário Lúcio Ferreira Ferreira disse...

Belíssima e talentosa Florinda Bolkan!!!

Mara Magalhães disse...

Linda, Bolkan!

Hulda Marques disse...

Lembro dela ,do sucesso na época ,mas não lembro dos seus filmes!

Margareth Carvalho disse...

Belíssima. Selvagem....

Iaperi Araujo disse...

Onde anda? La Cicogna a fez desaparecer? Saudades.

Lucivaldo disse...

Sou grande admirador dela....por sinal tenho um autografo dela comigo que guardo com muito carinho..e também possuo a maioria dos filmes dela que consegui baixar pela a internete....muito bela minha conterrânea Florinda Bolkan

Flávio Di Cola disse...

Excelente resenha! La Bolkan merece um resgate urgente.

Flávio Di Cola disse...

Excelente e simpática resenha. La Bolkan merece um resgate urgente.

Unknown disse...

Amo Florinda, tenho dois dvd's dela e faco questão de sempre que falo em cinema lembrar da grande atriz que ela e. Pena que nosso Brasil não tenha olhos para o que verdadeiramente faz nosso país ser comentado de forma decente e que nos orgulhe, Pena, mais nós cearenses a amamos!

Anônimo disse...

Outro dia um correspondente meu me escreveu dizendo que pareço com Florinda Bolkan. Comentei com ele que assisti a um filme com ela, "O Anônimo Venesiano", cuja personagem masculina era pianista.
Não sei se pareço com ela. Sei que ela é muito linda.
Sou alta, esguia e morena. Talvez sejam esses traços que fizeram meu amigo me comparar a ela.
Acabei de ler sobre a história dela e de suas duas irmãs famosas que também fizeram fama no exterior, em áreas diferentes, sendo que a irmã dela, Sônia, faleceu há poucos dias.
Abraços.
Eliana

DéAlves disse...

Excelente artigo sobre esta grande brasileira... mas só um detalhe, a casa em Quixadá não fica em frente ao mar, que está a muitos quilômetros de lá... talvez diante doi vc acuse

jorgeventura disse...

Excelente atriz uma verdadeira representante do Ceará em Milão, sempre fui apaixonado por Florinda, seu sorriso brejeiro encanta a todos sempre com seu jeito de menina, gostaria muito que Florinda ampliasse seus projetos sociais em beneficio dos jovens talentos no Ceará, em Estilismo,Dramaturgia,Musica,e Artes.