De Carmen Miranda à Norma Bengell, de Rejane Medeiros a Sônia
Braga, de Denise Dumont a Bruna Lombardi, de Cristiana Reali a Alice Braga,
algumas de nossas atrizes se lançaram à carreira internacional. Na década de 1970, uma bela
cearense que ainda não tinha atuado no Brasil, consagrou-se como uma das principais
atrizes da Itália. FLORINDA BOLKAN (1941. Uruburetema, Ceará / Brasil) tem relação apaixonada com a câmera,
carisma, coisa de estrela. Ganhou três prêmios David di Donatello - o Oscar
italiano – de Melhor Atriz, o Globo de Ouro italiano e o prêmio de Melhor Atriz
do Círculo dos Críticos de Cinema de Los Angeles por “Amargo Despertar”. Atuou
em mais de 40 filmes e outros tantos para a TV.
Sensual e sofisticada, ela fez um sucesso durante uma certa
época. Capas de revistas nacionais e europeias. Eu a conheci através
do amigo e cantor Emilio Santiago, em Lisboa, 1998. Passamos juntos uma tarde, numa feira internacional de turismo, ao lado da sua companheira,
a princesa italiana Anna Chigi della Rovera. Na época, FLORINDA BOLKAN era cinquentona,
ainda formosa, elegante, de forte personalidade. Ficou surpreendida quando eu
citei seus filmes. “Um jovem brasileiro que viu meus filmes?
Inacreditável. O Brasil me esqueceu”, queixou-se. Tinha razão, raramente é
lembrada entre nós, mas jamais deixou de ser ícone na Itália.
Magra, alta e morena, nasceu em Uruburetama, no Ceará, crescendo
com curiosidade de conhecer o mundo. Filha de pai poeta e deputado, e
descendente de índios pelo lado materno, aos 18 anos já dominava o francês e o
inglês. Nunca fez segredo de suas preferências sexuais, mas também nunca vestiu
a camiseta da militância lésbica. A condessa italiana Marina Cicogna Volpi, produtora
de filmes, foi influência fundamental em sua vida. Viveram juntas dezoito anos. Quatro deles em Beverly Hills, frequentando festas de celebridades. Sob a proteção da condessa, estrelou filmes. Mas o cinema
não era uma meta. Ocorreu meio por acaso.
Quando tinha 14 anos, mudou-se com a família para o Rio de
Janeiro, onde trabalhou como secretária. Depois conquistou uma boa posição como
aeromoça na Varig Airlines e circulava com gente fina da alta sociedade. Uma
troca de escala, de última hora, salvou-a de morrer num acidente, no Peru.
Traumatizada, FLORINDA BOLKAN desistiu de ser aeromoça e, convidada pela amiga
socialite Regina Lecléry, em 1963 foi morar em Paris, onde ficou dois anos, e,
depois, em Roma. “Achei um absurdo ela me convidar, mas Regina era riquíssima.
Passamos ainda por Palm Beach e seguimos para Paris”, contou numa entrevista. Na
França, recebeu propostas para trabalhar como modelo, mas devido ao seu caráter
introvertido, recusou.
Ainda em Paris, frequentou cursos de francês na Sorbonne e de história
da arte no Museu do Louvre. Em Ischia, ilha napolitana, conheceu um ator austríaco, Helmut Berger, namorado
de um dos maiores diretores de cinema. Em pouco tempo, ela estava frequentando
a casa de Luchino Visconti. “Saíamos de lá para dançar a noite toda”. Foi
Visconti quem descobriu, nela, a atriz. Propôs-lhe um teste para “Os
Deuses Malditos”, sua ópera antinazista. “Ele adorava o povo, mas nunca abriu mão de viver como o aristocrata que era.”, disse ela sobre Visconti, o grande artista. Com De Sica, a
experiência foi igualmente marcante. “Ao contrário de Visconti, a
origem dele era humilde e sempre permaneceu fiel a ela, mesmo depois que virou
um grande ator e diretor. O que ele gostava mesmo era de colocar pessoas
humildes na tela”.
Na Itália, adaptou a grafia de seu sobrenome Bulcão para torná-lo
mais pronunciável aos estrangeiros. No seu primeiro filme, em 1968, contracenou
com o beatle Ringo Starr. Logo atuaria ao lado de Jean-Louis Trintignant em
“O Ladrão de Crimes
/ Le Voleur de Crimes” (1969), aparecendo nua. Nesta época, seu nome foi parar nas páginas de fofocas de todo o mundo. A star Liz Taylor
ficou uma arara porque a revista “Time” publicou uma foto de Richard Burton
dançando com a atriz brasileira. Na verdade, golpe de
publicidade da Condessa Cicogna. FLORINDA BOLKAN foi adotada pelos italianos, passando
a ser chamada de La Bolkan, como outras deusas cinematográficas da Itália.
Seu tipo físico, a beleza morena, chamava a atenção dos
cineastas. No segundo ano de trabalho fez seis filmes. Mal fazia um
personagem e já estava na pele de outro. Tudo rápido para alguém que,
como ela chegou a dizer que só queria ficar sem fazer nada. Nos anos
seguintes, protagonizou longas que renderam fama, tornando-se uma
das atrizes mais populares de sua época. Em 1970, brilhou ao lado de Gian Maria
Volontè em “Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita”, que
conquistou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. “O Anônimo
Veneziano”, o filme mais visto na Itália em 1970, rendendo para ela o status de estrela.
Na década de 1970, sex-symbol absoluta, atuou sob o comando de
importantes diretores: Vittorio De Sica, Elio Petri, Giuliano Montaldo, Michel
Deville, Damiano Damiani, Richard Lester, Giuseppe Patroni Griffi etc. Após uma grave crise de identidade, decidiu fazer coisas
que nunca tinha tempo de fazer, evitando as pressões que uma celebridade
passa. Passou a viajar, construir e vender casas, plantar árvores, praticar
esportes, montar cavalos, velejar, esquiar e jogar tênis.
Após três anos de jejum artístico, FLORINDA BOLKAN
percebeu a importância de atuar outra vez. Assim, mudou-se para uma casa de campo nas
proximidades de Roma, e em 1986 começou a gravar o seriado de TV “La Piovra”, batendo todos os recordes de audiência e
ganhando prêmios. No inverno de 1984 estreou no teatro, com Michele Placido, na
comédia “Metti Una Sera a Cena”, com o mesmo diretor que, anos antes, tinha
rodado o filme, Giuseppe Patroni Griffi. Foi um sucesso incrível. Entre 1985-86,
também sob a direção de Patroni Griffi, ela interpretou Yelena Andreyevna, da comédia “Tio Vânia”, de Anton Tchecov.
Nunca deixou de visitar o Brasil. Construiu uma casa no Ceará, em Quixadá,
de frente para o mar. Mas teve raras passagens pela TV brasileira – uma delas a minissérie na Rede Manchete, “A Rainha da Vida”, em 1987. No Brasil, depois de muitos projetos
frustrados, fez “Bela Donna” (1998), dirigida por Fábio Barreto. “Mas não é
um bom filme”, reconhece. Nesta co-produção Brasil/EUA, faz Mãe Ana,
líder religiosa de um vilarejo, tão temida quanto respeitada. Fracassado, o
drama nordestino tem um elenco pouco atraente: Natasha Henstridge, Eduardo
Moscovis, Sophie Ward, Letícia Sabatella e Andrew McCarthy. Em 2000, estreia na
direção com o filme “Eu Não Conhecia Tururu”. Produz, dirige e interpreta uma
das quatro irmãs de uma história passada no Ceará. No
elenco, Maria Zilda e Suzana Gonçalves.
FLORINDA BOLKAN reside em Milão. Ela não
pensa em morar no Brasil, mas se pode encontrá-la vez ou outra em Quixadá.
Empresária do setor alimentício, mantém uma
ONG que cuida da educação de crianças no Ceará. Seu talento gastronômico, pouco
conhecido, está no livro “À Mesa com Florinda e suas Receitas
Preferidas”, lançado em 1993. Hoje, tem 75 anos de idade, e há 11 anos se aposentou.
OLHOS de QUEM CONHECEU a FOME
“De todos os filmes que fiz, gosto particularmente de “Amargo
Despertar”, de De Sica, de 1977. Nele, interpreto Clara, que era o meu reflexo.
Não tinha como ela um marido ciumento, não era operária tuberculosa, internada
em sanatório, mas em certo período também tivera, como ela, a pressão de uma
família que tinha de sustentar, com a percepção de que o cumprimento dessa
tarefa não acabava nunca e não deixava espaço para mim. Por isso, quando
interpretei Clara, fiquei inteiramente à sua mercê. Felizmente, De Sica –
aquela jovem de 73 anos com quem tive o raro privilégio de trabalhar – sabia
tirar o melhor de cada ator. Ao mesmo tempo, nos deixava à vontade, fazendo-nos
totalmente livres, felizes. Com ele, nunca tive a sensação de trabalho duro,
mas sim a da criação, a da abertura. Ele me deixou inventar gestos, olhares,
coisas que adivinhara que eu tivesse vivido. Um dia, me disse porque me
escolhera para o papel: “Você tem olhos de quem já conheceu a fome”. Devo a
ele, a esse filme, a abertura no mercado norte-americano, onde, inclusive,
cheguei a fazer televisão. O filme estourou nos EUA, me deu prêmios, etc. Passei de sex-symbol para a pele de uma
operária horrorosa. Acabei comparada à Sophia Loren em
“Duas Mulheres”, também de De Sica. Para mim, o mais importante foi
saber que estava mesmo apta a fazer qualquer papel no cinema”.
Fonte:
“Depoimento - A Vida de Florinda Bolkan”.
10 FILMES de FLÔ
01
Os DEUSES MALDITOS
(La Caduta degli Dei, 1969)
direção de Luchino Visconti
com Dirk Bogarde, Ingrid Thulin, Helmut Griem, Helmut Berger e Charlotte Rampling
com Dirk Bogarde, Ingrid Thulin, Helmut Griem, Helmut Berger e Charlotte Rampling
02
INVESTIGAÇÃO de um CIDADÃO ACIMA de QUALQUER SUSPEITA
direção de Elio Petri
com Gian Maria Volontè e Salvo Randone
03
AMARGO DESPERTAR
direção de Vittorio De Sica
com Renato Salvatori e Adriana Asti
04
O ANÔNIMO VENEZIANO
direção de Enrico Maria Salerno
com Tony Musante
05
A FÚRIA dos INTOCÁVEIS
direção de Giuliano Montaldo
com John Cassavetes, Britt Ekland, Peter Falk, Gabriele Ferzetti,
Salvo Randone e Gena Rowlands
06
Uma LAGARTIXA num CORPO de MULHER
direção de Lucio Fulci
com Stanley Baker e Jean Sorel
07
CAROS PAIS
direção de Enrico Maria Salerno
com Catherine Spaak e Maria Schneider
08
O SOLDO da CORRUPÇÃO
(Un Detective, 1969)
direção de Romolo Guerrieri
com Franco Nero e Adolfo Celi
com Franco Nero e Adolfo Celi
09
O HERÓICO COVARDE
direção de Richard Lester
com Malcolm McDowell, Alan Bates e Oliver Reed
10
NUMA NOITE... um JANTAR
direção de Giuseppe Patroni Griffi
com Jean-Louis Trintignant, Tony Musante, Annie Girardot e Adriana
Asti
36 comentários:
INVESTIGAÇÃO DE UM CIDADÃO ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA é genial, mas mesmo que a Florinda apareça nesse filme com todo seu esplendor, o espetáculo é todo de Gian Maria Volonté, ele rouba todas as cenas. Obra-prima.
Bom dia, querido Antonio!
Uma delicia o seu blog.
Beijos
De Florinda vi "Os Deuses Malditos" de Visconti. Muito bela. Tem jeito de Garbo: alta, magra e masculina.
Boa noite, finalmente estou estreando em seu blog, um verdadeiro achado para cinéfilas como eu, parabéns pelo excelente trabalho, minuncioso e enebriante!
Um abraço!
PARABÉNS!
Linda atriz. Só assisti um filme com ela, mas esse filme é um dos melhores que assisti, e dígno de TOP 10. O SEGREDO DO BOSQUE DOS SONHOS, dirigido pelo mestre do terror Lucio Fulci.
Florinda abriu caminho para Sonia Braga.
Este é um dos blogs mais interessantes dos quais eu costumo ler.Parabéns!!!!!
Um abraço,
Lindaaaaa !!!!
De Sica? Visconti sim ! Até porque a condessa com que ela vivia era amicissima de Luchino. Ela ,inclusive agora subiu de patamar . Está de princesa cantora à tiracolo. Não a considero uma boa atriz.
Excelente texto sobre minha conterrânea, única brasileira que construiu uma carreira como estrela na Europa. Em "Amargo Despertar" provou que era ótima atriz. Dos filmes citados, lembro que assisti "O Soldo da Corrupção", com Franco Nero, quando era menino, num Corujão da vida.
Lembro dela
Aos 75 Florinda continua linda1
Belíssima!
Estava linda num policial ótimo com Gian Maria Volonté.
Ela tinha uma amiga italiana, a Condessa Marina Cicogna Volpi, que deu uma boa ajuda pra ela no início da carreira. Mas a Florinda era linda e talentosa. Início de carreira é sempre assim, não basta ter talento, é preciso uma oportunidade para poder mostra-lo. O mundo do cinema é muito fechado e concorrido.
Eu assistir alguns capítulos da serie da manchete em que ela trabalhou, realmente o brasileiro tem mente curta para suas estrelas. Obrigado pela linda lembrança.
Florinda sempre foi bela e talentosa. A classe artística da época é que torcia o nariz pra ela. Ela demonstrou seu talento, trabalhando com grandes diretores internacionais. Continua, bela e prestigiada na Itália.
Lembra de Rejane Medeiros, a potiguar?
Linda!
Belíssima mulher ,,,, há muito não ouvi falar dela .
Linda !
Não conheço seus filmes. Muito bela. O nosso país é sem memória.
Não sabia que estava viva. 75 anos é uma bela idade. Gostaria de saber como está.Certamente ainda bela.
Belíssima e talentosa Florinda Bolkan!!!
Linda, Bolkan!
Lembro dela ,do sucesso na época ,mas não lembro dos seus filmes!
Belíssima. Selvagem....
Onde anda? La Cicogna a fez desaparecer? Saudades.
Sou grande admirador dela....por sinal tenho um autografo dela comigo que guardo com muito carinho..e também possuo a maioria dos filmes dela que consegui baixar pela a internete....muito bela minha conterrânea Florinda Bolkan
Excelente resenha! La Bolkan merece um resgate urgente.
Excelente e simpática resenha. La Bolkan merece um resgate urgente.
Amo Florinda, tenho dois dvd's dela e faco questão de sempre que falo em cinema lembrar da grande atriz que ela e. Pena que nosso Brasil não tenha olhos para o que verdadeiramente faz nosso país ser comentado de forma decente e que nos orgulhe, Pena, mais nós cearenses a amamos!
Outro dia um correspondente meu me escreveu dizendo que pareço com Florinda Bolkan. Comentei com ele que assisti a um filme com ela, "O Anônimo Venesiano", cuja personagem masculina era pianista.
Não sei se pareço com ela. Sei que ela é muito linda.
Sou alta, esguia e morena. Talvez sejam esses traços que fizeram meu amigo me comparar a ela.
Acabei de ler sobre a história dela e de suas duas irmãs famosas que também fizeram fama no exterior, em áreas diferentes, sendo que a irmã dela, Sônia, faleceu há poucos dias.
Abraços.
Eliana
Excelente artigo sobre esta grande brasileira... mas só um detalhe, a casa em Quixadá não fica em frente ao mar, que está a muitos quilômetros de lá... talvez diante doi vc acuse
Excelente atriz uma verdadeira representante do Ceará em Milão, sempre fui apaixonado por Florinda, seu sorriso brejeiro encanta a todos sempre com seu jeito de menina, gostaria muito que Florinda ampliasse seus projetos sociais em beneficio dos jovens talentos no Ceará, em Estilismo,Dramaturgia,Musica,e Artes.
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