fevereiro 11, 2016

*********** A ENIGMÁTICA CHARLOTTE RAMPLING



Aos 69 anos, ela concorre este mês ao Oscar pelo magnífico “45 Anos / 45 Years”, drama pelo qual arrebatou prêmios de Melhor Atriz no Festival de Berlim, European Film Awards e Associação dos Críticos de Los Angeles. Compõe com Tom Courtenay um casal prestes a celebrar 45 anos de casados, mas que é sobressaltado por uma dúvida que ficara enterrada no passado.

Entrevistei CHARLOTTE RAMPLING há 15 anos, em Barcelona. A oportunidade surgiu durante a coletiva que concedeu à imprensa espanhola ao lançar o premiado “Sob a Areia / Sous le Sable”. Entrevista publicada no jornal “A Tarde” e no livro “ArtePalavra – Conversas no Velho Mundo” (2003). 

Vale ainda hoje pela autenticidade da estrela. A sua postura é honesta. Mostra-se como é. Com o seu olhar do qual não ousamos desviar a atenção. Deslumbrante. O momento ficou. Confira.

Atriz de olhar enigmático e voz profunda, desnuda-se de corpo e alma no papel de Marie Drillon, uma professora de literatura desesperada diante do enigma do desaparecimento de seu marido, Jean (Bruno Cremer), que possivelmente se afogou numa praia da cidade onde o casal passava suas férias. “Sob a Areia”, um drama psicológico do francês François Ozon, tem recebido críticas entusiasmadas, principalmente pela atuação comovente da protagonista. Este ano, ela abriu o Festival de Cannes, recebeu o prêmio César especial por sua longa carreira e atuou em quatro filmes, alimentando uma filmografia atraente e versátil.

Praticamente adotada pelo cinema francês, a veterana inglesa CHARLOTTE RAMPLING debutou no cinema aos 19 anos, numa pontinha em “A Bossa da Conquista / The Knack and How to Get It” (1965), de Richard Lester, uma comédia que capta o clima moderninho do swinging London. O reconhecimento internacional veio pelo clássico “Os Deuses Malditos / La Caduta degli Dei” (1969), do mestre italiano Luchino Visconti, reafirmado com o escândalo provocado ao estrelar “O Porteiro da Noite / Il Portiere di Notte” (1974), fazendo uma judia sobrevivente do nazismo que transa com seu torturador.

Nascida em Gibraltar, acabaria por dividir a sua vida (e carreira) entre vários países, tornando-se inclassificável. Um talento moldado por cineastas consagrados e diversos como John Boorman, Patrice Chéreau, Liliana Cavani, Arturo Ripstein, Woody Allen, Sidney Lumet, Michael Cacoyannis e Nagisa Oshima, entre muitos outros, associando seu nome a personagens misteriosos. Foi casada quase 20 anos com o músico Jean-Michel Jarre. CHARLOTTE RAMPLING, ainda hoje, seduz com penetrantes olhos azuis e elegante fragilidade. Não é à toa que foi considerada pela revista “Empire” como uma das 100 estrelas mais sensuais da história do cinema.

Parabéns por este filme magnífico. Ozon ficou satisfeito em tê-la como protagonista e a crítica exalta sua atuação. Foi difícil encontrar o ponto exato para dar vida à sofrida Marie?

Obrigada, ainda bem que gostou. Não usei nenhum método diferenciado de interpretação, nenhuma técnica especial. O personagem me caiu como uma luva. Eu simplesmente utilizei a memória, porque havia passado por algo parecido. Tive uma grave depressão e um sentimento de perda com a morte precoce de minha irmã Sarah. Com a Marie repeti na ficção a dor e a incredulidade sentidas com o desaparecimento repentino de um ser amado. É um personagem complexo. Acho formidável quando no meio do seu desespero se dá conta, depois de tantos anos, que não conhece realmente o marido, não sabe como ele é de verdade. Mas o filme antes de tudo é uma história de amor que fala de perda e obsessão. Marie na verdade só se dá conta de que ama muito o marido depois de perdê-lo. E isso acontece na vida das pessoas. Muitas vezes, só valorizamos algo depois que não o possuímos mais.

Prefere personagens densos e estranhos?

As almas que habitam os nossos papéis, somos nós. Talvez por isso prefira a força dramática dos personagens introspectivos. Necessito de papéis que me alimentem emocionalmente. Não me atraem personagens superficiais, caricatos. Afinal, é a viagem da minha alma. Preciso de alguma interioridade para fazer este tipo de profissão. Nem todos, mas muitos dos personagens que interpretei têm uma parte da minha intimidade. É isso que me interessa. É isso que me torna a atriz que eu sou. É isso que transparece nesses papeis. Sei que esse direcionamento limita minha carreira, mas não estou no cinema para acumular todo tipo de filmes ou ganhar rios de dinheiro, prefiro fazer o que me dá prazer. Evito fitas simplórias, descartáveis, mesmo que o público se incomode com as minhas escolhas.
charlotte em 
“os deuses malditos”

Como foi trabalhar com François Ozon?

Já trabalhei com grandes diretores do cinema francês e posso dizer que Ozon dirige como um veterano. Ele tem um bom caráter e se envolve com sua equipe, permitindo um resultado empolgante. A filmagem foi muito agradável. Ele é um tipo comum, sem esquisitices. O “cinema de autor” de antes era muito mais complicado.

Falando em “cinema de autor”, tem boas recordações de Luchino Visconti?

Eu era muito jovem, desconhecia o mundo em que Visconti vivia e fiquei bastante impressionada. Ele me ensinou a apreciar filmes profundos e extravagantes. Nunca mais pude rodar filmes convencionais. Uma pena que não foi concretizada a nossa segunda colaboração. Havia me convidado para fazer um dos papéis centrais de “Em Busca do Tempo Perdido”, adaptação da obra de Marcel Proust, mas infelizmente o projeto não teve continuidade.

Visconti marcou a sua carreira. Ele a lançou mundialmente. “Os Deuses Malditos” hoje é um clássico.

Engraçado, muita gente pensa isso. Realmente Visconti foi importante para a minha carreira, jamais negaria, porém a influência de Woody Allen foi bem maior. Quando fiz “Memórias / Stardust Memories”, em 1980, Allen foi vital na minha vida pessoal e profissional. Eu estava perdida, fragilizada, sem saber como agir e ele me ensinou que a vida poderia ser divertida.
o porteiro da noite”

Passados quase trinta anos, ainda é lembrada pela Lúcia de “O Porteiro da Noite”. Incomoda-se?

Com ela encontrei a minha linha de interpretação, o meu estilo. Ela me revelou o que eu queria fazer. Sei que muita gente se chocou com o filme e eu poderia ter direcionado minha carreira para outros papéis após o escândalo mundial, mas preferi seguir a intuição, investindo na luminosidade enigmática do personagem. Acredito que foi uma decisão acertada.

Por que focou sua carreira no cinema francês?

Filmei em diversos países. Itália, Espanha, Grécia, Suécia, Estados Unidos, Inglaterra... Com o cinema francês tenho um relacionamento amoroso. Ele é generoso com atrizes de qualquer idade. A maturidade não é um problema, como acontece habitualmente em outras cinematografias.

A imprensa tem alardeado sua volta, mas nunca deixou de filmar.

Exatamente. Eu nunca abandonei o cinema. Tenho uma visão poética de minha carreira, preferindo atuar em filmes significativos, e muitos deles são de baixo orçamento ou de distribuição deficiente, passando despercebidos em inúmeros países. Entusiasmo-me correndo riscos, optando por produções irreverentes. Nos últimos meses, fui dirigida por Cacoyannis, Tony Scott e John Irvin. No momento, preparo-me para rodar a comédia francesa “Beije Quem Você Quiser / Embrassez qui Vous Voudrez”, de Michel Blanc, com Jacques Dutronc e Carole Bouquet. Jamais deixei de filmar. Pretendo continuar nas telas por muitos anos.


10 FILMES de CHARLOTTE RAMPLING

01
Os DEUSES MALDITOS
direção de Luchino Visconti
com Dirk Bogarde, Ingrid Thulin, Helmut Berger
e Florinda Bolkan

02
GIORDANO BRUNO
(Idem, 1973)
direção de Giuliano Montaldo
com Gian-Maria Volonté e Mathieu Carrière

03
O PORTEIRO da NOITE
direção de Liliana Cavani
com Dirk Bogarde, Gabrielle Ferzetti e Isa Miranda

04
A MARCA da ORQUÍDEA
(La Chair de l’Orchidée, 1975)
direção de Patrice Chéreau
com Bruno Cremer, Edwige Feuillère, Simone Signoret
e Alida Valli

05
MEMÓRIAS
direção de Woody Allen
com Woody Allen e Marie-Christine Barrault

06
O VEREDITO
(The Verdict, 1982)
direção de Sidney Lumet
com Paul Newman e James Mason

07
VIVA LA VIE!
(1984)
direção de Claude Lelouch
com Michel Piccoli, Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée

08
MAX MON AMOUR
(1986)
direção de Nagisa Oshima
com Anthony Higgins e Victoria Abril

09
CORAÇÃO SATÂNICO
(Angel Heart, 1987)
direção de Alan Parker
com Mickey Rourke e Robert De Niro

10
SOB a AREIA
direção de François Ozon
com Bruno Cremer

GALERIA de FOTOS

 

48 comentários:

Sérgio Vaz disse...

Que atriz maravilhosa. Que mulherão.

M. disse...

Nossa! Que chique entrevistar ela! Realmente ela é uma presença e tanto.

Marcelo Castro Moraes disse...

Um olhar peculiar, mas belo.

Rafael W. disse...

Continua com tudo em cima.

http://avozdocinefilo.blogspot.com.br/

Rodrigo Duarte disse...

Nahud, quais seriam as duas publicações que mantiveram você ausente por um pequeno período de tempo? Seria possível conseguir algum exemplar? Abraço.

linezinha disse...

A Charlotte é um arraso de mulher,só assisti dos seus filmes o polêmico " O porteiro da noite",só acho que ela não é muito lembrada pela crítica,me fazendo lembrar também da Kristin Scott Thomas. Abç

Suzane Weck disse...

Ola meu amigo ,que bom saber que o sumiço já terminou,pois as saudades estavam batendo na porta.Excelente entrevista,meus parabéns.Tenhas um ótimo fim de semana e abração pelo retorno aos amigos blogueiros.

renatocinema disse...

Adoro O Porteiro da Noite o magistral.......Coração Satânico.

Obras-primas.

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Ela é simplesmente maravilhosa!!!

Victor Ramos (Jerome) disse...

Belo artigo, Antônio. Parabéns mesmo pelo trabalho.

A carreira de Charlotte Rampling é muito engraçada sob alguns aspectos - principalmente quando temos em mente que trabalhara no tosco Orca, A Baleia Assassina.

Abs!

Injeção Cinéfila

J. BRUNO disse...

Linda demais, não, e que olhar!
E além de bela uma grande atriz. Parabéns pela entrevista Antonio!!!

Maxx disse...

Ela é linda. Excelente post.

Grande abraço.

Maxx.
http://telecinebrasil.blogspot.com

Alana Agra disse...

Ótima escolha! Charlotte Rampling é uma das minahs atrizes favoritas, uma das mis belas e interessantes desde os anos '60.

Unknown disse...

Ótima postagem, eu não a cochecia.

João Roque disse...

Adoro esta actriz.
Para mim o seu melhor papel é no "Porteiro da Noite".
E gostei imenso dela num filme muito antigo, ela era lindíssima e contracenava com um actor muito belo também, Fabio Testi, que era seu irmão na película e com o qual tinha uma relação incestuosa.

Anne Denise Oliveira disse...

Ola Antonio. Sim, amo cinema!! E acompanharei com prazer o blog. Abraços!

Alana Agra disse...

Belo texto, entrevista e fotos de uma das mais belas e intrigantes atrizes sempre.

Brenda Rosado disse...

Gosto demais de um filme dela de época, que se passa em Veneza. Não lembro o título.

Nasser disse...

Creio que o único passo em falso de Charlotte foi "Orca, a baleia assassino". Ela está maravilhosa em "Melancolia", de Von Trier.

Renato Oliveira disse...

Nossa, que linda! não a conhecia. Bem como não me lembrava também deste filme do Dirk Bogarde, O Porteiro da Noite até consultar aqui. Não falam muito bem a respeito dele, mas não importa. Irei assistir.
Abraços

ANTONIO NAHUD disse...

Rodrigo, publiquei recentemente o livro de contos "Pequenas Histórias do Delírio Peculiar Humano" e amanhã será lançado a biografia "Agnelo Alves - 8 Décadas". Ambos edições independentes, dificultando a circulação além do Rio Grande do Norte. Posso enviá-los via correios. Combinamos detalhes por e-mail. Escreva para mim. Abraços, obrigado.

ofalcaomaltes41@gmail.com

ANTONIO NAHUD disse...

Tem razão, Linezinha. As trajetórias das sensacionais Rampling e Scott Thomas são raramente enaltecidas pelos críticos e pouco lembradas pela mídia.Reconhecem o talento delas, mas dão em troca um silêncio respeitoso, se isso é possível.Rampling durante alguns anos, justamente após "Sob a Areia", teve o seu "boom" de prêmios e reconhecimento crítico.

ANTONIO NAHUD disse...

Obrigado, Suzane. Bom estar de volta.

ANTONIO NAHUD disse...

Eu também, Renato. "Coração Satânico" vi adolescente e nunca o esqueci. O demo de De Niro é eterno. Temo revê-lo e me decepcionar, como aconteceu com outros filmes de Alan Parker. "O Porteiro da Noite" é incrível, marcante. Belos filmes. "O Veredito", de Lumet, é outro grande momento de Rampling. Se não viu, fica a recomendação.

ANTONIO NAHUD disse...

Victor, ORCA, A BALEIA ASSASSINA é o momento mais comercial da carreira da atriz. Mas está longe do trash. Vale a pena vê-lo como diversão. E ao lado de Rampling está o ótimo Richard Harris. No final dos anos 70, a carreira da atriz não ia nada bem. Ela só voltou a crescer quando filmou MEMÓRIAS, de Woody Allen.

ANTONIO NAHUD disse...

João, vi esse filme. Belo. No Brasil foi intitulado ADEUS, IRMÃO CRUEL. Produção italiana de 1971, dirigida por Giuseppe Patroni Griffi.

ANTONIO NAHUD disse...

Obrigado, Anne Denise. Apareça sempre.

ANTONIO NAHUD disse...

É o mesmo filme que o João Roque citou, Brenda: ADEUS, IRMÃO CRUEL.

ANTONIO NAHUD disse...

É o mesmo filme que o João Roque citou, Brenda: ADEUS, IRMÃO CRUEL.

ANTONIO NAHUD disse...

Concordo, Nasser. Ela tem participação expressiva em MELANCOLIA, assim como em outros filmes recentes: EM DIREÇÃO AO SUL, CAÓTICA ANNA, A DUQUESA e NÃO ME ABANDONE JAMAIS.

ANTONIO NAHUD disse...

Renato, a Liliana Cavani é o tipo de cineasta que se ama ou se odeia. Ela não me empolga, mas percebo que tem bons momentos e O PORTEIRO DA NOITE é um deles, assim como o bonito BERLIM AFFAIR. São filmes sensuais, sensíveis e perversos.

Jacqueline Bacelar disse...

magnífica.

Paulo Nery disse...

Grande Atriz!

disse...

Digo mais uma vez que os posts com entrevistas são um deleite!
Muito bacana que ela tenha trabalhado com mestres como Woody Allen e Luchino Visconti, além de Sidney Lumet no ótimo O veredicto.
Abraços!

Sonja disse...

Nahud - Boa Noite, Sarah era sua irma que morava na Argentina e se suicidou (que vc se refere como filha dela)
Abs.

Gilberto Carlos disse...

Adoro Charlotte Rampling, principalmente nos filmes de François Ozon, mas ela está maravilhosa em todos os filmes que atuou.

Mario Salazar disse...

Muy bella Rampling, una mirada que atemoriza, muy segura, bellos ojos claros, he apuntado la de Parker y la de Ozon para verla, las otras ya las conozco, también aparece en Melancholia de Trier, un papel corto pero lleno de fuerza como los suyos. Muy buena entrevista, te felicito, un placer sin duda entrevistar a tan guapa y talentosa mujer. Un abrazo.

Rafa Amaral disse...

Ela é realmente incrível - como a entrevista. Boa tacada. Abraços. cinemavelho.com

Magda Miranda disse...

Excelente post do Falcão Maltês, excelente tema, excelente texto.

ANTONIO NAHUD disse...

Sonja, a história foi contada pela própria Charlotte numa entrevista coletiva.

ANTONIO NAHUD disse...

O Ozon deu bons papeis para Charlotte, Gilberto.

linezinha disse...

Com certeza Antonio,em troca elas tem a tranquilidade e nos presenteiam com brilhantes interpretações! e a Kristin Scott Thomas merece um post aqui no falcão. Abç

ANTONIO NAHUD disse...

Com certeza, Linezinha. Um dia desses a Kristin estará por aqui.

AnnaStesia disse...

Chiquérrima, elegantíssima, charmosa, bela e talentosa. Quantas Charlotte Ramplings temos hoje, hein? Gosto muito de Os deuses malditos e Coração satânico e tenho verdadeiro fascínio por O porteiro da noite.
Abraços cinéfilos!

Cláudio Brayner disse...

Charlotte Rampling, atriz internacional !

Dyogo Luis disse...

Que honra. Entrevistar essa fantástica atriz

Vanilton Santos disse...

Legal mesmo, uma grande atriz

Walter Spalla Filho disse...

Fabulosa