“utamaro e suas cinco mulheres” |
Há um culto a KENJI MIZOGUCHI (1898 – 1956). Jean-Luc Godard, nos
seus tempos de crítico, foi o guardião do mito. Traumatizado pela falência familiar, que levou os pais a vender sua irmã a uma casa de gueixas, o cineasta
japonês construiu uma carreira marcada pela indignação, perseguindo sentimentos em
estado de pureza: honra, dever, lealdade, amor e justiça. Poucas vezes o cinema
viu em um autor tamanho rigor formal com igual medida de extremismo moral.
Nele, a noção de sacrifício decorre naturalmente da necessidade de expurgação,
único meio que seus personagens encontram para superar a corrupção humana.
O autor do clássico “Contos da Lua Vaga” (1953) viveu um importante
período de transição cinematográfica, passando da fase do cinema mudo ao
falado, e do preto-ebranco ao colorido. Dos seus filmes da fase muda, destacam-se
algumas obras-primas e já se notam características que iriam nortear as seus dramas
mais importantes: ênfase em costumes emocionais tipicamente japoneses, influência
do expressionismo alemão, e interesse por mulheres reprimidas, seus sacrifícios
e sabedoria.
Em 1897, plateias do Japão tomaram conhecimento de uma nova forma
de entretenimento, através da demonstração do sistema de projeção de filmes da
Vitascope, empresa norte-americana. O primeiro filme produzido no país foi o
documentário de curta-metragem “Geisha no Teodori”, em 1899. Enquanto no mundo
inteiro o cinema era mudo, no Japão os filmes eram parcialmente sonorizados com
a presença do benshi, uma pessoa que reproduzia os diálogos do filme,
interpretando as vozes dos vários personagens durante a projeção – uma espécie
de dublador ao vivo. Os filmes japoneses desse período em geral retratam
aventuras de samurais injustiçados, e o principal expoente dessa época foi o
trabalho de KENJI MIZOGUCHI.
O terremoto de 1923, o bombardeio de Tóquio durante a Segunda
Guerra Mundial, assim como os efeitos naturais do tempo e da umidade nas
frágeis películas destruíram a maior parte dos filmes realizados pelo diretor no
período. Na fase do sonoro surgem suas obras mais significativas. Já no período
posterior à Segunda Guerra, destacam-se os filmes que tiveram a atriz Kinuyo
Tanaka no papel principal, como “Oharu, a Vida de uma Cortesã” (1952), onde
alcançou a excelência de sua arte. Tragédia de cunho realista, que narra a história
de uma mulher dominada pelo sistema feudal, possui uma estrutura narrativa marcada
por visão oriental silenciosa e sugestiva, expressada através da linguagem que marcou
o diretor: o método onde a câmara se fixa longamente numa tomada, aumentado a
dramaticidade através da plástica. Esse drama de época conquistou o prêmio de Melhor
Direção no Festival de Veneza, no ano de 1952.
Considerado um dos cineastas mais importantes da história do
cinema, KENJI MIZOGUCHI morreu em 1956, aos 58 anos de idade, vencido pela
leucemia. Dirigiu o primeiro filme em 1923, realizando mais de 80 títulos,
sendo seu maior sucesso, “Contos da Lua Vaga”, brilhante e poética
reconstituição do passado, num realismo que aponta os prolongamentos do sistema
feudal no Japão contemporâneo. De grande beleza visual, premiado com o Leão de
Prata no Festival de Veneza de 1953, tem como protagonista a formosa e
excelente Machiko Kyo (de “Rashomon / Idem”, de Akira Kurosawa, 1950).
É um dos meus filmes favoritos. Ele constrói uma narrativa fantasmagórica.
A história se passa no século 16, durante a guerra civil japonesa, e acompanha
a viagem de pobre oleiro e seu cunhado com as respectivas mulheres rumo à capital
da província onde vivem, nas redondezas do lago Biwa, para vender utensílios de
cerâmica. As cenas filmadas no castelo, com a chegada da primavera, são de uma
beleza sublime, reflexo do perfeccionismo do diretor. Seus filmes têm uma
estética remanescente da arte japonesa, detalhista. Os longos planos, a mis en
scéne rebuscada, a encenação pictórica, são frequentes. Ele raramente utilizava
close ups, preferindo compor planos conjuntos.
Suas cenas podiam demorar pouco, mas sempre davam ênfase ao cenário,
à luminosidade. Reza a lenda que ele repetia tomadas à exaustão, o que em
muitos casos se tornaram um pesadelo, principalmente para suas atrizes. Sua
preferência por planos longos significava que não havia espaço para erros:
conta-se que, em alguns casos, ele chegou a rodar cem tomadas de um mesmo
plano. A essa estética refinada soma-se o envolvimento do público com o tema, e
à habilidade com que ele provoca simpatia pelos seus personagens, que em alguns
casos são “endeusados” mas, no fundo, são apenas humanos.
kenji mizoguchi |
Não se assemelha a nenhum outro autor do cinema japonês. Pela
diversidade de obra - adaptou vários escritores ocidentais -, pela mistura de
serenidade e violência, pode-se buscar, quem sabe, uma aproximação com Akira
Kurosawa. O cinema de KENJI MIZOGUCHI tem força própria, é diferente, muito
diferente. Seu estilo é clássico, tomadas
longas e sem close-ups, e preocupação humanista. Assistir aos seus filmes significa
abrir uma janela diferente para a percepção oriental de temas universais, experimentando
um determinismo dramático. Ele não consegue conter sua vocação inflexível na
regeneração do homem. Tantas décadas passadas, a integridade de sua mensagem
humanista ainda causa impacto, numa época em que se evidencia o esgotamento ético.
10 FILMES de MIZOGUCHI
AS IRMÃS DE GION
(Gion no Shimai, 1936)
CRISÂNTEMOS TARDIOS
(Zangiku Monogatari, 1939)
MULHERES DA NOITE
(Yoru no Onnatachi, 1948)
Com: Kinuyo Tanaka e Sanae Takasugi
PAIXÃO ARDENTE
(Waga Koi wa Moenu, 1949)
Com: Kinuyo Tanaka e Mitsuko Mito
OHARU – A VIDA DE UMA CORTESÃ
(Saikaku Ichidai Onna, 1952)
Com: Kinuyo Tanaka e Toshiro Mifune
CONTOS DA LUA VAGA
(Ugetsu Monogatari, 1953)
OS AMANTES CRUCIFICADOS
(Chikamatsu Monogatari, 1954)
O INTENDENTE SANSHÔ
(Sansho Dayu, 1954)
A PRINCESA YANG KWEI FEI
(Yokihi, 1955)
RUA DA VERGONHA
(Akasen Chitai, 1956)
25 comentários:
Olá, Antonio
Beleza de texto sobre Mizoguchi. Difícil resistir assistir a filmes dele depois de ler o que você escreveu.
É, o cinema do japão não se vive apenas de Kurosawa.
Novo filme de Roman Polanski com Christoph Waltz no elenco? Depois do genial Escritor Fantasma espero de tudo com relação a esse filme e de uma interpretação magistral de Waltz.
Muito obrigada pela visita!
Ainda não conhecia o Mizoguchi...quero ver os filmes ^^
http://rebucomcafe.blogspot.com
beijinhos
Olá, Antonio! Taí mais uma personalidade do cinema que conheci através de seu blog. Hoje preciso de uma ajuda: vi em seu perfil que você é também autor de vários livros. Estou para publicar um livro infanto-juvenil e gostaria de alguns conselhos sobre a procura de editoras para publicação e publicação independente.
Abraços, Lê
É sempre bom vir a seu blog, principalmente quando leio sobre grandes nomes do cinema que ainda não conhecia. Vou procurar alguns filmes da lista. Afinal de contas, informação nunca é demais, principalmente quando envolve cinema haha.
Até mais!
Amigo, de Mizoguchi só havia assistido ao "Contos da lua vaga". Depois do post vou garimpar lá na Sétima Arte mais alguns filmes do cineasta. Abração.
Pois é, Marcelo, estou ansioso à espera desse filme que tem no elenco duas atrizes que amo: a Kate e a Jodie.
Mande o seu e-mail, Lê. Tenho algumas dicas.
Beijos
Contos da Lua Vaga é formidável. Vou ver essa semana O Intendente Sancho.
O INTENDENTE SANSHO é muito bom também, Kley. Vc vai gostar.
Excelente o blog.
A-D-O-R-O!
saudades de um tempo ao qual nao pertenci...
O Mizoguchi é de longe superior a Ozu e Kurosawa.
Vamos ver se Polanski acerta desta vez. O Escritor Fantasma nunca foi um grande filme.
Antonio Júnior
Assisti Contos da Lua Vaga através da Tv Cultura nos anoa 90 em Ilhéus captado por antena parabólica.A cópia não era de boa qualidade,eu estava com muito sono.Porém as imagens e a forma de narrar bem como a trilha sonora me encantaram tanto que eu tenho receio de rever e perder esta fantasia.
Eu e Neuzamaria retornamos para Vitória-ES.
Abraço.
Emilio Suzart
Jamil se equivoca. Mizoguchi é melhor que Ozu, um cineasta chatíssimo, mas jamais supera Kurosawa.
Oi, Nahud Jr.
Há muito tempo que ouço falar em Contos da Lua Vaga e ainda não tive a oportunidade de assistir. Só pelo título, tão poético, tenho certeza de que vou gostar. Agora vendo tantos comentários sobre o Mizoguchi, já vou procurar o filme.
abração
Neuzamaria
Pelo visto o senhor Giancarlo não conhece a obra de Mizoguchi.
Pode revê-lo tranqüilamente, Emílio. Vc vai adorar.
Não sei se Mizoguchi é melhor ou não que Kurosawa, caros Jamil e Giancarlo. Ambos são grandes realizadores. Em relação Ozu não posso opinar, sou suspeito, já que nunca gostei dos poucos filmes dele que vi.
Jamil, também achei O Escritor Fantasma bem fraquinho.
Maravilloso Mizoguchi. Un cine precioso y de ritmo diferente al que solemos ver por Europa y América. Saludos y gracias por ir dejando comentarios en mi blog.
ainda não vi nenhum do Mizoguchi excelente matéria Antonio!
E eu que não assisti nenhum desses filmes japoneses!
Faz uma resenha sobre joan bennett
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