outubro 12, 2011

************* À MODA CLÁSSICA: WILLIAM WYLER

william wyler e audrey hepburn

Nunca me deixei levar pela birra da crítica especializada em cinema. Se eu conheço bem a carreira de determinado cineasta, faço minha própria avaliação, pouco ligando se ele é admirado ou desprezado. WILLIAM WYLER (1902 - 1981) é um desses casos. Menosprezado por muitos analistas cinematográficos de hoje, que o consideram por demais impessoal e acadêmico, eu o enxergo como um autor de longas visualmente elegantes e densos, com momentos vitais de beleza plástica a serviço da dramaturgia, ao contrário do que seus detratores dizem. Não avalio o seu cinema como envelhecido e vejo virtudes em seu perfeccionismo, que o levava a filmar somente em estúdio, controlando a imagem de seus filmes. 

Suprindo uma lacuna importante para os entusiastas do cinema clássico – e para qualquer cinéfilo -, relembro a trajetória deste cineasta reconhecido pelo prestígio de “O Morro dos Ventos Uivantes / Wuthering Heights” (1939) e “Os Melhores Anos de Nossas Vidas / The Best Years of Our Lives” (1946), ou pelos sucessos retumbantes de “A Princesa e o Plebeu / Roman Holiday” (1953) e “Ben-Hur / Idem” (1959). Com três Oscars de Melhor Direção - por “Rosa da Esperança / Mrs. Miniver” (1942), “Os Melhores Anos de Nossas Vidas” e “Ben-Hur” -, e a Palma de Ouro em Cannes por “Sublime Tentação / Friendly Persuasion” (1956), WILLIAM WYLER ganhou os prêmios mais importantes e dirigiu as maiores estrelas de Hollywood com excelentes resultados, colocando sua arte de grande diretor de elenco a serviço de astros e estrelas. 

Ainda é o cineasta com o maior número de intérpretes indicados ao prêmio Oscar em seus filmes e com o maior número de premiados em suas realizações. Realizou 46 filmes em 44 anos de carreira, quase sempre com roteiros adaptados a partir de original literário ou teatral, esculpindo sua fama e seu mito.

merle oberon e laurence olivier 
em o morro dos ventos uivantes
fay bainter e bette davis em “jezebel”
Sóbrios e inteligentes, seus filmes capricham na psicologia. O realismo também era muito importante para ele. Entrou para a história a forma como quase levou Olivia de Havilland à loucura em “Tarde Demais / The Heiress” (1949). Em busca de determinado efeito, o diretor fez com que atriz descesse uma escadaria 37 vezes. Na última, à beira de um ataque de nervos, ela deixou o leque cair, de tão cansada, e ele exclamou: É isso!.  Ele era tão obcecado em seu perfeccionismo que, em “A Carta / The Letter(1940), querendo obter determinado efeito - a sombra de uma árvore numa parede branca -, tentou todos os recursos de iluminação disponíveis. Ao ver que não estava conseguindo, fez com que o cenógrafo pintasse a sombra que desejava. Tudo isso faz parte da lenda desse cineasta que privilegiava os roteiros sólidos, carregados de psicologismo. Natural da Alsácia, então território alemão (atualmente França), WILLIAM WYLER emigrou para os Estados Unidos em 1923, a convite do presidente da Universal, seu primo em segundo grau, Carl Leammle. 

Depois de alguns meses no Departamento de Publicidade, conduziu alguns filmes de baixo orçamento, até que em 1935 passou a trabalhar com o produtor Samuel Goldwyn, iniciando um novo rumo na sua carreira com “Fogo de Outono / Dodsworth” (1936), um drama que lhe permitiu a primeira nomeação ao Oscar. A longa associação com Goldwyn resultou na sua maturidade artística, assinando nessa época três dos trabalhos mais emblemáticos da carreira de Bette Davis: “Jezebel / Idem” (1938), “A Carta” e “Pérfida/ The Little Foxes” (1941). Incorporado no exército americano, lutou na Segunda Guerra Mundial. Quando regressou, apesar da inclusão na lista negra do Senador McCarthy, no período da chamada Caça às Bruxas, o seu prestígio profissional não se abalou, continuando a somar êxitos. Liberto do contrato com o produtor Samuel Goldwyn, tentou a produção independente, tendo Frank Capra e George Stevens como sócios. Mas o fracasso comercial de “A Felicidade Não se Compra / It’s a Wonderful Life” (1946), de Capra, posteriormente um dos filmes mais amados de todos os tempos, fez com que a empreitada não se consolidasse e WILLIAM WYLER assinou com a Paramount um contrato para a realização de cinco filmes - com mais liberdade de ação do que Goldwyn lhe dava.

bette davis em a carta
olivia de havilland em tarde demais
audrey hepburn em a princesa e o plebeu
Confesso que nunca me impressionei muito com “Rosa da Esperança”, “Os Melhores Anos de Nossas Vidas” - até hoje visto como um dos mais importantes filmes do pós-Segunda Guerra - ou “Sublime Tentação”, todos os três sucessos de público, crítica e bastante premiados -, mas a beleza sombria de “A Carta” me apaixona e o meu WILLIAM WYLER favorito é o romântico “O Morro dos Ventos Uivantes”, baseado no clássico gótico de Emily Bronte.  Entre os inesquecíveis momentos da fita, está aquele em que o impetuoso Heathcliff (Laurence Olivier) carrega nos braços a sua agonizante amada Cathy (Merle Oberon, maravilhosa). 

Não me canso de rever “Perdição por Amor / Carrie” (1952), com vigorosas atuações de Laurence Olivier, Jennifer Jones e Miriam Hopkins – esta subestimada atriz se destacou em vários filmes do diretor -, e os westerns “O Galante Aventureiro / The Westerner” (1940) e “Da Terra Nascem os Homens / The Big Country” (1958). A cena de luta entre Gregory Peck e Charlton Heston é antológica. Outro excepcional momento seu é “Infâmia /The Children’s Hour” (1961), apontado por Alain Resnais como um dos mais desdenhados (injustamente) filmes norte-americanos. Ele retoma a mesma história de Lillian Hellman, que já tinha filmado nos anos 30, tratando o homossexualismo feminino com mais abertura e antológicas atuações de Shirley MacLaine (digna de Oscar) e Audrey Hepburn.

teresa wright e dana andrews 
em os melhores anos de nossas vidas
haya harareet em ben-hur
Martin Scorsese declarou que se deixou influenciar por “Tarde Demais” ao rodar o delicado “A Época da Inocência / The Age of Innocence” (1993). O cineasta japonês Kenji Mizoguchi era também admirador de WILLIAM WYLER. Na sua fase final, esse mestre do classicismo ainda assinou títulos emblemáticos como “O Colecionador / The Collector” (1965), “Funny Girl – A Garota Genial / Funny Girl” (1968) ou o drama racial “A Libertação de L. B. Jones / The Liberation of L. B. Jones” (1970). Wyler casou-se duas vezes. A primeira com a atriz Margaret Sullavan (“A Loja da Esquina / The Shop Around the Corner”, 1940, de Lubitsch), relacionamento que durou dois anos e um filme juntos, “A Boa Fada / The Good Fairy” (1935). 

Em 1976, recebeu do American Film Institute (AFI) um prêmio especial pelo conjunto de sua obra. Durante toda a vida, ele foi um homem simples, que não seguiu modismos. Verdadeira instituição do cinema hollywoodiano, seus filmes seguiram, coerentemente, essa filosofia de vida e arte: foi na tela, um bom contador de histórias, e nunca desejou outro rótulo.

william wyler e margaret sullavan

26 comentários:

João Roque disse...

Para mim, o seu melhor filme é mesmo "Sublime Tentação".

Rodrigo Mendes disse...

Antonio, William Wyler nunca foi um "autor" e sim um exímio artesão da sétima arte.
“Ben-Hur” é o seu máximo, mas também aprecio os seus filmes menos espetaculosos. "Her First Mate", por exemplo. A princesa e o Plebeu tb é um charme a parte.

Abraço.

Gustavo disse...

"eu o enxergo como um autor de longas visualmente elegantes e densos, com momentos vitais de beleza plástica a serviço da dramaturgia"

Concordo plenamente. Wyler, hoje, é subestimado pelos especialistas.

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Esse é um gigante do cinema, inquestionavelmente! Gosto muito dos seus filmes e é com enorme prazer que vejo esse especial aqui. Parabéns, amigo!

Marcelo Castro Moraes disse...

Ele não era do grupo de “cinema autor”, mas dirigia como ninguém, não importa qual gênero. Acredito que levava o trabalho com a maior seriedade possível e fazia de cada filme como se fosse seu ultimo. Dos pequenos filmes que fez A Carta e Infâmia são imperdíveis. Se o primeiro apresenta uma das cenas de abertura mais surpreendentes do cinema, em Infâmia ele trata de um tema, de uma forma tão segura, que é de se admirar que o filme tenha chegado naquele tempo, numa época tão conservadora e preconceituosa. Visto hoje, o tema pode ate ser um tanto batido, mas nos coloquemos no tempo em que o filme foi lançado e temos então uma plena noção de como ele foi corajoso em ter criado aquele filme.
Quanto a Bem-Hur, dispensa apresentações né. É o símbolo das superproduções, de um tempo que não se recorria aos efeitos especiais. Tudo era feito a mão, não importando o tempo que levava.

disse...

Wyler não deixou sua marca registrada noas filmes que dirigiu, mas criou espetáculos visuais incríveis. Jezebel, A Princesa e o Plebeu e A Carta são ótimos, além, é claro, de Ben-Hur.
Não sabia que ele foi casado com a Margaret Sullavan!

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Oi, Antonio.

Como a crítica às vezes erra feio, não? Também, isso é compreensível, uma vez que ela invariavelmente responde a interesses imediatos. Eu não trocaria "A Carta" e "A Princesa e o plebeu" ou "Infâmia" por nenhum filme socialmente engajado ou "autoral". Na verdade, penso que o charme de Wyler estava em circular sempre com competência e elegância entre os gêneros. O último que vi dele foi "A herdeira". Surpreendi-me como o cenário exerce papel preponderante, como se fosse um personagem protagonista, o que convinha cabalmente para a história da moça rica impedida pelo dinheiro a casar com quem amava.

Bjs.
Dani

PS: Que linda a foto de Wyler e Audrey.

Fábio Henrique Carmo disse...

Isso porque boa parte da crítica de hoje ainda vive à sombra da Nouvelle Vague e suas ideias. Acredito que cada um desses críticos quer ser o novo Truffaut, daí o fato de ficarem diminuindo diretores mais artesãos que autores.

Mas isso está melhorando. Basta verificarmos a quantidade considerável de filmes de Wyler que se encontram no conhecido "1001 filmes para ver antes de morrer", livro escrito e organizado por críticos.

David Cotos disse...

Dirigia muy bien, al menos a mi me fascinaron las 3 películas con Bette Davis (una de las mejores actrices de todos los tiempos).

Hamilton Lima disse...

O Falcão Maltez está cada dia melhor, parabéns!

As Tertulías disse...

teu amigo Ricardo é fa de carteirinha de Wyler... ainda tem uns títulos "danadinhos" dele como "These Three", "The children's hour" e por aí vai a lista... é tao longa. Meu predileto de todos os tempos: "Wuthering Heights" (mas também Jezebel...). Ahhh, pergunta "Tarde demais" é "The heiress"????? (Washington Square?)

Sergio Andrade disse...

Ele nunca levou a ideia de autoria, tão cara a Nouvelle Vague, a sério. Tanto que em seu cartão pessoal estava escrito as iniciais "A.V", de "ancienne vague".
Mas só com muita má vontade pra não perceber traços autorais em sua obra, principalmente o capricho na psicologia dos personagens.

Victor Ramos (Jerome) disse...

Concordo com vc, Antônio. Prefiro também fazer minhas próprias análises.

Do nome em destaque eu vi poucos títulos.

Abs!


Pudim de Cinema

linezinha disse...

grande Wyler,gosto especialmente do desdenhado Infâmia.
Abraços

Francisco Sobreira disse...

Antonio,
Um filme de Wyler de que gosto muito (até possuo em dvd), e não está entre os arrolados por você, é Chaga de Fogo, com Kirk Douglas e Eleanor Parker, ambientado numa delegacia de polícia. Um abraço.

www.pedradosertao.blogspot.com disse...

Tenho um carinho especial pelo clássico "O morro dos ventos uivantes", por conta do livro que devorei em horas, quando adolescente, quando vi o filme, fiquei encantada. "Ben Hur" também é um dos meus favoritos...um diretor que dá vida às obras!

Abraço

Unknown disse...

Acho esta sua postura corretíssima...
Gosto é algo pessoal demais para seguir o da crítica!

Eu gosto dos trabalhos de Wyler e vejo esta densidade tmb!


;D

Edivaldo Martins disse...

GRANDE WILLIAM WYLER DIRIGIU TRÊS GRANDE WESTERNS, MAS QUE PARA A MAIORIA PASSA BATIDO:GALANTE AVENTUREIRO ONDE WALTER BRENNAN DÁ UM SHOW DE INTERPRETAÇÃO, ECLIPSANDO O GRANDE GARY COOPER;SUBLIME TENTAÇÃO,UM WESTERN PACIFISTA,COM GRANDE INTERPRETAÇÕES DE GARY COOPER, DOROTHY MCGUIRE E ANTHONY PERKINS;E, DA TERRA NASCEM OS HOMENS, COMO VOCÊ AFIRMOU A BRIGA ENTRE O O GREGORY PECK E O CHALTON HESTON É ANTOLÓGICA.FOI NESSE WESTERN QUE WYLER RESOLVEU DAR O PAPEL DE BEN-HUR PARA ELE!

siby13 disse...

Sou fã incondicional de Wyler, e coleciono todos os filmes dele.
escolher um filme seria difícil porque todos seus filmes são grandes obras clássicas.
O primerio filme que ví foi "O MORRO DOS VENTOS UIVANTES", desde então passei a procurar todos os seus filmes.
A Parceria com Bette Davis é fantástica, bem como sua direção em Ben Hur.
Mas são tantas obras maravihosas.
Barbary Coast, Chaga de Fogo, Perdição por amor, A Princesa e o Plebeu,Tarde Demais, Rosa da Esperança, enfim...
Tenho um desejo enorme de ver "A BOA FADA", com Margaret Sullavan.
Sei que deve ser um filme muito bom, porque o diretor é Wyler e a querida Margaret é maravilhosa, uma das minhas atrizes preferidas.

Faroeste disse...

Um filme se faz BEM FEITO ou é melhor não faze-lo. E fazer um filme BEM FEITO era a tônica de Wyler.
Quem viu, p.ex. CHAGA DE FOGO, pode imaginar onde desejo atingir.
E falar de Ben-Hur é perder tempo.
jurandir_lima@bol.com.br

Gilberto Carlos disse...

O filme de Willian Wyller que eu mais gosto é TARDE DEMAIS com Olivia DeHavilland e Montgomery Clift.

Já quanto ao novo filme de Fernando Meirelles, mal posso esperar para ver...

Edivaldo Martins disse...

Wyler queria Burt Lancaster, como Ben-Hur e Chalton Heston, como Messala. Como Burt Lancaster recusou o papel, Chalton Heston ficou com o papel...

siby13 disse...

Antonio, me lembro que quando ví Margaret em seu primeiro filme foi pesquisar sobre ela e descobri que foi casada com Henry Fonda, tendo sido a sua primeira esposa.
Naquela época Fonda era amigo de James Stewart, moravam juntos quando ele conheceu a Margaret.
São histórias de vida que acho interessante.
Gosto muito dela naquele filme Tempestada D'Alma com James Stewart.
Escolher um filme só de Wyler como disse é difícil porque gosto de tudo que ele fez.

Thiago Borges disse...

engraçado ver que dos cineastas defendidos pelas Cahiers du Cinéma - no caso mais pelo Andre Bazin mesmo - Wyler foi um dos poucos que acabou meio "esquecido" no tempo

siby13 disse...

Antonio, me lembrei que da Margaret também ví anos atrás no Telecine quando era Classic, o filme " Vale a pena Viver".
Excelente filme e um atriste história.
Ela como sempre esbanja talento.

AnnaStesia disse...

Gente, a impressionante filmografia do Sr. Wyler é a constatação do trabalho de um verdadeiro cineasta. Ben-Hur, Morro dos ventos uivantes, Little foxes, A princesa e o plebeu, a carta, Infâmia, O colecionador, Jezebel e por aí vai. E o prazer de rever todos esses filmes é a constatação de quanto o cinema é uma arte apaixonante e irresistível.