agosto 17, 2011

*********** A VIDA PRIVADA de GRETA GARBO



No auge da fama, ela recebia, e jamais leu, quinze mil cartas de fãs por semana, muitas delas pornográficas. Em 1941, aos 36 anos, inesperadamente, abandonou o cinema e durante os seguintes 50 anos tentou que o mundo a esquecesse, numa reclusão voluntária. Foi uma tarefa impossível: considerada a mulher mais bonita do nosso planeta, GRETA GARBO era prisioneira de seu próprio mito. Durante seu retiro, poucos amigos tiveram acesso a sua intimidade. Nos tempos de glória, o visual sofisticado, com sobrancelhas e pálpebras marcadas a lápis e pó de arroz bem claro, era imitado por milhares de admiradoras. 

Sueca naturalizada norte-americana, conhecida como “A Divina”, possivelmente tudo já foi dito sobre esta estrela de rosto perfeito. Do cinema mudo passou para o falado, sem sofrer qualquer arranhão em sua trajetória, muito pelo contrário, valorizando ainda mais o status de Rainha de Hollywood. O ar andrógino e gélido solidificou a fama, conquistando um lugar único na Sétima Arte. O que fez dela uma figura tão especial – possivelmente o ícone mais duradouro das telas – foi o seu rosto. Insondável e curiosamente duro, prestava-se a todas as leituras, levando-a ao estrelato. Com seu talento e aura de mistério, tornou-se uma das atrizes mais fascinantes de sempre, eleita pelo American Film Institute (AFI) como a quinta maior lenda da história do cinema.


ADORÁVEL SEDUTORA de A a Z

A de ADRIAN

O maior figurinista dos anos dourados de Hollywood era célebre por criar elaborados trajes de gala para as estrelas da M-G-M. Suas principais armas eram um aguçado senso de estilo, talento para a modelagem com materiais nobres e profundo conhecimento da silhueta feminina. Vestiu GRETA GARBO em todos os filmes, não evitando exageros como golas de pele, crinolinas com babados e trajes masculinos. Soberana nas telas em seus vestidos sofisticados, na vida real a deusa era simples, inclusive muitas vezes esnobada porque se vestia mal.

B de BALZAC

Em 1948 ensaiou voltar ao cinema, assinando contrato com o produtor Walter Wanger para a adaptação cinematográfica de um romance de Honoré de Balzac, “La Duchesse de Langeais”. Na direção, o refinado Max Ophuls, e o inglês James Mason como galã. GARBO fez vários testes de guarda-roupa, estudou o roteiro e no verão de 1949 chegou a Roma, pronta para as filmagens, mas a produção entrou em colapso por motivos financeiros e o projeto acabou sendo abandonado.


C de CLARENCE BROWN

Mestre do intimismo romântico, dotado de bom gosto e notável senso plástico, foi quem mais dirigiu GARBO no cinema, e o fez com garra e poesia, criando sempre forte clima sensual. Fizeram juntos “A Carne e o Diabo / Flesh and the Devil” (1926), “A Dama Misteriosa / A Woman of Affairs” (1928), “Anna Christie / idem” (1930), “Romance / idem” (1930), “Inspiração / Inspiration” (1931), “Anna Karenina / idem” (1935) e “Madame Walewska / Conquest” (1937).

D de DIVINA

Produção de 1928, dirigido pelo mestre Victor Sjostrom, “A Mulher Divina / The Divine Woman” é um drama perdido, pois até então não foi encontrado nenhuma cópia do mesmo, só restando 9 minutos da produção. GARBO ganhou o apelido de “Divina” após sua participação nesse filme, infelizmente queimado para recuperar o nitrato de prata, muito caro na época.


E de ESTOCOLMO

Em 18 de setembro de 1905, em Estocolmo, na Suécia, nascia num dos mais miseráveis bairros operários da capital sueca, Greta Lovisa Gustafsson, a caçula de três filhos.

F de FRACASSO

“Como me Queres / As You Desire Me” (1932), dirigido por George Fitzmaurice, onde GARBO (pela primeira e última vez como loira platinada) representa uma mulher sem memória em Budapeste, foi o seu primeiro fiasco de bilheteria. “Madame Walewska” (1937) também repetiu o fracasso, assim como o seu último filme, a apurada comédia “Duas Vezes Meu/Two-Faced Woman” (1941), de George Cukor. Nesta época, a musa era taxada pela mídia canalha como “veneno de bilheteria”.

G de “GARBO FALA”

Com um carregado sotaque sueco, ela estreou em 1930 o seu primeiro filme falado, “Anna Christie”. A publicidade anunciava o slogan Garbo fala” e o longa foi muito bem recebido pela crítica e público. Todos se impressionaram com a voz profunda e sensual da estrela.


H de HOLLYWOOD

Em 1925, Louis B.Mayer estava na Europa em busca de novos talentos. Graças à sugestão de Victor Sjostrom, procurou Mauritz Stiller, convidando-o para trabalhar na Metro-Goldwyn-Mayer. O diretor aceitou a oferta, sugerindo que GARBO também fosse contratada. Contrato assinado, a jovem atriz passou por dificuldades: a língua que não dominava e sua aparência, já que foi considerada gorda, tinha cabelos crespos e problemas nos dentes. Submeteu-se a uma rigorosa dieta à base de espinafre, que a fez perder 15 quilos, realinhou os dentes, alisou os cabelos e depilou as sobrancelhas. Não foi possível reparar o tamanho dos pés. Ela calçava 38, sendo motivo de risadas e tratada como “camponesa de pés grandes”. Seu novo endereço: o famoso Chateau Marmont Hotel, em Los Angeles, 8221, Sunset Boulevard.

I de “I WANT TO BE LONE”

Em um dos seus maiores triunfos, “Grande Hotel / Grand Hotel” (1932), fala a famosa frase que a marcou pelo resto de sua vida: “I want to be alone” (Desejo ficar só). O que realmente aconteceu em 1941, depois de “Duas Vezes Meu”, retirando-se da carreira artística e nunca mais aparecendo publicamente. Contestando essa frase mítica, numa de suas raras entrevistas, GARBO declarou que “Nunca disse ‘Desejo ficar só’. Eu apenas disse ‘Quero ser deixada em paz”. Existe uma grande diferença”.


J de JOHN GILBERT

Fizeram juntos quatro filmes. No primeiro deles, “A Carne e o Diabo”, iniciaram um namoro que foi manchete de vários jornais e capa de revistas. Logo depois atuaram numa adaptação de “Anna Karenina”, com a propaganda sugestiva dizendo: “John Gilbert in Love with Greta Garbo. No mesmo ano estrelaram “Mulher de Brio” e marcaram casamento, mas ela não compareceu à cerimônia, selando o rompimento entre eles. Em 1933, com um Gilbert já em decadência, a atriz forçou a Metro a utilizá-lo em “Rainha Cristina / Queen Christina”, numa tentativa solidária e heroica de reerguê-lo.

K de KATHA / KÊTA

Assim era chamada por seus amigos suecos e familiares, pois era como pronunciava seu nome quando começou a falar.

L de LILLIAN GISH

Embora Mary Pickford fosse sua atriz favorita, GARBO também sentia uma forte admiração por Gish. Lésbica como ela e também contratada da M-G-M nos anos 20, a musa de D. W. Griffith deu conselhos valiosos a jovem emigrante, ensinando-lhe a lidar com o estúdio, a rejeitar maus projetos, a evitar publicidades tolas, a não se expor e a preservar sua vida particular. Ela levou tudo ao pé da letra, tornando-se a primeira estrela a se recusar a cooperar com o departamento de publicidade. Não deu mais de catorze entrevistas ao longo da vida e nenhuma delas de boa vontade. Expulsava todos os visitantes do set, importantes ou não, só permitindo que a vissem atuar ao vivo os técnicos, figurantes ou pessoas envolvidas diretamente na produção do filme, cuja presença era estritamente necessária. Não dava autógrafos e só compareceu a uma única premiére: a estréia de “Bardelys, the Magnificent” (1926), de King Vidor, acompanhada por Norma Shearer, Irving Thalberg e John Gilbert.

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M de METRO-GOLDWYN-MAYER

Contratada pela Metro em 1925, fez seu primeiro filme no estúdio em 1926 e o último em 1941, permanecendo sob contrato até 1943. Em 1932, a renovação de seu acordo lhe deu o direito de aprovar o protagonista masculino dentre quatro nomes de atores e o diretor entre dois propostos pelo estúdio. Apesar disso, ela raramente usou esse poder ao longo da carreira.

N de NOVA IORQUE

Em 1953, comprou por 38 mil dólares um apartamento com sete quartos em Nova Iorque, na Rua 52, nº 450, com vista para o East River, onde passou o resto da vida. A moradia era luxuosamente decorada, com móveis do século XVIII e obras de arte, mas sem qualquer fotografia ou jarro de flores. Ocasionalmente era vista caminhando pelas ruas com roupas simplórias e enormes óculos de sol, sempre evitando a todo custo olhares curiosos, paparazzis e chamar qualquer tipo de atenção. Um dos seus prazeres secretos era escolher um estranho nas ruas e segui-lo discretamente durante horas.

O de OSCAR

Indicada quatro vezes ao Oscar de Melhor atriz (“Anna Christie”, “Romance”, “A Dama das Camélias” e “Ninotchka”), jamais chegou a ganhá-lo, o que para ela tinha pouca importância. Em 1954 recebeu um Oscar Especial pelo conjunto da obra. Como era de se esperar, não compareceu à cerimônia para receber a estatueta, cabendo a Nancy Kelly receber o prêmio por ela.

P de “PEDRO, o VAGABUNDO”

Depois de ponta como uma criada em “En Lyckoriddare” (1921), conseguiu o seu primeiro papel de destaque nesta comédia de Erik A. Petschler, um renomado diretor sueco. Ele a viu através da vitrine da chapelaria em que ela trabalhava, ficou fascinado com sua beleza e a convidou para o filme em questão, de 1922. GARBO representava uma nadadora, exibindo-se em roupa de banho.

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Q de QUADROS

Assim que abandonou o cinema, passou a colecionar obras de arte, viajando disfarçada - e usando nomes falsos - pelo mundo inteiro e adquirindo quadros de pintores famosos como Renoir, Delaunay, Bonnard, Rouault etc. A pintura foi uma das paixões que cultivou, juntamente com a poesia, a jardinagem e os exercícios diários, que incluíam longas caminhadas e natação. Inteiramente nua, cuidava do jardim e nadava na piscina, sem se preocupar com os vizinhos.

R de ROMANCES

A discreta estrela jamais se casou e também não teve filhos – submetendo-se a dois abortos. Muitos biógrafos garantem que era bissexual, outros que era lésbica com algumas experiências com homens. De comprovado, sabe-se de seus relacionamentos amorosos com os atores John Gilbert, Nils Asther, George Brent e Noel Coward; as atrizes Mona Materson, Louise Brooks, Lilyan Tashman e Fifi D’Orsay; a roteirista Salka Viertel, a escritora e socialite Mercedes de Acosta, o maestro Leopold Stokowski, o nutricionista Gayelord Hauser, o fotógrafo Cecil Beaton, o empresário George Schlee e a milionária Cécile de Rothschild. No seu livro de memórias, a lendária Louise Brooks descreveu a atriz como “completamente masculina, encantadora e terna amante”.  GARBO tinha certa repulsa ao sexo, medo de gravidez e da traição. Recusou inúmeros pedidos de casamento, inclusive do magnata grego Aristóteles Onassis.

garbo e stiller chegando em hollywood, 1925

S de STILLER

Mentor da atriz, o finlandês Mauritz Sitiller ensinou-a a se vestir e a falar educadamente. Extravagante, elegantemente trajado, abertamente gay – em Hollywood, com seu colega F. W. Murnau, caçavam travestis em Santa Mônica - e muito respeitado, deu-lhe o nome artístico e o papel central de “A Saga de Gosta Berling  /Gosta Berlings Saga” (1924). Baseado no livro de Selma Lagerlof, conta a história de um pastor protestante (Lars Hanson) que ao trabalhar em uma casa aristocrática se apaixona pela condessa Elizabeth Dohna, interpretada por GARBO. Em Hollywood, o diretor não se adaptou aos métodos norte-americanos de cinema, fazendo apenas três filmes na Paramount. Com a saúde abalada e o espírito abatido, voltou para a Suécia, morrendo inesperadamente em 1928, aos 45 anos de idade, com uma foto de sua protegida nas mãos. A atriz filmava “Orquídeas Selvagens / Wild Orchids” e a Metro não permitiu que tirasse alguns dias de licença para que fosse ao funeral do mestre e amigo, abalando-a profundamente. Stiller tinha planos de dirigir GARBO em vários filmes, o que infelizmente não aconteceu. Ainda iniciou, em 1925, “A Odalisca do Smolna”, mas não foi concluído. O papel dela seria o de uma princesa refugiada russa, em fuga da revolução comunista.

T de “TORRENT”

Intitulado no Brasil “Laranjais em Flor” e baseado em livro de Vicente Blasco Ibañez, marcou o debut de GARBO em Hollywood, no ano de 1926, depois que inesperadamente a atriz principal, Alma Rubens, ficou doente. Ela teve que tingir o cabelo de preto para desempenhar o papel de Leonora Moreno, uma criada espanhola que se tornaria uma famosa cantora de ópera. O seu par romântico, Ricardo Cortez, não se deu bem com ela, pois ele queria o papel para uma namorada e tinha ciúmes da atenção que o estúdio dava para a nova contratada. O público e os críticos ficaram hipnotizados com a atriz, que imediatamente foi escalada para “Terra de Todos / The Temptress”, também adaptado de um romance de Ibañez. Seria dirigido por Mauritz Stiller, mas com a demissão deste, Fred Niblo assumiu o projeto.

U de ÚLTIMOS MOMENTOS

Não teve paz, perseguida por paparazzis tentando capturar o que o envelhecimento estaria fazendo ao seu rosto magnífico. Tudo o que eles conseguiram foram imagens distantes, granuladas, de uma esfinge sempre escondida por chapéus, óculos escuros, capas masculinas e cachecóis. Quase não recebia visitas, apenas a sobrinha Gray Reisfield – que herdou sua fortuna de 32 milhões de dólares - e os amigos Jane Gunther, Raymond Daum e Sam Green. Todos eles proibidos de comentar sobre o seu passado no cinema. “A história de minha vida sobrevive de portas dos fundos e laterais, elevadores secretos e outras maneiras de entrar e sair dos lugares sem que as pessoas me incomodem”, lamentou certa vez. Em 1990, aos 84 anos de idade, em virtude de uma pneumonia e insuficiência renal, faleceu em um hospital da cidade em que vivia, depois de três dias internada, sendo manchete mundial.


V de VISCONTI

No final dos anos 60, Luchino Visconti trabalhou ativamente na adaptação cinematográfica de “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust. Ele havia escalado um elenco fenomenal – Silvana Mangano, Laurence Olivier, Marlon Brando, Alain Delon, Charlotte Rampling, Helmut Berger e GARBO, que faria um pequeno papel, interpretando Maria Sophia, a Rainha de Nápoles -, mas o orçamento era astronômico e o projeto nunca se concretizou.

X de XEQUE-MATE

Ela surpreendeu a todos ao abandonar o cinema, isolando-se do mundo, numa verdadeira – e inconsciente – jogada de mestre, resultando na aura de enigma em torno de sua existência lendária. Nunca mais voltou a filmar. Com exceção do não concluído “La Duchesse de Langeais”, não houve oferta ou cachê milionário que a fizesse reconsiderar sua rigorosa decisão.

W de WILLIAM H. DANIELS

Cameraman favorito de GARBO, fotografou quase todos os seus filmes norte-americanos, com exceção de “Madame Walewska” (Karl Freund) e “Duas Vezes Meu” (Joseph Ruttenberg). Um dos maiores diretores de fotografia de Hollywood, levou o Oscar por “Cidade Nua / The Naked City” (1948). Para ele, qualquer ângulo da diva era perfeito.


Y de YIN-YANG

De personalidade forte, entre a luz e as trevas. Era possessiva, narcisista e sofria longos períodos de depressão. Complexa e excêntrica, solitária e majestosa, construiu sua carreira sem escândalos, com firmeza e elegância. Belíssima, altiva, distante, glacial, enigmática, irônica, culta e com senso de humor: entre o encanto ambíguo e a sensualidade, a indiferença e a androginia. Sonhava em desempenhar papéis masculinos – Dorian Gray, Hamlet e São Francisco de Assis – e lutou por isso, mas a Metro considerava tal pretensão absurda. Ela não gostava do seu primeiro nome, Greta, e não respondia quando era chamada por ele.

Z de ZIGUE-ZAGUE

A vida de GRETA GARBO é cheia de fatos singulares. Antes dos 20 anos de idade, para sobreviver, trabalhou numa barbearia, numa chapelaria e em filmes publicitários. Fumava como uma caipora desde adolescente. Detestava Clark Gable, o principal ator da M-G-M, e depois de “Susan Lenox / Susan Lenox – Her Fall and Rise” (1931) nunca mais aceitou trabalhar com ele. Joan Crawford e Marlene Dietrich eram suas rivais declaradas, enciumadas do poder da sueca. Fez de tudo para trabalhar com Gary Cooper, seu ator favorito, mas a Paramount nunca o permitiu. Lauren Bacall era uma de suas melhores amigas e Ernst Lubitsch o seu diretor preferido. Admiradora de Napoleão Bonaparte, visitou seu túmulo inúmeras vezes depois que se retirou do cinema. Amada por Adolf Hitler, que idolatrava “A Dama das Camélias / Camille” (1936) e escrevia cartas elogiosas para ela, tentou encontrar-se com ele, numa tentativa de evitar a Segunda Guerra Mundial. Por anos a fio se alimentou do mesmo cardápio: vitela ou frango assados, verduras ao vapor e batatas cozidas. Não via filmes violentos ou eróticos. O inglês “Becket, o Favorito do Rei / Becket” (1964) era um dos longas que mais apreciava. O escritor Sinclair Lewis descreveu-a como a única atriz (ou ator) normal que conheceu em Hollywood: “Ela era comum na vida real, totalmente normal. Ela só representava na tela”. Em 1946, um fã inglês, Edgard Donne, deixou para ela uma herança calculada em 250 mil dólares. A Divina doou essa fortuna para uma instituição de caridade.

(Fontes: “A Divina Garbo”, de Frederick Sands e Sven Broman; “Garbo”, de Barry Paris; “Garbo, Retratos de uma Lenda”; “Greta Garbo”, de David Robinson; “Greta Garbo”, de Henri Angel; “Los Ojos de Greta Garbo”, de Manuel Puig e “Garbo: Her Story”, de Antoni Gronowicz)

em nova iorque, nos últimos anos de vida

**** NUNCA mais OUTRA VEZ: 5 FILMES de GARBO

"a dama das camélias"


Ela atuou em trinta filmes em vinte anos de carreira: quatro deles na Suécia, um na Alemanha e quinze mudos. Ao deixar o cinema por uma existência reclusa, GRETA GARBO desprezou diversas propostas tentadoras de retornar à cena: de “Agonia de Amor / The Paradine Case” (Alfred Hitchcock, 1947) a “Eu Te Matarei, Querida / My Cousin Rachel” (Henry Koster, 1952), de “A Vida de Um Sonho / I Remember Mama” (George Stevens, 1948) a “Anjos Rebeldes / The Trouble with Angels” (Ida Lupino, 1966), pelo qual recebeu a oferta de um milhão de dólares para interpretar a hilária Madre Superiora, que terminou nas mãos de Rosalind Russell. Recusou também o papel de Norma Desmond no drama noir de Billy Wilder, “Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard” (1950). Listo aqui, por ordem de preferência, os meus cinco filmes favoritos da diva misteriosa.


NINOTCHKA/idem (1939), direção de Ernst Lubitsch. Com Melvyn Douglas, Ina Claire e Bela Lugosi.

Dizia a publicidade desse filme inteligente: GARBO ri”. Habituada ao papel de sofredora em tragédias e dramalhões, a estrela pela primeira vez atuava numa comédia e presenteava o mundo com sua bela risada. A história fala de agente soviética mal-humorada, enviada a Paris para vender jóias expropriadas de nobres russos, que resiste ferreamente às investidas de um conde francês, em nome da moral comunista. Elegância, ironia e malícia – a quintessência do cinema de Lubitsch – estão presentes nesta farsa irresistível, que o tempo só tornou ainda mais atual. Diversos atores foram cotados para par romântico da protagonista, de Spencer Tracy a Cary Grant, mas este último ficou tão nervoso em contracenar com a estrela que acabou sendo vetado pela própria.


RAINHA CRISTINA/Queen Christina (1933), direção de Rouben Mamoulian. Com John Gilbert e Lewis Stone.

Como uma rainha sueca que, no século 17, enfrenta a corte e a população para viver um grande amor, GARBO encontrou um conjunto de elementos harmoniosamente entrosados a favor de sua figura mítica. O papel do embaixador espanhol seria interpretado por Laurence Olivier, mas a protagonista infelizmente pediu que fosse substituído por Gilbert.


ANNA KARENINA/idem (1935), direção de Clarence Brown. Com Fredric March, Basil Rathbone, Freddie Bartholomew e Maureen O’Sullivan.

GARBO, que já fizera a mesma personagem de Tolstoi em 1928, neste melodrama comprovou seu notável magnetismo e a capacidade de passar numa mesma cena de uma reação para outra (luxúria, amor maternal) com incrível força interior. Na Rússia de 1897, Anna Karenina, casada com o austero e egoísta Alexei Karenin, torna-se amante do Conde Vronsky e, apesar do afeto do filho, abandona o lar. Sabendo do hábito de Fredric March de assediar as atrizes com quem contracenava, a sueca mascava alho antes de fazer cenas românticas, ficando com mau hálito e assim evitando suas investidas. Com esse filme ela ganhou o prêmio de Melhor Atriz do Círculo de Críticos de Cinema de Nova Iorque.


A DAMA das CAMÉLIAS/Camille (1937), direção de George Cukor. Com Robert Taylor, Lionel Barrymore e Laura Hope Crews.

Nesta adaptação do famoso romance de Alexandre Dumas Filho, a radiante GARBO faz Marguerite Gautier, uma prostituta francesa na Paris do século 19. Ela se apaixona por um jovem estudante, filho de uma família aristocrática, mas sua má reputação não favorece o affair e ela termina por morrer de tuberculose. O mundo inteiro derramou lágrimas com esse estrondoso sucesso, que valeu para ela mais um prêmio do Círculo de Críticos de Cinema de Nova Iorque, além de ser o seu filme favorito.


GRANDE HOTEL/Grand Hotel (1932), direção de Edmund Goulding. Com John Barrymore, Joan Crawford, Wallace Beery, Lionel Barrymore e Jean Hersholt.

Irving Thalberg colocou cinco dos maiores astros de seu estúdio num só filme, lançando a primeira produção all-star de Hollywood. Passa-se num hotel de luxo, em Berlim, e GARBO é uma bailarina russa que namora o barão falido interpretado por John Barrymore. Êxito garantido, teve lucro de 8 milhões de dólares, recebeu elogios da crítica e foi premiado com o Oscar de Melhor Filme.

*********** SUA MAJESTADE, GRETA GARBO




(Entrevista de Mordaunt Hall publicada no “The New York Times”,
 em 24 de março de 1929)

De volta da Suécia desde o dia anterior, a feiticeira das telas GRETA GARBO está no Hotel Marguery, na Park Avenue. Só a presença dela já parece impressionar o camareiro, uma vez que a maior parte da comunicação é feita através de sussurros ou sinais. Já os representantes da Metro-Goldwyn-Mayer, mesmo que estivessem se dirigindo a algum visitante poderoso, não se mostrariam mais respeitosos, pois a senhorita GARBO, como Charlie Chaplin ou sir James M. Barrie, transforma-se em uma “delicada violeta” quanto se trata de uma entrevista.

Quando o telefone toca, o silêncio é quebrado e o camareiro ergue um dedo como sinal para o ascensorista de que a senhorita GARBO receberá um representante do “The New York Times”. Logo a figura sinuosa da fascinante atriz surge como um raio de sol. Em um tom de voz baixo que combina como o seu comportamento, ela me cumprimenta, e meus olhos desviam-se do seu rosto para um buquê de flores sobre a mesa e deste para o chão.

“O senhor não quer se sentar?”, pergunta ela.

Os meus olhos, mais uma vez, correndo o risco de uma reação imprevista dela, observam-a, percebendo, em seguida, que usa um chapéu preto, de onde escapam duas mechas de cabelo de cada lado. Depois de algumas perguntas, fica claro que ela tem um magnetismo impressionante tanto na tela quanto fora dela. Como Pola Negri, que ela tanto admira. GRETA GARBO é natural e diverte-se, ao invés de constranger-se, com seus parcos conhecimentos da língua inglesa. 

Ela usa um suéter rosa e uma saia curta de veludo preto, enquanto anéis de fumaça do cigarro, que ela segura entre os longos dedos, sobem até o teto. Quando esteve aqui pela última vez, há três anos e meio, a senhorita GARBO não falava quase nada em inglês, mas agora consegue se expressar bastante bem, e, apesar dos lapsos ocasionais, que são muito cativantes, declara que gostaria muito de atuar em um filme falado. Que papel ela gostaria de desempenhar nas telas? Traga, joga a cabeça para trás, baixa os olhos e digna-se a responder:

“Joana D’Arc. Mas é provável que não me saísse muito bem. Eu gostaria de fazer algo diferente, algo que ainda não tenha feito. Queria sair do lugar comum. Não vejo nada de especial em tolas histórias de amor. Gostaria de fazer algo que ninguém mais esteja fazendo. Se eu conseguisse o Von Stroheim! Ele não é ótimo?.

A senhorita GARBO confessa que o filme em que atuou de que mais gostou foi a adaptação para a tela de “Green Hat”, de Michael Arlen, que se chamou “Mulher de Brio/The Woman of Affairs”. O seu primeiro filme, um dos poucos que fez na Suécia, foi a versão filmada de “A Saga de Gosta Berling / Gosta Bertings Saga”, exibido nos Estados Unidos em 1928. Na época, ela tinha 17 anos e, de acordo com sua própria descrição, era “uns cinco ou dez quilos mais gorda”. Friso que o povo foi recebê-la quando ela voltou à Suécia recentemente. Ela parece que não se impressionou muito com a recepção, mas admite que havia uma multidão esperando-a. Agora que está nos EUA, não sabe dizer se tem saudades. Em Estocolmo, adora passear pelas ruas, olhando as vitrines das pequenas lojas, e depois ir jantar sem voltar para trocar de roupa. Seus olhos acinzentados se iluminam quando ela conta isso. Quando pergunto se muitas pessoas a reconhecem em Nova Iorque, ela responde, como de costume:

“Não sei”.

O que ela fez na sua primeira noite aqui? Ela jantou sozinha.

“Completamente só?”.

“Foi e adorei olhar para os – como vocês chamam - ‘arranca-céus’ – Não, como é mesmo? Ah sim, arranha-céus. Não vamos falar sobre mim, vamos falar sobre Nova Iorque e os arranha-céus; eles parecem tão bonitos vistos desta janela. É verdade que fui convidada para jantar na casa onde o capitão Lundberg está hospedado. Ele, como o senhor sabe, é o homem que voou até Nobile e voltou. Mas, como já disse, eu jantei sozinha e não parei de olhar para os maravilhosos e incríveis arranha-céus – eu falei certo?”.




Essa suposta solitária admite conhecer muito pouca gente em Hollywood. Às vezes ela joga tênis, e só tem um carro, mas dirige o carro dos amigos. Foi necessário falar de novo na Suécia, quando pergunto à senhorita GARBO se ela já tinha atuado no teatro. Responde que não, mas que um amigo pediu que ela encenasse “Resurrection” quando morava em Estocolmo. Ela, claro que irrefletidamente, concordou. Chegou ao ponto de decorar suas falas e estudar o papel. Estava confiante, mas na noite anterior ao ensaio geral, começou a ficar muito nervosa e não conseguiu dormir. Pediu ao amigo que fosse até a sua casa e disse que não poderia fazer a peça. Não dormira. Ninguém conseguiu convencê-la. Simplesmente não conseguia aparecer diante dos refletores.

Qualquer um poderia jurar que onde quer que a senhorita GARBO vá, não se diverte. Isso parece possível. Ela demora umas seis semanas para fazer um filme, já atuou em oito produções hollywoodianas e estuda o roteiro com dedicação antes de aparecer diante das câmeras.

“E quando vai voltar para Hollywood?”.

“Não sei. Amanhã, talvez”.

A conversa então passa para os filmes, e ela diz:

“Se eles querem que eu fale, eu vou falar. Adoraria atuar em um bom filme falado, mas os que vi são horríveis. Não tem graça olhar para uma sombra e ouvir uma voz que vem de algum lugar fora do cinema”.

Pergunto-lhe se conhece Charlie Chaplin e ela responde que o conhece “muito pouco”. Tem raros amigos. Relata que não há mais um círculo social sueco em Hollywood, pois Victor Sjostrom já não está mais lá e Lars Hanson voltou para a sua terra natal, para onde também retornaram outros menos famosos.

A senhorita GARBO sente uma profunda admiração por Pola Negri. Ela garante que adora a maneira como a senhorita Negri preserva o ar do Velho Mundo.

“Ninguém é tão estimulante quanto Pola Negri”, revela ela. “É tão engraçada. É sempre divertido encontrá-la”

Finalizando repentinamente a entrevista, ela murmura “encantada em conhecê-lo”, e volta a cabeça para os seus queridos arranha-céus.