janeiro 24, 2019

***************** VIV e LARRY: Um AMOR INFIEL

vivien leigh

Em 1999, em uma chuvosa tarde de primavera, andando sem destino pelas ruas de Londres, encontrei uma formosa praça tomada por roseiras e árvores frondosas, a Eaton Square. Parecia outra dimensão, concentrada em um silêncio absoluto. Em volta dela, casarões brancos e imponentes, dois ou três degraus em cada um deles, levando a portais sofisticados. Sentei em uma escada, abri um livro, acendi o cigarro e fiquei entre o que lia e a visão majestosa da praça.  Ao levantar-me, notei uma placa azul entre duas grandes janelas. Curioso, li o que dizia: “Aqui viveu Vivien Leigh, de 1960 a 1967”. Tomei um baita susto, não esperava a surpresa.

Depois do êxtase, garimpei os filmes de VIVIEN LEIGH (1913 – 1967. Darjeeling / Índia, onde o pai trabalhava numa firma de corretagem inglesa) – só a conhecia do popular “... E o Vento Levou” -, descobrindo uma atriz da maior distinção. Conhecida na intimidade como Viv, com LAURENCE OLIVIER (1907 – 1989. Dorking, Reino Unido), o Larry, formaram um dos casais mais populares da Inglaterra por duas décadas - uma espécie de realeza do teatro. Aclamada por ser belíssima e talentosa, a atriz esteve afetada por um distúrbio bipolar durante a maior parte de sua vida adulta, e seu humor era quase sempre não entendido pelos diretores.
viv e larry

Ainda uma intérprete iniciante, em 1935, aos 22 anos, casada, ela conheceu seu futuro marido em um restaurante, onde ele jantava acompanhado da primeira esposa, Jill Esmond. Apaixonou-se imediatamente, e achou que a atração tinha sido mútua. Dois anos mais tarde, ao assisti-lo em uma peça, teve o impulso de procurá-lo para lhe dizer que admirara sua atuação. Durante a conversa, ele sugeriu que fizesse um teste para “Ricardo II”, sob a direção de John Gielgud. Ela ganhou o papel e, no mesmo ano, estrelou o filme “Fogo Sobre a Inglaterra”, na pele de Lady Cynthia, amante do espião interpretado por Olivier. Enquanto filmavam, ficaram íntimos e a amor surgiu.

Concluído o drama histórico, atuaram no espetáculo “Hamlet”, na Dinamarca, no Castelo de Elseneur, local da tragédia de William Shakespeare, e o sucesso foi retumbante. Na ocasião, os amantes perceberam que havia chegado a hora de abrir o jogo com seus respectivos consortes. Ela escreveu uma carta ao marido pedindo-lhe perdão e comunicando que estava com LAURENCE OLIVIER e não mais voltaria para casa, deixando a educação de sua filha, Suzanne, por conta de sua mãe. Transcorridos seis meses de vida em comum, solicitaram o divórcio, mas seus cônjuges recusaram terminantemente.

No verão de 1938, quatro fitas inglesas de VIVIEN LEIGH estrearam nos Estados Unidos, resultando em convite hollywoodiano para atuar com LAURENCE OLIVIER na adaptação do romance de Emily Bronte, “O Morro dos Ventos Uivantes / Wuthering Heights” (1939). No entanto, o produtor Samuel Goldwyn ofereceu a atriz o papel secundário de Isabella (terminaria nas mãos da ótima Geraldine Fitzgerald), cabendo a Merle Oberon o de Cathy, heroína da história romântica. Ela não aceitou o papel coadjuvante, mas a viagem norte-americana foi proveitosa: seria escolhida entre milhares de estrelas para viver Scarlett O’Hara em “... E o Vento Levou”, assinando um contrato de sete anos com David O. Selznick e levando o Oscar de Melhor Atriz.
no teatro

Aos 26 anos, consagrada, decepcionou-se ao ser recusada para os filmes “Rebecca, a Mulher Inesquecível / Rebecca” (1940) e “Orgulho e Preconceito / Pride and Prejudice” (1940), ambos protagonizados por LAURENCE OLIVIER. Tentou substituir Robert Taylor pelo amado em “A Ponte de Waterloo / Waterloo Bridge” (1940), mas não deu certo. Em 1940, eles finalmente obtiveram o divórcio e se casaram numa cerimônia íntima em Santa Bárbara, Califórnia, com apenas duas testemunhas, Katharine Hepburn e o dramaturgo Garson Kanin. Manifestando os primeiros sintomas de transtorno bipolar, Viv voltou aos palcos com Larry em “Romeu e Julieta” e às telas em “Lady Hamilton, a Divina Dama” (1941).

De volta a Inglaterra, em plena Segunda Guerra Mundial, eles divertiram os pilotos da R.A.F. em shows e retornaram aos palcos. Grávida, a atriz ficou doente e perdeu a criança. Histérica, agrediu física e verbalmente o marido. Com sucesso nos palcos e mergulhada em crises nervosas, seu temperamento afetado pela doença quase sempre não era entendido pelos diretores, e ela ganhou a reputação de ser uma estrela difícil. Diagnosticada com tuberculose crônica na metade da década de 1940, enfraqueceu-se consideravelmente a partir de então.

Em 1947, LAURENCE OLIVIER foi sagrado cavaleiro e o casal passou a ser tratado como Sir e Lady Olivier. Nos anos seguintes, VIVIEN LEIGH marcou época interpretando Blanche DuBois na ribalta e nas telas. A montagem londrina de “Um Bonde Chamado Desejo”, de Tennessee Williams, dirigida pelo marido, coberta de elogios, sustentava-se principalmente no seu desempenho. Substituindo Olivia de Havilland, que recusou o papel no cinema, e contratada pela enorme quantia de cem mil dólares, tornou-se a atriz mais bem-paga da época. Teve um desempenho magnífico em “Uma Rua Chamada Pecado”, sendo recompensada com um segundo Oscar e a Taça Volpi de Melhor Atriz no Festival de Veneza. Seu triunfo teve um preço alto: “Blanche DuBois é uma mulher da qual tudo foi arrancado, uma figura trágica e eu a entendo, mas interpretá-la me fez mergulhar na loucura”, confessou certa vez.
o primeiro oscar de viv

Em 1951, o casal estreou no teatro “Antonio e Cleópatra”, de Shakespeare, e “César e Cleópatra”, de Bernard Shaw, alternando as apresentações e com imenso êxito. Dominada por colapsos nervosos, a atriz imaginava que desconhecidos estavam tentando seduzi-la, e receava que não pudesse resistir às suas investidas. Nesse período, sofreu dois abortos, e foi diagnosticada como maníaco-depressiva. Gradualmente, os seus problemas de saúde, agravados pela dependência do álcool e das drogas, interferiram na carreira e no matrimônio. Por mais que se amassem e se admirassem, as terríveis crises nervosas dela desestruturavam o relacionamento. Contudo, o público ainda a amava.

Sob tratamento psiquiátrico, VIVIEN LEIGH foi convidada pelo produtor Irving Asher para atuar com LAURENCE OLIVIER no drama “No Caminho dos Elefantes / Elephant Walk” (1954), um triângulo amoroso em uma plantação de chá no Ceilão. Ele não pode aceitar a oferta e foi substituído por Peter Finch. Dirigido por William Dieterle, com Dana Andrews como o terceiro protagonista e filmagens em locação, o filme começou a ser rodado com a estrela visivelmente cansada, à flor da pele, esquecendo-se frequentemente do texto, à beira de recorrentes ataques. Ela passou a seguir Finch pelos sets com olhar de fúria, chamando-o de Larry e, à noite, alucinada, repetia os diálogos de Blanche DuBois em “Uma Rua Chamada Pecado”, chorando incontrolavelmente, sem pegar no sono.

Concluídas as cenas exteriores, as restantes seriam filmadas em Hollywood. Na viagem, a atriz tentou rasgar as roupas e pular do avião. No estúdio da Paramount repetiram-se terríveis rompantes de histeria. Ela gritava, tal como Blanche: “Saia logo daqui, antes que eu comece a gritar fogo! Fogo! Fogo! Fogo!”. Alguém teve a ideia de chamar o ator David Niven, amigo íntimo do casal Olivier, e ele conseguiu acalmá-la. O produtor Asher não teve outra alternativa senão colocar a jovem Elizabeth Taylor no seu lugar, vivendo Ruth Wiley (nas tomadas de plano geral ainda se pode ver a silhueta de Vivien). Felizmente VIVIEN LEIGH não concluiu o trabalho, o longa é um dos piores da carreira de Liz. Aos 41 anos de idade, a famosa Scarlet O`Hara não aceitava o fato de ser maníaco-depressiva e, consentida pelos médicos, fez teatro (com casa lotada e ótimas críticas). Voltou a filmar em 1955 ao estrelar o delicado drama “O Profundo Mar Azul”, de Anatole Litvak.
larry e viv nos anos 50

Com o ritmo excessivo de trabalho, VIVIEN LEIGH caiu em longos períodos de depressão e passou a maior parte dos anos de 1954 e 1955 sob cuidados médicos. No auge da anormalidade, arrancou as roupas e saiu nua pelas ruas. Em seguida, começaram os boatos sobre a péssima situação do seu casamento. De volta aos palcos, ela teve um caso com Peter Finch. Nos anos seguintes, continuou a ter acessos frenéticos, muitas vezes quebrando tudo à sua volta. Em 1960, os boatos sobre o casamento deles se confirmaram quando LAURENCE OLIVIER a abandonou para se unir a atriz Joan Plowright, 22 anos mais nova. Ela pediu o divórcio e nunca mais se casou, continuando a trabalhar no cinema e no teatro até sua morte súbita por tuberculose.

O romance de VIVIEN LEIGH e LAURENCE OLIVIER era considerado uma espécie de conto de fadas para o público: famosos, ricos, talentosos e apaixonados. Como nada é o que parece ser, uma biografia recente garante que ambos eram infiéis desde o início do relacionamento e torturavam um ao outro com amantes de ambos os sexos. Segundo o best-seller, a cada crise de instabilidade emocional, a atriz procurava conforto em relações extraconjugais, de Rex Harrison a Marlon Brando, passando por atrizes como Isabel Jeans. Tinha predileção por jovens prostitutos e frequentava um bordel de Los Angeles especializado em garotos de programa.

Costumava contratar desconhecidos no “Scotty’s Garage”, um posto de gasolina conhecido por seus 22 funcionários jovens e atraentes. Ela pagava a “cortesia de estranhos” com presentes, de cigarreiras a joias. LAURENCE OLIVIER não deixava por menos, e teve um murmurado caso com o comediante norte-americano Danny Kaye, entre outros. Detalhes na biografia “Damn You, Scarlett O’Hara – The Private Lives of Vivien Leigh and Laurence Olivier” (2011), escrita por Darwin Porter, antigo confidente da estrela, e Roy Moseley, assistente pessoal de Olivier.
vivien, olivier e olivia de havilland

Ela fez apenas 18 filmes. Em mais de trinta anos de teatro, VIVIEN LEIGH interpretou desde comédias de Noel Coward a dramas clássicos de Shakespeare. Aprendeu a atuar com LAURENCE OLIVIER, desabrochou com ele, mas o seu talento era nato. De beleza delicada, essa atriz de extraordinário vigor dramático é uma das maiores heroínas românticas do cinema. No seu funeral, John Gielgud disse: “Não será esquecida, porque sua qualidade mágica era incomparável. Uma grande beleza, uma estrela, uma atriz cinematográfica consumada e uma personalidade versátil e poderosa no teatro...”.

O extraordinário LAURENCE OLIVIER foi um dos mais carismáticos atores do século XX. Sua presença em palco fascinava o público e sua credibilidade como intérprete, no drama como na comédia, proporcionou-lhe os maiores êxitos. Destacou-se interpretando personagens de Shakespeare, quer no teatro, quer no cinema. Em 1978 recebeu um Oscar especial pelo conjunto de sua obra e por sua contribuição à arte cinematográfica. Em 1970, a rainha Elizabeth II lhe outorgou o título de Lorde, com direito a frequentar o Parlamento britânico. Ele morreu, aos 82 anos, de câncer no estômago, dormindo em sua casa ao lado de sua terceira mulher, a atriz Joan Plowright, com quem teve três filhos.

viv e larry
em “fogo sobre a inglaterra”

VIV e LARRY no CINEMA

FOGO SOBRE a INGLATERRA
(Fire Over England, 1937)

Direção de William K. Howard
Em plena guerra entre a Inglaterra e a Espanha, Vivien e Olivier são os amantes Lady Cynthia e Michael Ingolby. Ele, um espião enviado a Madri para descobri os nomes dos conspiradores ingleses aliados dos espanhóis.

TRÊS SEMANAS de LOUCURA
(Twenty One Days, 1937)

Direção de Basil Dean
Um ex-pároco (Olivier) é julgado por um crime que não cometeu. Vivien figura como Wanda, a namorada do acusado.

LADY HAMILTON, a DIVINA DAMA
(That Hamilton Woman, 1941)

Direção de Alexander Korda
O romance proibido entre o herói de guerra Lord Nelson e a casada Emma Hamilton.

vivien e marlon brando em “uma rua chamada pecado”

10 FILMES de VIV
(por ordem de preferência)

01
Uma RUA CHAMADA PECADO
(A Streetcar Named Desire, 1951)

Direção de Elia Kazan
Elenco: Marlon Brando, Kim Hunter e Karl Malden

Oscar de Melhor Atriz
Melhor Atriz no Festival de Veneza

02
E o VENTO LEVOU
(Gone with the Wind, 1939)

Direção de Victor Fleming
Elenco: Clark Gable, Leslie Howard, Olivia de Havilland, Thomas Mitchell, Hattie McDaniel, Laura Hope Crews e Jane Darwell

Oscar de Melhor Atriz

03
A PONTE de WATERLOO
(Waterloo Bridge, 1940)

Direção de Mervyn LeRoy
Elenco: Robert Taylor, Lucile Watson, Maria Ouspenskaya e C. Aubrey Smith

04
A NAU dos INSENSATOS
(Ship of Fools, 1965)

Direção de Stanley Kramer
Elenco: Simone Signoret, José Ferrer, Lee Marvin, Oskar Werner e Elizabeth Ashley

05
ANNA KARENINA
(Idem, 1948)

Direção de Julien Duvivier
Elenco: Ralph Richardson, Kieron Moore e Martita Hunt

06
LADY HAMILTON, a DIVINA DAMA
(That Hamilton Woman, 1941)

Direção de Alexander Korda
Elenco: Laurence Olivier, Alan Mowbray, Sara Allgood e Gladys Cooper

07
Em ROMA, na PRIMAVERA
(The Roman Spring of Mrs. Stone, 1961)

Direção de José Quintero
Elenco: Warren Beatty, Coral Browne, Jill St. John e Lotte Lenya

08
O PROFUNDO MAR AZUL
(The Deep Blue Sea, 1955)

Direção de Anatole Litvak
Elenco: Kenneth More e Eric Portman

09
CÉSAR e CLEÓPATRA
(Caesar and Cleopatra, 1945)

Direção de Gabriel Pascal
Elenco: Claude Rains, Stewart Granger, Flora Robson, Cecil Parker e Jean Simmons

10
Nos BASTIDORES de LONDRES
(St. Martin's Lane, 1938)

Direção de Tim Whelan
Elenco: Charles Laughton e Rex Harrison

larry em “rebecca, a mulher inesquecível”

10 FILMES de LARRY
(por ordem de preferência)

01
HAMLET
 (Idem, 1948)

Direção de Laurence Olivier
Elenco: Jean Simmons e Anthony Quayle

02
O MORRO dos VENTOS UIVANTES
(Wuthering Heights, 1939)

Direção de William Wyler
Elenco: Merle Oberon, David Niven, Flora Robson e Geraldine Fitzgerald

03
PERDIÇÃO por AMOR
(Carrie, 1952)

Direção de William Wyler
Elenco: Jennifer Jones, Miriam Hopkins e Eddie Albert

04
REBECCA, a MULHER INESQUECÍVEL
(Rebecca, 1940)

Direção de Alfred Hitchcock
Elenco: Joan Fontaine, George Sanders, Judith Anderson e C. Aubrey Smith

05
MARATONA da MORTE
(Marathon Man, 1976)

Direção de John Schlesinger
Elenco: Dustin Hoffman, Roy Scheider, William Devane e Marthe Keller

06
HENRIQUE V
(The Chronicle History of King Henry the Fifth with His Battell Fought at Agincourt in France, 1944)

Direção de Laurence Olivier
Elenco: Renée Asherson, Robert Newton, Leslie Banks e Robert Helpmann

07
SPARTACUS
 (Idem, 1960)

Direção de Stanley Kubrick
Elenco: Kirk Douglas, Jean Simmons, Charles Laughton, Peter Ustinov e John Gavin

08
VIDA de ARTISTA
 (The Entertainer, 1960)

Direção de Tony Richardson
Elenco: Brenda de Banzie, Roger Livesey, Joan Plowright e Alan Bates

09
TRAMA DIABÓLICA
(Sleuth, 1972)

Direção de Joseph L. Mankiewicz
Elenco: Michael Caine

10
MENTIRA INFAMANTE
(Term of Trial, 1962)

Direção de Peter Glenville
Elenco: Simone Signoret, Sarah Miles, Terence Stamp e Hugh Griffith


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