março 29, 2015

************ 21 GRANDES FILMES de TERROR

deborah kerr e martin stephens em os inocentes

“O Castelo do Demônio / Le Manoir du Diable”, de 1896, curta dirigido pelo visionário George Mélies nos primórdios do cinema, é considerado o primeiro filme de terror. Em 1010, Thomas Edison deu continuidade ao gênero realizando sua versão de “Frankenstein / Idem”, primeira adaptação do livro de Mary Shelley para as telas. Três anos depois, “O Estudante de Praga / Der Student von Prag” (1913) também revela elementos de terror, mas é “O Gabinete do Dr. Caligari” a pedra fundamental do cinema de horror. Ele definiu muito da estética e da narrativa que seria empregada até os dias de hoje.

Exercício pessoal sobre FILMES de TERROR, esta postagem vai além de resenhas sobre os filmes citados. Compartilha sensações, reações, experiências, expectativas. Revisita um baú macabro e sanguinolento, cheio de fantasmas, assassinos seriais, presenças das trevas, mutantes, canibais, sanguessugas e mortos-vivos. A ideia surgiu como uma homenagem a edição especial da revista espanhola Cinemania, “100 Mejores Peliculas de Terror de Todos los Tiempos”. Mas não reproduzo a lista da publicação e, sim, a minha lista pessoal, colocando alguns filmes e tirando outros.

Vale para os fãs de filmes clássicos, de monstros, vampiros, zumbis, sci-fis. E também como indicação para quem ainda não assistiu a esses filmes. Espero que se divirta lendo a postagem, como eu me diverti escrevendo. Apague a luz e boa leitura!

21 GRANDES FILMES de TERROR
(por ordem de preferência)

01
FAUSTO
(Faust – Eine Deutsche Volkssage, 1926)
direção de Friedrich Wilhelm Murnau

adaptação da obras de Johann Wolfgang Von Goethe
e Christopher Marlowe
com Gosta Ekmann, Emil Jannings e Camilla Horn

De uma época em que o expressionismo alemão se encontrava em declínio, afetado pela ascensão do nazismo ao poder e pelo pensamento dos próprios realizadores de que o movimento já estava por demais assimilado e, portanto, perdera o seu impacto junto às plateias. Ele faz parte da última fase da cinematografia alemã de Murnau. Assim como os demais grandes expoentes do cinema alemão da época, migraria para os Estados Unidos, onde seguiria carreira, até seu falecimento precoce em um acidente automobilístico. 

Concebido para se tornar um grande marco do cinema. Superprodução da UFA – Universum Film A. G., produtora criada pelo estado para fins propagandísticos, mas que naquela ocasião estava privatizada e voltada para fins comerciais, foi roteirizado por Hans Kyser; e para escrever as legendas, a UFA contratou Gerhart Hauptmann, um dos mais importantes poetas alemães. Para a cenografia, foram chamados Robert Herlth e Walter Röhrig, os mais conceituados de todo o cinema expressionista, que trabalharam também com o desenho de figurinos, auxiliados por Georges Annenkov. Com toda essa equipe de gabarito comprovado, somado ao alto custo de produção e à maturidade técnica e criativa de Murnau, era de se esperar que o filme fosse realmente um grande acontecimento.


Contrariando todas as expectativas, essa obra-prima foi ignorada por público e crítica, tornando-se um fracasso na Alemanha – como consolo, fez relativo sucesso no mercado externo. Destacam-se o clima mágico produzido, o uso dos efeitos especiais e a contenção na movimentação de câmera, além da parte em que crianças aparecem evocando anjos de Botticelli. É também importante salientar os tamanhos minúsculos dos ambientes fechados, potencializadores das angústias e frustrações da narrativa. Quanto aos personagens da trama, aquele que recebe maior tratamento é, com certeza, o mais talentoso – no caso, o Mefistófeles interpretado pelo premiado Emil Jannings.

Pelas próprias características sombrias do expressionismo, o horror permeia e é visualizado através do personagem do magistral Jannings, o sinistro que concentra o poder em suas mãos, habilmente conduzindo os demais personagens. Para os expressionistas, a sombra funcionava como metáfora do inconsciente, da repressão, da clandestinidade e das trevas. Em “Fausto”, a ideia da sombra atinge clímax dramático quando um agigantado Mefistófeles, sobre a vila medieval, abre sua enorme capa, anunciando que uma catástrofe está por vir naquele lugar – no caso, a peste negra. Vacilando entre a tentação e a racionalidade, um filme imperdível.

02
A HORA do LOBO
(Vargtimmen, 1968)
direção de Ingmar Bergman

com Max Von Sydow, Liv Ullmann e Ingrid Thulin

Somos convidados a adentrar num universo onírico, em que a fusão entre realidade, sonho, inconsciente, medo e desejo impera.  Quais os limites da experiência humana aqui abordada? O limite é a própria ideia de loucura que pode ser discutida, deslocada, ao longo da história. Na sequência a trama nos leva a um tortuoso labirinto formado pelas memórias de Johan e Alma (grandes atuações de Max von Sydow e Liv Ullmann), às alucinações de ambos. Escrito e dirigido pelo genial sueco Ingmar Bergman, o único filme seu classificado como terror, ainda que um terror não convencional. 

Aqui os elementos dos filmes de horror clássicos aparecem em contextos diversos e se propõem, ao menos inicialmente, a efeitos diferentes: envolver o expectador na angústia interna das personagens, em seus horrores profundos. O responsável por sua belíssima fotografia é Sven Nykvist, que trabalhou com Bergman em outros longas. Nesse filme em especial vemos um trabalho de Nykvist que evoca a estética expressionista alemã, com jogos de claro e escuro, a opção pela filmagem em branco e preto, a criação de uma aura de pesadelo e indistinção entre o que é próprio de um personagem ou outro.


Para além do título, a expressão a hora do lobo se refere àquele período da madrugada, por volta das três, quatro da manhã, em que supostamente mais pessoas nasceriam ou morreriam segundo o folclore escandinavo. O período de noite mais profunda, em que qualquer ruído é escutado, em que os pensamentos podem pesar ainda mais – ou poderiam também ser início de libertação? O jogo entre claro e escuro, a respiração dos atores, a crueza das situações em oposição à densidade dos conflitos internos e externos apresentados em cada cena convidam o expectador a também adentrar nessa zona tão etérea da realidade dos personagens. Aliás, a existência de realidade, ao menos como algo tão simples de definir, é um dos primeiros pilares colocados em dúvida no filme. 

Bergman é conhecido por seus filmes densos e seu domínio da linguagem cinematográfica, embora sua origem profissional seja o teatro. Considerado um dos maiores cineastas da história, e mesmo apontado como o maior por muitos críticos e cinéfilos (entre eles, eu), escreveu e dirigiu obras-primas. Questões existenciais de toda ordem e complexidade se fazem presentes em seus filmes. Alguns temas recorrentes são as ideias de morte e finitude, memória, a fé e o absurdo da existência, relações familiares, o conflito com o outro e a abordagem psicanalítica.

03
O BEBE de ROSEMARY
(Rosemary`S Baby, 1968)
direção de Roman Polanski

adaptação do romance de Ira Levin
com Mia Farrow, John Cassavetes e Ruth Gordon

Conta a simples e apavorante história de um adorável casal novaiorquino que espera seu primeiro filho. Como a maioria das mulheres que são mães pela primeira vez, Rosemary (inesquecível Mia Farrow) está confusa e receosa. Seu marido (John Cassavetes), um ambicioso mas mal sucedido ator, faz um pacto com o demônio pela promessa de vencer na carreira. Logo, ela começa a desconfiar que ele está envolvido com magia negra (junto com os vizinhos, um “simpático” casal de velhinhos) e, em troca do sucesso, quer entregar seu filho para rituais macabros. O filme, então, narra a luta de Rosemary para manter a criança longe de seus perseguidores, reservando-lhe uma trágica surpresa: seu filho não é do marido, mas sim do demônio. 

O diretor Polanski conseguiu extraordinárias interpretações de todo o elenco. Ruth Gordon ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por seu papel, como uma solícita vizinha. Produzido pelo legendário especialista em filmes de terror William Castle (que faz um cameo como o homem que vai na cabine telefônica e assusta a fugitiva Rosemary), o primeiro filme de Polanski nos Estados Unidos conseguiu criar um suspense intenso: utilizando-se de pequenos espaços num apartamento fantasmagórico (sombras, pessoas passando sem serem notadas, vozes vindas da parede, etc.), Rosemary fica presa completamente – mesmo numa cidade gigantesca como Nova Iorque, as “redes” podem ser fechadas e não existe lugar para fugir.


Tornou-se uma obra-prima do terror psicológico, apesar de apresentar momentos fortíssimos, como as impressionantes cenas do demônio transando com Rosemary; a fragilidade dela sofrendo de inexplicáveis dores de gestação; o clima de perseguição que a faz ficar paranoica; e o final chocante (Rosemary, com uma faca, invade o apartamento do lado, descobre a real natureza de seu filho – Polanski acrescentou vários fotogramas da “criança“, destacando os olhos horripilantes – e aceita ser sua mãe), entre outras. Tais cenas provocaram polêmica – a Igreja Católica classificou o filme como “blasfemo”, assim como outras religiões, que procuraram impedir a exibição do filme – e grande sucesso de bilheteria. 

O filme e o livro abriram caminho para uma série de trabalhos sobre cultos e demônios na época. Podemos também colocá-lo como o precursor direto dos futuros clássicos “O Exorcista” e “A Profecia / The Omem” (1976). E, como todo clássico que se preze, também apresentou suas “maldições: um ano depois do lançamento, a esposa de Roman Polanski, a belíssima atriz Sharon Tate, foi assassinada brutalmente pela “comunidade” liderada por Charles Manson (ele misturava passagens da Bíblia com letras do “Álbum Branco” dos Beatles, num dos episódios mais violentos da década de 1960); em 1980, na frente do mesmo edifício Dakota onde o filme foi rodado, o ex-beatle John Lennon foi assassinado. O diabo andou à solta, sem dúvida.

04
A INOCENTE FACE do TERROR
(The Other, 1972)
direção de Robert Mulligan

adaptação do romance de Tom Tryon
com Uta Hagen, Diana Muldaur, Chris Udvarnoky
e Martin Udvarnoky

História de dois irmãos gêmeos muito diferentes que vivem com a avó em um povoado, em meados dos anos 1930. Esta é a aproximação mais perversa da história do cinema ao universo da infância. Constrói um dos filmes mais alucinados jamais feitos. A câmera de Mulligan destaca os rostos de ambos os meninos para adentrar um mundo espectral, no qual o fantástico tem tanta vida como o real, e onde a infância não é nada mais que outro pesadelo. 

“A Inocente Face do Terror” (ótimo título nacional, por sinal) é um excelente terror psicológico, da ótima safra “crianças vilãs” da década de 1970, que acabou ficando esquecido. Não me surpreenderia se daqui algum tempo anunciassem o seu remake, o que não seria ruim, já que uma obra como essa merece ser redescoberta e quase sempre somente desta forma grandes filmes são lembrados.


05
Os INOCENTES
(The Innocents, 1961)
direção de Jack Clayton

adaptação do romance de Henry James
com Deborah Kerr, Michael Redgrave, Martin Stephens
e Pamela Franklin

Dentro de uma atmosfera leve e aterrorizante, o horror se espalha pela casa, para as crianças e para a visão da governanta nesse clássico! A história gira em torno de uma governanta que, destinada a tomar conta de duas crianças num casarão no interior da Inglaterra, começou a desconfiar que fantasmas as estavam corrompendo. No conto nunca temos certeza da existência ou não dos fantasmas (que poderiam ser apenas frutos da imaginação da governanta) mas, no filme, cujo roteiro ficou por conta dos brilhantes William Archibald e Truman Capote (com diálogos e cenas adicionais do não menos brilhante John Mortiner), os fantasmas efetivamente existem. 

Ao contrário dos cineastas que se utilizaram das técnicas expressionistas, ou seja, sempre enfatizando as diferenças entre o preto e o branco de maneira brusca, com as sombras carregando o mal para conseguir um clima “pesado”, o diretor Clayton apresentou estas diferenças com leveza e suavidade. As sombras são suaves, mas carregadas do mal, como uma pena flutuando no ar, mas uma pena escondendo segredos terríveis – a leveza nos engana, pois carrega o peso do terror. O número de cenas antológicas é enorme: a primeira vez que a governanta vê um dos fantasmas no alto de uma torre e, depois, numa inocente brincadeira de esconde-esconde, quando ela o confronta diretamente dentro da casa; e o fantástico confronto final entre a governanta, o menino e o fantasma, produzindo um terror magnífico e um dos finais mais tristes da história do cinema.


A escolha do elenco foi perfeita. Como sempre, a elegância britânica do ator Michael Redgrave serviu muito bem para caracterizar o tio encantador, porém desleixado, das crianças, numa pequena, porém essencial, participação especial. Deborah Kerr está magnífica como a governanta desconfiada da presença dos fantasmas: sua aparência frágil, mas com personalidade cheia de dignidade, faz com que ela sofra muito nos seus confrontos com a presença maligna dentro do casarão. 

As crianças são lindas e, principalmente, apavorantes, misturando, na medida exata, doses de ingenuidade e de maldade, inocência e perversão, suavidade e selvageria. Grande sucesso de público, virou um clássico do cinema e suscitou uma série de imitações, como o belo “A Inocente Face do Terror”, dirigido por Robert Mulligan, ou mesmo o médio “Os que Chegam com a Noite / The Nightcomers” (1972) dirigido por Michael Winner e estrelado por Marlon Brando, mas poucos conseguiram unir leveza e terror da maneira feita por Clayton. Por sorte dos fãs do mais puro terror, ele estava inspirado quando dirigiu “Os Inocentes”.

06
NOSFERATU
(Nosferatu – Eine Symphonie des Grauens, 1922)
direção de Friedrich Wilhelm Murnau

adaptação do romance de Bram Stoker
com Max Schreck, Gustav von Wangenheim e Greta Schröder

Marco do expressionismo alemão, foi o primeiro a levar às telas a figura do vampiro, o monstro mais clássico e conhecido do cinema. Nosferatu é a encarnação do sanguessuga asqueroso, repulsivo e vil, bem como imaginado por Bram Stoker quando escreveu seu livro clássico, “Drácula. Que aliás, é a fonte de inspiração do filme. Originalmente era para ser uma adaptação desse livro, porém sua esposa não cedeu os direitos do personagem, fazendo com que o famoso Conde Drácula fosse chamado de Conde Orlok, e todos os demais personagens, desde John Harker ao caçador Abraham Van Helsing, tivessem seus nomes trocados. 

E como se não bastasse, Murnau foi processado por violação de direitos autorais e a justiça determinou que todas as cópias do filme fossem destruídas. Já imaginou que um dos maiores patrimônios cinematográficos de todos os tempos pudesse não ter nenhum registro e ter se perdido no tempo? Por sorte algumas cópias foram guardadas e assim que a Sra. Stoker bateu as botas, voltaram a circular e o filme transformou-se no clássico cultuado que ele é hoje. Traz a conhecida história de Hutter, um corretor de imóveis que vai até a Trânsilvania, cidade romena à sombra dos Montes Cárpatos, vender uma propriedade para o conde Orlok em Wisbourg (originalmente, Londres), que é na verdade um temível vampiro que o toma como prisioneiro. Atraído por Ellen, a jovem e bela noiva de Hutter, Orlok vai até Wisbourg espalhar a morte e o medo entre os habitantes, e saciar sua sede por sangue.


Impressiona principalmente pelo movimento das sombras da criatura e dela se levantando do caixão, e foi o responsável por criar toda uma estética gótica e sombria que seria usada nos filmes de terror na posteridade. Merece uma menção a parte a estupenda interpretação de Max Schreck como o conde. Existe uma lenda urbana de que Schreck aparecia somente para fazer suas tomadas vestido como o personagem e só queria fazer as filmagens à noite. O conteúdo do Mal se exprime com vigor na forma de apresentação do personagem. D

e fato, nunca o cinema de horror conseguiu expressar com tanta fidelidade a dimensão macabra da lenda do vampiro como em “Nosferatu. O Conde Orlock, é, em si, uma figura estranha e aterrorizante. Sua imagem expressa o próprio conteúdo do seu ser maligno. Como diz a abertura do filme, “Nosferatu é a palavra que se parece com o som do pássaro da morte da meia-noite. Ele vive nas sombras e na escuridão. É um ser noturno, de um mundo das trevas, perdido no passado de uma terra distante. A própria narrativa destaca que o vampiro é uma criatura da noite. É na escuridão que está o horror do vampiro. Ganhou uma refilmagem em 1979, chamado “Nosferatu – O Vampiro da Noite, dirigida por Werner Herzog, tão boa quanto o original.

07
MADRE JOANA DOS ANJOS
(Matka Joanna od Aniolów, 1961)
direção de Jerzy Kawalerowicz

adaptação de um conto de Jaroslaw Iwaszkiewicz
com Lucyna Winnicka, Mieczyslaw Voit, Anna Ciepielewska,
Maria Chwalibóg e Kazimierz Fabisiak

Um dos primeiros filmes a tocar no tema do exorcismo, é um clássico do cinema europeu, ganhando o Prêmio de Júri no Festival de Cannes de 1961. Passado no século XVII, conta a história de freiras possuídas pelo demônio. Essa pequena joia polonesa, acreditem, é a responsável pelo nascimento do sub-gênero “filmes de exorcismo. Baseado no caso de “As Possessões de Loudun, ocorridos na França em 1634. Na região de Loudun, havia um convento de freiras ursulinas que estavam sendo assediadas por demônios e apresentavam um quadro de convulsões e pronunciamento de blasfêmias contra Deus e a Igreja.  O diretor fez um excelente trabalho. Nada é dispensável, seus enquadramentos e o domínio da narrativa mostram um autor que sabia muito bem o que estava fazendo. 

O terror que se sente é quase palpável, é um desespero crescente. Toca o coração ver a freirinha, ao confrontar seu exorcista, declarando-se como possuída por oito demônios diferentes e a sua transformação - sem precisar de maquiagem, apenas através do talento da atriz Lucyna Winnicka - que perturba nossos sentidos. Os olhos do padre exorcista, interpretado magistralmente por Mieczyslaw Voit, grudam na mente e a loucura parece até algo que pode ser tocado. Um filme obrigatório para todos os cinéfilos.


08
HAXAN, a FEITIÇARIA ATRAVÉS dos TEMPOS
(Haxan, 1922)
direção de Benjamin Christensen

com Maren Pedersen e Clara Pontoppidan

Um dos mais controversos e assombrosos filmes de terror da década de 1920, combinando naturalismo com efeitos especiais, que passeia entre o tom documental, por se declarar como uma apresentação do ponto de vista cultural e histórico, e o tom aterrorizante e herege que vai nos jogar na frente dos olhos bruxaria, magia negra, superstições. Ninguém mais, ninguém menos que Satã aparece em cena como protagonista, interpretado pelo próprio diretor, com sua clássica imagem com chifres, barba e garras. E são vários os tipos de coisa-ruim que mostram sua cara no decorrer do longa. Soma-se a isso nudez, sexualidade, demônios assustadores fazendo sabás com bruxas que beijam seus traseiros, tortura, cárcere, açoite, um bebê usado para sacrifício e uma freira possuída e perseguida pelo tinhoso, tudo dividido em sete histórias.

Cronologicamente, a trajetória começa em 1488 e termina em 1922, sempre pontuando estudos de caso, seguindo o rastro da inquisição, possessão de freiras, sabás, e outras tentações e maledicências em geral. Isso tudo mostrando como fonte documentos, livros, diagramas e ilustrações, mantendo assim o lado educativo da coisa. Fora todo o impacto visual dos elementos que o diretor coloca em tela, que vão desde as famosas caveiras e esqueletos, passando por insetos, répteis, roupas rasgadas, e os demônios em si, que serviram como ponto de referência para o gênero futuramente. Uma produção de valor inestimável.


09
ONIBABA– a MULHER DEMÔNIO
(Idem, 1964)
direção de Kaneto Shindô

com Nobuko Otowa e Jitsuko Yoshimura

Baseado em uma parábola budista, escancara o antagonismo de classes do Japão medieval para criar uma assustadora alegoria sobre a vida em meio a falta de recursos, segregação social e crítica velada aos efeitos da bomba atômica. Apesar do ponto de partida do texto budista, não há nenhum caráter religioso, e o mal é algo muito mais terreno e carnal, o que difere e muito da maioria dos filmes de terror nipônicos. Recheados de metáforas, bruto, claustrofóbico, de carregada fotografia preta e branca quase expressionista (crédito para Kiyomi Kuroda), cenários minimalistas e uma trilha sonora de tambores de Hikaru Hayashi remetido ao sentimento tribal, a história é repleta de metáforas. 

A parábola budista a qual foi inspirado conta a história de uma mãe que costumava usar uma máscara de demônio para assustar sua filha, impedindo-a de ir ao templo. E como punição, a máscara adere em seu rosto e quando é removida, leva junto a carne de sua face. Aqui, é um reflexo traumático dos efeitos do pós-guerra e os horrores que ele desencadeou na sociedade japonesa. Dramatiza o fracasso e expõe o desejo humano nas mais sombrias manifestações. Apresenta homens e mulheres nos limiares da civilização, vítima de suas condições de vida, dando vazão aos seus instintos mais básicos e a constante luta por sobreviver, o que pode, literalmente, despertar demônios.


10
A QUEDA da CASA de USHER
(La Chute de la Maison, 1928)
direção de Jean Epstein

adaptação do conto de Edgar Allan Poe
com Jean Debucourt e Marguerite Gance

Este foi o filme que lançou Epstein para o sucesso, com a sua assombrosa realização, uma verdadeira obra-prima! Um exercício cinematográfico de pura mestria, que tem como assistente de realização, Luís Buñuel. Conta a história de Sir Roderick Usher, que envia um pedido de auxílio a um amigo, pois a sua irmã gêmea Madeline (Margarite Gance, mulher do realizador Abel Gance) está morrendo sob estranhas circunstâncias. Ao chegar à mansão Usher, o amigo descobre que a presença de Madeline faz-se na pintura de Roderick, obcecado por pintá-la. O retrato parece ganhar vida, enquanto Madeline enfraquece cada vez mais. Epstein prova um profundo conhecimento da arte cinematográfica e recorre a efeitos especiais, como a desfocagem, a conjugação criativa entre som e imagem, extremamente importante para a construção dramática, a câmara lenta, e a sobreposição, na famosa cena em que Madeline está prestes a desmaiar. 

Cada cena tem a sua vida própria, como uma pintura viva, resultado da manipulação temporal. Na verdade, apresenta características expressionistas, utilizando muitas vezes, a pintura expressionista como cenário, mas também, românticas e surrealistas. A música medieval foi extremamente bem escolhida para banda sonora, e a maravilhosa fotografia em preto e branco que cria jogos interessantes de contraste e sombras. Os pormenores pulsam na construção do sinistro: os gestos, as expressões faciais, o nevoeiro, o vento, todos os elementos parecem indicar a tragédia da casa de Usher e algumas das mais bonitas cenas do cinema.


11
O VAMPIRO
(Vampyr, 1932)]
direção de Carl Thedor Dreyer

com Julian West, Maurice Schutz e Rena Mandel

Primeiro filme falado do diretor dinamarquês, é quase um pesadelo onírico, um espetáculo mórbido com uma belíssima fotografia, inquieta e macabra trilha sonora, e algumas sequências que são realmente assustadoras e referências para o gênero no futuro, como um funeral sendo captado através do ponto de vista do morto dentro do caixão, dança de sombras fantasmagóricas em planos abertos e fechados, o começo da utilização da figura erótica e sexual do vampiro transparecendo desejo carnal, a forma translúcida de uma sombra / espírito saindo do corpo e acompanhando seu próprio enterro e a sinistra morte de um médico, o suposto vilão da história, asfixiado dentro do elevador de um moinho de trigo. 

Inspirado livremente no livro “Carmilla, de Sheridan Le Fanu, conseguimos captar a cabal diferença entre o cinema de terror que vinha sendo produzido nos EUA, principalmente por conta do ciclo de monstros da Universal, e a estética gótica e soturna das produções europeias, que bebiam diretamente na fonte do horror mudo da década anterior. O espectador desavisado aqui é bombardeado por um tratamento estético e ritmo completamente diferentes, captados por uma câmera subjetiva e distante, tomadas noturnas, trilha sonora quase hipnótica, clima pesado e mórbido e sugestão de ideias muito maior do que imagens explícitas.


A trama bizarra construída por Dreyer não é fácil e acompanha Allan Gray, interpretado por Julian West (também conhecido como Barão Nicolas de Gunzburg), um estudioso do vampirismo e do sobrenatural, que se depara com uma situação surreal ao encontrar um castelo onde uma moça foi mordida por um vampiro. Cercado de personagens excêntricos, como o doutor vampiro / vilão e seu comparsa, um soldado com uma perna de pau, o que se segue é um conjunto de imagens desconexas, mistura de sonho e realidade, eventos alucinógenos, um livro testamento contendo a história sobre os vampiros e vários elementos estranhos. 

Para que fosse produzido, Dreyer foi até a França (onde havia filmado “O Martírio de Joana D'Arc / La passion de Jeanne d'Arc (1928), em um período em que o cinema ganhou um status diferenciado, sendo tão valorizado quanto as demais artes, e por isso recebia o financiamento de membros da alta sociedade francesa para que pudessem ter peças da sétima arte com seu nome impressas. Foi o caso de “O Cão Andaluz / Un Chien Andalou (1929), de Luiz Buñuel, e também de “Sangue de um Poeta / Le Sand d`Un Poète (1932), de Jean Cocteau. O nome de Dreyer certamente já chamava atenção nos círculos artísticos europeus, e quando ele surgiu em França buscando financiamento para uma produção independente. Logo encontrou o apoio de um jovem que impôs uma condição - trabalhar como protagonista do filme. Dreyer não negou a Julian West a vaga, colocando-o junto a um elenco formado em grande parte por não-atores.

12
O ILUMINADO
(The Shining, 1980)
direção de Stanley Kubrick

adaptação do romance de Stephen King
com Jack Nicholson e Shelley Duvall

Talvez, até hoje, a mais assustadora e impactante obra prima do cinema de terror. Três forças poderosíssimas convergem nessa produção: o diretor Stanley Kubrick, o escritor Stephen King e o ator Jack Nicholson. Antes de mais nada, é um filme de diretor. De direção de arte precisa. De jogo de cores berrantes. Fotografia impecável. Trilha sonora assustadora e paranoica. Planos abertos em corredores labirínticos minuciosamente decorados, em enquadramentos que alternam os personagens totalmente centralizados com planos em close em ambientes fechados e de menor espaço físico, dando ao mesmo tempo o contraste entre a real magnitude do Hotel Overlook e a sensação do aprisionamento claustrofóbico em seu interior. 

Ritmo por vezes arrastado e por vezes alucinante. Tudo isso faz dele o clássico que é hoje. Jack Nicholson provavelmente tem o papel mais marcante de sua carreira como Jack Torrance, ex-alcoólatra que aceita o emprego de zelador do hotel de veraneio Overlook, localizado nas montanhas do Colorado, durante o inverno. Ele acredita que lá terá cinco meses de paz para poder terminar de escrever o seu livro. Jack muda-se para o Overlook com sua esposa Wendy (Shelley Duvall) e seu filho Danny (Danny Lloyd), dotado de poderes psíquicos que o cozinheiro do hotel (Scatman Crothers) chama de ser “iluminado”.


Esses poderes fazem com que Danny tenha o dom de prever o futuro, conversar telepaticamente com outros iluminados e também ter capacidades pós-cognitivas de ver fantasmas. E disso o Overlook está cheio. Fantasmas esses, que inclui o zelador anterior, que se suicidou e esquartejou sua família, que tem como missão póstuma influenciar Jack, que aos poucos vai perdendo sua sanidade, fazendo com que sua loucura gradual o leve a perseguir esposa e filho com um machado pelo interior do hotel. 

Esteticamente perfeito, com uma direção magnífica e uma atuação magnânima de Nicholson, rendeu cenas que entraram para os anais da história do cinema de terror, que não estão no livro, mas são simplesmente espetaculares. Como Danny andando nos corredores do hotel com seu triciclo, ou a aparição terrivelmente macabra das duas garotinhas mortas chamando o coitadinho para brincar, intercalada com a imagem delas ensanguentadas caídas ao chão. Ou o mar de sangue que sai de dentro do elevador e invade um dos corredores do hotel.

 13
O EXORCISTA
(The Exorcist, 1973)
direção de William Friedkin

adaptação do romance de William Peter Blatty
com Ellen Burstyn, Max Von Sydow, Lee J. Cobb
e Linda Blair

Um dos mais assustadores filmes de terror de todos os tempos. Seu sucesso atemporal pode ser dividido em três fatias iguais do bolo: a direção de William Friedkin, o roteiro de William Peter Blatty baseado no seu livro homônimo e sua trinca principal de atores. Ellen Burstyn como Chris McNeil, Max Von Sydow como o padre Lankester Merrin e Linda Blair como Regan. Traz a história da doce menina filha de uma atriz de Hollywood que fica possuída por um antigo demônio chamado Pazuzu, e após todos os testes médicos e psicológicos darem negativos, o padre e psiquiatra Damien Karras e o padre e arqueólogo Lankester Merrin realizam um ritual de exorcismo para expulsar o cramunhão da garotinha. 

A escolha de Friedkin foi o verdadeiro golpe de sorte da Warner Bros., gerando uma direção magistral. Outro ponto de sucesso do filme foi claro, Linda Blair, uma verdadeira joia com sua interpretação brilhante da garota possuída. É sabido que a carreira dela foi para o buraco, limitando-se a paródias de si própria e filmes eróticos (seria mais uma das maldições que envolve a produção?). Mas sem Linda, o filme não teria nem metade da sua força.


 14
MONSTROS
(Freaks, 1932)
direção de Tod Browning

adaptação da história de Tod Hobbins
com Wallace Ford, Olga Baclanova e Leila Hyams

A ideia de Browning era fazer um filme de terror que superasse tudo já feito até então, algo extremamente perturbador, jamais visto no cinema. E qual foi o método encontrado pelo diretor? Usar aberrações de verdade em seu elenco. Na trupe circense, há anões, gêmeas siamesas, deformidades, crianças com malformação congênita, pessoas sem membros e com atrofia muscular. Hans é um anão de circo, noivo de Frieda, que na verdade morre de amores pela bela trapezista Cleópatra, uma das pessoas “normais” do show e o faz de trouxa, em troca de mimos e presentes. Só que Cleópatra, na verdade tem um caso com o musculoso Hércules, e descobre que Hans é herdeiro de uma vasta fortuna. Querendo dar o golpe do baú, a trapezista se casa com o pequeno só para por em prática, em conluio com Hércules, seu sórdido plano de envenenar Hans para ficar com sua grana. Não precisa nem dizer que as coisas não vão sair como ela imagina. Durante a festa de casamento, acontece a cena mais emblemática, quando as aberrações começam a dançar e cantar, saudando a noiva como um deles, até ela surtar e começar a humilhá-los, gritando que eles todos são sujos e repugnantes. 

O clima sinistro de verdade só começa no terceiro ato, onde vamos conhecer o “código das aberrações”. Eles ficam espreitando cada passo de Cleópatra e Hércules, rastejando assustadoramente atrás deles, esperando o momento certo da vingança. Alguns críticos acham Monstros o melhor filme de Browning, e olha que o cara tem “Drácula / Idem” (1931) e “O Monstro do Circo / The Unknown” (1927) na sua filmografia. Se você é fã do bizarro e grotesco, não deixe de vê-lo.


15
O GABINETE do Dr. CALIGARI
(Das Kabinett des Doktor Caligari, 1919)
direção de Robert Wiene

com Werner Krauss, Conrad Veidt, Friedrich Feher
e Lil Dagover

Dr. Caligari foi o primeiro vilão maligno e manipulador do cinema, abrindo as portas para muitos outros cientistas e doutores loucos, por assim dizer. E fora todos os temas que o filme traz, que se tornaram futuros clichês após quase 100 anos da produção: sonambulismo, assassinato, manipulação, trauma, sequestro, um assassino serial, reviravoltas no final e aquela dúvida sobre o que é sanidade e o que é loucura. Sim, isso em um filme mudo de 1919. 

O longa começa com Francis, um rapaz trazendo à tona durante uma conversa, a terrível experiência que viveu por decorrência da chegada do Dr. Caligari na feira anual de Hoistenwall. Em seu gabinete, Caligari apresenta ao público sua atração, um sonâmbulo chamado Cesare, interpretado pelo fantástico Conrad Veidt, enquanto uma série de assassinatos assola a cidade. Francis começa a investigar o famigerado doutor e seu sonâmbulo depois que seu melhor amigo é assassinado e sua amada, Jane é atacada, e aí a trama começa a se desenrolar até seu clímax impressionante. 

Permeado por um clima soturno, característico do expressionismo alemão, cenários quase surreais como em um sonho, o exagero das expressões de horror e maquiagem carregada nos rostos pálidos que acentuam os olhares arregalados de pavor. É o reflexo de uma Alemanha mutilada após a primeira guerra e uma metáfora ao desejo assassino incontestável de governos e soldados, algo que aquela nação viria a provar novamente anos mais tarde. Resumindo, é obrigatório. 


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NOSFERATU – o VAMPIRO da NOITE
(Nosferatu – Phantom der Nacht, 1979)
direção de Werner Herzog

adaptação do romance de Bram Stoker
com Klaus Kinski, Isabelle Adjani, Bruno Ganz
e Roland Topor

Belíssimo filme. Ao mesmo tempo em que o diretor presta uma homenagem ao expressionismo alemão e ao filme original de Murnau, ele consegue imprimir sua própria estética. Pontuado por um ritmo quase hipnótico, fotografia belíssima de Jörg Schmidt-Reitwein, direção de arte impecável (vencedora do Urso de Prata no Festival de Berlim daquele ano) e uma trilha sonora fúnebre e orgânica (assinada pelo grupo Popol Vuh). 

A história é aquela que todos nós conhecemos: o corretor Jonathan Harker (Bruno Ganz) parte em meio às tenebrosas, porém deslumbrantes paisagens dos Montes Cárpatos, para fechar negócio com o repugnante Conde Drácula (soberbo Klaus Kinski), com sua expressão asquerosa, lembrando um rato humano, nariz adunco, longos dedos esqueléticos e face pálida. Nem de longe lembrando os aristocráticos Bela Lugosi em “Drácula” da Universal ou o altivo Cristopher Lee em “O Vampiro da Noite / Dracula” (1958) da Hammer e muito menos o sedutor Frank Lagella em “Drácula / Idem” (1979), lançado no mesmo ano, e sim mantendo-se fiel a visão de Murnau do monstro vampiresco, assim como o livro de Stoker.


Um dos maiores trunfos, responsável por não ser taxado como uma mera cópia do original, e posicionando-se como superior em certos momentos, é a tentativa de Herzog em mostrar uma espécie de beleza poética no mal (como as cenas em câmera lenta de um morcego batendo suas asas, ou a abertura com os closes de múmias embalsamadas com uma expressão angustiante de terror no rosto), e o mix de sensações etéreas e assustadoras que ele vai criando para preparar o espectador para o infortúnio e desilusão que está para se abater na cidade com a chegada do Conde e de seus maus agouros. 

Herzog utiliza brilhantemente planos abertos, clima atmosférico e paisagens lindas, principalmente na estonteante cena onde vemos o dia se esvaecer pelas montanhas enquanto a noite, cheia de mistérios terríveis, começa a cair sobre o até então intrépido Jonathan Harker em sua viagem à Transilvânia, ou quando a praça central da cidade está tomada por ratos, caixões, animais soltos  e de uma forma mambembe, alguns tentam brindar a vida antes de serem tomados pelo abraço gelado da morte.

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DRÁCULA de BRAM STOKER
(Bram Stoker’s Dracula, 1992)
direção de Francis Ford Coppola

adaptação do romance de Bram Stoker
com Gary Oldman, Winona Ryder, Anthony Hopkins
e Keanu Reeves

Muitos críticos e fãs de cinema não puderam acreditar que, no início da década de 1990, o consagrado diretor dos três “O Poderoso Chefão / The Godfather” (1972/73/90) pudesse filmar o livro que deu origem a um dos mais famosos personagens do século XX. Mas foi o que exatamente aconteceu: tornou-se um dos grandes longas do diretor, podendo-se afirmar que é uma das suas obras-primas. 

O tempo deixou-o ainda melhor, apesar do excesso de cores, ideia que não existia na obra de Bram Stoker. Não foi a única “heresia” cometida pelos produtores. Uma das mudanças mais radicais foi a criação do clima romântico envolvendo Drácula (excepcionalmente interpretado por Gary Oldman) e a encarnação de sua ex-amada Elisabetha na personagem Mina (Winona Ryder, sensacional) que não existe no livro. O livro conta uma história de bem contra o mal, sendo que Drácula é o símbolo do mal, única e exclusivamente. Ele não se apaixona por ninguém e muito menos Mina é reencarnação de Elisabetha.


No geral, falta terror e sobra romance: é uma bela história de amor, na verdade, uma típica ópera romântica cheia de intriga e mistério. Apesar do amor, terror e sexo também se fazem presentes, resultando em cenas memoráveis e bastante sensuais, como aquela onde Jonathan Harker (Keanu Reeves) sai do seu quarto, à noite, para conhecer o castelo (e também para entender o que estava acontecendo naquele lugar esquecido por Deus) e encontra três vampiras, as noivas de Drácula, insaciáveis, que o “degustam! Elas literalmente o devoram, num exercício cinematográfico de sensualidade e sexualidade! 

Abriu uma espécie de “terrormania” que, infelizmente, não foi bem sucedida na época: “Lobo / Wolf”, de 1994, dirigido por Mike Nichols, foi um retumbante fracasso de bilheterias, apesar da forte presença de Jack Nicholson e Michelle Pfeiffer; “Frankenstein de Mary Shelley / Mary Shelley’s Frankenstein”, também de 1994, dirigido por Kenneth Branagh (produzido por Coppola), transformou-se numa piada histérica e sem graça. A onda de filmes de terror voltaria depois do sucesso mundial de “Pânico / Scream”, 1996, de Wes Craven. Mas aí já é uma outra história.

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A NOIVA de FRANKENSTEIN
(The Bride of Frankstein, 1935)
direção de James Whale

adaptação do romance de Mary Shelley
com Boris Karloff, Colin Clive, Valerie Hobson
e Elsa Lanchester

Levou quatro anos para que a Universal conseguisse convencer o diretor Whale a dirigir a continuação de sua obra prima, “Frankenstein / Idem”. Relutante, ele só toparia embarcar se tivesse controle irrestrito sobre o projeto, algo que só foi possível graças as férias do produtor Carl Laemme Jr. na Europa durante as filmagens. Por muitos, é superior ao original, muito devido ao toque de Whale e a afinidade de Karloff com o personagem, que volta mais uma vez como a criatura incompreendida, em busca de uma parceira para por fim a sua miserável solidão. O resultado é uma mistura de horror com comédia e a criação de uma nova criatura visualmente tão impactante quanto o monstro original, dando origem a uma personagem feminina icônica para o cinema de horror, mesmo com sua breve aparição na tela. 

Quase uma tragédia grega, o pathos do monstro de Frankenstein nos é contado pela própria criadora do personagem, Mary Shelley (interpretada por Elsa Lanchester, que também faz o papel da noiva), que logo no começo da fita, em uma noite de tempestade, reunida com Lord Byron e seu marido Percey B. Shelley, narra a história de como a criatura sobreviveu logo após ter sido caçada e encurralada no moinho incendiado imediatamente ao final do primeiro filme. Junta-se tudo isso a maquiagem de Jack Pierce melhor do que nunca e a mais uma vez a brilhante atuação de Karloff do maltrapilho e cabeçudo monstro, e temos um clássico eterno!


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A MORTA-VIVA
(I Walk with a Zombie, 1943)
direção de Jacques Tourneur

adaptação do conto de Inez Wallace
com James Ellison, Frances Dee e Tom Conway

Um filme de terror poético da safra produzida por Val Lewton para a RKO Radio Pictures. O produtor com carta branca após ter emplacado dois sucessos, mais uma vez chamou Tourner e os roteiristas Curtis Siodmak (o mesmo de “O Lobisomem / The Wolf Man”, 1941,  e outros filmes de monstro da Universal) e Ardel Wray (que assina o roteiro de “O Homem-Leopardo / The Leopard Man”, 1943, lançado na sequência) para a realização de um filme de zumbis. Tourner volta às raízes haitianas do zumbi e em um filme lírico e perturbador, eleva o “monstro” a um status de seriedade nunca antes visto, explorando todo o potencial simbólico e religioso do morto-vivo nas telas. Começa com um plano aberto e Betsy Connell, enfermeira contratada por Paul Holland (fazendeiro dono de uma mina de açúcar nas Índias Ocidentais), para cuidar de sua catatônica esposa, em uma praia andando ao lado de uma figura não identificada, e narrando em off: “Eu caminhei com um zumbi…”

Na ilha, Betsy começa a entender a rotina disfuncional que envolve a família Holland, desde o amargo e desiludido Paul, passando por seu meio-irmão alcoólatra Wesley Rand e a dominadora matriarca Sra. Rand, e a ter pistas do motivo da catatonia de Jessica, esposa de Paul. Enquanto o médico da família aposta na teoria de uma rara febre tropical, os nativos insistem na ideia de vodu e que ela foi transformada em um zumbi.


Todo permeado em um questionamento interminável, de que se realmente o que acontece possui alguma causa ou explicação científica ou mesmo se os acontecimentos cruciais do final são frutos de feitiçaria. Ninguém consegue estabelecer um padrão patológico, mental ou espiritual para a condição de Jessica, e termina mesmo sem deixar essa reposta. Assim como a cena inicial que não tem uma continuidade, e tampouco fica claro quando, como e por que, Betsy caminhou com o zumbi, já que fica apenas subentendido e a cena não se repete até o fim da película. Um filme artístico de zumbi é apenas um resumo dessa obra complexa e misteriosa, que nunca mais seria repetido, principalmente após o morto-vivo virar sinônimo de gore no cinema de terror atual.

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A MÃO do DIABO
(La Main du Diable, 1943)
direção de Maurice Tourneur

adaptação do romance de Gérard de Nerval
com Pierre Fresnay e Josseline Gaël

De Maurice Tourneur, um dos cineastas mais prolíficos da Continental, guarda pontos em comum com o conto “O Demônio da Garrafa”, de Robert Louis Stevenson, onde uma garrafa que produz riqueza e poder deve ser vendida antes da morte do possuidor, sempre a um preço mais baixo; à medida que o preço diminui em direção ao indivisível centavo, a posse do talismã ameaça o último dono com a danação eterna. Nesse filme, o talismã que deve ser revendido por um preço menor que aquele com que foi comprado não é uma garrafa, mas uma mão esquerda decepada. Aí, a transação assume um caráter violento, uma vez que o interessado, ao adquirir o talismã, perde a mão, magicamente substituída pela de um “outro”. 

O último possuidor da mão decepada vem a ser o fracassado pintor Roland Brissot (grande atuação de Pierre Fresnay), que por amor de uma jovem ambiciosa compra do garçom italiano (Noël Roquevert) o talismã que muda sua vida. Com a nova mão esquerda, Roland passa a pintar quadros magníficos, demonstrando habilidades que jamais tivera, como a de fazer pacotes e satisfazer sexualmente sua amiga Irène (Josselyne Gaël). Contudo, a mão esquerda assina seus quadros com o misterioso nome de Maximus Léo. O pintor torna-se uma celebridade em Paris, e tudo corre a contento, até o dia em que recebe a visita de um homenzinho de negro (Pierre Palau), que vem cobrar o preço das “graças” recebidas. Como o pintor recusa devolver o talismã, acaba assumindo uma dívida em dinheiro que dobra diariamente. Possui uma narrativa ágil, uma atmosfera de suspense e um brilhantismo nas imagens de estúdio que seduzem o espectador.


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A MÚMIA
(The Mummy, 1932)
direção de Karl Freund

com Boris Karloff, Zita Johann e David Manners

Depois dos sucessos de “Drácula” e “Frankenstein”, lançados no ano anterior, foi a vez da Universal eternizar o seu próximo monstro que daria origem a mais uma franquia de filmes de terror para o estúdio. E esse monstro seria A Múmia. Mais uma vez com o selo de produção de Carl Laemme Jr, traz novamente Boris Karloff como ator principal, vivendo o monstro egípcio em carne, osso e ataduras. E o momento era propício para a Universal jogar luz sobre esse tema, já que em 1932 fazia apenas dez anos que o túmulo de Tutancâmon havia sido descoberto e os jornais apareciam frequentemente repletos de matérias sensacionalistas sobre a maldição da múmia a cada pessoa envolvida na escavação que morria ou adoecia, sem nem levar em conta a óbvia quantidade cavalar de bactérias com as quais eles haviam sido expostos ao desenterrar aqueles corpos milenares. 

Karloff mais uma vez de forma soberba dá vida a Imhotep, uma sacerdote do Egito Antigo que amava Ankh-es-en-amon, uma princesa filha do Faraó. Quando a garota morre, Imhotep na tentativa de ressuscitá-la tenta praticar um encantamento proibido e é pego com a boca na botija. Pelo sacrilégio, o Faraó manda mumificá-lo vivo, estado em que ele fica pelos próximos 3700 anos, até ser descoberto e acidentalmente trazido de volta à vida por um assistente do exímio egiptólogo Sir Joseph Whemple, durante uma expedição arqueológica do museu britânico no local.


Como resultado de trazer a múmia de volta a vida, o assistente cai na mais completa insanidade (na mais impressionante e assustadora cena do filme inteiro), a múmia desaparece sem deixar rastros e Joseph abandona o Egito jurando nunca mais por os pés lá. Imothep quer trazer a amada de volta do sono eterno, mas para isso, deverá trocá-la de corpo com Helen Grosvenor, descendente da princesa Ankh-es-en-amon. Ele usará todos seus poderes hipnóticos e conhecimento místico para tentar envolver a garota, sacrificá-la e recuperar seu amor milenar. 

Reparem na interpretação de Karloff, mostrando mais uma vez que é muito mais ator que seu colega / rival de época, Bela Lugosi; a excelente direção de Karl Freund, primeiro filme como diretor do fotógrafo alemão responsável por “Metrópolis / Idem” (1927), de Fritz Lang, e sua composição de cena, jogo de luz e sombra, capricho visual e tomadas com câmera em movimento, ousadia que os outros filmes da Universal não tinham até então; e a maquiagem, mais uma vez obra do gênio Jack Pierce, principalmente quando Imhotep aparece como um monstro mofado. Filme obrigatório para os fãs de terror e principalmente para os aficionados pelo ciclo de monstros da Universal. E claro, é melhor que qualquer um dos três da nova trilogia com Brendan Fraser, isso sem dúvida.