junho 14, 2012

************************ SOMBRAS de VAL LEWTON



Sou admirador da obra de terror/suspense B do produtor VAL LEWTON (1904 - 1951). Dos nove filmes que fez no gênero, assisti cinco e espero em breve ver os que restam. São filmes-irmãos, utilizando-se basicamente dos mesmos meios para atingir o espectador, como cenas de pessoas indefesas andando em ruas desertas escuras, temendo o perigo à espreita, sendo atacadas ou perseguidas. Noturnas e atmosféricas, tais cenas exploram o jogo de luz e sombras, acentuando a psicologia e a poesia. 

De origem russa, sobrinho da diva Alla Nazimova, Lewton trabalhou como assistente de David O. Selznick, de 1933 a 1941. Em 1942, com a RKO Radio Pictures desejando competir com a Universal no terror, ele foi convidado para se dedicar à realização de filmes deste gênero, com orçamento limitado, duração máxima de 75 minutos e uma fórmula simples: uma história de amor, algumas cenas de horror apenas sugerido e uma de violência explícita. Tudo povoado por sombras, muitas sombras.

lewton, robert wise e mark robson
De acordo com Martin Scorsese, VAL LEWTON era uma espécie de “Selznick benevolente” que “trabalhava intensamente em todos os roteiros que produzia, mas nunca pisava no set de filmagem, deixando os diretores agir por conta própria”. Ele faleceu precocemente, aos 46 anos, de um ataque cardíaco, e influenciou - em parte - o personagem Jonathan Shields (Kirk Douglas) em Assim Estava escrito / The Bad and the Beautiful (1952), de Vincente Minnelli. 

Conseguiu seu espaço na história do cinema com produções baratas, apostando no talento dos diretores e na própria imaginação do público. Todas realizadas entre 1942 e 1946, unindo escassez de recursos com qualidade artística e lucro certo, fortalecendo assim o estúdio que estava à beira da falência. Esses filmes renovaram o gênero de terror e revelaram um produtor meticuloso e inovador. Anote no seu caderninho cada um deles. São imaginosos, sinistros, líricos.

SANGUE de PANTERA
(Cat People, 1942)
direção de Jacques Tourneur

com Simone Simon, Kent Smith e Tom Conway

Protagonizado pela estrela francesa Simon, a trama fala de uma desenhista de moda em Nova Iorque obcecada pela ideia de que é descendente de uma antiga raça de mulheres-felinas, as quais, quando excitadas sexualmente, transformam-se em panteras. Por isso, tem medo de consumar seu casamento. Rodado em 24 dias, custou 134 mil dólares e rendeu mais de dois milhões, num sucesso inesperado de público. O poeta Vinicius de Moraes, então crítico de cinema, escreveu: “Tourneur realizou uma pequena obra-prima, em essência, silenciosa”.

A MORTA-VIVA
(I Walked with a Zombie, 1943)
direção de Jacques Tourneur

com Frances Dee, James Ellison e Tom Conway

Enfermeira canadense chega às Antilhas para cuidar de inválida, apaixona-se pelo marido da paciente e termina por descobrir que a rival é um zumbi. Dirigido com inspiração, fotografia poética e uma Frances Dee lembrando Greta Garbo, é considerado por muitos o melhor da série.

O HOMEM-LEOPARDO
(The Leopard Man, 1943)
direção de Jacques Tourneur

com Dennis O’Keefe e Margo

Numa pequena cidade do Novo México, um leopardo que se apresentava num espetáculo, foge e mata uma garota, sendo perseguido, enquanto um demente aproveita o pânico para cometer alguns assassinatos. A narrativa, sem personagens centrais, é um tanto fragmentada e confusa. Filmado em um mês, deu bons lucros.

A SÉTIMA VÍTIMA
(The Seventh Victim, 1943)
direção de Mark Robson

com Kim Hunter e Tom Conway

Garota chega a Nova Iorque à procura da irmã desaparecida. A investigação leva a um culto diabólico. Atmosfera macabra, trama intricada e personagens solitários e dúbios. No entanto, não há como negar a fragilidade do roteiro, apostando somente nos momentos de suspense. A insossa Hunter ganharia o Oscar de Atriz Coadjuvante com o clássico “Uma Rua Chamada Pecado / A Streetcar Named Desire” (1951), de Elia Kazan.

O FANTASMA dos MARES
(The Ghost Ship, 1943)
direção de Mark Robson

com Richard Dix, Russell Wade e Edith Barrett

Jovem oficial percebe que seu comandante autoritário é um assassino psicopata, responsável pela morte de vários tripulantes. Acusado de plágio, o filme foi retirado das salas de cinema, prejudicando sua trajetória. Belo visualmente e estrelado por um galã do cinema mudo, as cenas de horror apoiam-se mais em efeitos sonoros do que visuais.

A MALDIÇÃO do SANGUE de PANTERA
(The Curse of the Cat People, 1944)
direção de Robert Wise e Gunther V. Fritsch

com Simone Simon e Kent Smith

Garota que vive num mundo de fantasia, acredita ter contato com a primeira esposa do pai, que falecera acreditando ser uma mulher-pantera. Fascinante análise da psicologia infantil, marcada por uma atmosfera gótica. Iniciado por Fritsch, que atrasou as filmagens e foi substituído por Wise (de “A Noviça Rebelde / The Sound of Music”, 1965).

A ILHA dos MORTOS
(Isle of the Dead, 1945)
direção de Mark Robson

com Boris Karloff e Ellen Drew

Um grupo em quarentena numa ilha grega, suspeita da existência de demônios no local. Trágico, tétrico, angustiante e considerado pelo famoso crítico James Agee, “um dos melhores filmes de horror de todos os tempos”.

O TÚMULO VAZIO
(The Body Snatcher, 1945)
direção de Robert Wise

com Boris Karloff, Henry Daniell, Bela Lugosi e Russell Wade

Baseado num conto de Robert Louis Stevenson (“O Médico e o Monstro”), passa-se na Escócia, onde um médico que dirige uma escola de medicina é chantageado por cocheiro, antigo parceiro no roubo de cadáveres. Com belas cenas e atuações marcantes de Karloff, Daniell e Lugosi.

ASILO SINISTRO
(Bedlam, 1946)
direção de Mark Robson

com Boris Karloff e Anna Lee

A trama bizarra fala de uma atriz preocupada com as tristes condições de um asilo de loucos dirigido por um sádico. Clima asfixiante, excelente fotografia do mestre noir Nicholas Musuraca e mais uma performance sensacional de Karloff, que acaba sendo sepultado vivo.  Com orçamento de filme classe A, fracassou na bilheteria, embora apreciado pela crítica.



junho 07, 2012

********* SALA VIP: "Os ETERNOS DESCONHECIDOS"



DOCE e AMARGO

A comédia à italiana foi o único gênero europeu (o policial francês chegou perto) com capacidade para competir comercialmente com os produtos da indústria cinematográfica made in USA.  Ela conseguiu reunir uma equipe de realizadores notáveis (De Sica, Monicelli, Scola, Risi, Nanni Loy, Comencini, Steno...), hilários e inteligentes roteiristas (Age, Scarpelli, Sonego, Maccari, Scola...) e um rico elenco de excepcionais intérpretes (Gassman, Mastroianni, Sordi, Sophia Loren, Monica Vitti, Tognazzi, Manfredi, Totó, Anna Magnani...). 

Em seus títulos mais destacados, unem a legítima expressão autoral, a condição de entretenimento e a benevolência dos críticos. Filmes de alvo eminentemente popular que se convertem em um autêntico fenômeno cultural e cinematográfico. Surgiu da evolução (ou perversão) do neo-realismo, do resgate de comédias burlescas dos anos 40 - chamadas telefones brancos -, e do próprio espírito pícaro italiano. Misturando comédia e drama - ou comedia e intriga policial -, gente comum, vivências nada heroicas e um discurso que se coloca a favor dos miseráveis, deixaram um legado de várias obras-primas. Os ETERNOS DESCONHECIDOS é uma delas.
monicelli e totò

Como tantos personagens da comédia à italiana, os picaretas do filme de Mario Monicelli (1915 - 2010) desconhecem o êxito e o amor. A pobreza, o desemprego, a sobrevivência a qualquer custo, uma certa inocência e os problemas de uma vida difícil marcam sua trajetória fracassada. O embate permanente entre o grotesco e o cômico, a caricatura e a ternura, a doçura e a amargura, confere dinamismo e empatia a uma farsa memorável, de palpitante observação social. A trama, para quem não conhece, é simplória: um bando de ladrões pé de chinelo planeja o golpe perfeito, roubando o cofre de uma loja de penhores, mas nem tudo sai como planejado. Por mais que eles se considerem espertos e pensem que estão realizando o golpe mais primoroso, desde o começo dos preparativos se manifesta a desorganização, assim como a inaptidão de cada um dos membros para levar a cabo o atrapalhado roubo. Divertidíssima, continua até hoje com um frescor impecável.

monicelli

Primeiro sucesso de público e crítica de Monicelli, diretor que se especializou no humor, realizando uma série de filmes inesquecíveis, como “Os Companheiros / I Compagni” (1963) e “Brancaleone nas Cruzadas / Brancaleone alle Crociate” (1970). Com talentosa trilha sonora jazzística e atores em estado de graça, não é fácil recordar comédia tão divertida como esta e muitas de suas situações foram copiadas ao longo do tempo, como o Woody Allen de “Trapaceiros / Small Time Crocks” (2000). Beirando o humor negro, sua parte final é simplesmente antológica. Os ETERNOS DESCONHECIDOS é sem dúvida obrigatório para qualquer cinéfilo.

Os ETERNOS DESCONHECIDOS (I Soliti Ignoti,1958). Produtor: Franco Cristaldi (Vides/Lux Film/Cineccità); Diretor: Mario Monicelli; Roteiro: Age, Scarpelli, Suso Cecchi d'Amico e Mario Monicelli; Fotografia: Gianni Di Venanzo; Edição: Adriana Novelli; Música: Piero Umiliani; Cenografia: Piero Gherardi; Elenco: Vittorio Gassman (“Peppe”), Marcello Mastroianni (“Tiberio”), Renato Salvatori (“Mario Angeletti”), Totó (“Dante Cruciani”), Carlo Pisacane (“Capannelle”), Tiberio Murgia (“Michele ‘Ferribotte’”), Claudia Cardinale (“Carmelina”), Carla Gravina (“Nicoletta)”, Memmo Carotenuto (“Cosimo”) e Rosanna Rory (Norma).

O ELENCO

VITTORIO GASSMAN 
(1922 - 2000)
como Peppe

Um dos maiores atores do século XX, com carreira brilhante tanto no cinema como no teatro, onde era conhecido como uma das lendas vivas da arte dramática. Depois de fracassada incursão por Hollywood, ganhou novo fôlego quando atuou nesta célebre comédia. Inspirado, explosivo e irresistível, faz um boxeador decadente que é o cérebro do grupo, mas possivelmente é o mais estúpido de todos. Sua confissão na delegacia por um crime que não cometeu é impagável.

MARCELLO MASTROIANNI 
(1924 - 1996)
como Tibério

Esbanjando talento e charme, atingiu o estrelato com este filme, tornando-se o maior ator do cinema italiano, status que foi confirmado ao longo das décadas de 60 e 70, quando brilhou em filmes dos principais cineastas da Itália, seja como comediante, astro romântico ou intérprete de papéis dramáticos. Seu Tibério, com a esposa na cadeia, carrega o filho bebê para as reuniões de planejamento do golpe e termina quebrando um braço.

RENATO SALVATORI 
(1933 - 1988)
como Mario Angeletti

Descoberto em uma praia onde trabalhava como salva-vidas, ele era um galã típico da periferia romana, com um físico robusto e muito mulherengo. Trabalhou com os mais importantes diretores italianos, rodando “Duas Mulheres / La Ciociara”, em 1960, com Sophia Loren; “Z / Idem”, de Costa-Gavras, em 1969; e “Cadáveres Ilustres / Cadaveri Eccellenti”, de Francesco Rosi, em 1976. Em 1960, ao lado de Alain Delon e de Annie Girardot, que viria a se tornar sua esposa, ele estrelou “Rocco e Seus Irmãos / Rocco e i suoi Fratelli”, de Luchino Visconti. Mario, o mais jovem do bando, criado num orfanato, resolve mudar de vida ao se apaixonar por Carmelina.

CARLO PISACANE 
(1891 - 1974)
como Capannelle

Comediante com mais de 80 filmes no currículo, entre eles “O Incrível Exército de Brancaleone / L’Armata Brancaleone” (Mario Monicelli, 1966), “Felizes para Sempre / C’era Uma Volta...” (Francesco Rosi, 1967) e “Irmão Sol, Irmã Lua / Fratello Sole, Sorella Luna” (Franco Zefirelli, 1972). Desdentado e esfomeado, o idoso e ágil Capannelle sonha comprar uma bela amante com o dinheiro do golpe.

CLAUDIA CARDINALE 
(nasceu em 1938)
como Carmelina

Uma das atrizes mais lindas de todos os tempos. De impressionante figura, grandes olhos e voz doce, casou-se com o famoso produtor Franco Cristaldi, que fez dela uma estrela, tornando-se um dos maiores nomes do cinema italiano, musa de Fellini e Visconti. Irmã de um dos marginais, siciliana, sua Carmelina vive praticamente trancada em casa, segundo a mais restrita tradição familiar machista. Mas rola um romance secreto juvenil (e pouco explorado) com Salvatori.

TOTÓ 
(1898 - 1967)
como Dante Cruciani

O mais popular comediante do cinema italiano nas décadas de 40 e 50. Apareceu em um filme pela primeira vez em 1937, figurando em mais de cem películas, muitos das quais com suas tiradas inusitadas incorporadas na língua italiana. Numa participação especial, imponente e magnética, faz um especialista em arrombar cofres. Sua confusa lição no terraço é primorosa.

CARLA GRAVINA 
(nasceu em 1941)
como Nicoletta

Boa atriz que nunca chegou ao estrelato, mas apareceu em cerca de quarenta filmes entre 1957 e 1998. Ganhou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Cannes por seu papel em “O Terraço / La Terrazza” (1980), de Ettore Scola. Faz uma criada bela e namoradeira, que esnoba seus amantes.

cartaz polonês de "os eternos desconhecidos"

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