julho 15, 2017

************* BRIGITTE BARDOT, a ETERNA MUSA



para ANDRÉ SETARO
(1951 - 2014) in memoriam


Ela marcou seu nome na história pela beleza estonteante. Numa época de estrelas glamourosas, surgiu de cabelos soltos, maquiagem leve e roupas despojadas, e de repente conquistou o mundo no final dos anos 1950. O símbolo sexual em questão, a francesa BRIGITTE BARDOT (Paris, França. 1934), revelada no drama erótico “E Deus Criou a Mulher”, de seu então marido, Roger Vadim. Desde que abandonou o cinema, aos 39 de idade, a formosa sereia vive reclusa, tornou-se vegetariana e é ativista dos direitos dos animais através da Fundação Brigitte Bardot. No entanto, seu posicionamento político radical sobre imigração e homossexualidade resultou em diversos processos, custando parte da popularidade conquistada no cinema, sendo hoje uma celebridade antipatizada.

Entre 1997 e 2003 ela foi processada por diversas entidades religiosas, devido a críticas aos imigrantes islamitas do seu país, e foi acusada de racismo e suposto incitamento anti-racial contra imigrantes, chegando a ser condenada a pagar 5 mil euros de multas em corte. Por comentários recebidos como insultuosos aos homossexuais, feitos no seu livro de 2003, “A Scream in the Silence”, sofreu processo. Em junho de 2008, foi condenada pela quinta vez num processo de incitação ao racismo, sendo obrigada a pagar 15 mil euros de multa.

Chamada pela mídia sensacionalista de “devoradora de homens”, pela rapidez com que terminava seus relacionamentos e pela quantidade deles, seus filmes ficavam lotados por plateias formadas, em sua maioria, por homens. Ela também agradava às mulheres, que desejavam viver como ela, um Don Juan de saias que escolhia seus amantes e os largava. No período, era chocante. As leitoras se regalavam com a leitura do folhetim da sua vida amorosa. 

A atriz casou-se quatro vezes: o primeiro aos dezoito anos com Roger Vadim, cineasta que a descobriu e a lançou ao estrelado, de 1952 a 1957; o segundo, de 1959 a 1962, com o ator Jacques Charrier, do qual teve seu único filho, Nicolas-Jacques Charrier, que negligenciou; o terceiro, entre 1966 e 1969, com o playboy multimilionário alemão Gunter Sachs; o quarto e último foi em 1992, aos 58 anos, com Bernard d'Ormale, ex-conselheiro do político de extrema-direita Jean-Marie Le Pen e que perdura até hoje. Além dos quatro maridos, viveu romances com os atores Jean-Louis Trintignant e Sami Frey, os cantores Gilbert Bécaud, Serge Gainsbourg e Sacha Distel, o escritor John Gilmore e o escultor Miroslaw Brozek.

Ao longo da vida, BRIGITTE BARDOT foi maltratada. Seus pais desejavam um filho homem. “Você é feia, burra e má”, dizia a mãe dela, resumindo, diante da criança desventurada pelo uso de um aparelho dentário e óculos de lentes grossas. Amblíope, ela não enxerga de um olho. Fez aulas de dança e música na infância. Na adolescência tentou a carreira de modelo e foi parar na revista “Elle” aos 15 anos. Estreou no cinema em 1952, em “Le Trou Normand”, de Jean Boyer, ao lado do comediante Bourvil. Depois de alguns filmes sem repercussão, em 1956 protagonizou o grande sucesso “E Deus Criou a Mulher”, que a consagrou internacionalmente. Fazendo o papel de Juliette, dona de um voraz apetite sexual, vestido molhado colado no corpo, tornou-se uma das mais perfeitas sínteses da sensualidade feminina.

o casamento com vadim 
Na moralista Hollywood dos anos 1950, onde o maior símbolo sexual, Marilyn Monroe, no máximo aparecia nas telas de maiô, seu perfil erótico desnudo a transformou numa aposta arriscada para os estúdios, e isso, além do sotaque e inglês limitado, impediram-na de fazer carreira no cinema norte-americano. De qualquer modo, ela se tornou uma das mais famosas atrizes europeias da década de 1960 e um dos maiores símbolos sexuais de todos os tempos. Fez 43 filmes, gravou muitas canções populares e chocou o mundo com seus amores e cenas de nudismo.

Em 1962, diante do juiz, compenetrada, com um ar altamente dramático, a bombshell francesa disse: “É tudo mentira!”. A cena impressionou. Ela compareceu ao tribunal para defender Samy Frey no processo que este ator movia contra a revista “Ici Paris”, que publicou uma reportagem jurando que ele andava impondo o seu amor à sua companheira de “A Verdade”. Frey, segundo a revista, obrigara a atriz, entre outras coisas, a pedir divórcio de Jacques Charrier, e a viver isolada numa casa com cães ferozes soltos a fim de impedir a entrada de repórteres e fotógrafos. A estrela negou tudo. Entretanto, teve um relacionamento amoroso complicado com Frey, como mais adiante confirmou.

Durante três décadas, de meados dos anos 1950 aos 1970, os paparazzi perseguiram a estrela infeliz – como ela mesma se definia publicamente. “Eu daria tudo por uma vida obscura, como a de uma simples dona de casa”, desabafou certa vez e, meses depois, foi encontrada com os pulsos cortados na sua casa de campo, na Riviera. Engoliu várias pílulas para dormir e cortou os pulsos com uma gilete. Ao ver sangue, desmaiou, sendo socorrida por um agricultor das vizinhanças. Além disso, ela chegou a ser cuspida e apedrejada pelo público. A estrela também teve câncer de mama e o curou.

Em 1964 veio ao Brasil com o namorado Bob Zagury, hospedando-se em Búzios, que ficou famosa após sua visita. Em sua homenagem, a prefeitura da cidade criou a Orla Bardot, na Praia da Armação, e instalou uma estátua de bronze da atriz em tamanho natural. O local é visitado por centenas de turistas. Em sua biografia, ela registrou que os períodos passados na região foram os mais lindos de sua vida. Com sua audácia, BRIGITTE BARDOT derrubou velhos tabus, assumindo-se como símbolo de uma sexualidade libertária. Ela subia a temperatura de plateias em todo o mundo. Ainda hoje, desleixada e amargurada, não eclipsou o mito erótico.


Os MELHORES FILMES de BB

01
VIDA PRIVADA
(Vie Privée, 1962)
direção de Louis Malle
com: Marcello Mastroianni

02
A VERDADE
(La Vérité, 1960)
direção de Henri-Georges Clouzot
com: Paul Meurisse, Charles Vanel, Samy Frey,
Marie-José Nat e Jacques Perrin

03
O DESPREZO
(Le Mépris, 1963)
direção de Jean-Luc Godard
com: Jack Palance e Michel Piccoli

04
As GRANDES MANOBRAS
(Les Grands Manoeuvres, 1955)
direção de René Clair
com: Michéle Morgan, Gérard Philipe e Magali Noel

05
VIVA MARIA!
(idem, 1965)
direção de Louis Malle
com: Jeanne Moreau, George Hamilton e Paulette Dubost

06
AMAR é a MINHA PROFISSÃO
(En Cas de Malheur, 1958)
direção de Claude Autant-Lara
com: Jean Gabin e Edwige Feuillère

07
EU SOU o AMOR
(À Coeur Joie, 1967)
direção de Serge Bourguignon
com: Laurent Terzieff e Jean Rochefort

08
E DEUS CRIOU a MULHER
(Et Dieu... Créa La Femme, 1956)
direção de Roger Vadim
com: Curd Jurgens e Jean-Louis Trintignant

09
A MULHER e o FANTOCHE
(La Femme et Le Pantin, 1959)
direção de Julien Duvivier
com: Antonio Vilar, Lila Kedrova e Daniel Ivernel

10
DESFOLHANDO a MARGARIDA
(En Effeuillant a la Marguerite, 1956)
direção de Marc Allégret
com: Daniel Gélin

GALERIA de FOTOS


julho 08, 2017

****** KENJI MIZOGUCHI - SERENIDADE e VIOLÊNCIA

“utamaro e suas cinco mulheres”

Há um culto a KENJI MIZOGUCHI (1898 – 1956). Jean-Luc Godard, nos seus tempos de crítico, foi o guardião do mito. Traumatizado pela falência familiar, que levou os pais a vender sua irmã a uma casa de gueixas, o cineasta japonês construiu uma carreira marcada pela indignação, perseguindo sentimentos em estado de pureza: honra, dever, lealdade, amor e justiça. Poucas vezes o cinema viu em um autor tamanho rigor formal com igual medida de extremismo moral. Nele, a noção de sacrifício decorre naturalmente da necessidade de expurgação, único meio que seus personagens encontram para superar a corrupção humana.

O autor do clássico “Contos da Lua Vaga” (1953) viveu um importante período de transição cinematográfica, passando da fase do cinema mudo ao falado, e do preto-ebranco ao colorido. Dos seus filmes da fase muda, destacam-se algumas obras-primas e já se notam  características que iriam nortear as seus dramas mais importantes: ênfase em costumes emocionais tipicamente japoneses, influência do expressionismo alemão, e interesse por mulheres reprimidas, seus sacrifícios e sabedoria.

ayako wakao e mizoguchi
Em 1897, plateias do Japão tomaram conhecimento de uma nova forma de entretenimento, através da demonstração do sistema de projeção de filmes da Vitascope, empresa norte-americana. O primeiro filme produzido no país foi o documentário de curta-metragem “Geisha no Teodori”, em 1899. Enquanto no mundo inteiro o cinema era mudo, no Japão os filmes eram parcialmente sonorizados com a presença do benshi, uma pessoa que reproduzia os diálogos do filme, interpretando as vozes dos vários personagens durante a projeção – uma espécie de dublador ao vivo. Os filmes japoneses desse período em geral retratam aventuras de samurais injustiçados, e o principal expoente dessa época foi o trabalho de KENJI MIZOGUCHI.

O terremoto de 1923, o bombardeio de Tóquio durante a Segunda Guerra Mundial, assim como os efeitos naturais do tempo e da umidade nas frágeis películas destruíram a maior parte dos filmes realizados pelo diretor no período. Na fase do sonoro surgem suas obras mais significativas. Já no período posterior à Segunda Guerra, destacam-se os filmes que tiveram a atriz Kinuyo Tanaka no papel principal, como “Oharu, a Vida de uma Cortesã” (1952), onde alcançou a excelência de sua arte. Tragédia de cunho realista, que narra a história de uma mulher dominada pelo sistema feudal, possui uma estrutura narrativa marcada por visão oriental silenciosa e sugestiva, expressada através da linguagem que marcou o diretor: o método onde a câmara se fixa longamente numa tomada, aumentado a dramaticidade através da plástica. Esse drama de época conquistou o prêmio de Melhor Direção no Festival de Veneza, no ano de 1952.

oharu - a vida 
de uma cortesã
Considerado um dos cineastas mais importantes da história do cinema, KENJI MIZOGUCHI morreu em 1956, aos 58 anos de idade, vencido pela leucemia. Dirigiu o primeiro filme em 1923, realizando mais de 80 títulos, sendo seu maior sucesso, “Contos da Lua Vaga”, brilhante e poética reconstituição do passado, num realismo que aponta os prolongamentos do sistema feudal no Japão contemporâneo. De grande beleza visual, premiado com o Leão de Prata no Festival de Veneza de 1953, tem como protagonista a formosa e excelente Machiko Kyo (de “Rashomon / Idem”, de Akira Kurosawa, 1950).

É um dos meus filmes favoritos. Ele constrói uma narrativa fantasmagórica. A história se passa no século 16, durante a guerra civil japonesa, e acompanha a viagem de pobre oleiro e seu cunhado com as respectivas mulheres rumo à capital da província onde vivem, nas redondezas do lago Biwa, para vender utensílios de cerâmica. As cenas filmadas no castelo, com a chegada da primavera, são de uma beleza sublime, reflexo do perfeccionismo do diretor. Seus filmes têm uma estética remanescente da arte japonesa, detalhista. Os longos planos, a mis en scéne rebuscada, a encenação pictórica, são frequentes. Ele raramente utilizava close ups, preferindo compor planos conjuntos.

Suas cenas podiam demorar pouco, mas sempre davam ênfase ao cenário, à luminosidade. Reza a lenda que ele repetia tomadas à exaustão, o que em muitos casos se tornaram um pesadelo, principalmente para suas atrizes. Sua preferência por planos longos significava que não havia espaço para erros: conta-se que, em alguns casos, ele chegou a rodar cem tomadas de um mesmo plano. A essa estética refinada soma-se o envolvimento do público com o tema, e à habilidade com que ele provoca simpatia pelos seus personagens, que em alguns casos são “endeusados” mas, no fundo, são apenas humanos.

kenji mizoguchi
O trabalho de KENJI MIZOGUCHI é bastante conhecido pela sua proteção feminina característica. A forma como ele filma Lady Wakasa (Machiko Kyo) em “Contos da Lua Vaga” é de uma delicadeza comovente. Ela está sempre em destaque. O diretor não era feminista, mas de certa forma revelou no cinema a posição feminina na sociedade japonesa como humilhante e oprimida, e demonstrou que as mulheres podem ser capazes de maior nobreza entre os sexos. Fez muitos filmes sobre os apuros das gueixas, mas seus protagonistas podem derivar de qualquer lugar: prostitutas, trabalhadores, ativistas de rua, donas-de-casa e princesas feudais.

Não se assemelha a nenhum outro autor do cinema japonês. Pela diversidade de obra - adaptou vários escritores ocidentais -, pela mistura de serenidade e violência, pode-se buscar, quem sabe, uma aproximação com Akira Kurosawa. O cinema de KENJI MIZOGUCHI tem força própria, é diferente, muito diferente.  Seu estilo é clássico, tomadas longas e sem close-ups, e preocupação humanista. Assistir aos seus filmes significa abrir uma janela diferente para a percepção oriental de temas universais, experimentando um determinismo dramático. Ele não consegue conter sua vocação inflexível na regeneração do homem. Tantas décadas passadas, a integridade de sua mensagem humanista ainda causa impacto, numa época em que se evidencia o esgotamento ético.

machiko kyo em contos da lua vaga

10 FILMES de MIZOGUCHI

AS IRMÃS DE GION
(Gion no Shimai, 1936)
Com: Isuzu Yamada e Yoko Umemura

CRISÂNTEMOS TARDIOS
(Zangiku Monogatari, 1939)
Com: Shotaro Hanayagi e Kakuko Mori

MULHERES DA NOITE
(Yoru no Onnatachi, 1948)
Com: Kinuyo Tanaka e Sanae Takasugi

PAIXÃO ARDENTE
(Waga Koi wa Moenu, 1949)
Com: Kinuyo Tanaka e Mitsuko Mito

OHARU – A VIDA DE UMA CORTESÃ
(Saikaku Ichidai Onna, 1952)
Com: Kinuyo Tanaka e Toshiro Mifune

CONTOS DA LUA VAGA
(Ugetsu Monogatari, 1953)
Com: Machiko Kyo e Masayuki Mori

OS AMANTES CRUCIFICADOS
(Chikamatsu Monogatari, 1954)
Com: Kazuo Hasegawa e Kyoko Kagawa

O INTENDENTE SANSHÔ
(Sansho Dayu, 1954)
Com: Kinuyo Tanaka e Yoshiaki Hanayagi

A PRINCESA YANG KWEI FEI
(Yokihi, 1955)
Com: Machiko Kyo e Masayuki Mori

RUA DA VERGONHA
(Akasen Chitai, 1956)
Com: Ayako Wakao e Machiko Kyo

kenji mizoguchi