outubro 16, 2012

************** LISTÃO: 18 TESOUROS de CINÉFILO

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Recebi e-mails de leitores deste blog pedindo sugestões de filmes clássicos para assistir. Sei que indicar filmes implica nem sempre acertar o alvo: um longa pode provocar-me impressões inesquecíveis e noutro cinéfilo passar em branco. Ainda assim, desejando a conexão que muitas vezes acontece entre cinéfilos, garimpei durante o feriado minha coleção de filmes clássicos, escolhendo dezoito preciosidades não tão conhecidas. Sugiro que assista cada um deles. Se já viu um ou outro, deixe o seu comentário. Se não, opine também.

Todos eles são facilmente localizados na internet para dowload, com legenda em português. Não estou fazendo apologia da pirataria – inclusive, alguns dos filmes têm mais de 70 anos -, mas uma defesa da circulação de informação, furando a barreira quase impenetrável da divulgação maciça de produtos cinematográficos sem qualidade e relevância. Vamos lá! Eles valem a pena ser assistidos. Recomendo.

1919, Suécia
O TESOURO do SIR ARNE
(Herr Arnes Pengar)

direção de Mauritz Stiller
Com: Mary Johnson, Erik Stocklassa e Hjalmar Selander

Considerado uma raridade, se passa na Suécia do século 16, com aventureiros, ambição, vingança e amor maldito. Três mercenários escoceses matam um fazendeiro e toda sua família para roubar um caixão coberto de ouro. Uma garota sobrevive ao massacre, mudando-se de cidade. Mais adiante, ela se apaixona por um dos assassinos dos seus familiares. Terá, então, que decidir entre seu amor por ele ou o desejo de justiça. Destaque para a bela cena final, que mostra o cortejo fúnebre sobre a neve, com o povo todo seguindo o caixão, recriada por Eisenstein no final da primeira parte do “Ivan, o Terrível – Parte I / Ivan Groznyv” (1944). Baseado em um conto de Selma Lagerlöff, tem na direção o notável Mauritz Stiller (que levou Greta Garbo para Hollywood e morreu jovem). Fique de olho na maravilhosa Mary Johnson, a “Lillian Gish sueca”.

1922, EUA
ROBIN HOOD
(Idem)

direção de Allan Dwan
Com: Douglas Fairbanks, Wallace Beery, Enid Bennett
e Alan Hale

Um das produções mais caras dos anos 1920, com orçamento estimado em cerca de um milhão de dólares, ficou desaparecido por décadas, sendo dada como perdido, mas acabou redescoberto na década de 1960. Ótimo para conhecer um dos mais carismáticos astros do cinema  mudo: Douglas Fairbanks Jr. Há uma grande tentação em comparar o Robin Hood de Fairbanks com o de Errol Flynn. Embora os personagens sejam os mesmos, os filmes são totalmente diferentes em enredo, direcionamento e estilo. Flynn é um herói sedutor, mas ele é todo homem. Doug é viril, também, mas lembra personagens de contos de fada, tem algo de menino, de adolescente sapeca travestido de adulto. Luxuoso, com impressionantes cenários e vistosos figurinos, ainda emociona, ainda encanta. Wallace Beery, como o rei Ricardo Coração de Leão, muitas vezes rouba a cena.

1925, Alemanha
VARIETÉ – a TRAGÉDIA de um ARTISTA
(Varieté)

direção de Ewald André Dupont
Com: Emil Jannings, Maly Delschaft e Lya De Putti

Um trapezista casado (o grande Emil Jemmings, o primeiro ator a levar o Oscar), que trabalha em um circo de um parque de diversões, apaixona-se por uma garota abandonada, foge com ela e reconstrói sua vida noutro circo, mas quando descobre que ela o trai, decide matá-la. Com movimentos de câmera ousados e meticulosos, planos inovadores e ângulos expressivos, trata-se de uma obra-prima. Na direção de fotografia, o mestre expressionista Karl Freund.

1927, EUA
PAIXÃO e CRIME
(Underworld)

direção de Josef von Sternberg
Com: George Bancroft, Evelyn Brent e Clive Brook

Dotado de extraordinário senso plástico e de um estilo que subordina o tema e a caracterização dos personagens às experiências com a sombra, a luz e a composição, o alemão Sternberg criou um cinema de ilusão e sensualidade, no qual a poesia e a pintura se unem para expressar a beleza. O filme conta a história de um gângster sentimental que se sacrifica pela amizade a um advogado e pelo amor da namorada, ambos apaixonados, mas reprimindo seus sentimentos por lealdade. Sente-se a total criação de Sternberg, cuja mise-en-scène caracteriza-se pela economia de meios, originalidade e disciplina. O êxito deste filme fez com que os executivos da Paramount mantivessem Sternberg ocupado por muitos anos (quase sempre à disposição da musa e amada Marlene Dietrich).

1928, EUA
VENTO e AREIA
(The Wind)

direção de Victor Sjostrom
Com: Lillian Gish, Lars Hanson e Montagu Love

Evoca o cinema de terror, o melodrama e o western. Realizado pelo sueco Victor Sjöström, foi Lillian Gish quem primeiro se apaixonou pelo romance de Dorothy Scarborough, desejando interpretar a comportada sulista que vai ao Texas para se casar, mas é violentada no trem por um desconhecido, acabando por matá-lo e por enlouquecer, em meio à tempestade de areia provocada pelo vento.  As filmagens foram das mais penosas. O calor do deserto era tanto que a película derretia dentro da câmera. A areia era lançada sobre Lillian por oito hélices de avião, junto com produtos sulfurosos que lhe queimavam a pele e quase a deixaram cega. Nesta fita muda, a constância do vento é tão marcante, os detalhes que revelam sua presença tão concretos que dá a impressão de ter assistido a um filme sonoro. Com atuação primorosa, Lillian Gish mostra porque é considerada uma das maiores atrizes da história do cinema.

1932, EUA
ZAROFF, o CAÇADOR de VIDAS
(The Most Dangerous Game)

direção de Ernest B. Schoedsack e Irving Pichel
Com: Joel McCrea, Fay Wray, Leslie Banks
e Robert Armstrong

Um nobre russo insano, que costuma caçar humanos em sua remota ilha, “abastece-se” de vítimas provocando naufrágios, ao alterar as sinalizações que avisam onde estão os perigosos recifes de corais. O sobrevivente de um destes naufrágios (o formoso Joel McCrea) é um famoso caçador que, quando descobre como o vilão se “diverte”, revolta-se. O conde lhe propõe que os dois cacem os passageiros do próximo navio, mas diante da recusa ele decide simultaneamente caçar o mocinho e uma hóspede. Produzido nos estúdios da RKO Radio Pictures durante uma pausa nas filmagens de “King Kong / Idem” (1933), utiliza o diretor Ernest B. Schoedsack, o compositor Max Steiner e os atores Fay Wray e Robert Armstrong. Emocionante, lembra seriados de aventuras.

1936, EUA
AMOR e ÓDIO na FLORESTA
(The Trail of the Lonesome Pine)

direção de Henry Hathaway
Com: Sylvia Sidney, Fred MacMurray e Henry Fonda

O primeiro filme a ser rodado em paisagens naturais pelo processo de Technicolor em três cores. Baseado no romance homônimo de John Fox Jr., que já havia sido filmado em 1916 por Cecil B. DeMille, deu o estrelato a Henry Fonda, além de consolidar a carreira de Henry Hathaway. Fala de um engenheiro que vai para as montanhas do Kentucky, com o objetivo de levar os benefícios do transporte ferroviário para aquelas paragens, envolvendo-se com duas famílias que estão em guerra há tanto tempo que ninguém sabe mais por quais motivos. A presença de Sylvia Sidney como June Tolliver é fascinante. Um filme terno e mágico.

1941, EUA
O ÚLTIMO REFÚGIO
(High Sierra)

direção de Raoul Walsh
Com: Humphrey Bogart, Ida Lupino, Arthur Kennedy
 e Joan Leslie

Uma das primeiras parcerias de Bogart com o amigo John Huston (que aparece como roteirista). Ele ganhou seu primeiro papel principal somente porque Paul Muni e George Raft não encararam o bandido. Conta com locações na região californiana de Sierra Nevada, com imagens do Monte Whitney, o pico continental de maior altitude dos EUA. Na trama, após cumprir pena de oito anos por assalto a banco, bandido participa de um roubo num hotel, sendo perseguido pela polícia e acossado numa montanha. Refilmado como “Golpe de Misericórdia / Colorado Territory” (1949) e “Morrendo a Cada Instante / I Died a Thousand Times” (1955). No elenco, a excelente Ida Lupino.

1943, EUA
ESTA TERRA é MINHA
(This Land is Mine)

direção de Jean Renoir
Com Charles Laughton, Maureen O’hara, George Sanders
 e Una O’Connor

Em meio à ocupação nazista na França, um tímido e inseguro professor (Laughton, em soberba atuação) muda seu comportamento pouco a pouco ao se ver envolvido em ações da Resistência Francesa e ser acusado injustamente por um assassinato. Clássico do francês Jean Renoir, filmado nos Estados Unidos, tem momentos tocantes, como o discurso final de Laughton falando de liberdade, opressão, covardia e coragem. Imbatíveis em cena, Laughton e a coadjuvante de luxo Una O’Connor voltariam a trabalhar juntos em “Testemunha de Acusação / Witness for the Prosecution” (1957), de Billy Wilder.

1945, Inglaterra
DESENCANTO
(Brief Encounter)

direção de David Lean
Com: Celia Johnson e Trevor Howard

Lean, o diretor de grandes épicos, filmou com dificuldades, em pleno auge da Segunda Guerra Mundial, na Inglaterra, este drama delicado, levando sua primeira indicação ao Oscar. Questionando a infidelidade e valorizando o amor proibido, sofreu certa rejeição por parte dos críticos que o condenaram por abordar assuntos que iam contra os valores morais da época. Repleto de cenas maravilhosas, não é exagero considerá-lo um dos melhores filmes românticos do cinema. Suave, sem exageros, sincero e melancólico, foge do convencional típico de Hollywood e conta com atuações esplêndidas de Celia Johnson e Trevor Howard. Formidável.

1949, EUA
SANGUE do MEU SANGUE
(Strangers in the House)

direção de Joseph L. Mankiewicz
Com: Edward G. Robinson, Susan Hayward, Richard Conte
e Debra Paget

Rude imigrante italiano sobe na vida ao praticar uma série de atividades ilegais num banco fundado por ele. Quando é preso, três dos seus filhos se voltam contra ele, enquanto que apenas um deles decide defendê-lo. Refilmado como faroeste – “A Lança Partida / Broken Lance” (1954) –, sombrio e agressivo, tenso e belo, reafirma o talento do diretor-roteirista Mankiewicz (de “A Malvada / All About Eve”, 1950). As atuações de Edward G. Robinson e Richard Conte, dois atores fabulosos, são milagrosas. Susan, belíssima, já deixa evidente que seria uma das maiores estrelas dos anos 50.

1955, EUA
CONSPIRAÇÃO do SILÊNCIO
(Bad Day at Black Rock)

direção de John Sturges
Com: Spencer Tracy, Robert Ryan, Anne Francis,
Dean Jagger, Walter Brennan, Ernest Borgnine
e Lee Marvin

Considerado por muitos críticos como a obra-prima de Sturges, não obedece aos códigos de nenhum gênero, misturando western, thriller, policial e filme de guerra. Tracy (num fabuloso trabalho que lhe valeria mais uma nomeação para o Oscar) chega a pequena cidade em busca de um certo Komako, mas todos os habitantes parecem se unir para tentar impedi-lo de encontrá-lo. A maioria silenciosa e o linchamento de Komako tem a ver com o linchamento moral a que o macarthismo vinha submetendo artistas e intelectuais suspeitos de atividades antinorte-americanas. Robert Ryan se destaca com mais um personagem asqueroso em sua filmografia. Admirável, o filme dura apenas oitenta minutos, mas consegue impor personagens e situações, mantendo um clima de suspense magnificamente conduzido, partindo de um roteiro muito bem desenvolvido e sustentado.

1958, Itália
A LONGA NOITE de LOUCURAS
(La Notte Brava)

direção de Mauro Bolognini
Com: Rossanna Schiaffino, Elsa Martinelli, Laurent Terzieff,
Jean-Claude Brialy e Antonella Lualdi

Primeiro dos três filmes de Bolognini com roteiro de Pier Paolo Pasolini. Com um elenco atraente de novos talentos da Itália e da França, fala de gigolôs e prostitutas. Elas rodam bolsinha nos becos romanos, eles as exploram. Realista e comovente, prova o talento subestimado do diretor, que ficaria conhecido por exemplares reconstituições históricas e adaptações de grandes romancistas (Alberto Moravia, Italo Svevo, Vasco Pratolini etc.) e seria rotulado injustamente de mero imitador de Visconti.

1967, Canadá
APENAS uma MULHER
(The Fox)

direção de Mark Rydell
Com: Sandy Dennis, Anne Heywood e Keir Dullea

Numa fazenda no interior do Canadá, duas garotas solitárias e apaixonadas têm seu relacionamento ameaçado com a chegada inesperada de um atraente estranho. É um dos primeiros filmes a tratar explicitamente o tema do lesbianismo. Considerado um clássico, inspirado na obra do inglês D. H. Lawrence, causou um profundo frisson à época de seu lançamento no Brasil, no final dos anos 60, em pleno vigor do AI 5. Anne Heywood e Sandy Dennis estão magistrais.

1968, França
As CORÇAS
(Les Biches)

direção de Claude Chabrol
Com: Stéphane Audran, Jacqueline Sassard  e Jean-Louis Trintignant

Nunca lançado comercialmente no Brasil, “Les Biches” (que, em francês, pode ser tanto os animais como sinônimo de namoradeira) fala da história de amor e morte entre duas mulheres. Why (Jacqueline Sassard, impecável) é uma artista que desenha as corças do título na calçada. Frédérique (Stéphane Audran, musa e mulher do diretor na época, que com esse papel venceu o Leão de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim), uma ricaça entediada, aproxima-se e deixa para ela, ao lado das moedas, uma nota de 500 francos. Tornam-se amantes. Com personagens inesquecíveis e impactantes, extraordinariamente bem interpretados, dando vazão a suas pulsões soturnas e indizíveis, o filme é incisivo e seco. Ambiguidade, crítica fulminante à burguesia decadente com seus valores questionáveis, tensão sexual permanente, frivolidade e cinismo.

1971, EUA
A ÚLTIMA SESSÃO de CINEMA
(The Last Picture Show)

direção de Peter Bogdanovich
Com: Timothy Bottoms, Jeff Bridges, Cybill Shepherd,
Ben Johnson, Cloris Leachman e Ellen Burstyn

Dois adolescentes passam seus dias bebendo e namorando em uma cidadezinha do Texas no início da década de 1950, época da guerra da Coréia. Eles têm como diversão apenas uma sessão semanal de cinema na única sala de exibição da cidade, além da iniciação sexual. Só que os dois se apaixonam pela mesma moça e aí a amizade entre eles se abala. Indicado para oito Oscars, venceu nas categorias coadjuvantes (os veteranos Ben Johnson e Cloris Leachman). Filmado em preto-e-branco, transmite uma sensação de desolação e melancolia. O romantismo de outros filmes feitos ou ambientados nos anos 50 não tem lugar aqui. Além das infidelidades, apresenta ainda momentos reveladores dos segredos escondidos naquela sociedade aparentemente perfeita. Há pedofilia, orgias particulares e até insinuações de homossexualismo. Tudo isso é apresentado de forma honesta. Bogdanovich, após uma vida tumultuada, sofreu reveses na carreira e hoje em dia é mais lembrado como historiador e comentarista de cinema. No elenco, Ellen Burstyn, que se tornaria uma das grandes atrizes dos anos 70.

1976, Brasil
GUERRA CONJUGAL

direção de Joaquim Pedro de Andrade
Com: Lima Duarte, Jofre Soares, Carmem Silva,
 Ítala Nandi e Carlos Kroeber

Joaquim Pedro de Andrade foi um marco na cinematografia brasileira. É dele o célebre “Macunaíma” (1969), filme que ainda é reproduzido com frequência e debatido por todo o país. Mas toda a obra do diretor é fortemente expressiva. Em tempos de um cinema brasileiro diferente – data da notável década cinematográfica de 1970 – revela a sórdida vivência de homens e mulheres desprezíveis, imundos, mas nem por isso menos humanos. Baseado em um grupo de contos de Dalton Trevisan, traz o amor descontente e sádico de uma sociedade violenta que ri de sua própria desgraça. Traz homens e mulheres embalados pelo sexo agressivo, pelo machismo e pela solidão. A “civilização terno e gravata” é o cerne de todo o filme para mostrar o comportamento mesquinho e insensato dos pertencentes às camadas urbanas. Frases bem encaixadas durante os poucos 90 minutos de filme, deixam marcas do sarcasmo intenso de Trevisan. Um filme sobre as psicopatologias amorosas da urbe. Completo em sua acidez e azedo até mesmo nos cenários ridiculamente ligados ao interior dos personagens.

1986, EUA
A MANHÃ SEGUINTE
(The Morning After)

direção de Sidney Lumet
Com: Jane Fonda, Jeff Bridges  e Raul Julia

Uma atriz decadente e alcoólatra, numa de suas habituais bebedeiras, acaba passando a noite com um famoso fotógrafo. Ao acordar na manhã seguinte, encontra o homem assassinado na sua cama. Incapaz de lembrar onde está e o que aconteceu, ela pede ajuda a seu cabeleireiro e ex-marido para se desfazer do corpo. A seguir,  conhece um ex-policial que acaba por ajudá-la a desvendar o mistério. Aos 49 anos, Jane Fonda vivia uma carreira brilhante, das mais brilhantes do cinema norte-americano, indicada nada menos que sete vezes ao Oscar, e vencido duas vezes. Por sua sensacional interpretação neste filme recebeu sua oitava indicação ao prêmio da Academia. Ela se inspirou, para compor o personagem de Alex, em Gail Russell (1924 - 1961), a belíssima atriz que, extremamente tímida, tornou-se alcoólatra e foi encontrada morta em seu apartamento, em meio a muitas garrafas vazias, quando tinha apenas 36 anos. Renegado pela crítica, esse thriller tem alguns furos na trama. De qualquer forma, vale a pena vê-lo por causa do talento de Lumet, dos personagens e das interpretações de Fonda e Bridges.

outubro 10, 2012

*********** OLIVIA e JOAN - IRMÃS & INIMIGAS



Raras irmãs alcançaram o estrelato no cinema. Lembro-me de Lillian e Dorothy Gish (anos 10 e 20); Norma e Constance Talmadge (anos 20); Constance e Joan Bennett (anos 30 e 40); Eva e Zsa Zsa Gabor (anos 50); Catherine Deneuve e Françoise Dorléac (anos 60); Vanessa e Lynn Redgrave (dos anos 60 em diante). Mais recentemente, Natasha e Joely Richardson; Patricia e Rosana Arquette; Jennifer e Meg Tilly. No entanto, as mais famosas irmãs estrelas de cinema de todos os tempos são OLIVIA DE HAVILLAND (n. em 1916) e JOAN FONTAINE (n. em 1917). Irmãs e inimigas mortais. Para entender essa rivalidade, li o bem documentado “Sisters: The Story of Olivia de Havilland e Joan Fontaine” (1984), de Charles Higham. 

Nunca apreciei profundamente nenhuma delas, embora saiba que são excelentes atrizes. De Havilland, em contraste com sua imagem pública comportada e boazinha, sempre teve um temperamento inflexível e brigão. Fontaine, insossa e sofisticada, em cena parece estar repetindo o mesmo personagem de inúmeros outros filmes que fez: a vítima apaixonada, frágil e desorientada.


Elas sempre tiveram uma relação difícil, começando na infância, quando Olivia teria rasgado uma roupa de Joan, forçando-a a costurá-la novamente. A rivalidade e o ressentimento resultam também da percepção de Joan em relação ao fato de Olivia ser a filha favorita da mãe delas, a atriz Lillian Augusta Ruse. JOAN FONTAINE, certa vez, declarou: “Lamento, mas não me lembro de um ato de bondade de minha irmã durante toda a minha infância. Em 1933, quando ela tinha 17 anos, jogou-me na laje da piscina e pulou em cima de mim, fraturando a minha clavícula”. Segundo o biógrafo Higham, OLIVIA DE HAVILLAND nunca conseguiu dividir a atenção maternal com a irmã mais nova, além disso ela se via como a mais bonita e a mais talentosa, chegando a fazer um testamento, em uma de suas brincadeiras de criança, deixando toda a sua beleza para a sua irmã, “que nada possui”. Nos estudos, no entanto, era Joan quem se destacava.


Ambas vencedoras do Oscar, com estrelas na Calçada da Fama de Hollywood e aclamadas por seus papéis em filmes maravilhosos dos anos 30, 40 e 50, OLIVIA DE HAVILLAND foi a primeira a se tornar atriz, estreando na comédia “Esfarrapando Desculpas / Alibi Ike” (1935). Enquanto sua carreira decolava, através de clássicos de aventuras ao lado de Errol Flynn (com quem fez oito filmes), como “Capitão Blood / Captain Blood” (1935), “A Carga da Brigada Ligeira / The Charge of the Light Brigade” (1936) e “As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood (1938), Joan desenvolvia um “complexo de Cinderela” e se via como coitadinha. Para piorar as coisas, sua mãe exigiu que mudasse seu sobrenome para Fontaine, evitando uma possível associação com Olivia, e proibiu-a de aceitar um interessante contrato com a Warner Bros., “porque é o estúdio de sua irmã”

A sorte de JOAN FONTAINE mudou numa festa na casa de Charlie Chaplin, onde jantava sentada casualmente ao lado do produtor David O. Selznick, que terminou convidando-a para fazer um teste para “Rebecca, a Mulher Inesquecível”. Disputando o papel com Vivien Leigh e Anne Baxter, entre outras, ela se saiu vitoriosa, mudando os rumos de uma carreira até o momento marcada por filmes B ou papéis pequenos em clássicos como Rua de Gualidade/ Quality Street(1937), de George Stevens; As Mulheres / The Women (1939), de George Cukor; e Gunda Dim / Idem (1939), também de Stevens. 


Em 1942, elas foram nomeadas para o Oscar de Melhor Atriz. Joan indicada pela atuação em “Suspeita”, de Alfred Hitchcock, e Olivia por “A Porta de Ouro / Hold Back the Dawn”, do elegante Mitchell Leisen. Joan acabou levando a estatueta. O biógrafo Charles Higham descreveu os eventos da cerimônia de premiação, afirmando que Joan avançou empolgada para receber seu prêmio, rejeitando as tentativas da irmã cumprimentá-la. Olivia acabou se ofendendo com essa atitude. Depois, Joan declararia: “Quando foi anunciado o meu nome como vitoriosa, percebi que Olivia teve vontade de dar um salto e me agarrar pelos cabelos”. Anos mais tarde, em 1947, seria a vez de Olivia ganhar o Oscar, pela atuação no melodrama “Só Resta uma lágrima”. O prêmio era para ser dado por Joan Crawford, mas a Academia, talvez acreditando que não poderia haver melhor cenário para a reconciliação das irmãs, substituiu-a em cima da hora por Joan. Esta, chamou a irmã para subir ao pódio. Mas quem esperou um sorriso afetuoso ou um abraço fraternal de reconciliação, enganou-se, Olivia se recusou a apertar a mão da irmã, numa comentada saia-justa. Segundo o biógrafo, na ocasião Joan fez um comentário leviano sobre o então marido de Olivia, ofendendo-a. Ela não quis receber os cumprimentos de sua irmã por este motivo.


Elas muitas vezes disputaram os mesmos homens e papéis. JOAN FONTAINE foi a primeira a se casar – com o popular astro do cinema britânico Brian Aherne -, gerando novo atrito entre elas. Na festa de casamento, o namorado de OLIVIA DE HAVILLAND – o bilionário Howard Hughes - dançou com a noiva e tentou seduzi-la, procurando convencê-la a desistir do casamento e se casar com ele. Olivia se chocou, culpando a irmã pela situação humilhante. No caso de “... E o Vento Levou”, Joan foi considerada muito chique para o personagem e Olivia ganhou o papel da doce e simplória Melanie Hamilton, mas na disputa pelo cobiçado papel da versão de Alfred Hitchcock para o romance de Daphne du Maurier, “Rebecca”, Joan se saiu vitoriosa.


A relação entre as irmãs continuou a deteriorar-se após os incidentes na cerimônia do Oscar. Em 1975, aconteceria algo que faria com que elas deixassem de se falar definitivamente: segundo Joan, Olivia não a convidou para um ritual religioso em homenagem a mãe delas recentemente falecida. Mais tarde, Olivia afirmou que tentou comunicar Joan, mas ela se encontrava muito ocupada para atendê-la. Charles Higham também diz que Joan tem uma convivência distante com suas próprias filhas, talvez porque tenha descoberto que elas sempre mantiveram uma amizade secreta com a tia Olivia. Ainda hoje as irmãs se recusam a falar publicamente sobre sua delicada situação, apesar de JOAN FONTAINE ter comentado em entrevista que muitos boatos a respeito delas surgiram dos “cães de publicidade” do estúdio.


Ocasionalmente, uma rara trégua acontece entre elas. Em 1961, passaram o Natal juntas no apartamento de Joan, em Nova York, mas a noite terminou em briga. Oito anos depois, Joan recebeu um pedido de ajuda de OLIVIA DE HAVILLAND, então adoentada e em dificuldades financeiras. “Deixei um gordo cheque”, lembra Joan. Mas os ressentimentos e a mesquinha antipatia continuaram. Quando a mãe morreu de câncer, deixou sua herança para os filhos de Olivia e nada para as filhas (uma delas, adotiva) de Joan. Vingativa, Joan lançou em 1978 a autobiografia “No Bed of Roses” (Nenhum Mar de Rosas), que segundo um dos seus ex-maridos – William Dozier – não contém nenhuma verdade, fazendo um retrato cruel da irmã, inclusive descrevendo-a como venenosa. 

No 50 º aniversário do Oscar, em 1979, Olivia e Joan tiveram que ser colocadas em extremidades opostas no palco, evitando um bate-boca público. Nos bastidores, nem se cumprimentaram. Dez anos mais tarde, na mesma cerimônia, haviam reservado para elas quartos vizinhos em um hotel, mas Joan exigiu mudança imediata. Quando o presidente Nicolas Sarkozy conferiu o prêmio de maior prestígio da França, a “Légion d'Honneur”, para Olivia, Joan ignorou a ocasião, como ignorou todos os aspectos da existência de sua irmã ao longo de décadas.


Curiosamente, JOAN FONTAINE e OLIVIA DE HAVILLAND são umas das poucas atrizes da era de ouro de Hollywood que ainda estão vivas. Já perto dos 100 anos de idade, ricas, lúcidas  e bem de saúde, podemos dizer que passaram a vida toda como ferrenhas inimigas. Elas não trocam uma palavra há décadas e parece pouco provável que voltem a se encontrar ou falar novamente. Tornou-se a mais amarga e longa rivalidade de Hollywood, uma fonte de sofrimento para seus familiares e de constrangimento para os seus amigos e colegas. Joan, quatro vezes casada e divorciada, mora com seus cinco cachorros numa mansão na Califórnia. Olivia, duas vezes divorciada, vive em Paris.

Numa entrevista recente, perguntaram a Joan se elas ainda se reconciliariam, e ela respondeu honestamente: “Melhor não”, continuando: “Minha irmã Olivia é uma mulher muito peculiar. Quando éramos jovens, eu não tinha permissão para conversar com seus amigos. Agora, eu não estou autorizada a falar com seus filhos e eles são proibidos de me ver. Essa é a natureza dessa mulher. Já me acostumei e atualmente já não me incomoda sua forma difícil de ser”.


MELHORES ATUAÇÕES de OLIVIA
(por ordem de preferência)

01
Na COVA das SERPENTES
(The Snake Pit, 1949)
direção de Anatole Litvak
Com: Mark Stevens, Leo Genn e Celeste Holm

Melhor Atriz do National Board o Review
Melhor Atriz da Associação dos Críticos de Cinema de Nova York
Taça Volpi de Melhor Atriz no Festival de Veneza

02
TARDE DEMAIS
(The Heiress, 1949)
direção de William Wyler
Com: Montgomery Clift, Ralph Richardson e Miriam Hopkins

Oscar de Melhor Atriz
Globo de Ouro de Melhor Atriz-Drama
Melhor Atriz da Associação dos Críticos de Cinema de Nova York

03
...E o VENTO LEVOU
(Gone With the Wind, 1939)
direção de Victor Fleming
Com: Clark Gable, Vivien Leigh, Leslie Howard,
Thomas Mitchell e Hattie McDaniel

04
SÓ RESTA uma LÁGRIMA
(To Each His Own, 1946)
direção de Mitchell Leisen
Com: John Lund

Oscar de Melhor Atriz

05
ESPELHOS D’ALMA
(The Dark Mirror, 1946)
direção de Robert Siodmak
Com: Lew Ayres e Thomas Mitchell


MELHORES ATUAÇÕES de JOAN
(por ordem de preferência)

01
REBECCA, a MULHER INESQUECÍVEL
(Rebecca, 1940)
direção de Alfred Hitchcock
Com: Laurence Olivier, George Sanders e Judith Anderson

02
CARTA de uma DESCONHECIDA
(Letter from an Unknown Woman, 1948)
direção de Max Ophuls
Com: Louis Jourdan

03
SUSPEITA
(Suspicion, 1941)
direção de Alfred Hitchcock
Com: Cary Grant e Sir Cedric Hardwicke

Oscar de Melhor Atriz
Melhor Atriz da Associação dos Críticos de Cinema de Nova York

04
ALMA sem PUDOR
(Born to be Bad, 1950)
direção de Nicholas Ray
Com: Robert Ryan, Zachary Scott, Joan Leslie
e Mel Ferrer

05
Na VORAGEM do VÍCIO
(Something to Live For, 1952)
direção de George Stevens
Com: Ray Milland e Teresa Wright