agosto 28, 2023

************** JOSEPH LOSEY: PAIXÃO e LUCIDEZ

 

“Os filmes ilustram a existência. Eles podem angustiar, perturbar e fazer com que as pessoas pensem sobre si mesmas e sobre problemas. Mas não dão respostas.”
JOSEPH LOSEY
 
Ao contrário do que muitos pensam, JOSEPH LOSEY (1909 – 1984. Wisconsinb / EUA) não nasceu no Reino Unido. Depois de estudar teatro com Bertold Brecht na Alemanha e de elogiada trajetória teatral no seu país de origem, dirigiu para a RKO Radio Pictures “O Menino dos Cabelos Verdes / The Boy with Green Hair” (1948), fábula humanista acerca do racismo em uma pequena cidade, estrelada por Dean Stockwell e Robert Ryan. Empolgado com o cinema, fez mais cinco filmes em Hollywood, entre eles o ótimo “M / idem” (1951), refilmagem do clássico de Fritz Lang.
 
joseph losey e dirk bogarde
Taxado de comunista, tentou continuar filmando nos EUA, assinando suas fitas sob pseudônimo o Victor Hanbury, mas o truque não deu certo por muito tempo e ele teve que amargar exílio forçado na Europa. Continuou sua trajetória cinematográfica primeiro na Itália, depois na Inglaterra, onde recebeu um importante empurrão de Dirk Bogarde, astro em ascensão, realizando “O Monstro de Londres / The Sleeping Tiger”, em 1954. Anos depois, elogiado pela crítica francesa, solidificou sua carreira, elaborando dramas intimistas, perversos e elegantes.
 
Sua carreira teve como ponto alto a parceria com o dramaturgo Harold Pinter, roteirista de três de seus filmes: “O Criado”, “Estranho Acidente” e “O Mensageiro”, mergulhando fundo na decadência burguesa. Ilustrador de fraquezas humanas, apaixonado pelas imagens, mesmo em seus filmes menores há cenas mágicas. JOSEPH LOSEY realizou 32 filmes em quase 40 anos de atividade. O último deles, “A Sauna / Steaming” (1985), tem no elenco as inglesas Vanessa Redgrave, Sarah Miles e Diana Dors.
 
Um dos maiores diretores de cinema. Com talento nato para encenar lucidamente as crueldades do ser humano, capaz de captar com seu olhar único e absoluta perspicácia, o lado mau de uma pessoa. Os traços mais marcantes no seu estilo são o barroquismo e a câmera que acompanha insistentemente os personagens. Homenageando esse diretor que admiro, posto abaixo depoimentos de atores que trabalharam com ele e cinco filmes seus que curto muito.


ALEXIS SMITH 
(1921 - 1993. Penticton / Canadá)
(“O Monstro de Londres”, 1954)

“O que impressiona de imediato em Joseph Losey é uma força e uma energia muito incomuns e, ao mesmo tempo, um grande poder de concentração. Como Raoul Walsh, ele é gerador de uma energia enorme no set e é essa energia que verdadeiramente faz o filme. Com Losey, acrescenta-se uma imaginação, uma descoberta da interioridade orgânica vivida do personagem, uma aproximação fisiológica – e logo o personagem adquire uma dimensão muito maior do que aquela que você imaginava pra ele no roteiro, uma intensidade e uma sensibilidade que possuem uma verdadeira realidade. 
 
Essa vida, ele concede a partir de reflexos pessoais cuja imaginação vem de muito longe nele; sua abordagem das coisas é ingênua, ao mesmo tempo em que seu trabalho é muito profissional. O que é impressionante em Losey é a possibilidade que o ator tem de interpretar num alto ponto emocional, sem nunca ter que baixar a intensidade. Como dizia, eu também gostei muito de trabalhar com Walsh e com Blake Edwards, que possuem uma grande imaginação, um espírito muito vivo, e um senso de humor formidável. Assim é Losey. Ele é maravilhosamente espontâneo.”.
 
HARDY KRUGER 
(1928 – 2022. Berlim / Alemanha)
(“Entrevista com a Morte / Blind Date”, 1959)

“Conhecia Joseph Losey apenas de nome quando me foi proposto fazer sob sua direção ‘S.O.S. Pacific’ e, apesar de meu interesse por ele, recusei o papel, porque o roteiro era ruim demais. Ele veio me ver e, logo em seguida, ganhei por ele uma grande simpatia. Conversamos sobre o assunto, e me dei conta que ele vislumbrava o roteiro da única forma possível. Tornamos-nos amigos, e íamos rodar quando o produtor decidiu voltar à primeira versão do roteiro. Transferimos o nosso contrato para um outro projeto: ‘Entrevista com a Morte’. Durante a preparação desse filme não reparei diferença de natureza entre Joe e outros diretores que havia trabalhado antes – ele era apenas mais aberto, mais humano. Por outro lado, tive uma espécie de revelação diante de seu trabalho no set. A primeira coisa que me espantou foi a forma com a qual, com ele, um personagem pode se desenvolver no cenário, reagir em relação a uma situação, um conjunto, o tempo, a luz. 
 
Joe também não esquece que os atores têm um corpo e que eles se expressam, antes de mais nada, pelos seus corpos. Ele lhe explica o que ele deseja, o que você tem a fazer, seu percurso, o eventual movimento de câmera, as razões de tudo e, se fiando no trabalho anterior fornecido sobre os personagens no roteiro, lhe deixa muito livre, de forma que o percurso nasça do movimento de seu corpo – você esquece até a câmera. Joe experimenta também uma grande necessidade de contato com as pessoas, uma necessidade também de ser compreendido. Durante uma filmagem fica muito próximo de seus principais colaboradores, ele se interessa por sua vida pessoal. Ele é muito concentrado e repara nas pessoas coisas que ninguém mais repararia”.
 
VIRNA LISI 
(1936 – 2014. Ancona / Itália)
(“Eva”, 1962)

“'Eva’ me agrada muito. É muito moderno. Meu personagem é um personagem não-cerebral, simples, e eu sempre estive à vontade no meu trabalho com Joseph Losey. É um diretor que tem uma comunicação muito grande, e, logo em seguida, uma corrente de compreensão e de amizade, de afinidades, se estabelece entre ele e você. Quando, no curso do trabalho, ele diz uma coisa, essa coisa – e também a força e a inteligência com as quais Losey a apresenta – é tal, que o ator a executa como por osmose. Se você não sente exatamente o que ele lhe pede, ele leva em conta suas sugestões. Ele espera dos atores reações menos mecânicas. Concede igualmente muito cuidado a tudo que diz respeito ao ambiente: o calor, a qualidade do ar, os perfumes. E, assim, seu trabalho se torna mais verdadeiro, mais real. 
 
Antes do início da filmagem de ‘Eva’, Losey fez uma leitura geral para todos os atores; depois, durante a filmagem, a cada manhã, ele reunia os atores e lhes dava informações precisas da cena a ser rodada: o que ele busca, antes de tudo, é que tudo esteja bem claro. Tenho, de minha parte, alguns desprazeres quanto a esse filme. De início, duas das minhas cenas – que significavam muito para o meu personagem – foram cortadas no conflito entre Losey e os produtores. E também o próprio Losey talvez não tenha colocado todos os personagens no mesmo plano, o que, eu acho, deveria ser feito. Enfim, ‘Eva’ não é a verdadeira natureza de Losey. Ele é formidável. Eu gostaria muito de ter a oportunidade de trabalhar novamente com ele – e, dessa vez, da forma como o conheci na vida”.
 
 

CINCO FILMES de JOSEPH LOSEY
(por ordem de preferência)
 
01
EVA
(idem, 1962)

Elenco: Jeanne Moreau, Stanley Baker e Virna Lisi

 
Filmado em Veneza e adaptado de um livro de James Hadley Chase, com a presença sublime de Jeanne Moreau, é um excelente retrato da atração de um escritor pilantra por uma mulher proibida que o humilha, negligenciando sua esposa.
 
02
O CRIADO
(The Servant, 1963)

Elenco: Dirk Bogarde, Sarah Miles e James Fox

 
Baseado em romance de Robin Maugham, explora a relação entre as classes sociais através de um jovem e rico solteiro que contrata um criado mais velho para que satisfaça as suas vontades domésticas. Pouco a pouco os papéis se invertem.
 
03
ESTRANHO ACIDENTE
(Accident, 1967)

Elenco: Dirk Bogarde, Stanley Baker, Jacqueline Sassard, Michael York, Vivien Merchant, Delphine Seyrig e Alexander Knox

 
Com leve sátira ao mundo acadêmico, apresenta o conflito entre um professor casado e outro mais jovem, ambos com as atenções voltadas para uma bela garota.
 
04
O MENSAGEIRO
(The Go-Between, 1970)

Elenco: Julie Christie, Alan Bates, Margaret Leighton, Michael Redgrave e Edward Fox

 
Homem relembra um fato ocorrido quando era garoto: serviu de intermediário entre uma mulher aristocratra e um rude fazendeiro, levando cartas de amor.
 
Palma de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cannes
 
05
CIDADÃO KLEIN
(Mr. Klein, 1976)

Elenco: Alain Delon, Jeanne Moreau, Juliet Bert, Suzanne Flon e Massimo Girotti

 
Em 1942, na Paris ocupada pelos nazistas, negociante de arte vê seus lucros aumentarem bastante quando judeus perseguidos lhe vendem obras-de-arte a preços módicos. Porém, quando um outro utilizando seu nome comete atos misteriosos e ameaçadores, ele passa a ser perseguido pela polícia.
 
Prêmio César de Melhor Filme e Melhor Direção