outubro 17, 2021

**************** F. W. MURNAU: LUZ e SOMBRAS



Considerado o mais importante diretor do cinema mudo, dirigiu dezessete filmes na Alemanha e quatro nos Estados Unidos. Oito deles se perderam. Mestre da luz e das sombras, batizado de “o maior poeta que a tela já conheceu” pelo diretor francês Alexandre Astruc, F. W. MURNAU (1888 – 1931. Bielefeld, North Rhine-Westphalia / Alemanha) foi pioneiro ao explorar novas técnicas de filmagem. Inclusive, foi o primeiro a libertar a câmera de uma postura estática.
 
Cheio de imaginação e também extremamente musical. Quieto, altruísta, elegante e cosmopolita, mas ao mesmo tempo reservado e arrebatado pelos próprios pensamentos. Era, apesar de seus muitos amigos, entre eles a estrela Greta Garbo, um solitário. Influenciado pela literatura, teatro e artes plásticas, desenvolveu uma linguagem diferenciada. Seus filmes penetram no mundo psíquico dos personagens, registrando experimentações em movimentos de luz.  

Antes de se tornar cineasta, estudou filosofia, literatura, música e história da arte nas universidades de Heidelberg e Berlim. Frequentou a escola de arte dramática de Max Reinhardt, que influenciou o seu estilo cinematográfico pelas ideias deste sobre iluminação e cenografia. O próprio F. W. MURNAU afirmou que o cinema deve ser um “teatro para os olhos” e que a relação entre personagens e câmera é “um elemento na sinfonia do filme”. A experiência teatral deu ao diretor um toque diferenciado ao lidar com performances. Evitando a atuação exagerada, ele encorajou um estilo de interpretação mais naturalista, fazendo seus atores transmitirem uma profunda vida interior e tirando o melhor deles.
 
Curioso e aventureiro, viajou muito, aprendendo com outras culturas e interagindo com a comunidade cinematográfica internacional. Essas experiências enriqueceram sua filmografia. Combinando conhecimento e inovação, refilmava cenas diversas vezes. Via o cinema como arte e a câmera como uma ferramenta do artista: “o lápis de desenho do diretor.
 
Nasceu Friedrich Wilhelm Plumpe, em Bielefeld, adotando o sobrenome Murnau em homenagem à cidade homônima da Baviera, no Sul da Alemanha, um polo de arte e berço de talentos do expressionismo, onde conheceu seu primeiro namorado. Sua concepção cinematográfica foi influenciada pela pintura alemã do século XIX, cujas paisagens e estilo transferiu para as suas imagens. As suas fitas, tanto as de temática fantástica como as mais realistas, caracterizam-se pela beleza e requinte da encenação, por uma sensibilidade aguçada e pela vocação do trágico.
hans ehrenbaum-degele

Desde sempre ele se interessou por rapazes. Seu primeiro companheiro foi o belo e rico escritor judeu Hans Ehrenbaum-Degele, cujos pais aceitaram sem reservas o relacionamento homossexual. Os dois se conheceram em 1909, em Berlim, onde cursaram a universidade. Juntos, continuaram seus estudos literários e filosóficos em Heidelberg. Um namoro intenso e inspirador, ambos dedicados totalmente à arte, mas Hans morreu em combate em Narev, Império Russo, em 1915, na Primeira Guerra Mundial, aos 25 anos.
 
Na guerra, F. W. MURNAU foi oficial de infantaria e piloto, sobrevivendo a oito acidentes, sem ferimentos graves. Um deles danificou seu fígado gravemente e nunca mais foi capaz de beber álcool. De volta a Alemanha, fundou seu estúdio com o ator Conrad Veidt, estreando como diretor em “Esmeralda da Morte / Der Knabe in Blau” (1919), inspirado em pintura de Thomas Gainsborough. O filme seguinte, “Satanas / Idem” (1920), foi produzido por Robert Wiene. Dirigiu “Der Januskopf” (1920) e “O Castelo Vogelod / Schloss Vogelod” (1921). Infelizmente, alguns foram perdidos para sempre.
 
Após a morte de Ehrenbaum-Degele, conhecemos apenas mais uma relação íntima do cineasta alemão, a com o talentoso pintor Walter Spies. Os dois se conheceram na primavera de 1920 em Berlim. Depois de várias viagens juntos, em agosto de 1923 Spies deixa a Alemanha para realizar seu sonho e se estabelecer em Java e depois em Bali. Suas cartas levaram MURNAU a fazer o mesmo anos depois. Infelizmente, os amantes nunca mais voltaram a se encontrar.
mary philbin e murnau em 1925

O realizador se dedicava com paixão à fotografia, principalmente de nus masculinos. Seus modelos eram jovens que posam nos juncos do rio Havel ou nas praias arenosas dos canais de Brandemburgo. Na Califórnia e nos mares do Sul, o pano de fundo são piscinas, veleiros e praias. O seu legado contém cerca de 200 fotografias tiradas entre 1924 e 1929.
 
Como cineasta, começou a se destacar a partir de Nosferatu”, horror gótico que marcou época por suas inovações técnicas e efeitos especiais. Baseado sem permissão no “Drácula, de Bram Stoker, foi acusado de plágio pela viúva de escritor e processado pelo uso não autorizado do romance. Um tribunal inglês ordenou que todas as cópias e negativos do longa fossem destruídos. Felizmente, isso não foi aplicado na Alemanha.
 
“A Última Gargalhada” estabeleceu F. W. MURNAU como um diretor formidável. Nunca antes sua técnica revolucionária de mover a câmera ao longo de ruas e corredores, subindo e descendo escadas, foi tão eficazmente empregada como nesse drama de um idoso porteiro de hotel. A fama de diretor atravessou o Atlântico e as suas inovações técnicas impressionaram os produtores de Hollywood. Em 1926, a Fox ofereceu um contrato que lhe permitia levar sua equipe alemã.
george o´brien fotografado por murnau

Permaneceu sob contrato até 1929 e realizou três filmes: “Aurora”, “Os Quatro Diabos / 4 Devils (1928) e “O Pão Nosso de Cada Dia”. O primeiro é considerado um dos maiores já feitos, para muitos o melhor filme mudo de Hollywood. É uma trama corriqueira de triângulo amoroso, mas cineasta aproveitou ao máximo, construindo cenários elaborados e criando um visual fascinante. À frente de seu tempo, foi um fracasso de bilheteria.
 
Controlado pela Fox nos dois filmes seguintes, livrou-se do contrato e jogou sua sorte com o documentarista Robert Flaherty, famoso por “Nanook, o Esquimó / Nanook of the North” (1922), com quem viajou para os mares do sul em 1931 para fazer “Tabu. A dupla discordou sobre o desejo de Flaherty de fazer um documentário com foco antropológico. A intenção de MURNAU era uma história de amor fictícia. E assim foi. Sem estrelas, os papéis foram interpretados por habitantes locais. Para financiar o filme, ele investiu sua fortuna e pediu dinheiro emprestado, endividando-se. Felizmente, a Paramount ficou entusiasmada com o filme e ofereceu-lhe um contrato de dez anos.

Uma semana antes da estreia, ele morreu em um acidente automobilístico em Santa Bárbara, na Califórnia. Estava sendo conduzido na Pacific Coast Highway pelo seu criado e amante, o belo Garcia Stevenson. Sem aviso, um caminhão mudou para a pista em sentido contrário. O condutor desviou o Packard para evitar uma colisão frontal, o carro bateu em um barranco e capotou. Os ferimentos de todos foram leves, mas F. W. MURNAU fraturou o crânio e morreu no hospital na manhã seguinte. Tinha 42 anos.
walter spies

Sucesso de bilheteria, “Tabu” acabou sendo o maior - e único – êxito comercial do diretor nos Estados Unidos. Seu cadáver foi embalsamado e enviado a Alemanha. No cemitério de Stanhsdorf, nas redondezas de Berlim e no meio do bosque, um grupo presenciou a cerimônia fúnebre, entre eles Fritz Lang, Erich Pommer, G. W. Pabst, Robert J. Flaherty, Emil Jannings e Greta Garbo. Pouco depois, Charlie Chaplin declarou que foi o melhor artista que a Alemanha enviou a Hollywood”, enquanto Fritz Lang afirmou que “um pioneiro nos deixou no meio de sua criatividade”.
 
Profanado nos anos 1970, o túmulo foi novamente arrombado em 2015 e o crânio roubado. Alguns detalhes indicavam um ritual satânico. Segundo o administrador do cemitério, a cabeça de MURNAU, envolta em um sudário, encontrava-se bem conservada, reconhecível, e ainda tinha cabelos e dentes.
 
Uma aura de mistério permanece em torno da figura de FRIEDRICH WILHELM MURNAU. Algo indefinível, impenetrável, esconde-se em seus filmes, quase como se quisesse se revelar tanto em sua arte quanto em sua vida privada. Afinal, era um elegíaco, um narrador de paraísos perdidos, de felicidade fracassada. Simpatizava com os perdedores, com os ingênuos, mas também com os valentes e os belos. Seus 21 filmes revelam um sentimento de intimidade e tristeza, de vivacidade e arrependimento, de compaixão combinada com breves lampejos de serenidade.
 
nosferatu

10 FILMES de MURNAU
(por ordem de preferência)
 
01
FAUSTO
(Faust: Eine Deutsche Volkssage, 1926)

Elenco: Gösta Ekman, Emil Jannings, Camilla Horn, Frida Richard, William Dieterle e Yvette Guilbert

Baseado na peça de Goethe, um idoso alquimista vê sua cidade ser assolada pela peste negra. Pensando sobre sua própria finitude, evoca o diabo e pede sua juventude de volta. O demônio a garante, em troca da sua alma. É o último filme do diretor na Alemanha.
 
02

AURORA
(Sunrise: A Song of Two Humans, 1927)

Elenco: George O'Brien, Janet Gaynor, Margaret Livingston e Bodil Rosing

Estreia norte-americana do diretor. Na trama, seduzido por uma moça da cidade, um fazendeiro tenta afogar sua mulher, mas desiste no último momento. Esta foge para a cidade, mas ele a segue para provar o seu amor. Vencedor de três Oscar, incluindo Melhor Atriz para Janet Gaynor, é uma obra poética de grande beleza.
 
03

A ÚLTIMA GARGALHADA
(Der Letzte Mann, 1924)

Elenco: Emil Jannings, Maly Delschaft, Max Hiller e Emilie Kurz

O veterano porteiro de um elegante hotel de Berlim sente orgulho do seu trabalho, que faz com dedicação, e se comporta como um general em seu uniforme, sendo tratado com respeito pelos amigos e vizinhos. Entretanto, o novo gerente do hotel o rebaixa a criado do banheiro masculino, provocando um efeito desastroso na sua autoestima.
 
04

NOSFERATU
(Nosferatu, eine Symphonie des Grauens, 1922)

Elenco: Max Schreck, Gustav von Wangenheim, Greta Schröder e Georg H. Schnell

Um dos seus filmes mais conhecidos. Agente imobiliário viaja até os Montes Cárpatos para vender um castelo, cujo cliente é um excêntrico conde, que na verdade é um milenar vampiro. Com extraordinária atuação de Shreck, o diretor faz excelente uso de sombras e silhuetas para criar a aura de uma criatura de outro mundo e transmitir uma sensação paranoica de onipresença maligna.
 
05

O PÃO NOSSO de CADA DIA
(City Girl, 1930)

Elenco: Charles Farrell, Mary Duncan, David Torrence, Anne Shirley e Richard Alexander

Filho de fazendeiros, tendo passado sua vida às voltas com as colheitas de trigo, viaja para Chicago a fim de vender a produção da família, encantando-se por uma garçonete.
 
06

TABU
(Tabu: A Story of the South Seas, 1931)

Elenco: Matahi, Anne Chevalier, Bill Bambridge e Hitu

O pescador de aldeia do Taiti se apaixona por garota escolhida pelos deuses e considerada tabu, o que significa que não poderá se entregar a nenhum homem. Com simplicidade, conta esta história chocante de um amor impossível. Antes de o diretor viajar para Los Angeles com um negativo de filme, Flaherty vendeu-lhe os direitos.
 
07

TARTUFO
(Herr Tartüff, 1925)

Elenco: Emil Jannings, Lil Dagover, Werner Krauss, Rosa Valetti e Camilla Horn        

Jannings cria um tipo inesquecível, um fanático religioso libidinoso, nesta tragicomédia sobre uma governanta manipuladora, que maltrata um velho, cuja herança espreita. O sobrinho dele, percebendo o plano diabólico, arma uma cilada para desmascará-la.

 
08

FANTASMA
(Phantom, 1922)

Elenco: Alfred Abel, Frida Richard, Aud Egede-Nissen, Hans Heinrich von Twardowski, Lya De Putti e Lil Dagover

Um escrivão público, humilde, apaixona-se por uma rica mulher dona da carruagem que o atropelou. Por fim, ele encontra uma sósia da amada num cabaré. Essas duas mulheres transformarão o seu mundo de maneira irreversível.
 
09

TERRA em CHAMAS
(Der Brennende Acker, 1922)

Elenco: Werner Krauss, Eugen Klöpfer, Vladimir Gajdarov, Lya De Putti e Alfred Abel

Quando um agricultor morre, seu filho permanece em suas terras, porém não está satisfeito e aceita um trabalho com um velho conde. Sua ambição leva-o a se envolver com a única filha do patrão. Mas, quando descobre que a esposa de seu chefe herdará terras, sua ganância fala mais alto.
 
10

CAMINHADA NOITE ADENTRO
(Der Gang in die Nacht, 1921)

Elenco: Olaf Fønss, Erna Morena, Conrad Veidt e Gudrun Bruun Stephensen

A história fala de um médico ocupado demais para dar atenção à sua noiva. Ele se encanta por uma dançarina, abandona tudo e vai com ela morar no campo. Tudo vai bem até o aparecimento de um misterioso pintor cego. A sempre criativa direção de F. W. MURNAU se destaca, principalmente pela rica composição dos enquadramentos e pelo aproveitamento criativo da profundidade de campo.

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Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Infelizmente foi uma grande perda. Se tivesse continuado vivo seria páreo duro perante lang em território americano.