Um dos atores lendários do cinema francês.
Com um corpo imponente, coroado com uma cabeça grande, um nariz forte, bolsas
sob os olhos, uma voz profunda, ele criou personagens expressivos,
eternizando intensidade, força, robustez e sensibilidade. A estatura
gigantesca exaltava um magnetismo inefável e seu rosto podia expressar amizade,
perigo, dureza, piedade ou violência com uma ligeira mudança de expressão. Fã
de carteirinha do carismático HARRY BAUR (1880 – 1943. Paris /
França), nos últimos dias assisti a três filmes protagonizados por ele:
“Pinga-Fogo” (1932), “O Golem / Le Golem” (1936) e “O Assassinato de Papai
Noel” (1941). Encantado com o seu talento, resolvi homenageá-lo, afinal poucos lembram da sua reputação e estima mundial.
Monstro sagrado do cinema nas décadas de 1930 e
1940, o ator brilhou inicialmente no teatro. Começou antes da Primeira Guerra
Mundial, ganhando fama nos palcos parisienses ao atuar em peças de Sacha Guitry
ou Tristan Bernard. Sua carreira cinematográfica se iniciou no cinema mudo,
aparecendo no último filme da mítica Sarah Bernhardt: “La Voyante” (1924). Atuou
em mais de 40 longas, marcando época como Ludwig van Beethoven em
“O Grande Amor de Beethoven” e como Jean Valjean em “Os Miséraveis” (1934), a melhor versão da obra-prima de Victor Hugo.
Filho de pais católicos da Alsácia, ele teve seu
primeiro êxito no cinema em 1931, interpretando um banqueiro judeu em “A
Tragédia de Um Homem Rico”. Em entrevista afirmou: “Depois
desse papel, não haverá ninguém que acredite que eu sou católico!”. Um
sucesso tardio, tinha 51 anos de idade, mas nunca mais deixou de
brilhar. No mesmo ano, perdeu o filho de
20 anos e a primeira esposa numa viagem à Argélia. Durante a ocupação alemã na
França, negando-se a fugir, deixou-se
levar por relacionamentos perigosos, misturando-se com nazistas, anti-semitas e
colaboracionistas. Foi a sua tragédia.
Aos sessenta anos, no auge da popularidade, foi
obrigado a atuar em dois filmes para a Continental-Films, uma empresa
financiada pelo capital alemão, mas sediada nos Champs-Elysées, em Paris. Como
outros artistas, frequentava as recepções dos invasores. No entanto,
os jornais anti-semitas o acusaram de ser judeu e maçom. Defendeu-se
publicando uma nota desmentindo o boato. Partiu para Berlim em setembro de 1941, onde filmou “Sinfonia de
Uma Vida / Symphonie eines Lebens” (1943). Entre as estrelas francesas, foi o primeiro a atuar na Alemanha durante a II Guerra
Mundial. Com um contrato de seis meses, aprendeu alemão e se deixou fotografar em Nuremberg, na multidão, ouvindo um discurso do sanguinário ditador Adolf Hitler.
Durante as filmagens, a esposa de HARRY BAUR, Rika
Radifé, atriz e diretora de teatro, termina
presa pela Gestapo acusada de espionagem. O esforço do ator para garantir sua libertação
não caiu bem. Ao retornar à França, na primavera de 1942, foi denunciado novamente
como judeu e ordenada sua prisão no dia 30 de maio. A Gestapo, furiosa,
perguntava como um judeu conseguiu enganá-la e até fazer um filme na Alemanha.
O ator passou por uma cruel detenção de quatro meses. Além de tortura
mental e dos interrogatórios, sofreu espancamentos, incluindo um de
doze horas. Proibido de receber visitas, ficou privado de remédios quando adoeceu. Sua vila foi requisitada e
uma valiosa coleção de pinturas desapareceu.
Após perder 37 quilos (pesava 100), debilitado e
moralmente arruinado, HARRY BAUR foi libertado em setembro de 1942. Muito
fraco, tentou se curar, mas morreu meses depois em condições misteriosas. O funeral ocorreu
na igreja de St. Philippe du Roule e foi enterrado na Cimetière Saint-Vincent,
em Montmartre, onde seu túmulo ainda atrai visitantes. A sua morte provocou uma
grande manifestação pública. Na época, circularam
falatórios imprecisos. Diziam que era um colaborador, um espião inglês, que
teria morrido em um campo de concentração ou sob tortura na Alemanha. Na
libertação, injustamente, lembrariam dele pela participação na
indústria cinematográfica alemã. Sua esposa, Rika, sobreviveu aos maus-tratos
nazistas. Em 1953, ela assumiu o Theatre des Maturins, em Paris, e o
administrou por décadas.
O norte-americano Rod Steiger citou HARRY BAUR como um de seus atores favoritos, garantindo que ele exerceu
uma grande influência em seu ofício. Dez anos após sua morte, o governo
francês o homenageou com a presença de celebridades como
Sacha Guitry e Maurice Chevalier. Durante o evento, o cineasta Julien Duvivier,
que o dirigiu em sete filmes, declarou: “Sua inteligência era vasta,
afiada. Seu conhecimento cultural nunca teve culpa. Ele tinha um senso
dramático admirável. Suas opiniões e críticas sempre foram
relevantes. Baur nunca deixou de me surpreender. Ele tinha qualidades
inesperadas, expressões absolutamente originais. Ele sempre foi Harry Baur, mas
também sempre foi o personagem da história de uma maneira surpreendente”.
DEZ FILMES de HARRY BAUR
(por ordem de preferência)
01
Os MISERÁVEIS
Direção de Raymond Bernard
Elenco: Charles Vanel, Jean Servais e
Florelle
02
Um CARNÊ de BAILE
Direção de Julien Duvivier
Elenco: Marie Bell, Françoise Rosay, Louis
Jouvet,
Pierre Blanchar, Raimu e Sylvie
03
PINGA FOGO
Direção de Julien Duvivier
Elenco:
Robert
Lynen e Catherine Fonteney
04
O ASSASSINATO de PAPAI NOEL
Direção de Christian-Jaque
Elenco: Renée Faure, Marie-Hélène Dasté, Raymond
Rouleau
e Fernand Ledoux
05
A TRAGÉDIA de um HOMEM RICO
Direção de Julien Duvivier
Elenco: Paule Andral e Jackie Monnier
06
Um GRANDE AMOR de BEETHOVEN
Direção de Abel Gance
Elenco: Annie Ducaux, Jany Holt, Jane Marken
e Jean-Louis Barrault
07
RASPUTIN, a TRAGÉDIA IMPERIAL
Direção de Marcel L'Herbier
Elenco: Marcelle Chantal, Pierre
Richard-Willm e Jany Holt
08
ASSASSINO sem CULPA
Direção de Pierre Chenal
Elenco: Pierre Blanchar, Madeleine Ozeray,
Sylvie
e Catherine Hessling
09
VOLPONE
Direção de Maurice Tourneur
Elenco:
Louis
Jouvet, Charles Dullin e Fernand Ledoux
10
A CABEÇA de um HOMEM
Direção de Julien Duvivier
Elenco: Valéry Inkijinoff, Alexandre
Rignault e Gina Manès
2 comentários:
Rapaz você faz um trabalho maravilhoso. Mostra o ator e mostra o homem. Isto é de capital importância, desmitifica neste mundo tão cheio de mitos.
Olá, Nahud. Seu blog, como sempre, trazendo muita cultura cinéfila.
Aproveitando, eu sou o Fábio Henrique Carmo do antigo Cinema com Pimenta e gostaria de divulgar aqui (posso?) o canal no Youtube "24 Frames por Segundo", que mantenho desde janeiro deste ano. O canal é feito para você, cinéfilo. Segue o link: https://www.youtube.com/channel/UCqL5CA4hNoUtux0nkF2lncQ/
Se puder, dá uma passada lá!
Obrigado e até a próxima!
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