fevereiro 03, 2012

************** POLA NEGRI, SEXY e DRAMÁTICA



Uma das maiores estrelas do cinema mudo, a polonesa POLA NEGRI (1897 - 1987) foi uma das mais exóticas estrangeiras nos primórdios de Hollywood. Conheço pouco seu trabalho, assisti apenas dois de seus 67 filmes – “Madame DuBarry / Idem” (1919)  e “Sumurun / Idem” (1920), ambos alemães e dirigidos pelo mestre Ernst Lubitsch -, mas me encantei com sua presença sedutora, senhora de si e vivaz. Quase todos os homens nesses dramas de época se apaixonam por ela, do filho do sheik ao rei francês Luis XV.  Vamp por excelência, suas ligações amorosas com Charles Chaplin (um escândalo alimentado pela imprensa sensacionalista, com manchetes que anunciavam um casamento que nunca chegou a ocorrer) e (segundo ela) com Rudolph Valentino manteve o seu nome em alta, mas após a morte do latin lover em 1926 sua fama diminuiu. 

Ao estrelar seu primeiro filme sonoro, dramática e excessivamente voluptuosa, ridicularizaram-na, fazendo com que voltasse para a Alemanha, onde um dos seus maiores sucessos, “Mazurka / Idem” (1935), de Willi Forst, tornou-se um dos filmes favoritos de Adolf Hitler. Sem um tostão, fugiu para a Riviera Francesa em 1941, antes da invasão nazista, e depois se mudou definitivamente para os Estados Unidos. Aposentou-se após o fracasso de “Casado Sem Casas / Hi Diddle Diddle” (1943), surgindo nas telas apenas para uma participação especial como Madame Habib em “O Segredo das Esmeraldas Negras / The Moon-Spinners” (1964), produção de Walt Disney. Nele, sua personagem dizia: Sobrevivi a duas guerras, quatro revoluções e cinco maridos, praticamente retratando sua vida tempestuosa.


Uma das heroínas do cinema mudo, nas telas era considerada uma vamp, que levava os homens que se aproximavam dela ao perigo e ao pecado. Mesmo com a reprovação de muitos pais de família, o perfil feminino da vamp fazia muito sucesso nos anos 1920. Era nas imagens do cinema que a platéia encontrava formas para os seus anseios interiores. O cinema e os tipos femininos reproduzidos no star-system circulavam em espaços que não se limitavam apenas as salas de exibição: nas conversas de bar, nas certidões de algumas crianças e em vários objetos de uso cotidiano (sapatos, maquiagens - através do “Pó de arroz Pola Negri” - e nas capas das revistas de maior circulação). A imagem da atriz, com roupas não convencionais, fumando, com um sorriso maroto, atuava como reflexo da mulher moderna e decidida. Ela foi modelo de inspiração para o comportamento das moças mais rebeldes.

Nascida na Polônia, POLA NEGRI teve uma vida confortável até que em 1905 seu pai se envolveu na luta de seu país pela independência e foi exilado para uma prisão na Sibéria, nunca mais sendo visto. A tranqüilidade material desapareceu, e ela e sua mãe se mudaram para as favelas de Varsóvia. A mãe trabalhava como cozinheira, enquanto ela passava o tempo aprendendo sozinha a dançar. Desejando se livrar da extrema pobreza, fez um teste e foi aceita para o Ballet Imperial.

Como bailarina, mostrou-se ser uma talentosa promessa, até que contraiu tuberculose e se viu obrigada a finalizar sua curta carreira no mundo da dança. No entanto, entrou para a Academy Imperial of Dramatic Arts e se tornou uma atriz de teatro, estreando triunfante como Hedwig em “O Pato Selvagem”, de Ibsen. A I Guerra Mundial praticamente obrigou-a fazer filmes, já que os teatros poloneses foram desativados. Em 1917, teria a maior chance de sua vida ao ser convidada para trabalhar com o famoso Max Reinhardt, em Berlim. Com seu cabelo preto, olhos escuros e expressões intensas, logo seria uma popular estrela, fazendo uma bem sucedida parceria com Lubstich. Um desses filmes, “Madame DuBarry”, rebatizado como “Passion” nos EUA, fez dela uma sensação internacional.

Um ano depois da super-estrela Mary Pickford – a “Namoradinha da América” - convidar Lubistch para dirigir “Rosita / Idem” (1923), POLA NEGRI foi contratada pela Paramount em 1923. Estrela incontestável, três fatos conspiraram para acabar com sua carreira norte-americana: o escândalo performático que ela armou no funeral de Valentino, em 1926, mudando a aceitação do público em relação a sua pessoa; o Código Hays de censura, nos anos 30, que perseguia estrelas abertamente eróticas; e, finalmente, seu sotaque. 

Na década de 50, cogitada para fazer o papel de Norma Desmond em “Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard” (Mary Pickford e Mae West também), Billy Wilder terminou por escolher Gloria Swanson. Grande atriz, embora vista por muitos apenas como um objeto sexual, ela sempre insistiu que teve um romance secreto com Valentino, embora muitos amigos do ator jurem que eles não tinham a menor intimidade. Indiferente aos descrentes, enviou uma fabulosa coroa de rosas vermelhas (no valor de 2 mil dólares) para ser colocado no caixão de Rudy, em Nova York, com o seu nome em letras garrafais, o suficiente para ser lido em fotos impressas em jornais de costa a costa.


Oitenta mil pessoas lotavam as ruas para acompanhar o velório de Rudolph Valentino. POLA NEGRI chegou com guarda-costas, um secretário particular e a imprensa, vestida de negro (no valor de US $ 3.000) e se atirando aos prantos no caixão do falecido. Em voz alta, disse que tinha sido pedida em casamento por Rudy, lamentando: Meu amor por Valentino é o maior amor da minha vida. Eu o amo não como uma artista ama outro artista, mas como uma mulher ama loucamente um homem. Seus soluços, gritos histéricos e desmaios incitaram a multidão fanática ao motim, quebrando as janelas da casa funerária, danificado arranjos florais e ferindo muita gente. 

Tentando provar o seu amor pelo mito, ela voltou a Hollywood no trem que carregava o caixão do defunto. Em cada parada, saía para a plataforma traseira e dramaticamente desmaiava, aparentemente inconsolável. Se qualquer fotógrafo reclamava que tinha perdido o momento, ela convenientemente desmaiava uma segunda vez. Posteriormente, lembrou sua tristeza inconsolável em diversas coletivas de imprensa.


Obcecada pela publicidade, inclusive divulgando sua suposta rivalidade com outra estrela, Gloria Swanson - embora, na realidade, elas se davam muito bem - e caminhando com um tigre de estimação pela Sunset Boulevard, terminou por obscurecer o fato de que era uma excelente atriz, com um currículo de filmes interessantes. POLA NEGRI não tinha uma beleza convencional, e seus personagens desinibidos era algo novo. 

Hollywood tentou glamourizá-la, incentivando seu esnobismo. Em sua autobiografia, “Pola Negri: Memoirs of a Star”, a atriz mudou sua própria data de aniversário, rejuvenescendo alguns anos. Diversas outras afirmações estão em desacordo com relatos documentados, incluindo sua alegação de que sua mãe era nobre. Ao casar com o conde Eugene Dambski em 1919, usou seu título de Condessa em todas as oportunidades públicas, como se sua existência fosse além dos meros mortais. Separam-se em 1922, e em 1927 ela se casou com o príncipe Sergei Mdivani. Achando que tinha o direito divino de sua posição de poder e glória, regalava-se com a adoração dos fãs. Em 1931, abandonada pelo príncipe, que passou a mãe em boa parte de sua fortuna, reinventou-se na Alemanha. 

Com a carreira finalizada depois do período germânico, em 1948 conheceu uma milionária herdeira de poços de petróleo, Margaret Margo West. Passaram a namorar, vivendo juntas em Santa Mônica durante anos, colecionando valiosos objetos de arte e com intensa vida social. Em 1951, ela recebeu a cidadania norte-americana, e em 1957 o casal se mudou para a cidade natal de Margo, no Texas. Quando a amada morreu em 1963, deixou sua enorme fortuna para a veterana atriz. Ela passou os últimos vinte e cinco anos de sua vida distante do mundo artístico e faleceu aos 90 anos vítima de uma pneumonia. Em seu leito de morte, ao ser atendida por um médico jovem e bonito, que não sabia de sua reputação no passado, no melhor estilo Norma Desmond, fez pose de estrela de cinema e perguntou: Como você não sabe quem eu sou?.

pola e lubitsch
Sinônimo de sofisticação e glamour, no seu auge a atriz ganhava US $ 10.000 por semana, gastando praticamente tudo em jóias, peles e na manutenção de um palácio em Los Angeles. Ela popularizou as unhas vermelho-vivo, turbantes e botas altas, e exigia que fosse chamada como “Madame Negri”

Em seus filmes, realçava os olhos profundos e castanhos usando uma maquiagem dramática. Raspou as sobrancelhas, pintando-as com duas linhas finas e pretas, em um arco que deixava seu olhar melancólico e trágico. Seus lábios finos eram enfatizados pelo batom escuro. Mas POLA NEGRI fez muitos inimigos em Hollywood ao denunciar a indústria local como um deserto cultural, declarando seu desprezo por tudo o que ela representava. Muitas vezes anunciou à imprensa que seu único refúgio era os livros e a música. O público começou a se cansar de sua vida melodramática, e sua imagem se converteu numa espécie de piada.

A era do cinema mudo se foi. Com ela, todas as estrelas da época. Divulgadas em manchetes de jornais, iluminadas em outdoors e tratadas com reverência, estão agora quase esquecidas. Talentos excepcionais como Norma Talmadge, Emil Jannings, Brigitte Helm e Nita Naldi são pouco lembrados hoje. A tragédia do cinema mudo é que de todos os filmes feitos na ocasião, não mais que 20% ainda existem, e menos ainda aqueles disponíveis para ser visto pelo público. 

POLA NEGRI é certamente uma das principais alegrias do cinema mudo. Sua presença na tela, sexy em todos os sentidos, é também forte e apaixonada. Foi ela, juntamente com Ernst Lubitch, que introduziu o sexo nas telas. Famoso por seu estilo que misturava humor inteligente e insinuações eróticas, confundindo a censura, o diretor criou muitas maneiras novas e inventivas para falar de sexo sem realmente mostrá-lo. Já Madame Negri foi capaz de ser mais sedutora com um olhar caprichoso que muitas atrizes com todo o corpo.

Fontes: 
“Pola Negri: Memoirs of a Star”, de Pola Negri; “Hollywood Babylon”, de Kenneth Anger; “Os Filmes”, de Richard Griffith & Mayer Arthur; “1000 Que Fizeram Cem Anos de Cinema”, do The Times/Isto É, e “The Stars”, de Richard Schickel.

em "sumurun"
10 FILMES de POLA NEGRI

CARMEN
(Idem, 1918)
 direção de Ernst Lubitsch

MADAME DUBARRY
(Idem, 1919)
direção de Ernst Lubitsch

SUMURUN
(Idem, 1920)
direção de Ernst Lubitsch

A BELA DIANA
(Bella Donna, 1923)
direção de George Fitzmaurice

PARAÍSO PROIBIDO
(Forbidden Paradise, 1924)
direção de Ernst Lubitsch

EAST of SUEZ
(1925)
direção de Raoul Walsh

HOTEL IMPERIAL
(Idem, 1927)
direção de Mauritz Stiller

AMORES de UMA ATRIZ
(Loves of na Actress, 1928)
direção de Rowland V. Lee

THREE SINNERS
(1928)
direção de Rowland V. Lee

MADAME BOVARY
(Idem, 1937)
direção de Gerhard Lamprecht


23 comentários:

renatocinema disse...

Se você viu dois filmes dessa linda atriz, que me encantou com seu olhar, eu não vi nenhum.

Falha absurda.

Adorei as imagens escolhidas: apaixonantes, sensíveis e sensuais ao mesmo tempo.

Marcelo Bonavides disse...

Pola Negri, excelente!
Parabéns!

Tunin disse...

Linda e boa atriz!
Abraços.

Paulo Telles disse...

Assisti somente "Carmen", de Lubitsch. Particularmente, não me chama a atenção, mas já li muita coisa a respeito dela.

Ela não foi a única que caiu em declínio com o advento do cinema falado. Muitos astros até mais talentosos neste período caíram na desgraça pelo fato de não terem "vozes perfeitas". Mas sem dúvida, é uma lenda que atravessou décadas, graças aos rumores que se fundiram entre ela e Rodolfo Valentino.

Durante anos e anos após a morte deste que foi um dos primeiros galãs do cinema, surgiu uma mulher de preto que todo ano no aniversário de sua morte deixava orquídeas em seu túmulo. Acreditou-se durante muito tempo que era a própria Pola Negri esta dama misteriosa.

Entretanto, não se tem provas e pode ser uma lenda, mas depois da morte da atriz, uma "dama de preto" continuava com o mesmo ritual, e até hoje, segue este costume a cada ano no aniversário da morte de Valentino.

Paulo Néry

Victor Ramos (Jerome) disse...

Linda mulher, linda. Um rosto meio que sobrenatural... uma face que nos remete ao expressionismo alemão.

Injeção Cinéfila

M. disse...

Isso é que eu chamo de um super post sobre Pola Negri! Texto e fotografias impecáveis! Abraço e ótima semana.

Andressa Vieira disse...

Excelente post, Nahud! Não conheço absolutamente nada da mulher, mas pelo visto ela teria sido uma ótima escolha para Norma Desmond. E que coragem para uma atriz viver com uma mulher por tanto tempo em plenos anos 50 e 60, não?
Parabéns!

Gilberto Carlos disse...

Também não tive o prazer de ver nenhum filme com Pola Negri, mas ela parecia ser uma figura bem enigmática...

João Roque disse...

Aprendi muito com este excelente texto.

Unknown disse...

A Pola é um deslumbre na tela... Já vi alguns de seus filmes, mas, não sabia que ela era tão polêmcia...
Uma figura bem interessante!


;D

disse...

Que vida extraordinária!
Uma das coadjuvantes de "Cantando na Chuva", que se diz casada com um nobre, foi inspirada em Pola. Gloria Swanson também se casou com um homem importante, não?
Passe no meu blog, lá tem um selo de qualidade para você!
Abraços!

Enaldo Soares disse...

Lady Gaga ainda tem o que aprender.

linezinha disse...

Excelente post Antonio,não conheço nenhum filme da Pola,mas sua relação com o Valentino até hoje é lembrada. Abç

JOÃO MARCELINO disse...

Estou indicando o seu blog no meu twitter! Fiquei maravilhado!Você é o que há!

Neuzza Pinheiro disse...

um abraço e que bom receber tanta informação sobre cinema, que a gente adora. Não acho ruim se vc enviar citação dos cinco melhores filmes que assistiu há pouco tempo...ou há muito...

As Tertulías disse...

Quando voltou à Europa fez "Mazurka" na alemanha... voce viu? Um filme que amo....

Mario Salazar disse...

Del cine mudo he visto poco, por lo que aprender más siempre está en mis planes, ésta actriz no la tenía presente para nada y su nombre es una novedad, me gusta que haya trabajado con Lubitsch pero la encuentro poco profesional inventando chismes para atraer la atención. Estoy en duda pero si se me presenta le echaré una ojeada. Un abrazo.

Sandrix disse...

Que post incrível. Mais uma vez, parabéns, Antonio. Com o passar de suas imagens, vamos percebendo uma transformação de uma ingênua menina para a femme fatale. Muito bom.

Aproveitando, seu blog foi citado como homenageado com o selo Liebster, ainda que eu acredite que seu blog tenha mais de 200 seguidores. De qualquer forma, sendo um visitante tão assíduo, não podia deixar de homenageá-lo. http://experimentenoir.blogspot.com/2012/02/selo-liebster.html

Rodrigo Duarte disse...

Que coincidência Nahud, comprei o Madame Du Barry ontem. É tão difícil encontrar os seus filmes mudos, logo que vi o Madame disponível, nem hesitei! Abraço.

Maxx disse...

Antônio,

obrigado por sua visita e comentário no Telecinebrasil. Seu espaço aqui está cada vez mais bacana. Quando vc puder, escreve algo sobre direito autoral na internet e/ou filmes de domínio público. Acho que vai ficar interessante.

Grande abraço.

Maxx.

Bete Nunes disse...

Leio sempre aqui histórias espetaculares de astros e estrelas do cinema. Que a vida dos atores e atrizes de Hollywood não é nada convencional, isso é sabido. Mas alguns deles estrapolam no roteiro de suas próprias vidas. E o que tenho notado é que, dentre estes, são as atrizes, as estrelas de Hollywood, que têm as históras mais atribuladas, mais desregradas, mais escandalosas, mais efervecentes, mais peculiares, mais incomuns. Li e reli a história de Pola Negri, e vi um filme na minha mente. A "cena" do cemitério é algo surreal, meio cômico, meio trágico, totalmente patético, e simplesmente extraordinária! E me vem logo uma pergunta: por que ainda não fizeram um filme sobre Pola Negri?!

Adorei esse post, Antonio!

Um abraço pra você.

Carla Marinho disse...

Nao simpatizo com a Pola. Acho que se ela pudesse ser chamada de algo, seria de a rainha da Mentira. Ela foi de uma canalhice sem tamanho no enterro do Valentino, fingindo sentir. Acho isso de uma falta de sentimento incrível, e se equipara, sem exagero, a uma Mulher Maçã chorando por Steven Jobs. Abraço pra vc Antonio!! tudo de bom.

Marcelo Castro Moraes disse...

Não vi nenhum filme dela, e lendo essa matéria, me da vontade de correr atrás, mesmo agora que é impossível, já que estou até o pescoço para ver outros filmes, mas um dia com certeza.
Imagine se ela tivesse atuado em Crepúsculo dos Deuses? Será que o resultado seria melhor do que aquilo? Vai saber!
Infelizmente, ela foi uma de muitas vitimas da transição do cinema mudo para o falado. Em breve, veremos muitos disso no filme O Artista.