agosto 17, 2011

*********** SUA MAJESTADE, GRETA GARBO




(Entrevista de Mordaunt Hall publicada no “The New York Times”,
 em 24 de março de 1929)

De volta da Suécia desde o dia anterior, a feiticeira das telas GRETA GARBO está no Hotel Marguery, na Park Avenue. Só a presença dela já parece impressionar o camareiro, uma vez que a maior parte da comunicação é feita através de sussurros ou sinais. Já os representantes da Metro-Goldwyn-Mayer, mesmo que estivessem se dirigindo a algum visitante poderoso, não se mostrariam mais respeitosos, pois a senhorita GARBO, como Charlie Chaplin ou sir James M. Barrie, transforma-se em uma “delicada violeta” quanto se trata de uma entrevista.

Quando o telefone toca, o silêncio é quebrado e o camareiro ergue um dedo como sinal para o ascensorista de que a senhorita GARBO receberá um representante do “The New York Times”. Logo a figura sinuosa da fascinante atriz surge como um raio de sol. Em um tom de voz baixo que combina como o seu comportamento, ela me cumprimenta, e meus olhos desviam-se do seu rosto para um buquê de flores sobre a mesa e deste para o chão.

“O senhor não quer se sentar?”, pergunta ela.

Os meus olhos, mais uma vez, correndo o risco de uma reação imprevista dela, observam-a, percebendo, em seguida, que usa um chapéu preto, de onde escapam duas mechas de cabelo de cada lado. Depois de algumas perguntas, fica claro que ela tem um magnetismo impressionante tanto na tela quanto fora dela. Como Pola Negri, que ela tanto admira. GRETA GARBO é natural e diverte-se, ao invés de constranger-se, com seus parcos conhecimentos da língua inglesa. 

Ela usa um suéter rosa e uma saia curta de veludo preto, enquanto anéis de fumaça do cigarro, que ela segura entre os longos dedos, sobem até o teto. Quando esteve aqui pela última vez, há três anos e meio, a senhorita GARBO não falava quase nada em inglês, mas agora consegue se expressar bastante bem, e, apesar dos lapsos ocasionais, que são muito cativantes, declara que gostaria muito de atuar em um filme falado. Que papel ela gostaria de desempenhar nas telas? Traga, joga a cabeça para trás, baixa os olhos e digna-se a responder:

“Joana D’Arc. Mas é provável que não me saísse muito bem. Eu gostaria de fazer algo diferente, algo que ainda não tenha feito. Queria sair do lugar comum. Não vejo nada de especial em tolas histórias de amor. Gostaria de fazer algo que ninguém mais esteja fazendo. Se eu conseguisse o Von Stroheim! Ele não é ótimo?.

A senhorita GARBO confessa que o filme em que atuou de que mais gostou foi a adaptação para a tela de “Green Hat”, de Michael Arlen, que se chamou “Mulher de Brio/The Woman of Affairs”. O seu primeiro filme, um dos poucos que fez na Suécia, foi a versão filmada de “A Saga de Gosta Berling / Gosta Bertings Saga”, exibido nos Estados Unidos em 1928. Na época, ela tinha 17 anos e, de acordo com sua própria descrição, era “uns cinco ou dez quilos mais gorda”. Friso que o povo foi recebê-la quando ela voltou à Suécia recentemente. Ela parece que não se impressionou muito com a recepção, mas admite que havia uma multidão esperando-a. Agora que está nos EUA, não sabe dizer se tem saudades. Em Estocolmo, adora passear pelas ruas, olhando as vitrines das pequenas lojas, e depois ir jantar sem voltar para trocar de roupa. Seus olhos acinzentados se iluminam quando ela conta isso. Quando pergunto se muitas pessoas a reconhecem em Nova Iorque, ela responde, como de costume:

“Não sei”.

O que ela fez na sua primeira noite aqui? Ela jantou sozinha.

“Completamente só?”.

“Foi e adorei olhar para os – como vocês chamam - ‘arranca-céus’ – Não, como é mesmo? Ah sim, arranha-céus. Não vamos falar sobre mim, vamos falar sobre Nova Iorque e os arranha-céus; eles parecem tão bonitos vistos desta janela. É verdade que fui convidada para jantar na casa onde o capitão Lundberg está hospedado. Ele, como o senhor sabe, é o homem que voou até Nobile e voltou. Mas, como já disse, eu jantei sozinha e não parei de olhar para os maravilhosos e incríveis arranha-céus – eu falei certo?”.




Essa suposta solitária admite conhecer muito pouca gente em Hollywood. Às vezes ela joga tênis, e só tem um carro, mas dirige o carro dos amigos. Foi necessário falar de novo na Suécia, quando pergunto à senhorita GARBO se ela já tinha atuado no teatro. Responde que não, mas que um amigo pediu que ela encenasse “Resurrection” quando morava em Estocolmo. Ela, claro que irrefletidamente, concordou. Chegou ao ponto de decorar suas falas e estudar o papel. Estava confiante, mas na noite anterior ao ensaio geral, começou a ficar muito nervosa e não conseguiu dormir. Pediu ao amigo que fosse até a sua casa e disse que não poderia fazer a peça. Não dormira. Ninguém conseguiu convencê-la. Simplesmente não conseguia aparecer diante dos refletores.

Qualquer um poderia jurar que onde quer que a senhorita GARBO vá, não se diverte. Isso parece possível. Ela demora umas seis semanas para fazer um filme, já atuou em oito produções hollywoodianas e estuda o roteiro com dedicação antes de aparecer diante das câmeras.

“E quando vai voltar para Hollywood?”.

“Não sei. Amanhã, talvez”.

A conversa então passa para os filmes, e ela diz:

“Se eles querem que eu fale, eu vou falar. Adoraria atuar em um bom filme falado, mas os que vi são horríveis. Não tem graça olhar para uma sombra e ouvir uma voz que vem de algum lugar fora do cinema”.

Pergunto-lhe se conhece Charlie Chaplin e ela responde que o conhece “muito pouco”. Tem raros amigos. Relata que não há mais um círculo social sueco em Hollywood, pois Victor Sjostrom já não está mais lá e Lars Hanson voltou para a sua terra natal, para onde também retornaram outros menos famosos.

A senhorita GARBO sente uma profunda admiração por Pola Negri. Ela garante que adora a maneira como a senhorita Negri preserva o ar do Velho Mundo.

“Ninguém é tão estimulante quanto Pola Negri”, revela ela. “É tão engraçada. É sempre divertido encontrá-la”

Finalizando repentinamente a entrevista, ela murmura “encantada em conhecê-lo”, e volta a cabeça para os seus queridos arranha-céus.


20 comentários:

Bete Nunes disse...

Adorei o texto sobre Greta Garbo, a entrevista, e as fotos e tudo e tal, mas me impressionou mais a história dessa atriz Frances Farmer. Trágico fim ela teve. Uma pena.

Marcelo Castro Moraes disse...

Valeu Antonio pela otima matéria publicada. Me fez me lembrar da matéria que eu fiz sobre os 20 anos sem Greta Garbo que eu publiquei em abril do ano passado.

http://cinemacemanosluz.blogspot.com/2010/04/cine-curiosidades-20-anos-sem-greta.html?zx=34fe4e65d773f0e3

Niéri Svensson disse...

‎"... eu jantei sozinha e não parei de olhar para os maravilhosos e incríveis arranha-céus..."

Essa era GRETA GARBO, uma grande DIVA discretíssima e charmosa e uma das MAIORES ATRIZES DO CINEMA. (My favorite! ♥)

Fabbiana Garbo disse...

Deusa maior!!! Insuperável!!! Amo eternamente!

Maxx disse...

Que isso cara...

Animal selvagem: Frances Farmer....

Abç.

linezinha disse...

a Greta era divina! sou muito fã dela e não conhecia a triste história da Frances Farmer. Abraços

Carlos Elpenor Frontelmo de Laet disse...

Muitíssimo obrigado por tão admirável trabalho sobre o Cinema.
Abs Carlos

Marcelo Bonavides disse...

Sou fã de Garbo. É sempre bom poder rever e conhecer novos fatos de sua vida e carreira.
Queria muito ver o filme "Frances" com Jessica Lange. Será que existe para alugar?
Abraços!!

Marcelo Bonavides disse...

Sou fã de Garbo. É sempre bom poder rever e conhecer novos fatos de sua vida e carreira.
Queria muito ver o filme "Frances" com Jessica Lange. Será que existe para alugar?
Abraços!!

Bete Nunes disse...

Antonio, fiquei ainda mais interessada na história dela depois do que acaba de dizer, sobre as circunstâncias quem envolveram a vida dela e tudo o mais. Eu também gostaria de saber onde posso encontrar esse filme.

disse...

Que entrevista deliciosa! Mostra como ela era uma mulher simples, ao contrário de suas sofisticadas personagens.
Além de Frances Farmer, a MGM também tentou transformar a professora de dança Eva von Berne na próxima Garbo, seguindo a sugestão de Norma Shearer e Irving Thalberg.

Anônimo disse...

Seu blog, tão apaixonado pelo período clássico maravilhoso do cinema, é fantástico. Tenho que te admitir que nunca vi um único filme com Greta Garbo e depois de ler seu post, sinto uma ligeira vergonha. Vou começar a visitar com mais frequência a sessão dos clássicos das livrarias. Vou adicionar seu blog no blogroll do Bastidores. Vc é um parceiro mais que bem-vindo.
Abraços!

William 3º The Arts disse...

Olá amigo! Passando rapidinho pra te ver. Adorei o dossiê, e como sempre afirmo o blog está cada vez melhor ainda. Se bem que já está no topo! rsrs Leio sempre e aprendo muito tbm pois as informações são de extrema qualidade cultural. Parabéns como sempre e até breve amigo!!!! Saudades....

Marcelo Bonavides disse...

Antonio,
as três matérias sobre Greta Garbo estão ótimas!
Gostei muito.
Abraço!
Marcelo

AnnaStesia disse...

Grande lenda que merece todas as homenagens. Diviníssima!

linezinha disse...

pessoal vcs que não acharam o filme "Frances" eu achei para baixar por torrent aqui o link:

http://filmescomlegenda.net/fcl/filmes/frances-frances-1982/

Faroeste disse...

Tentei ver um filme completo de Garbo, mas nunca consegui ir até o final. A achava sem graça, sem presença em cena e sem todo o talento que tantos apregoam.
Ela não era uma mulher feia. Até que tinha um rosto com um perfil razoável, entretanto uma face com contornos masculinos.
Não. Garbo não foi minha deusa da beleza nem das telas. Muitas e muitas outra lhe ultrapassavam, à sua época, em talento e lindeza.
jurandir_lima@bol.com.br

Rubi disse...

Bonita e talentosa. Que pena que já não se fazem mais atrizes como antigamente ...

André Setaro disse...

Bela homenagem a Greta Garbo, Falcão!

Cosmo Kramer disse...

Antônio aproveito a sua postagem para dar a dica da filmografia selecionada da atriz para quem quiser conferir: http://saladeexibicao.blogspot.com/2010/12/greta-garbo.html
Abraço.