março 06, 2011

**************** SALA VIP: "CISNE NEGRO"




CISNE NEGRO
(Black Swan, 2010)

País: EUA
Gênero: Drama
Duração: 108 mins.
Cor
Produção: Mike Medavoy, Brian Oliver, Arnold Messern
e Scott Franklin (Fox Searchlight Pictures/Protozoa Pictures/
Phoenix Pictures)
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Mark Heyman, Andres Heinz
e John J. McLaughlin
Fotografia: Matthew Libatique
Edição: Andrew Weisblum
Música: Clint Mansell 
Cenografia: Thérèse DePrez (des. prod.); David Stein
(d.a.); Tora Peterson (déc.)
Vestuário: Amy Westcott
Elenco:
Natalie Portman (“Nina Sayers”), Mila Kunis (“Lily“),
Vincent Cassel (“Thomas Leroy”), Barbara Hershey
(“Erica Sayers”) e Winona Ryder (“Beth Macintyre”)

Nota: *** (bom)

Prêmios:
Oscar de Melhor Atriz;
BAFTA de Melhor Atriz;
Melhor Atriz e Melhor Edição da Associação
de Críticos de Cinema de Boston;
Melhor Atriz e Melhor Trilha Sonora da Associação
de Críticos de Cinema de Chicago;
Globo de Ouro de Melhor Atriz-Drama;
Melhor Atriz do Círculo dos Críticos
de Cinema de Kansas City;
Melhor Fotografia da Associação de Críticos
de Cinema de Los Angeles

ARONOFSKY: da ARTE de FAZER SENTIR

Lembrar de cartarse ao se falar de arte em geral é uma constante entre críticos e especialistas, especialmente se essa arte for o cinema. Apesar de ser tão freqüente, é impossível, entretanto, não relacionar as obras de Darren Aronofsky a esse expediente aristotélico. Em seus filmes, a dor pula da tela e alcança a nossa pele, repugnante. “Réquiem Para um Sonho” (2000) ou “O Lutador” (2008) já seriam obras suficientes para comprovar tal constatação, mas Aronofsky somou a esses e outros títulos mais uma película substanciosa: CISNE NEGRO (2010). Prenhe de impacto, esse longa mexe com nervos e estômago daqueles que se põem a, alucinantemente, acompanhá-lo. Nina Sayers, personagem central interpretada por Natalie Portman, leva-nos juntos à sua degradação física e psicológica. Toda a narrativa nos conduz a um incômodo processo de autodestruição. A sua corrupção mental vai se afirmando, antagonicamente, a partir do momento em que ela consegue o que sempre almejou: um papel de destaque na companhia de ballet à qual se dedicava, há tempos, com disciplina e dedicação.

Cada cena é uma violência em forma de imagem que nos deixa, a todo momento, prestes a ter uma descarga emocional que se alterna entre o delírio e a carne. Aronofsky faz com que cada ferimento que surge no corpo frágil e quase infantil de Nina seja sentido pelas próprias costas e dedos dos que percorrem a trajetória da “Rainha dos Cisnes”, que não consegue sequer ter controle sobre si mesma. Corpos contorcidos, olhos espremidos são algumas das reações que, inesperadamente, temos em diversos momentos como quando, ao ver seu dedo sangrando, Nina puxa sua cutícula. É como se fosse a nossa própria cutícula arrancada.

natalie portman e winona ryder
A grande questão é que, se as dores de Nina são ficção pura muito bem encenada por Portman, a nossa é real, o que nos dá uma vontade de entrar em cena e fazê-la parar com aquilo. Sua ação gera uma compaixão forçada. Por mais que não queiramos nos compadecer dela, começamos a entrar em seu mundo perturbado e irreversível. Suas paranóias que beiram a esquizofrenia tão um tom de terror muito bem intensificado pela trilha sonora (Clint Mansell) e pelos cenários, muitas vezes, sombrios, como um teatro vazio e escuro.  A mãe da protagonista (Barbara Hershey), uma ex-bailarina depressiva, com seu rosto um tanto tenebroso e sua voz a repetir “Sweet Girl”, faz-nos adentrar ainda mais numa tensão psicológica e, até mesmo, a culpá-la por Nina ser tão delicada a ponto de permitir que a pressão promovesse ao mesmo tempo uma revelação e um aviltamento de seu ser não só enquanto bailarina, mas também enquanto mulher.

Ser a personagem central de “O Lago dos Cisnes” é capitular em si, dialeticamente, Odette (Cisne Branco) e Odile (Cisne Negro). Mas o que fica claro pelo insistente “Doce Garota”, que sua mãe repete à exaustão, é que Nina sempre foi preparada para ser branda, amena, suave. Agora o papel exigia que ela, além de afável e meiga, fosse sensual, voluptuosa, lasciva como aquela a quem escolheu para ser sua rival e de quem ela tenta sugar todo o poder de sedução: Lily (Mila Kunis). E é em busca por essa libido que Nina se entrega tanto à pulsão de vida (sexualidade) quanto à pulsão de morte (agressividade), causando atração e repulsão constantes e, por vezes, simultâneas. Darren Aronofsky consegue mais uma vez produzir uma película corrosiva e visceral que, ao mesmo tempo em que nos dilacera, purifica-nos. Catarticamente.

Em meio a tanta alucinação, um pouco de lucidez seria necessário para levar em conta a fala que sintetiza a origem de todo o cruel conflito, a do diretor artístico da companhia Thomas Leroy (Vincent Cassel): “A única pessoa que está no seu caminho é você mesma”. Bom, ela não percebeu isso, assim como nós nunca percebemos, pois para nós, como bem filosofou Jean Paul Sartre, “O inferno são os outros”. E, no caso de Nina, põe inferno nisso...

Texto de 
NÍVIA MARIA VASCONCELLOS
poeta


16 comentários:

Leandro Afonso Guimarães disse...

Não gostei muito do filme, mas still quer me fazer mudar de ideia. Winona Ryder, de quem sempre gostei, traz carisma à estrela decadente e auto-destrutiva.

Sonia Brazão disse...

Segunda-feira assisti ao melhor filme indicado ao
Oscar 2010 - na minha opinião, é claro - o filmaço INCÊNDIOS.
Por favor, não perca.
Poderemos falar sobre ele ?

PS ► Mega parabéns pelo seu blog. Você é ótimo !

Octavio Caruso disse...

Ótimo texto (parabéns Nina!) e um filme excelente. Já assisti três vezes e tenho certeza que irei rever a vida toda. Aronofski fez sua obra prima!

AnnaStesia disse...

Gostei muito. Intrigante, instigante e arrebatador. Fiquei feliz por ver Winona em boa forma, mesmo que por pouco tempo.
Ah que pena Antônio, você não gostar de Aronofsky! Tenho certeza que vai se tornar um grande cineasta. Talento não falta!

Fátima Santiago disse...

O que mais gostei no filme foi o jogo imagético entre realidade e imaginação. Sai do cinema sem saber quais fatos aconteceram na vida "real" da personagem Nina e pensando que tudo é possível de acontecer na vida real mesmo. A narrativa se desenvolve num crescendo, a partir dese jogo, culminando, como você bem apontou na catarse. É um filme para se ver no cinema, pois a fruição da imagem e da música são imprescindíveis ao mergulho de cabeça na angústia vivida pela personagem e por/em nós mesmos.

Cid Fiuza disse...

Nívia, que texto maravilhoso!
Vou assistir :)

Anderson Siqueira disse...

Obrigado pela sua visita. Bom conteúdo aqui.
=]

Marcelo Castro Moraes disse...

Em muitos momentos o filme lembrava Repulsa do Do Sexo e O Inquilino, mas é um filme que fala por si e merecia mais do que o Oscar de melhor atriz para Natalie, merecia bem mais.

Poeta Silvério Duque disse...

http://poetasilverioduque.blogspot.com/2011/03/beleza-em-agonia.html

Poeta Silvério Duque disse...

Se há algo verdadeiramente de ruim em "Cisne Negro" é o fato de ele se entregar demais aos modelos e mecanismos freudianos que Hollywood tanto ama produzir, no entanto, sua essência não é tão simplória, limitando-se a um mero drama de desejos recalcados, é sim um grande questionamento sobre os sentidos que damos e, muitas vezes somos sentenciados a dar às coisas.
Nina, personagem de Natalie Portman, nos deixa bem claro o quanto que se pode viver acorrentado a um mundo de coisas irreais, mas os grilhões que nos prendem a este mundo de irrealidades são, muitas vezes, bastante verdadeiros. Por isso mesmo que, embora deslizando por um caminho de bifurcações psicanalíticas, parece-me que é na linha reta do sacrifício, no sentido mais religioso do termo, pois sacrifício é troca e, neste caso, a morte de uma Nina faz brotar uma outra que ela encontra a verdade escondida sob os atos e os propósitos; e a angústia da música de Tshaikovsky – este sim alguém que, na vida, soube viver no limite se seus dilemas e compartilhar isto, com o mundo, de uma forma tão sublime quão caótica – encontra a dor e o desejo de transformação.




http://poetasilverioduque.blogspot.com/2011/03/beleza-em-agonia.html

Daiane Oliveira disse...

Excelente texto, excelente filme!

Anônimo disse...

Gostei muito do filme - com algumas ressalvas - mas não gostei nem um pouco do texto de Nívea. O texto já começa mal pelo título: Da arte de fazer sentir... Toda arte quer fazer sentir, mesmo a mais fria ou minimalista (um Mondrian, por exemplo, ou uma película do Aki Aukimakis). E segue extremamente previsível, sem falar sobre cinema. Apenas uma interpretação psicologizada de uma obra já cheia de psicologia, e barata. Nívea repete o cineasta. Não há nada de novo sob o front. Explica o já explicado. Parece a legenda do filme, ou uma pantomima, em jogo para acertar o que se está em jogo. E há ainda frases de muito mau gosto, como "é em busca POR essa libido". E que dizer da citação mais batida de Sartre??? Até quando vão usar isso, meu Deus??? O pobre do existencialista escreveu milhões de páginas e só usam uma frase dele??? ad infinitum??? Sim, o inferno são os outros, Nívea. Mas há outros infernos. É só ler um pouco mais.
Henrique Wagner

FABRÍCIO BRANDÃO disse...

Meu caro,

Que texto bacana e intenso! Diga-se de passagem, parabenizo você pelo projeto cinéfilo. Acompanho sempre que recebo seus informes.


Abraços,


Fabrício

Wannessa Reis disse...

Gostei do filme, mas gostei ainda mais da sua leitura Nívia. Forte, intensa, nos remete ao filme e as sensações que a Nina nos passa. Parabéns poetisa...

Claudina Ramirez disse...

Não assisti ao filme, mas me diverti com a polêmica dos comentários... Parabéns por seu trabalho, beijos!

Danilo Ator disse...

Também gostei bastante do filme. Acho que Aronofsky cresce a cada filme, o que é muito bom para quem ama o bom cinema.