De férias em Salvador, envolto em muita expectativa, assisti na Sala de Arte XIV, no Pelourinho, “Jardim das Folhas Sagradas”, que demorou 11 anos para ficar pronto. Atrelado à cultura baiana, transporta o público para o universo do candomblé, suas crenças e valores, práticas e rituais, celebrando essa religião afro-brasileira rica em teor espiritual e cultural. Mas ao abordar diversos outros temas (preconceito racial, conflito religioso, bissexualidade, especulação imobiliária e questão ambiental), o filme se perde completamente, explicando situações delicadas de forma didática e politicamente correta. Ao tratar tantos assuntos paralelos, nenhum deles é realmente bem conduzido. Os personagens são rasos e a fragmentação insistente do roteiro atrapalha a cadência da história. Ainda assim, não deixa de ser uma viagem agradável e reveladora ao universo do candomblé.
O drama de Pola Ribeiro levou-me a um mergulho na cinematografia da Bahia de Todos os Santos. Num itinerário marcado por períodos criativos e outros de completa inatividade, a trajetória do CINEMA BAIANO se iniciou com o documentário “Regatas da Bahia” (1910), de Diomedes Gramacho e José Dias da Costa. Nas décadas 30, 40 e 50 predominaram os documentários de Alexandre Robatto, entre eles “A Chegada de Marta Rocha” (1955).
Num verdadeiro acontecimento histórico, o primeiro longa-metragem baiano de ficção surgiu em 1959, “Redenção”, de Roberto Pires. No princípio dos anos 60, aconteceu o chamado Ciclo Baiano de Cinema, a mais importante fase do cinema da Bahia, com obras expressivas de Pires, Glauber Rocha, Olney São Paulo, Oscar Santana, Palma Netto e Alex Viany. Foi quando a Bahia se tornou uma meca do cinema, atraindo cineastas de fora que exploraram sua beleza sinuosa. De “O Pagador de Promessas” (1962) a “Cidade Baixa” (2005), muitas produções cinematográficas foram abençoadas com a Bahia como palco requintado da narrativa.
Na década seguinte, numa espécie de ruptura com as propostas temáticas anteriores, destacou-se o cinema underground de André Luiz de Oliveira, Álvaro Guimarães, José Umberto, José Frazão e Edgard Navarro. Entre 1973 e 2000, apenas três filmes de longa duração foram produzidos, com cineastas praticamente vivendo de curtas metragens. De lá para cá, novos filmes surgiram (quase sempre a duras penas e raramente distribuídos no circuito nacional), levando o CINEMA BAIANO a um momento de vitalidade. Axé!
FILMOGRAFIA BAIANA
REDENÇÃO
(1959)
(1959)
Com Geraldo d'el Rey, Braga Neto, Maria Caldas e Milton Gaúcho
Um psicopata estuprador é contido por dois fazendeiros, um dos quais está envolvido com a polícia e protege uma jovem.
BARRAVENTO
(1961)
(1961)
Com Antonio Pitanga, Aldo Teixeira, Luiza Maranhão e Lucy Carvalho
Numa aldeia de pescadores, a chegada de antigo morador que havia se mudado para Salvador, fugindo da pobreza, altera o panorama pacato do local, polarizando tensões ao se sentir atraído por duas nativas.
A GRANDE FEIRA
(1961)
(1961)
Com Geraldo D'El Rey, Helena Ignes, Luiza Maranhão e Milton Gaúcho
Com o fim da feira onde trabalhava, mulher freqüenta cabaré, terminado por ferir marujo e ser procurada pela polícia. Ao mesmo tempo, uma madame da alta sociedade, entediada com a vida, apaixona-se pelo marujo e resolve sustentá-lo.
TOCAIA no ASFALTO
(1962)
(1962)
Com Agildo Ribeiro, Geraldo d'el Rey, Angela Bonati, Milton Gaúcho, Arassary de Oliveira, Othon Bastos, Antônio Pitanga e Jurema Pena
Matador de aluguel, mandado para a Bahia, onde deve assassinar coronel, interessa-se por uma prostituta.
SOL SOBRE a LAMA
(1963)
(1963)
Com Geraldo d'el Rey, Gessy Gesse, Glauce Rocha, Tereza Raquel, Jurema Pena, Othon Bastos e Antônio Pitanga
Diversos personagens simplórios lutam contra os poderosos que ambicionam os terrenos sobre os quais se desenrola uma feira popular.
O CAIPORA
(1964)
(1964)
direção de Oscar Santana
Com Carlos Petrovich, Milton Gaúcho, Lídio Conceição, Maria da Sordi e Mário Gusmão
Depois de ter sido expulso de algumas vilas, homem vaga pelo sertão com sua mãe e um irmão menor, sob a acusação de ser o caipora: carregando o peso do azar e trazendo consigo todos os males possíveis. Um ex-escravo é o único a ampará-lo.
O GRITO da TERRA
(1964)
(1964)
Com Helena Ignes, João de Sordi e Lucy Carvalho
Camponeses na luta pela terra, esfomeados, saqueiam para sobreviver.
METEORANGO KID - HERÓI INTERGALÁTICO
(1969)
Com Antonio Luiz Martins, Sonia Dias, Milton Gaúcho, Nilda Spencer e Aldil Linhares
Rapaz de classe média alta sonha que é o grande astro do filme "Tarzan e as Bananas de Ouro". Na faculdade, destoa do grupo por não se envolver com as discussões do movimento estudantil, preferindo ler gibis.
Rapaz de classe média alta sonha que é o grande astro do filme "Tarzan e as Bananas de Ouro". Na faculdade, destoa do grupo por não se envolver com as discussões do movimento estudantil, preferindo ler gibis.
O ANJO NEGRO
(1972)
(1972)
Com Mário Gusmão, Eliana Tosta, Frieda Gutmann e Jacques de Beauvoir
Latifundiário e juiz de futebol, casado, está em crise profissional e conjugal, quando surge misteriosamente um emissário negro ligado aos exus, abalando os alicerces da família patriarcal e revelando seus falsos valores.
ABRIGO NUCLEAR
(1981)
Com Conceição Senna, Norma Bengell, Sasso Alano e Nonato Freire
No interior de um abrigo nuclear subterrâneo, construído para preservar o gênero humano da radiação ionizante, apesar de protegidos, seus habitantes vivem sob o forte regime Cibernético-Nuclear, controlado por um comandante e seus seguidores. Inconformados com essa autoridade, uma geóloga e um grupo de dissidentes elaboram secretamente um projeto que prevê a volta do ser humano à superfície.
O MÁGICO e o DELEGADO
(1983)
(1983)
Com Nelson Xavier, Mario Gadelha, Tânia Alves, Luthero Luis, Maria Sílvia, Jurema Pena, Sônia Dias, Wilson Grey e Nonato Freire
Um mágico e sua partner chegam a uma pequena cidade do interior da Bahia para apresentar um espetáculo de variedades. Mas a estréia da dupla é frustrada pela prepotência do delegado local. No entanto, a presença do mágico quebra a rotina do local e uma série de coisas espantosas e maravilhosas começam a acontecer.
BOI ARUÁ
(1984)
(1984)
Animação sobre um fazendeiro orgulhoso de seu poder que é desafiado sete vezes por figura fantástica. Depois de derrotado, o tirano consegue compreender a real dimensão humana, aproximando-se de si mesmo e de seus semelhantes.
TRÊS HISTÓRIAS da BAHIA
(2001)
(“Agora é Cinzas”, direção de Sérgio Machado;
“Diário de um Convento”, direção de Edyala Igresias,
e “O Pai do Rock”, direção de José Araripe Jr.)
“Diário de um Convento”, direção de Edyala Igresias,
e “O Pai do Rock”, direção de José Araripe Jr.)
Com Sérgio Mamberti, Rita Assemany, Cyria Coentro, Ingra Liberato, Othon Bastos, Fábio Lago, Osvaldo Mil, Lucélia Santos, Jackson Costa e George Vassilatos
Três viagens aos subterrâneos da Bahia, com episódios em épocas distintas e em pleno carnaval.
SAMBA RIACHÃO
(2001)
(2001)
Documentário sobre o sambista Riachão, um dos mais populares compositores baianos.
ESSES MOÇOS
(2004)
(2004)
Com Inaldo Santana, Chaiend Santos, Flaviana Silva, Rita Santana, Bertho Filho, Gideon Rosa, Carlos Betão, Agnaldo Lopes, Arly Arnaud, Fafá Pimentel, Iami Rebouças e João Miguel
A vida de duas meninas que encontram um velho perdido. A menor, passa a vê-lo como o avô que nunca teve. A maior, reproduzindo o que faz no dia-a-dia, passa a usá-lo para pedir esmolas. O velho se deixa usar, mas conduz as meninas para o seu mundo inocente.
CASCALHO
(2004)
(2004)
Com Othon Bastos, Harildo Deda, Jorge Coutinho, Irving São Paulo, Lúcio Tranchesi, Wilson Mello, Agnaldo Lopes e Bertho Filho
Homens rudes, movidos pela ambição, com muitíssimo esforço e alguma sorte, amealham pequenas fortunas no garimpo, dilapidando-a em prazeres fugazes e gastos descontrolados.
EU me LEMBRO
(2005)
(2005)
Com Lucas Valadares, Fernando Neves, Arly Arnaud, Wilson Mello, Rita Assemany, Fernando Fulco, Valderez Freitas Teixeira, Nélia Carvalho, Eva Lima, George Vassilatos, Frieda Gutmann, Fafá Pimentel, Lúcio Tranchesi, Bertho Filho, Deusi Magalhães, João Miguel, Rita Santana, Chica Carelli e Milton Gaúcho
De inspiração autobiográfica, conta a história das buscas essenciais de uma geração nascida nos anos 50.
PAU BRASIL
(2009)
(2009)
Com Bertrand Duarte, Oswaldo Mil, Fernanda Paquelet, Arany Santana, Fernanda Belling e Rita Brandi
Duas famílias rivais vivem em casas rudes, toscas, uma em frente da outra. Numa delas, um homem mora com uma mulher e a deixa amar por qualquer tipo que chegue à sua porta. Como fio condutor, uma negra, desgrenhada, alter ego da coletividade.
JARDIM das FOLHAS SAGRADAS
(2011)
(2011)
Com Antônio Godi, Harildo Deda, Evelin Buchegger, João Miguel, Sérgio Guedes, Rita Santana, Carlos Betão e Eva Lima
Bancário em crise existencial, casado com uma evangélica e amante de um ator, decide criar um terreiro modernizado e descaracterizado. Só que esta decisão lhe traz graves conseqüências.
O HOMEM que NÃO DORMIA
(2011)
(2011)
Com Bertrand Duarte, Evelin Buchegger, Fabio Vidal, Ramon Vane, Luiz Paulino dos Santos, Fernando Neves, Edgard Navarro, Fernando Fulco, Bertho Filho, Nélia Carvalho, Carlos Betão, Zeca de Abreu, Lucio Tranchesi e Harildo Deda
Alguns habitantes de um lugarejo remoto são acometidos pelo mesmo pesadelo. A chegada de um peregrino de origem misteriosa deflagra o conflito interno em que vivem, determinando uma ruptura radical em suas vidas.
17 comentários:
Olá, maravilhoso post, abraço Cynthia
Grande Antonio.
Majestoso, essa é a palavra para seu Post. Gosto muito de Filmes ANTIGOS nacionais, sinto apenas que é muito difícil encontra-los. Sua lista é muito interessante, são filmes que embora eu não conheço, desejaria muito assistir.... aos poucos quando encontro vou comprando um ou outro...
Abração
O Falcão em vôo rasante enxerga perto.
É realmente uma pena que muitos filmes não sejam distribuídos por todo o território nacional. Alguns que você citou me parecem muito interessantes.
Abraços!
Parecem bons.
Gosto dessa Brasilidade.
Flores.
Antônio,
Assisti ao "Redenção" em cópia restaurada em Salvador há dois anos (no Espaço Unibanco). "A Grande Feira" e "Tocaia do Asfalto" me aguardam no conforto de casa, gravados na atual homenagem que o Canal Brasil prestou ao diretor Roberto Pires.
Gde Abraço.
Parabéns, meu amigo Nahud!
Super obrigado..há sempre algo muito gostoso de se ver e se ler em ti.
VIVAAAAA
Antonio, sua crítca sobre o Jardim Das Folhas Sagradas é apressada. Você tem todo o direito de não gostar do filme, mas acho que você é um dos poucos a não perceber a riqueza do universo baiano retratado pelas lentes do antenado Pola Ribeiro.
Glauber Rocha é o ponto que resume todo o cinema nacional (e algumas vertentes do internacional mesmo). Grande cineasta incompreendido por muitos, mesmo. Tenho que ver Barravento ainda.
Pudim de Cinema
A bela coleção de cartazes dá bem uma ideia da versatilidade do cinema baiano dos últimos 60 anos, desde que o pioneiro Roberto Pires, inventando uma lente anamórfica parecida com o CinemaScope, realizou "Redenção" em 1956/1959.
Muito bom Antonio esses filmes baianos que vc citou,quero muito conhecer.
Abç
Admito que não conheço muito o cinema baiano, mas seu texto (e as referências) será um guia e tanto. Obrigado e parabéns Antonio!
Viva!!!!!
Nahud;
Sou cinefilo desde a decadade 50. Portanto vi muitos filmes bahianos e farei aqui rápida observação.
Vou deixar de falar de G Rocha, um alienado que nunca deu nada de bom ao cinema brasileiro. Seu Barraventos é ruim de arder, como tudo o mais que fez.
Já da trilogia, se assim posso dizer, de Roberto Pires, que foi Redenção, A Grande Feira e Tocaia no Asfalto, existe sim o que falar.
Um experimento com Redenção, que pecou muito pela inexperiencia e em diversos outros detalhes.
Entretanto A Grande Feira mostra algo mais claro, tem rumo, existe um fotografo que incendeia de beleza várias tomadas de Salvador, e os atores estão mais assentados, o diretor rege melhor a narrativa e tem na fita algo de muito mais de positivo, que é o seu todo. Apenas achei o Pitanga, que é um icone do cinema brasileiro, e mesmo depois de já ter trabalhado em alguns filmes, o menos desprendido. Lhe faltou algo, como garra e desenibição. Tocaia no Asfalto tenta abranger um tema forte e de claras e reais ocorrencias no Brasil; o pistoleiro de aluguel.
Não é tão bom quanto A Grande Feira e nem é dono de uma fotografia privilegiada, porem se assiste. Agildo está muito bem e a trama peca algumas vezes na continuidade. A estes tres eu acabei de rever na TV, mesmo já os tendo visto em seus lançamentos.Até achei que iriam passar Sol Sobre a Lama, de Viani, mas não ocorreu.
De lá para cá somente vi Eu me Lembro, do Navarro. Ótimo. Ótimo mesmo. Possivelmente porque eu também vivi aquela época e então fiz uma linda viagem no tempo.
Bem; já falei demais. É isso aí.
jurandir_lima@bol.com.br
Aplausos!!!
A postagem está acima da média.. excelente escolhas... bom ouvir do cinema nacional!
;D
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