maio 31, 2022

**************** DAVID LEAN: ÉPICO e ROMÂNTICO


 
“Há três filmes de David Lean que me influenciaram muito. Um é Lawrence da Arábia, meu favorito. O outro, A Ponte do Rio Kwai. Mas quando vi Doutor Jivago, achei-o uma obra-prima, e fiquei muito emocionado. Portanto, estes são os três que costumo rever antes de realizar meus filmes.”
STEVEN SPIELBERG
 
“Sempre quis fazer filmes que gostaria de ver quando fosse ao cinema. Adoro bons filmes. E o fundamental para poder fazer um é contar uma boa história que tenha bons personagens. Talvez por isso tenha dirigido apenas 16 longas-metragens. Passei parte da vida lendo histórias, escolhendo cuidadosamente projetos e trabalhando em roteiros.
DAVID LEAN
 
 
Para diretores como Steven Spielberg, Francis Ford Coppola ou Bernardo Bertolucci, DAVID LEAN (1908 - 1991. Croydon, Surrey, Inglaterra / Reino Unido) é uma referência fundamental. A obstinação do cineasta britânico, numa busca inabalável pela perfeição, resultou em épicos arrebatadores e dramas íntimos. Suas imagens fazem parte da história do cinema pelo senso inspirado de contar histórias. Seu excepcional talento pictórico e dramático, a grandiloquência e sofisticação técnica, a densidade psicológica, a construção realista dos personagens e a montagem precisa, impressionaram o mundo.
 
Por causa do perfeccionismo, realizou apenas 16 filmes, mas conseguiu o respeito e a admiração da crítica e do público. “Gosto de uma boa história, bem consistente, com começo, meio e fim. A maioria dos filmes novos não têm construção dramática. E devo dizer que gosto de uma boa construção dramática. Gosto de me emocionar quando vou ao cinema”, afirmou o cineasta. Ele construiu uma carreira marcada pela busca de qualidade. Descrito como bastante frio e obsessivo, mergulhava de corpo e alma em uma filmagem. Tinha pouca paciência com os atores e estava sempre em conflito com seu ator favorito, Alec Guinness, com quem rodou cinco filmes e cuja carreira lançou.

david lean nos anos 40
Possuía um domínio profundo das técnicas cinematográficas, interessado, sobretudo, em contar uma história e comunicar sentimentos. “Gosto de manter um controle rígido sobre todos os elementos de um filme. Acho que ser diretor é isso: estimular o talento dos outros e extrair deles todas as coisas que imaginou quando estava trabalhando no roteiro. Nesse sentido, acho que sou um bom ditador”, disse numa entrevista. 

Ele construiu um estilo próprio e uma perspectiva de mundo única, desenvolvendo uma linguagem de planos gerais grandiosos e elaborados movimentos de câmera. Lutava para fazer os filmes a seu modo e sem interferências. Nascido filho de um contador no elegante subúrbio londrino de Croydon, cresceu como o mais velho de dois irmãos em uma rigorosa família que olhava o cinema com desaprovação. Sempre que podia, ele se refugiava no cinema local, onde se entusiasmava com os filmes silenciosos norte-americanos, impressionando-se fortemente com “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse / The Four Horsemen of the Apocalypse” (1921) e “Mare Nostrum” (1926), ambos de Rex Ingram, diretor que admirava. 

Em 1927, aos 19 anos, embarcou na carreira cinematográfica, depois de um ano sem sucesso na firma de contabilidade de seu pai. Foi contratado sem remuneração no Gaumont Studios, de Londres, onde sua principal funções era servir chá. Depois de curto período de tempo neste e em outros serviços, incluindo assistente de câmera, tornou-se o terceiro assistente de direção. Queria aprender tudo e começou a assistir ao trabalho na sala de montagem. Em 1930, foi nomeado editor-chefe e logo se tornou o editor mais bem pago da Inglaterra. Da edição, voltou a atenção para a direção. Recebeu várias propostas para dirigir filmes, porém rejeitou-as, temendo que produções medíocres prejudicassem o seu futuro. Finalmente a oportunidade esperada surgiu, quando o consagrado teatrólogo de comédias sofisticadas, Noel Coward, resolveu realizar “Nosso Barco, Nossa Alma” e ofereceu a DAVID LEAN o cargo de co-diretor.

omar sharif e david lean em 1965
Em estilo semi-documentário e tom patriótico, a história de um destroier da Marinha Britânica, desde a sua construção até seu torpedeamento durante a Segunda Guerra Mundial, e dos homens que nele serviam. Concorreu ao Oscar nas categorias Melhor Filme e Melhor Roteiro Original. Na Inglaterra, foi considerado o longa mais popular do ano. A segunda parceria de Coward-Lean, “Este Povo Alegre”, da peça de Coward, mostra o cotidiano num lar suburbano entre as duas guerras. Evitando o sentimentalismo e o clima de teatro filmado, a crônica familiar de DAVID LEAN foi um dos maiores êxitos na Inglaterra em 1944.
 
Depois da comédia “Uma Mulher do Outro Mundo”, baseada também em peça de Coward, dirigiu “Desencanto”, um dos filmes britânicos românticos mais populares de todos os tempos. Narrando um frustrado romance com sinceridade e sutileza, através de flashbacks e em espaços confinados, o diretor realizou uma obra-prima intimista, recebendo indicação para o Oscar de Melhor Diretor e outra, juntamente com Coward e Havelock-Allan, para o de Melhor Roteiro. Em Cannes, levou o Prix International de Critique. Encorajado pelo sucesso, com seus parceiros da Cineguild produziu adaptações de dois romances de Charles Dickens: “Grandes Esperanças” e “Oliver Twist”.
 
Para o papel título de “Oliver Twist” selecionaram – entre 1.500 candidatos – John Howard Davies. Ao lado do melodrama, o aspecto social foi abordado, evocando-se condições desumanas, a miséria e a sordidez da Londres do século dezenove. Seu filme seguinte, “A História de uma Mulher”, baseado num romance de H. G. Wells, trata das dificuldades afetivas de um triângulo amoroso. Durante a filmagem, o diretor (então casado com Kay Walsh, sua segunda esposa – a primeira foi Isabel Lean, que lhe deu um filho, Peter) apaixonou-se por Ann Todd. Eles se divorciaram de seus respectivos companheiros e se casaram no ano seguinte. DAVID LEAN se casaria pela quarta vez com Leila Matkar, pela quinta vez com Sandra Hotz e pela sexta vez com Sandra Cooke. Apesar de casado, morou muitos anos com Barbara Cole.

lean, sophia loren e o oscar
Novamente com Ann Todd fez “As Cartas de Madeleine”, mas o drama fracassou. Voltaria aos estúdios no final de 1951 quando, a convite de Alexander Korda, rodou “Sem Barreira no Céu”, cuja verdadeira força está nas cenas aéreas fotografadas por Jack Hildyard. Voltou à comédia com “Papai é do Contra”. Cheia de sátira e sentimento, foi o Melhor Filme do Ano da British Film Academy e tem excelente performance de Charles Laughton, como o dono beberrão de uma loja de calçados. Rodado em Veneza, “Quando o Coração Floresce” inaugurou a carreira internacional de DAVID LEAN.
 
Ultrapassando o filme turístico, retrata a evolução de uma mulher que descobre o amor. Katharine Hepburn, em comovente desempenho, refletindo toda a luta interior entre o desejo e o medo de uma secretária de meia-idade frustrada, domina completamente o drama num papel sob medida para seu talento. Foi candidata ao Oscar de Melhor Atriz. “A Ponte do Rio Kwai” marcou a entrada triunfal do cineasta no superespetáculo. O autor do romance que serviu de base para o filme, Pierre Boulle, havia sido procurado pelo cineasta francês Henri-Georges Clouzot e por Alexander Korda. Sam Spiegel, porém, foi quem assinou o contrato, investindo três milhões e meio de dólares na produção.
 
Com locações no Ceilão, a produção levou três anos em preparo. Só a ponte, onde se dá o clímax da narrativa, levou oito meses para ser construída. O roteiro, assinado por Boulle – mas, na realidade, escrito por Carl Foreman e Michael Wilson, ambos então na Lista Negra comunista de Hollywood – traz uma mensagem pacifista, criticando não só a guerra como também o espírito militar exacerbado. O talento do diretor foi finalmente reconhecido com o Oscar. O segundo veio em 1962 com “Lawrence da Arábia”, o longa suntuoso pela qual DAVID LEAN ficou conhecido pelo resto de sua carreira.

lean nos anos 40
Ele trouxe intensidade para o projeto, que levou três anos para ser produzido e mais de um ano para ser filmado. Superprodução espetacular e, ao mesmo tempo, o retrato de um homem, uma figura histórica complexa e ambígua. Agente secreto, líder militar, agitador, exibicionista, sádico, masoquista, homossexual. Para o papel de Lawrence foi anunciado Marlon Brando, Cary Grant, Kirk Douglas e Albert Finney, mas terminou com Peter O’Toole (então com 28 anos) que se tornou um astro. 12 milhões de dólares foram investidos no filme rodado na Jordânia, Espanha, Egito, Damasco, Jerusalém e Marrocos. Conquistou sete Oscar. O produtor Sam Spiegel disse em entrevista: “Em toda a minha carreira não trabalhei com ninguém que se aproximasse remotamente da capacidade de David Lean de colocar imagens na tela”.
 
O próximo assunto a interessar o diretor – “por sua boa história de amor” - foi “Dr. Jivago”, o volumoso romance de Boris Pasternak, laureado com o Prêmio Nobel. Traça a trajetória de Yuri Jivago (Omar Sharif, depois de cogitados Paul Newman, Max Von Sydow e Burt Lancaster), médico e poeta, na Rússia do começo do século vinte, casado, que se apaixona por uma enfermeira também casada. Cinco anos depois, DAVID LEAN voltou à atividade, desta vez usando um argumento original de Robert Bolt, sobre uma jovem em remota aldeia irlandesa durante a Primeira Guerra Mundial. A Filha de Ryan, drama à maneira de Thomas Hardy, foi mal recebido, mas levou dois Oscar: Melhor Ator Coadjuvante (John Mills) e Melhor Fotografia (Freddie A. Young).
 
Na década de 1970, tentou filmar um remake de “O Grande Motim / Mutiny on the Bounty” (1936), um sonho que acalentava há anos, mas não deu certo. Inativo por 14 anos, finalmente rodou um clássico da literatura inglesa, “Passagem para a Índia”, de E. M. Foster.  Nos mostra um drama psicológico entrelaçado com a difícil convivência entre colonizadores e colonizados. Obteve 11 indicações para o Oscar (Lean concorreu em três categorias) e conquistou os de Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Trilha Sonora.  Em 1990, o American Film Institute (AFI) o premiou com o Lifetime Achievement Award.  
 
Em 1999, o British Film Institute fez uma lista com os 100 melhores filmes britânicos. Cinco de DAVID LEAN ficaram entre os 30 primeiros e três entre os cinco primeiros colocados. Ele morreu aos 83 anos, de câncer na garganta. Filmava “Nostromo”, do romance de Joseph Conrad. Provavelmente, seria mais uma grande obra de um cineasta para quem o cinema era fonte de prazer e expressão de beleza.

david lean, alec guinness e sessue hayakawa

TODOS os FILMES de DAVID LEAN
(por ordem de preferência)
 
01
DESENCANTO
(Brief Encounter, 1945)

Elenco: Celia Johnson, Trevor Howard e Stanley Holloway
Médico e dona de casa se conhecem em uma estação de trem. Ambos são razoavelmente felizes em seus casamentos. Passam a se encontrar todas as quintas-feiras, surgindo uma paixão, apesar de saberem que este amor é impossível.
 
02
A PONTE do RIO KWAI
(The Bridge on the River Kwai, 1957)

Elenco: William Holden, Alec Guinness, Jack Hawkins e Sessue Hayakawa
Na Segunda Guerra Mundial, soldados ingleses se tornam prisioneiros em um campo de concentração japonês. Este grupo é escolhido para construir uma ponte sobre o rio Kwai, mas um norte-americano que é prisioneiro do mesmo campo, decide destruí-la.
 
03
DOUTOR JIVAGO
(Doctor Zhivago, 1965)

Elenco: Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Rod Steiger, Alec Guinness, Tom Courtenay, Siobhan McKenna, Ralph Richardson, Rita Tushingham e Klaus Kinski
Durante e após a Revolução Russa, um médico e poeta casado tem um envolvimento com enfermeira que se torna o grande amor da sua vida.
 
04
GRANDES ESPERANÇAS
(Great Expectations, 1946)

Elenco: John Mills, Valerie Hobson, Jean Simmons, Martita Hunt e Alec Guinness
Criança humilde convive com senhora amargurada pela perda do seu amor. Quando cresce, recebe de um patrocinador misterioso uma chance para viver em Londres.
 
05
LAWRENCE da ARÁBIA
(Lawrence of Arabia, 1962)

Elenco: Peter O'Toole, Alec Guinness, Anthony Quinn, Jack Hawkins, Omar Sharif, Jose Ferrer, Anthony Quayle, Claude Rains e Arthur Kennedy
Em 1916, na Primeira Guerra Mundial, tenente do exército britânico, admirador do deserto e da vida beduína, se oferece para ajudar os árabes a se libertarem dos turcos.
 
06
OLIVER TWIST
(Idem, 1948)

Elenco: John Howard Davies, Robert Newton, Alec Guinness e Francis L. Sullivan
Órfão sofrido foge para Londres, onde acaba se unindo a um bando de delinquentes liderados por um vigarista que usa os garotos para cometer pequenos roubos.
 
07
A HISTÓRIA de uma MULHER
(The Passionate Friends, 1949)

Elenco: Ann Todd, Trevor Howard e Claude Rains
Em busca de segurança financeira, jovem abandona o homem que ama e casa com um rico mais velho. Anos depois, reencontra seu antigo namorado.
 
08
ESTE POVO ALEGRE
(This Happy Breed, 1944)

Elenco: John Mills, Celia Johnson e Robert Newton
Após a Primeira Guerra Mundial, família operária se muda para subúrbio inglês. Até a Segunda Guerra, o cotidiano deles compõe variação de alegrias e infelicidades.
 
09
A FILHA de RYAN
(Ryan's Daughter, 1970)

Elenco: Sarah Miles, Robert Mitchum, Trevor Howard, John Mills e Christoper Jones
Na Primeira Guerra Mundial, em cidade irlandesa, deficiente mental expõe para todos que mulher casada tem caso com um oficial britânico, provocando revolta nos habitantes.
 
10
QUANDO o CORAÇÃO FLORESCE
(Summertime, 1955)

Elenco: Katharine Hepburn, Rossano Brazzi e Isa Miranda
Norte-america en Veneza, apaixona-se por italiano. Sua alegria é abalada quando descobre que ele é casado, mas decide encarar as adversidades.
 
11
PASSAGEM para a ÍNDIA
(A Passage to India, 1984)

Elenco: Judy Davis, Victor Banerjee, Peggy Ashcroft, James Fox e Alec Guinness
Duas inglesas fazem uma viagem pela Índia nos anos 1920, imersa em intensos problemas raciais. Um médico local lhes serve de guia e, em visita às grutas de Marabar, um incidente se transforma em acusação de estupro.
 
12
As CARTAS de MADELEINE
(Madeleine, 1950)

Elenco: Ann Todd, Norman Wooland, Ivan Desny e Leslie Banks
No século XIX, uma poderosa e rica família muda-se para uma casa nova. Uma das filhas, menina dos olhos do pai, envolve-se com um jovem humilde.
 
13
NOSSO BARCO, NOSSA ALMA
(In Which We Serve, 1942)

Elenco: Noël Coward, John Mills, Bernard Miles, Celia Johnson e Michael Wilding
Análise psicológica dos sentimentos e reações de grupo de náufragos, enquanto esperam pelo resgate que talvez não chegue a tempo.
 
14
PAPAI é do CONTRA
(Hobson's Choice, 1954)

Elenco: Charles Laughton, John Mills e Brenda de Banzie
Alcoólatra viúvo, dono de sapataria que tem uma boa clientela, calunia a filha mais velha para evitar que ela se case e abandone a administração do negócio familiar.
 
15
SEM BARREIRA no CÉU
(The Sound Barrier, 1952)

Elenco: Ralph Richardson, Ann Todd, Nigel Patrick e Denholm Elliott
Piloto se casa com a herdeira de um magnata da aviação. O sogro está obcecado em romper a barreira do som com seu novo modelo a jato. As habilidades do rapaz facilitam a sua aceitação, sendo que sua esposa passa a temer ficar viúva a qualquer momento.
 
16
Uma MULHER do OUTRO MUNDO
(Blithe Spirit, 1945)

Elenco: Rex Harrison, Constance Cummings, Kay Hammond e Margaret Rutherford
Depois de uma sessão de espiritismo, um escritor é atormentado pela visita de sua ex-mulher falecida. No entanto, sua atual esposa se recusa a acreditar nele.


Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

O cinema desse cineasta, infelizmente, não existe mais, pois esses atuais somente se entregam ao CGI ao invés de ir para um grande deserto filmar.