“Há três
filmes de David Lean que me influenciaram muito. Um é Lawrence da Arábia, meu
favorito. O outro, A Ponte do Rio Kwai. Mas quando vi Doutor Jivago, achei-o
uma obra-prima, e fiquei muito emocionado. Portanto, estes são os três que
costumo rever antes de realizar meus filmes.”
STEVEN
SPIELBERG
“Sempre
quis fazer filmes que gostaria de ver quando fosse ao cinema. Adoro bons
filmes. E o fundamental para poder fazer um é contar uma boa história que tenha
bons personagens. Talvez por isso tenha dirigido apenas 16 longas-metragens.
Passei parte da vida lendo histórias, escolhendo cuidadosamente projetos e
trabalhando em roteiros.”
DAVID
LEAN
Para
diretores como Steven Spielberg, Francis Ford Coppola ou Bernardo Bertolucci, DAVID
LEAN (1908 - 1991. Croydon, Surrey, Inglaterra / Reino Unido) é uma referência
fundamental. A obstinação do cineasta britânico, numa busca inabalável pela
perfeição, resultou em épicos arrebatadores e dramas íntimos. Suas imagens
fazem parte da história do cinema pelo senso inspirado de contar histórias. Seu
excepcional talento pictórico e dramático, a grandiloquência e sofisticação
técnica, a densidade psicológica, a construção realista dos personagens e a
montagem precisa, impressionaram o mundo.
Por causa
do perfeccionismo, realizou apenas 16 filmes, mas conseguiu o respeito e a
admiração da crítica e do público. “Gosto de uma boa história, bem consistente,
com começo, meio e fim. A maioria dos filmes novos não têm construção
dramática. E devo dizer que gosto de uma boa construção dramática. Gosto de me
emocionar quando vou ao cinema”, afirmou o cineasta. Ele construiu uma carreira marcada
pela busca de qualidade. Descrito como bastante frio e obsessivo,
mergulhava de corpo e alma em uma filmagem. Tinha pouca paciência com os
atores e estava sempre em conflito com seu ator favorito, Alec Guinness, com
quem rodou cinco filmes e cuja carreira lançou.
david lean nos anos 40 |
Ele construiu um estilo próprio e uma
perspectiva de mundo única, desenvolvendo uma linguagem de planos gerais
grandiosos e elaborados movimentos de câmera. Lutava para fazer os filmes a
seu modo e sem interferências. Nascido
filho de um contador no elegante subúrbio londrino de Croydon, cresceu como o
mais velho de dois irmãos em uma rigorosa família que olhava o cinema com
desaprovação. Sempre que podia, ele se refugiava no cinema local, onde se
entusiasmava com os filmes silenciosos norte-americanos, impressionando-se
fortemente com “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse / The Four Horsemen of the
Apocalypse” (1921) e “Mare Nostrum” (1926), ambos de Rex Ingram, diretor que
admirava.
Em 1927, aos 19 anos, embarcou na carreira cinematográfica, depois de
um ano sem sucesso na firma de contabilidade de seu pai. Foi contratado sem
remuneração no Gaumont Studios, de Londres, onde sua principal funções era
servir chá. Depois de
curto período de tempo neste e em outros serviços, incluindo assistente de
câmera, tornou-se o terceiro assistente de direção. Queria aprender tudo e
começou a assistir ao trabalho na sala de montagem. Em 1930, foi nomeado editor-chefe
e logo se tornou o editor mais bem pago da Inglaterra. Da
edição, voltou a atenção para a direção. Recebeu várias propostas para dirigir
filmes, porém rejeitou-as, temendo que produções medíocres prejudicassem o seu
futuro. Finalmente a oportunidade esperada surgiu, quando o consagrado
teatrólogo de comédias sofisticadas, Noel Coward, resolveu realizar “Nosso
Barco, Nossa Alma” e ofereceu a DAVID LEAN o cargo de co-diretor.
Em estilo
semi-documentário e tom patriótico, a história de um destroier da Marinha
Britânica, desde a sua construção até seu torpedeamento durante a Segunda
Guerra Mundial, e dos homens que nele serviam. Concorreu ao Oscar nas
categorias Melhor Filme e Melhor Roteiro Original. Na Inglaterra, foi
considerado o longa mais popular do ano. A segunda parceria de Coward-Lean, “Este Povo Alegre”, da peça de Coward, mostra o cotidiano num lar suburbano entre as duas guerras. Evitando o
sentimentalismo e o clima de teatro filmado, a crônica familiar de DAVID LEAN foi
um dos maiores êxitos na Inglaterra em 1944.
Depois da
comédia “Uma Mulher do Outro Mundo”, baseada também em peça de Coward,
dirigiu “Desencanto”, um dos filmes britânicos românticos mais populares de
todos os tempos. Narrando um frustrado romance com sinceridade e sutileza,
através de flashbacks e em espaços confinados, o diretor realizou uma
obra-prima intimista, recebendo indicação para o Oscar de Melhor Diretor e
outra, juntamente com Coward e Havelock-Allan, para o de Melhor Roteiro. Em Cannes, levou o Prix International de
Critique. Encorajado pelo sucesso, com seus parceiros da Cineguild produziu
adaptações de dois romances de Charles Dickens: “Grandes
Esperanças” e “Oliver Twist”.
Para o
papel título de “Oliver Twist” selecionaram – entre 1.500 candidatos – John
Howard Davies. Ao lado do melodrama, o aspecto social foi abordado, evocando-se
condições desumanas, a miséria e a sordidez da Londres do século dezenove. Seu
filme seguinte, “A História de uma Mulher”, baseado num romance de H. G. Wells,
trata das dificuldades afetivas de um triângulo amoroso. Durante a filmagem, o
diretor (então casado com Kay Walsh, sua segunda esposa – a primeira foi Isabel
Lean, que lhe deu um filho, Peter) apaixonou-se por Ann Todd. Eles se
divorciaram de seus respectivos companheiros e se casaram no ano seguinte. DAVID
LEAN se casaria pela quarta vez com Leila Matkar, pela quinta vez com Sandra
Hotz e pela sexta vez com Sandra Cooke. Apesar de casado, morou muitos anos com
Barbara Cole.
Novamente
com Ann Todd fez “As Cartas de Madeleine”, mas o drama fracassou. Voltaria aos
estúdios no final de 1951 quando, a convite de Alexander Korda, rodou “Sem
Barreira no Céu”, cuja verdadeira força está nas cenas aéreas fotografadas por
Jack Hildyard. Voltou à comédia com “Papai é do Contra”. Cheia de sátira e sentimento, foi o Melhor Filme do Ano da British Film Academy e tem excelente
performance de Charles Laughton, como o dono beberrão de uma loja de calçados. Rodado em Veneza, “Quando o Coração Floresce” inaugurou a carreira
internacional de DAVID LEAN.
Ultrapassando
o filme turístico, retrata a evolução de uma mulher que descobre o amor.
Katharine Hepburn, em comovente desempenho, refletindo toda a luta interior
entre o desejo e o medo de uma secretária de meia-idade frustrada, domina
completamente o drama num papel sob medida para seu talento. Foi candidata ao
Oscar de Melhor Atriz. “A Ponte do Rio Kwai” marcou a entrada triunfal do
cineasta no superespetáculo. O autor do romance que serviu de base para o
filme, Pierre Boulle, havia sido procurado pelo cineasta francês Henri-Georges
Clouzot e por Alexander Korda. Sam Spiegel, porém, foi quem assinou o contrato,
investindo três milhões e meio de dólares na produção.
Com
locações no Ceilão, a produção levou três anos em preparo. Só a ponte, onde se
dá o clímax da narrativa, levou oito meses para ser construída. O roteiro,
assinado por Boulle – mas, na realidade, escrito por Carl Foreman e Michael
Wilson, ambos então na Lista Negra comunista de Hollywood – traz uma mensagem
pacifista, criticando não só a guerra como também o espírito militar
exacerbado. O talento do diretor foi finalmente reconhecido com o Oscar. O
segundo veio em 1962 com “Lawrence da Arábia”, o longa suntuoso pela qual DAVID
LEAN ficou conhecido pelo resto de sua carreira.
Ele
trouxe intensidade para o projeto, que levou três anos para ser produzido e
mais de um ano para ser filmado. Superprodução espetacular e, ao mesmo tempo, o
retrato de um homem, uma figura histórica complexa e ambígua. Agente secreto,
líder militar, agitador, exibicionista, sádico, masoquista, homossexual. Para o
papel de Lawrence foi anunciado Marlon Brando, Cary Grant, Kirk Douglas e
Albert Finney, mas terminou com Peter O’Toole (então com 28 anos) que se tornou
um astro. 12 milhões de dólares foram investidos no filme rodado na Jordânia,
Espanha, Egito, Damasco, Jerusalém e Marrocos. Conquistou sete Oscar. O
produtor Sam Spiegel disse em entrevista: “Em toda a minha carreira não
trabalhei com ninguém que se aproximasse remotamente da capacidade de David
Lean de colocar imagens na tela”.
O próximo
assunto a interessar o diretor – “por sua boa história de amor” - foi “Dr. Jivago”,
o volumoso romance de Boris Pasternak, laureado com o Prêmio Nobel. Traça a
trajetória de Yuri Jivago (Omar Sharif, depois de cogitados Paul Newman, Max
Von Sydow e Burt Lancaster), médico e poeta, na Rússia do começo do século
vinte, casado, que se apaixona por uma enfermeira também casada. Cinco anos
depois, DAVID LEAN voltou à atividade, desta vez usando um argumento original
de Robert Bolt, sobre uma jovem em remota aldeia irlandesa durante a Primeira
Guerra Mundial. “A Filha de Ryan”, drama à maneira de Thomas Hardy, foi mal recebido, mas levou
dois Oscar: Melhor Ator Coadjuvante (John Mills) e Melhor Fotografia (Freddie A.
Young).
Na década
de 1970, tentou filmar um remake de “O Grande Motim / Mutiny on the Bounty”
(1936), um sonho que acalentava há anos, mas não deu certo. Inativo por 14 anos,
finalmente rodou um clássico da literatura inglesa, “Passagem para a
Índia”, de E. M. Foster. Nos mostra um
drama psicológico entrelaçado com a difícil convivência entre colonizadores e
colonizados. Obteve 11 indicações para o Oscar (Lean concorreu em três
categorias) e conquistou os de Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Trilha
Sonora. Em 1990, o American Film
Institute (AFI) o premiou com o Lifetime Achievement Award.
Em 1999,
o British Film Institute fez uma lista com os 100 melhores filmes britânicos. Cinco de DAVID LEAN ficaram entre os 30 primeiros e três entre os cinco primeiros colocados. Ele morreu aos 83 anos, de câncer na
garganta. Filmava “Nostromo”, do romance de Joseph Conrad. Provavelmente,
seria mais uma grande obra de um cineasta para quem o cinema era fonte de prazer e expressão de beleza.
TODOS os
FILMES de DAVID LEAN
(por
ordem de preferência)
01
DESENCANTO
(Brief
Encounter, 1945)
Elenco: Celia
Johnson, Trevor Howard e Stanley Holloway
Médico
e dona de casa se conhecem em uma estação de trem. Ambos são razoavelmente
felizes em seus casamentos. Passam a se encontrar todas as
quintas-feiras, surgindo uma paixão, apesar de saberem que este amor é
impossível.
02
A PONTE
do RIO KWAI
(The
Bridge on the River Kwai, 1957)
Elenco: William
Holden, Alec Guinness, Jack Hawkins e Sessue Hayakawa
Na Segunda
Guerra Mundial, soldados ingleses se tornam prisioneiros em um campo de
concentração japonês. Este grupo é escolhido para construir uma ponte sobre o
rio Kwai, mas um norte-americano que é prisioneiro do mesmo campo, decide destruí-la.
03
DOUTOR
JIVAGO
(Doctor
Zhivago, 1965)
Elenco:
Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Rod Steiger, Alec Guinness, Tom
Courtenay, Siobhan McKenna, Ralph Richardson, Rita Tushingham e Klaus Kinski
Durante e
após a Revolução Russa, um médico e poeta casado tem um envolvimento com
enfermeira que se torna o grande amor da sua vida.
04
GRANDES
ESPERANÇAS
(Great
Expectations, 1946)
Elenco:
John Mills, Valerie Hobson, Jean Simmons, Martita Hunt e Alec
Guinness
Criança humilde convive com senhora amargurada pela perda do
seu amor. Quando cresce, recebe de um patrocinador misterioso uma chance
para viver em Londres.
05
LAWRENCE
da ARÁBIA
(Lawrence
of Arabia, 1962)
Elenco: Peter
O'Toole, Alec Guinness, Anthony Quinn, Jack Hawkins, Omar Sharif, Jose Ferrer,
Anthony Quayle, Claude Rains e Arthur Kennedy
Em 1916, na Primeira Guerra Mundial, tenente do exército britânico, admirador do
deserto e da vida beduína, se oferece para ajudar os árabes a se
libertarem dos turcos.
06
OLIVER
TWIST
(Idem,
1948)
Elenco: John
Howard Davies, Robert Newton, Alec Guinness e Francis L. Sullivan
Órfão
sofrido foge para Londres, onde acaba se unindo a um bando de delinquentes
liderados por um vigarista que usa os garotos para cometer pequenos roubos.
07
A
HISTÓRIA de uma MULHER
(The
Passionate Friends, 1949)
Elenco: Ann
Todd, Trevor Howard e Claude Rains
Em busca
de segurança financeira, jovem abandona o homem que ama e casa com um rico mais
velho. Anos depois, reencontra seu antigo namorado.
08
ESTE POVO
ALEGRE
(This
Happy Breed, 1944)
Elenco: John
Mills, Celia Johnson e Robert Newton
Após a
Primeira Guerra Mundial, família operária se muda para subúrbio inglês. Até a Segunda Guerra, o cotidiano deles compõe variação de
alegrias e infelicidades.
09
A FILHA
de RYAN
(Ryan's
Daughter, 1970)
Elenco: Sarah
Miles, Robert Mitchum, Trevor Howard, John Mills e Christoper Jones
Na Primeira
Guerra Mundial, em cidade irlandesa, deficiente mental expõe para todos que mulher casada tem caso com um oficial britânico, provocando revolta nos
habitantes.
10
QUANDO o
CORAÇÃO FLORESCE
(Summertime,
1955)
Elenco: Katharine
Hepburn, Rossano Brazzi e Isa Miranda
Norte-america en Veneza, apaixona-se por italiano. Sua
alegria é abalada quando descobre que ele é casado, mas decide encarar as adversidades.
11
PASSAGEM
para a ÍNDIA
(A
Passage to India, 1984)
Elenco:
Judy Davis, Victor Banerjee, Peggy Ashcroft, James Fox e Alec Guinness
Duas
inglesas fazem uma viagem pela Índia nos anos 1920, imersa em intensos
problemas raciais. Um médico local lhes serve de guia e, em visita às grutas de
Marabar, um incidente se transforma em acusação de estupro.
12
As CARTAS
de MADELEINE
(Madeleine,
1950)
Elenco: Ann
Todd, Norman Wooland, Ivan Desny e Leslie Banks
No século
XIX, uma poderosa e rica família muda-se para uma casa nova. Uma das filhas, menina
dos olhos do pai, envolve-se com um jovem humilde.
13
NOSSO
BARCO, NOSSA ALMA
(In Which
We Serve, 1942)
Elenco: Noël
Coward, John Mills, Bernard Miles, Celia Johnson e Michael Wilding
Análise
psicológica dos sentimentos e reações de grupo de náufragos, enquanto esperam
pelo resgate que talvez não chegue a tempo.
14
PAPAI é
do CONTRA
(Hobson's
Choice, 1954)
Elenco: Charles
Laughton, John Mills e Brenda de Banzie
Alcoólatra
viúvo, dono de sapataria que tem uma boa clientela,
calunia a filha mais velha para evitar que ela se case e abandone a
administração do negócio familiar.
15
SEM
BARREIRA no CÉU
(The
Sound Barrier, 1952)
Elenco:
Ralph
Richardson, Ann Todd, Nigel Patrick e Denholm Elliott
Piloto se casa com a herdeira de um magnata da aviação. O sogro
está obcecado em romper a barreira do som com seu novo modelo a jato. As
habilidades do rapaz facilitam a sua aceitação, sendo que sua esposa passa a temer ficar viúva a qualquer momento.
16
Uma
MULHER do OUTRO MUNDO
(Blithe
Spirit, 1945)
Elenco:
Rex
Harrison, Constance Cummings, Kay Hammond e Margaret Rutherford
Depois de
uma sessão de espiritismo, um escritor é atormentado pela visita de sua
ex-mulher falecida. No entanto, sua atual esposa se recusa a acreditar nele.
Um comentário:
O cinema desse cineasta, infelizmente, não existe mais, pois esses atuais somente se entregam ao CGI ao invés de ir para um grande deserto filmar.
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