ANTONIO
NAHUD entrevistou o cineasta CARLOS SAURA em Barcelona, Espanha, 2001.
Entrevista publicada no jornal “A Tarde” (BA) e no livro “ArtePalavra –
Conversas no Velho Mundo” (2003).
O
aragonês CARLOS SAURA (1932. Huesca / Espanha) cresceu em Madri, é irmão de um
famoso pintor – Antonio Saura – e ex-marido da atriz Geraldine Chaplin, com
quem trabalhou em diversos clássicos nos anos 60 e 70. Sua trajetória é uma das
mais importantes do panorama cinematográfico europeu da segunda metade do séc.
XX. Do neo-realismo
dos primeiros anos a introspecção melancólica e memorial, sua inquieta personalidade
o levou a diversos gêneros: musical (“Carmen”, 1983), épico histórico (“El
Dorado”, 1988), comédia (“Ay, Carmela!”, 1990), policial (“Dispara!”, 1993),
biografia (“Goya”, 1999). Sua versatilidade define sua arte. Além de cineasta,
é fotógrafo, roteirista, desenhista e professor da Escola Oficial de Cine.
Com
tantas facetas, incluiu recentemente mais unha, a de escritor, com a publicação
de “Esa Luz!”, onde descreve a crueldade e a violência de uma Guerra Civil, através
de um casal com uma filha pequena. Logo depois, apresentou seu mais recente
filme, uma fantasia pessoal e inclassificável que leva o título de “Buñuel e a
Mesa do Rei Salomão”.
Longe
de se tratar de uma cinebiografia tradicional sobre o mítico cineasta
surrealista, propõe uma obra fictícia ambientada nos anos de juventude de Luiz
Buñuel e seus amigos Salvador Dalí e Federico García Lorca. Trata-se uma
aventura com a magia de “Indiana Jones”, onde três amigos buscam a disputada
mesa do rei bíblico, objeto mágico desejado por judeus, muçulmanos e cristãos.
Dá a quem o encontre o dom de ver o passado, o presente e o futuro. Eu o
encontrei na Galeria do Círculo de Leitores. Conversamos caminhando lentamente
diante de fotografias de sua autoria dos anos 50 e 60. Imagens expressivas, em
preto e branco, lembrando Cartier-Bresson. O talentoso CARLOS SAURA se revelou
discreto, inteligente, sereno. Confira:
Considera
extravagante transformar Buñuel em personagem de ficção?
Não
me interessava contar a vida de Buñuel. Queria um
filme possuído pela imaginação, e assim narrar o que penso sobre ele.
Era uma ideia antiga. Convidado para homenagear o mestre aragonês
no seu centenário, disse claramente o que pensava do projeto. O produtor me deixou
livre para fazer o que bem entendesse.
Dois
atores fazem Buñuel. O senhor foi amigo do cineasta de “Viridiana”, teve um conhecimento próximo. Foi
penoso encontrar o intérprete ideal?
Bastante complicado. Queria alguém semelhante a Buñuel, que não decepcionasse o público que tem uma
ideia dele própria. O produtor apareceu com o comediante El Gran
Wyoming, mas não me convenceu. Após uma longa conversa e ao vê-lo ser
caracterizado durante cinco horas de maquiagem, percebi que era o ator certo,
inclusive com sotaque aragonês eficiente. Para interpretar o jovem Buñuel, foi
mais fácil encontrar Pere Arquillué. Não pensava em realismo, não queria uma
réplica, apostei em uma brincadeira com o mundo da imaginação.
É um
filme pontuado por referências cinematográficas, de Fritz Lang a “Um Cão
Andaluz”. Acha que o público vai captar esse capricho cinéfilo?
Poucos conhecem bem a obra de Buñuel, de Dalí e de Lorca, mas é um
problema deles, não me representa um cinema simples, mastigado para todo tipo
de público. Se captar a erudição, ótimo, se não, talvez se diverta com a
mágica da imaginação.
O
senhor se interessa pelo surrealismo?
Não me interessa. Não faz parte da minha
ideia narrativa.
O que
procura passar adiante como roteirista?
Não
procuro a perfeição. Os filmes que gosto geralmente não têm roteiros
maravilhosos, não são certinhos, aprecio mais a forma do que a história.
Fellini emendava partes do roteiro durante a filmagem. Godard fez filmes
fantásticos com poucas frases. Existem diretores que necessitam um roteiro de
ferro, bem estruturado. Talvez seja uma mania conservadora. Os roteiros
convencionais me aborrecem. Não suporto isso de: Lúcia - “Como está?”; Antonio
– “Estou bem, e você?”, e assim sucessivamente.
Escrevo um roteiro com liberdade literária, descrevendo o emocional dos personagens,
a atmosfera, os gestos de cada um. Acho mais interessante e mais fácil escrever
um roteiro dessa forma.
Este
ano lançou seu primeiro romance, “Esa Luz!”. Conta sobre ele pra gente.
Trata
da história de um jovem casal, Teresa e Diego, brutalmente separado durante a
Guerra Civil espanhola. É uma história de amor. Mostra o absurdo e a injustiça
de uma guerra que marcou profundamente a Espanha.
Muitos
se queixam do número reduzido de bons romances e de outras obras artísticas espanholas
que tratem deste polêmico e absurdo período histórico.
Custa
escrever sobre um fato tão doloroso e recente da nossa história. Procurei ser
sincero. Descrevi o horror, a falta de sentido e o absurdo de uma guerra.
O
cinema espanhol passa por um bom momento?
O
cinema espanhol sempre produziu bons filmes. Atualmente há uma euforia que
talvez não se corresponda a realidade. São jovens fazendo filmes para um
público jovem. Há gente jovem que faz bom cinema, gente madura que faz
bom cinema e velhos, como eu, que não fazem tão bom cinema, mas seguimos filmando.
Qual
o seu próximo projeto cinematográfico?
Vou rodar em dezembro “Salomé”, no estilo “Tango”, misturando ficção e a
montagem de um balé. Me interessa também a pessoa de Felipe II, um dos
personagens históricos que mais estudei ao longo da vida. Quero fazer um filme
sobre ele.
DEZ FILMES de SAURA
(por ordem de preferência)
01
ANA e os LOBOS
elenco: Geraldine Chaplin, Fernando Fernán Gómez e Rafaela Aparício
02
CRÍA CUERVOS
elenco: Geraldine Chaplin, Mónica Randall e Ana Torrent
Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes
03
O SÉTIMO DIA
elenco: José Garcia, Victoria Abril e Juan Diego
04
AY, CARMELA
elenco: Carmen Maura, Andrés Pajares, Gabino Diego
e José Sancho
European Film Awards de Melhor Atriz
Goya de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro,
Melhor Ator, Melhor
Atriz, Melhor Ator Coadj. (Diego);
05
GOYA
elenco: Francisco Rabal, José Coronado e Maribel Verdú
Goya de Melhor Ator e Melhor Fotografia
06
BODAS DE SANGRE
elenco: Antonio Gades, Cristina Hoyos e Juan Antonio Jiménez
07
ANTONIETA
elenco: Isabelle Adjani, Hanna Schygulla e Ignacio López Tarso
08
ELISA, VIDA MINHA
elenco: Fernando Rey, Geraldine Chaplin e Ana Torrent
Melhor Ator no Festival de Cannes
09
CARMEN
elenco: Antonio Gades, Laura del Sol, Paco de Lucía
e Cristina Hoyos
BAFTA de Melhor Filme em Língua Estrangeira
10
A NOITE ESCURA
elenco: Juan Diego, Fernando Guillén e Manuel de Blas
2 comentários:
Meu preferido é "Elisa, via minha".
Assisti poucos filmes dele ...Ana e os Lobos....Bodas de Sangue....Cria Cuervos....Pretendo ler o livro que está escrevendo..nem sei se já publicou: ''Esa Luz'.// A Guerra Civil Espanhola é um dos assuntos que mais me instigam..dadas as complexidades dos muitos fatores que a
compuseram...e a criaram...Se bem que a visão esquerdista dos intelectuais da época ...eu a acho muito enviesada...Mas ..um leitor sagaz pode abstrair esse enviesamento..e fruir o genial ...Quanto mais olhares diferentes conhecermos sobre um assunto..tanto melhor para nossa pesquisa...E Carlos Saura é dos bons ...(Eu sou apenas uma estudiosa de assuntos que amo ...)
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