abril 06, 2011

************ LUIS BUÑUEL, "ATEU GRAÇAS a DEUS"

buñuel por man ray

Eu morava em Barcelona quando se comemorou o centenário de nascimento de LUIS BUÑUEL (1900 - 1983). Publicações, exposições, documentários, debates, cursos sobre o seu estilo inimitável, recuperação virtual do seu arquivo particular, seminários e retrospectivas na tevê e em cinematecas - com a presença do roteirista Jean-Claude Carrière, que colaborou com o comunista convicto em vários filmes e ajudou-o a escrever suas memórias, a excelente auto-biografia “Meu Último Suspiro” - celebraram vida e obra do considerado maior cineasta espanhol de sempre. Neste ano festivo, aproveitei para conhecer sua fase mexicana e algumas fitas francesas posteriores que há muito tinha vontade de assistir, concluindo que o papa do surrealismo não me empolga o suficiente, embora aprecie duas ou três obras-primas suas. No entanto, concordo que sua trajetória artística é bem incomum. 

Seu filme de estréia, “Um Cão Andaluz / Um Chien Andalou” (1928), realizado com o dinheiro materno e co-autoria de Salvador Dalí, chocou o público com cenas como a que mostra um olho sendo cortado por uma navalha e virou moda nas conversas de intelectuais, frustrando o jovem cineasta rebelde. “Esse Obscuro Objeto do Desejo / C’est Obscur Objet Du Désir”, de l977, foi o seu último trabalho, contando a inquietante relação sadomasoquista entre um casal que nunca consegue fazer sexo, principalmente devido às artimanhas da protagonista, vivida simultaneamente por duas atrizes que se revezam em cena, a francesa Carole Bouquet e a espanhola Angela Molina. Nesses quase 50 anos de carreira ruidosa e premiada, ele concluiu 32 filmes fantásticos, produzidos em diversos países e em idiomas distintos, sendo os mais recordados: “Os Esquecidos / Los Olvidados” (1950), “O Anjo Exterminador / El Angel Exterminador” (1962) e “A Bela da Tarde / La Belle de Jour” (1967).

Controverso, divertido, original, sempre fiel a si mesmo e pouco compreendido em seu país, LUIS BUÑUEL tem crescido com o passar do tempo, expandindo sua legião de admiradores. Filho de uma abastada família que a princípio pensou que ele se tornaria um emissário de Deus, perdeu completamente a fé aos 15 anos, abandonando o colégio dos jesuítas e por toda vida se autodefinindo como “ateu graças a Deus”. Falecido em l983, no México, a pátria dos seus melodramas baratos, o diretor levou uma vida inusitada. Fugiu do franquismo, foi denunciado por Dali em Nova York como comunista em plena época da caça às bruxas e mudou-se para o México com 40 dólares no bolso, uma esposa e dois filhos, adaptando-se as humildes condições do cinema do país nos anos 40/50. 

Somente após os 50 anos de idade alcançou o reconhecimento internacional e verdadeiras possibilidades de trabalho, filmando com estrelas como Gérard Philiphe, Catherine Deneuve, Simone Signoret, Jeanne Moreau, Monica Vitti e Michel Piccoli. “A marca de Buñuel está em todos os seus filmes. Mesmo nos ruins que fez no México. Sempre há uma cena, um detalhe, que diz este é um filme de Buñuel”, garante o escritor mexicano Carlos Fuentes, concluindo: “Ele é a afirmação do cinema como expressão pessoal, histórica e política. É uma virtude sua única, particular, assim como Orson Welles emCidadão Kane” e Jean Renoir em “A Grande Ilusão”. Buñuel é fenomenal. Está entre os cinco grandes cineastas do século 20”.

catherine deneuve e pierre clementi
em "a bela da tarde"
Ele tentou ser engenheiro agrônomo, boxeador, músico e poeta - como seu amigo Federico García Lorca, com quem conviveu na famosa Residência de Estudantes de Madri, nos anos 20 -, mas em Paris descobriu o cinema e nunca mais o deixou, primeiro como assistente de direção de Jean Epstein e depois passando à direção com os audaciosos Um Cão Andaluz” e “A Idade do Ouro / L´Âge d´Or”, que gerou um enorme escândalo, com um grupo de manifestantes invadindo a sala de projeção, jogando bombas de fumaça e quebrando tudo. Poucos dias depois, a censura proibia o filme, mas a essa altura o diretor estava nos EUA, estagiando na M-G-M. Mas o estágio durou pouco, com Buñuel sendo expulso de Hollywood ao chamar a atriz Lili Damita de prostituta. 

Depois de rodar um documentário na Espanha, o cineasta ficou sem filmar cerca de 15 anos. No México, no final dos anos 40, reiniciaria sua carreira, sendo a seguir laureado com o prêmio de direção no Festival de Cannes de 1951 com “Os Esquecidos”. Onze anos depois levaria a Palma de Ouro no mesmo festival com o espanhol “Viridiana”, censurado e resultando numa nova expulsão do cineasta do seu país natal. A sua fase final mostra filmes reconhecidos unanimemente pela crítica, mas com pouco êxito de bilheterias. 

Em l972, ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com “O Discreto Charme da Burguesia”. Sobre ele disse o patrício Carlos Saura: “O cinema de Buñuel bebe suas fontes em um anarquismo visceral como reação a uma Espanha conservadora, prisioneira de um passado dominado pela igreja e pela mediocridade dos políticos”. De carreira consolidada, numa fórmula jocosa e sutil, sempre criticando a burguesia, os políticos de direita e a religião católica, LUIS BUÑUEL criou uma obra poética, visionária e completamente irreverente, que lhe garantiu um lugar na galeria dos melhores cineastas de todos os tempos.


10 FILMES de BUÑUEL

Os ESQUECIDOS
(Los Olvidados, 1950)
Com: Estella Inda, Miguel Inclán e Roberto Cobo


ENSAIO de umCRIME
(Ensayo de Un Crimen, 1955)
Com: Ernesto Alonso, Miroslava Stern e Rita Macedo

NAZARIN
(idem, 1958)
Com: Francisco Rabal, Marga López e Rita Macedo

VIRIDIANA
(idem, 1961)
Com: Silvia Piñal, Francisco Rabal e Fernando Rey


O ANJO EXTERMINADOR
(El Angel Exterminador, 1962)
Com: Silvia Piñal, Augusto Benedico e José Baviera

O DIÁRIO de uma CAMAREIRA
(Le Journal d’une Femme de Chambre, 1964)
Com: Jeanne Moreau, Georges Geret e Michel Piccoli

A BELA da TARDE
(Belle de Jour, 1967)
Com: Catherine Deneuve, Jean Sorel, Michel Piccoli
e Pierre Clementi

TRISTANA, uma PAIXÃO MÓRBIDA
(Tristana, 1970)
Com: Catherine Deneuve, Fernando Rey e Franco Nero


O DISCRETO CHARME da BURGUESIA
(Le Charme Discret de La Bourgeoisie, 1972)
Com: Fernando Rey, Delphine Seyrig, Michel Piccoli,
Stephane Audran e Jean-Pierre Cassel

ESSE OBSCURO OBJETO do DESEJO
(Cet Obscur Objet du Désir, 1977)
Com: Angela Molina, Carole Bouquet e Fernando Rey


36 comentários:

Rubi disse...

Ainda esses dias, estava vendo uma lista num blog de um amigo meu, sobre os 100 melhores filmes de todos os tempo. Quando vi O Falcão Maltês me lembrei do teu blog HAHA (Sabe-se lá porque estou falando isso uauahuahauha)

Vamos ao que interessa. Sabe, quando venho no teu blog, sempre aprendo alguma coisa. Seja sobre o filme, sobre o ator, mas nesse caso, eu aprendi em todos os sentidos.

Parabéns pelo post!

Tcharly Magalhães Briglia disse...

Parabéns pela nota na Folha de S. Paulo, querido. Você merece esse reconhecimento.
Forte abraço!

Ritinha Santana disse...

Parabéns, Antônio! Você merece, você plantou. Beijos! Rita

Conceição Portela disse...

Parabéns pelo elogio da Folha de S. Paulo...mais uma vez...e...que o sucesso continue...
Abraços da fã e amiga,
Conceição

CAMILA MENEZES disse...

Parabéns amigo!!!!!!!!!!!!!!!!!

Rato disse...

Um dos meus realizadores favoritos de sempre! Hoje em dia já não existem verdadeiros cineastas como os de antigamente (Eastwood é provavelmente o último dos clássicos ainda em actividade). Nesse aspecto o cinema está morto e enterrado. Uma pena!

O Rato Cinéfilo

Marcelo Castro Moraes disse...

Com muita dificuldade (locadora hoje em dia é triste, depois reclamam que as pessoas baixam filmes)consegui assistir todos os os melhores filmes desse grande diretor. Complicado dizer qual o melhor, mas sinceramente fiquei perplexo com O Anjo Exterminador. Ficava me perguntando o que os protagonistas viam para que eles não sairem daquela parte da casa e o que as pessoas lá de fora viam para não invadir?? Simplesmente genial.

Vera Lee disse...

Vi nesse blog uma forma de expanduir meus conhecimentos, ainda parcos sobre o mundo visto pelas lentes do cinema.
Excelente!

Rato disse...

Antonio:
Penso que não, que não exagero mesmo nada. Dos nomes citados só Scorsese (que já foi um grande cineasta no passado) deu um ar de sua graça no último "Shutter Island". Todos os restantes são bons e competentes realizadores de filmes, mas não se podem comparar com os grandes nomes do passado: Chaplin, Eisenstein, Buñuel, Renoir, Visconti, Hitchcock, Kubrick e outros. Leia AQUI o que eu escrevi sobre o assunto. E, já agora, deixe lá um comentário.

O Rato Cinéfilo

Renata Barros disse...

Meu blog ser elogiado por um blogueiro como você, é um honra!
Muito obrigada. Adoro blogs sobre cinema. Já estou seguindo o seu e lendo é claro! Parabéns!

livresorriso.blogspot.com

Carla Marinho disse...

Oi Antonio, vai lá pegar o selinho do grupo de blogs clássicos. Peço que vc coloque em um post pra divulgar. Até lá:
http://blogsdecinemaclassico.blogspot.com/

Sonia Brazão disse...

Caramba, Antonio.....
você está muito bem conceituado, meu amigo talentoso e formidável.
Parabéns !
e a referência na Folha de SP foi muito justa.

Beijossss e beijokasssss ♥

Neuzamaria Kerner disse...

MEUS PARABÉNS PELA NOTA NA FOLHA DE S. PAULO, MEU QUERIDO! VOCÊ MERECE ISSO E MUITO MAIS POR TODO O SEU TRABALHO, SUA PERSISTÊNCIA, SEU TALENTO E SUA FORMA DE SER TÃO ESPECIAL.

UM ABRAÇÃO

Jean Sartief disse...

parabénssss

Unknown disse...

"Creio que o cinema exerce um certo poder hipnótico sobre os espectadores. Basta observar as pessoas que saem de uma sala de cinema, sempre em silêncio, a cabeça baixa e o ar distante. O público de teatro, de tourada e o público esportivo mostram muito mais energia e animação. A hipnose cinematográfica, leve e inconsciente, deve-se, sem dúvida, à obscuridade da sala, mas também às mudanças de planos, de luzes e aos movimentos da câmera, que enfraquecem a inteligência crítica do espectador e exercem sobre ele uma espécie de fascinação e de violação." (Luis Buñuel)
Um pilar da Sétima Arte!
Parabéns Antõnio!

Jorge Sader Filho disse...

Experimentado, caro Nahud. Também sou jornalista - Pravda e Vote Brasil, www.votebrasil.com e escritor. "A Dura Regra do Jogo" e "Casarão".
Quanto a Buñuel, até hoje impressinam-me os seus filmes. "Viridiana" é o meu favorito.
Excelente texto, parabéns!

Abraço,
Jorge

Pena disse...

Sublime e Divinal Amigo Precioso:
LUIS BUÑUEL, o cineasta, um tema fabuloso de conversa perante a obra notável.
Fez uma opção extraordinária, de pesquisa intensa e magistral.
Parabéns. Encanta.
Abraço amigo pelo que concebe de talento e magia suas, só suas.
No maior respeito e estima pela "confecção de magia pura na tela dos sonhos.
Sempre a admirá-lo

pena

Bem-Haja, pela amizade. Honra-me.
MUITO OBRIGADO pela simpatia no meu blogue.
Bem-Haja, gigantesco amigo.
Fabuloso.
Adorei.

Anônimo disse...

Ótimo, adoro Buñuel. Achei seu blog através do orkut do Toninho, já tô seguindo, abço!

Tanussi Cardoso disse...

Oi, Antonio, parabéns! O blog é excelente mesmo, e vc merece o sucesso!
Aliás, tenho alguns poemas que falam sobre cinema (aliás, vários). Não sei se interessa (ou se é a proposta sua) colocar alguns no seu site.
Enviei o seu contato e o do seu site, para um poeta amigo meu, também louco por cinema, que possui um blog sobre o tema, bem interessante. É mais direcionado para os temas homoeróticos. Bem legal.
Abração meu
Prestigie meu blog. Ficarei muito feliz com seu comentário.

http://tanussicardosopoetaetc.blogspot.com/

Janaina Cruz disse...

Olá Antônio, vim conhecer o teu blog, um espaço cultural interativo, eu amei!

Como citaram num comentário aí em cima, eu também já não vejo muita graça nos cineastas e hoje em dia, parece que perderam a pitada da coisa e não estão conseguindo encontrar.

Quanto ao elogio na folha de São Paulo, é fruto de seu trabalho e talento, parabéns, que venham ainda muitos...

Abraços pra ti

linezinha disse...

ótimo post Antônio sobre o Buñuel,dos filmes dele só vi A Bela da Tarde pretendo vê os outros filmes dele bjs

Diego S. Lima disse...

Sinceramente, não conheço a filmografia dele, mas obviamente como cinéfilo, conheço sua fama...Ainda não tive tempo para tantos clássicos, praticamente acabei de nascer para o cinema, então falta muito!
Demais o blog, para quem é autodidata é perfeito!!!

Coloquei O Falcão Maltês no meu blogroll, é pra sempre estar acompanhando, não perde-lo mais de vista!! Estarei sempre aqui!!

Forte abraço!

M. disse...

Antonio,

Não assisti muitos filmes do Buñuel. Aliás preciso ver vários deles. Mas pelo que sei dele, o vejo como um inovador desde o princípio. Claro,ele teve filmes comuns também. A Espanha o terá sempre como o seu maior ícone ao lado de Pedro Almodóvar.

Seu texto está espetacular mais ma vez! Abraço.

complexxos disse...

Excelente postagem!
Parabêns!

Jai Aragão disse...

Valeu !!!Parabens

Dilberto L. Rosa disse...

Gosto muito de "A Bela da Tarde", "Nazarin", "Veridiana" e dos diálogos inoportunos de "O Discreto charme da Burguesia" (e hoje chamam Tarantino de "original" por conta disso, ai, ai...)! Confesso que ainda não havia visto "O cão andaluz" e, graças a você, verei agora, rs!

Olha, não foi "propaganda falaciosa", não: a trilha por aqui está maravilhosa! Destaco minhas duas favoritas: "Guarda-chuvas do Amor" e "Papillón", que estão na Minha Lista das 50 melhores trilhas-sonoras de todos os tempos (postagem de aniversário dos Morcegos no próximo dia 30!)!

Abração, meu caro: e adorei o belo texto-homenagem conciso!

Rafael Carvalho disse...

Acho que existe uma diferença bem visível entre os filmes surreais dele e os de sua fase mexicana, embora desta última tenha visto poucos filmes. Mas o estilo dele é muito interssante pois parece misturar um certo classicismo com um tom anárquico, dissonante. Meu filme preferido dele é O Discreto Charme da Burguesia.

Paul van Yperen disse...

Muchas gracias, many thanks, for commenting on and linking to European Film Star Postcards. Your blog is astounding!

AnnaStesia disse...

Grande artista, grande cineasta, grandes obras (O anjo exterminador e O discreto charme..., entre os meus favoritos)e grande contestador. Grande e maravilhosa homenagem.

Unknown disse...

Parabéns pela nota da Folha de S. Paulo, que maravilha!
O texto é muito bom. Eu faço sempre uma grande viagem lendo os seus textos.
Um abraço
Dani

www.telaprateada.blogspot.com

Ana Catarina disse...

Antônio parabéns pelo reconhecimento que está tendo com o blog, muito bacana isso!!!!

disse...

Olá Antonio! Demorei, mas venho dizer sobre Madame Curie: assisti ao filme há quase dois anos no TCM e depois disso, ele foi reprisado só uma vez. É uma figurinha difícil, mas considero que poderá achá-lo se fuçar um pouco pela internet. Vale a pena, é um ótimo filme!
Abraços,

Blog do Toninho disse...

Parabéns ,caro Antonio & perdoe-me a demora em escrever este comentário! Na verdade vi o texto assim que foi publicado e não me surprendi pois acredito, por antecipação no seu bom senso e escolhas memoráveis. Confesso que sabia muito pouco de Brigitte Helm! Fiz uso didático do teu blog (rsrssr ) com prazer desmedido! Quanto á Buñuel ,é um cineasta que não deve faltar na estante de ninguem que ame o grande cinema!!
Mais sucesso pra vc! Pra sorte nossa!
Toninho

Carla Marinho disse...

vai lá ver o blog homenageado da semana, que é o Vintage, da Junia. http://blogsdecinemaclassico.blogspot.com/2011/04/blog-da-semana-vintage.html

Gilberto Carlos disse...

Gosto muito do Falcão Maltês e coloquei o link dele lá no Gilberto Cinema. Abraços!

Anônimo disse...

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