Apelidos:
Spence, Pops
Altura:
1.77 m
Admiro SPENCER TRACY (1900 - 1967. Milwaukee,
Wisconsin / EUA) como
intérprete e também gosto de sua figura: rosto forte, olhos inteligentes e voz áspera. O
público amava seus vários personagens de ar bonachão. Os
colegas o consideravam o melhor de todos. A divina Katharine Hepburn o amou
como somente se ama no cinema. No entanto, este excelente ator tinha seu lado
sombrio e torturado: alcoólatra, mal humorado e mulherengo. Foi uma das estrelas da Hollywood, um dos mais icônicos da “Idade de Ouro” do
cinema clássico, e um dos atores mais populares globalmente.
Ele
interpretou personagens que ficaram no imaginário popular e que ainda se fazem
sentir, muito por “culpa” da energia e do toque especial que o atribuía a cada
papel que desempenhava, uma característica que a ele ficou associada do
primeiro ao último filme em que participou. As figuras inteligentes e psicologicamente
complexas a que deu vida, em 37 anos de trabalho na indústria cinematográfica
que resultaram em 75 filmes, são cativantes e inigualáveis, tal como o
excepcional talento do artista.
Teve
uma carreira plena. Respeitado pelos companheiros de profissão, tinha o carinho
de um público que pouco sabia de sua faceta menos amável, a da personalidade difícil,
do alcoolismo e da coleção de amantes jovens. Não foi casual que dois sacerdotes, o padre Tim Mullin de “San
Francisco - A Cidade do Pecado / San Francisco” (1936) e o carismático Padre
Flanagan de “Com os Braços Abertos / Boys Town” (1938) e de sua sequência “Somos
Todos Irmãos / Men of Boys Town” (1941), ambos de Norman Taurog, foram responsáveis
pelo salto ao topo de Hollywood. Esses papéis de cura e, também, do
bondoso marinheiro português, mentor de um garoto mimado, no magnífico “Marujo
Intrépido”, criaram no imaginário coletivo um perfil fantasioso de SPENCER
TRACY, que não correspondia exatamente aos seus méritos de vida.
Na
década de 1930 já falava-se do hábito que tinha de beber, mas nem todos sabiam
sobre seus outros problemas: um católico que não acreditava em divórcio, um marido
que não amava mais a mulher – porém, era a pessoa a quem ele mais respeitava -,
um pai com dificuldades em aceitar a deficiência do filho surdo-mudo e um ator
preso pela ganância dos estúdios. Após os 40 anos passou a ter problemas
de saúde causados pela bebida. Suas crises geravam melancolia e
mal humor. Nem Kate Hepburn escapava do sarcasmo. Mesmo assim, ficavam juntos
todo o tempo possível. Adoravam pintar juntos.
tracy e bette davis na cerimônia do oscar |
Ao
mesmo tempo, eram conhecidas suas reclusões em quartos de hotel, carregado de
garrafas de uísque, que consumia durante dias até perder os sentidos. Dizem que
era torturado por uma realidade familiar que detestava. “Ninguém bebia,
brigava, nem criava mais problemas que o jovem Spencer”, afirmou o
produtor-cineasta Stanley Kramer, que o dirigiu em quatro ocasiões. SPENCER
TRACY passou sete anos
da sua carreira pisando nos palcos teatrais, trabalhando com diversas
companhias e fazendo sucesso na Broadway. Graças ao teatro chegou ao cinema: em
1930, o papel principal que interpretou na peça “The Last Mile”, de John
Wexley, que teve trezentas representações, surpreendeu as audiências e
chamou a atenção dos estúdios de Hollywood.
Nos
seus primeiros anos, ele filmaria sem parar na Fox, firmando um nome ainda sem estrelato.
Os filmes dessa época mostram sua pior face, herança do caráter tipicamente
irlandês e de uma infância difícil curtida em mil e uma brigas de rua. Não se
sabe exatamente a razão dele deixar o estúdio que deu sua primeira
oportunidade, talvez a confusão provocada no set de “A Nave de Satã / Dante's Inferno” (1935) com o vingativo
produtor Darryl F. Zanuck. No primeiro filme que interpretou, “Rio Acima / Up
in the River” (1930), realizado por John Ford, teve outro ator lendário fazendo
sua estreia: Humphrey Bogart. Contudo, esta aparição foi inglória e a fama não chegou tão depressa. Continuou desconhecido do público por
mais vinte e cinco obras cinematográficas.
As
coisas começaram a mudar, ao menos profissionalmente, ao ser contratado pela
Metro-Goldwyn-Mayer. Foi o parceiro perfeito para Clark Gable (filmariam também
os ótimos “Piloto de Provas” e “Fruto Proibido”) no sucesso “San Francisco – A
Cidade do Pecado”, drama que deu a primeira de suas noves indicações ao Oscar.
Brilhou na comédia “Casado com a Minha Noiva / Libeled Lady” (1936), com
William Powell, Jean Harlow e Myrna Loy. Dois Oscar consecutivos, por “Com os
Braços Abertos” e “Marujo Intrépido”, o levaram ao topo máximo merecido. Na Metro,
o estúdio com mais prestígio na ocasião, a sua carreira floresceu e
protagonizou uma série de filmes que obtiveram sucesso. Um deles foi a
obra-prima “Fúria”. Realizado por Fritz Lang, é uma história de injustiça e
vingança em que o ator oferece uma poderosa performance, como um inocente que é preso por um crime de rapto que não cometeu,
destruindo sua vida pacata e correta.
Em
1923, ele casou-se com Louise Treadwell, tendo com ela dois filhos, John e
Louise. Em 1941, iniciou um
relacionamento amoroso com Katharine Hepburn, o qual durou até sua morte. Embora separado de sua esposa, ele nunca se
divorciou dela e era figurinha fácil nos lugares da moda, sempre acompanhado de
atrizes jovens e bonitas. A esposa desistiu da carreira de atriz quando o filho de 10 meses foi declarado surdo. Desde então
se dedicou a ensiná-lo a
formar sons, a ler e finalmente falar.
O ator sentia-se terrivelmente culpado e
considerava mérito total da esposa o fato do filho poder frequentar uma escola.
Em 1941, Louise conseguiu fundar a Clinica John Tracy. Ela entendia a
frustração de SPENCER TRACY, sempre o apoiando e não o recriminando quando
chegava em casa bêbado ou vindo dos braços de outra. Ele não se
perdoava por não conseguir comunicar-se com o filho. Os fofoqueiros de Hollywood tinham respeito pelo trabalho
social dela, evitando divulgar qualquer coisa ruim. O casamento era só no
papel e o fato do ator se recusar a divorciar-se trazia certa simpatia.
Quando
George Stevens o convidou para compartir protagonismo com Katherine Hepburn em
“A Mulher do Dia”, a história de Hollywood mudou para sempre. Não somente pelo
que aconteceu além das filmagens. Fundamentalmente pela química que tinham. A
dupla funcionou tão bem, tanto em termos artísticos como lucrativos, que os
dois atores voltaram a juntar-se no cinema por mais oito ocasiões. A forma
mágica e sempre divertida com que contracenam um com o outro originou filmes
que ficaram na história. Conta a lenda que, em seu primeiro encontro com Tracy,
apresentada pelo diretor e roteirista Joseph L. Mankiewicz, Hepburn disse: “Tenho
a impressão que sou um pouco alta para o senhor, senhor Tracy”. Spencer
respondeu: “Não se preocupe, senhorita Hepburn. Eu a reduzirei ao meu tamanho”.
Continuou para a vida a dúvida sobre quem disse essa última frase, pois os três
presentes assumiram a autoria.
Dentre
os títulos que fizeram juntos, destacam-se “A Costela de Adão”, um jogo cômico
perfeito, cheio de réplicas e contrarréplicas, pura guerra dos sexos, e
“Adivinhe Quem Vem Para Jantar / Guess Who's Coming to Dinner” (1967), de
Stanley Kramer, amável narrativa em defesa dos direitos civis, que rodaram
quando SPENCER TRACY já estava muito doente. Pouco depois da última cena
gravada, em 10 de junho de 1967, faleceria vítima de um ataque cardíaco. Foi
nomeado pela nona vez, postumamente, ao Oscar, por esta interpretação, que deu
um ponto final a uma brilhante e extensa carreira, repleta de êxitos e de
personagens inesquecíveis. É ainda
uma das figuras mais queridas do cinema, e a sua obra merece ser descoberta
pelos cinéfilos do século XXI. “O que assombra as interpretações de Spencer, que as faz únicas, é que
ele não faz o menor esforço. Surgem como algo natural”, analisou Kate Hepburn.
“A
Mulher do Dia” conta a história de Tess (Katharine Hepburn) e Sam (Spencer
Tracy). Eles trabalham no mesmo jornal, mas não gostam um do outro.
Repentinamente, se apaixonam e se casam! Só que Tess é uma das mulheres mais
feministas do país, e ganhou o prêmio de “Mulher do Ano”, o que a deixa muito
ocupada e, por causa disso, em crise com o marido. O filme foi um sucesso
absoluto de público e critica. Antes das filmagens, a atriz tinha assistido
todos os filmes de Tracy, conhecia as histórias sobre mulheres e bebidas, mas
também sabia sobre o profissionalismo. Ele jamais aparecia embriagado ou incapaz
de dar o melhor de si. Já o ator não conhecia o trabalho da colega, e pediu uma
cópia de “Núpcias de Escândalo / The Philadelphia Story” (1940). Depois
comentou: “É uma danada de boa atriz”. Suspeitava de mulheres que vestiam calça,
mas gostou do roteiro e concordou em filmar com Kate.
Quando
a atriz começou a trabalhar em “A Mulher do Dia”, ela e George Stevens estavam
saindo há seis meses e o fato de ter insistido para que ele fosse o diretor
levantou muitas especulações. Logo no inicio das filmagens foi constatado a
química entre Kate e Spencer. Stevens afastou-se e todos percebiam o que estava
acontecendo. Mas a consideração que ele tinha pela esposa era inabalável. Se os
dois fossem manter um relacionamento, esse seria clandestino. Quando as filmagens terminaram, os
dois estavam apaixonados. SPENCER TRACY até parou de beber por um
tempo.
Ele continuaria
a obter êxitos e aclamações durante os anos 1940 e nos anos 1950. Em 1955, um
ano antes de sair da M-G-M, protagoniza um dos filmes mais conhecidos entre os
que fez no estúdio, e com o qual arrecadou a sua quinta nomeação da Academia: “A
Conspiração do Silêncio”. Realizado por John Sturges, é um thriller sobre um forasteiro que chega a uma pequena cidade
escondida nos EUA, onde descobre a existência de um segredo que é comum a todos
os habitantes, o de um crime de que todos têm conhecimento, mas cujas
circunstâncias e culpados guardam silenciosamente entre si, com medo das consequências
que a revelação dos fatos possam ter naquela aparentemente pacífica comunidade.
A
partir de 1956, ao ganhar a “independência”, fez outros tipos de trabalhos
cinematográficos, e apesar de ter sofrido algumas experiências menos positivas,
no final desta década deixou mais dois papéis memoráveis, ambos de 1958. O
protagonista da adaptação de “O Velho e o Mar / The Old Man and the Sea”, de Ernest Hemingway, num filme
assinado por John Sturges e co-dirigido por Henry King e Fred Zinnemann, em
interpretação que lhe valeu nomeação ao Oscar. E dirigido novamente por John
Ford no drama político “O Último Hurrah”, sobre os bastidores de uma eleição
numa cidadezinha, onde o prefeito Frank Skeffington (interpretado pelo ator)
concorre pela última vez ao cargo que desempenhou durante vários mandatos.
A
saúde do ator começou a deteriorar-se nos primeiros anos da década de 1960, e
apesar de rejeitar alguns papéis que poderiam ter sido marcantes na sua filmografia
(“Horas de Desespero / Desperate Hours”, de Wyler, 1955; “A Casa das
Amarguras / Ten North
Frederick”, 1958; “Longa Viagem Dentro da Noite / Long Day's Journey Into Night”, de
Sidney Lumet, 1962, com Katharine Hepburn; “O Leopardo / Il Gattopardo”, de Luchino
Visconti, 1963; “Crepúsculo de Uma Raça / Cheyenne Autumn”, de John Ford, 1964; “A Mesa do Diabo
/ The Cincinnati Kid”, de
Norman Jewison, 1965), continuou brilhando em fitas de Stanley Kramer. Em 1961
foi a vez de “Julgamento em Nuremberg”, que a Academia também o distinguiu na
sua lista de nomeados, brilhando como um dos juízes que integrou os processos
de condenação de vários dos envolvidos num dos maiores crimes que a humanidade
conheceu: o holocausto.
O seu
estado piorou cada vez mais, o que fez com que se afastasse dos filmes durante
algum tempo e cancelasse participações em vários projetos, voltando apenas em
1967 para a sua quarta colaboração com Kramer, naquela que foi a sua última
interpretação e a derradeira vez em que contracenou com a companheira de longa
data: “Adivinhe Quem Vem Jantar”. Os 25 anos que separam seu primeiro e último filme com Katharine
Hepburn, mostram o ator em plena madureza interpretativa, legando atuações
impecáveis em “O Papai da Noiva” e sua sequência, “O Netinho do Papai / Father's
Little Dividend” (1951), e “A Lança Partida”.
Ator
formidável, SPENCER TRACY é daqueles que relativam a importância da profissão:
“Por que os atores acreditam que são tão malditamente importantes? Não somos.
Atuar não é um trabalho importante no sistema das coisas. O encanador sim, faz
um trabalho importante. A nossa não é uma profissão muito exigente. Não precisa
muito cérebro. Tampouco é o trabalho mais nobre do mundo, mas há coisas mais
baixas que atuar. Não muitas, talvez a classe política seja mais baixa”, declarou em uma entrevista.
FONTE
“Spencer Tracy: a Biografia” (1969), de Larry Swindel;
“Spencer Tracy: Uma Biografia” (2011), de Leonard Maltin; “Spencer Tracy: a Vida”
(2011), de James Curtis; e “Spencer Tracy - Hollywood's Favorite Actor” (2011), de Jeanine Basinger.
SPENCER em 18 FILMES
(por ordem de preferência)
01
FÚRIA
direção de Fritz Lang
elenco: Sylvia
Sidney, Bruce Cabot e Walter Brennan
02
JULGAMENTO em NUREMBERG
direção de Stanley Kramer
elenco: Burt Lancaster, Richard Widmark,
Marlene Dietrich,
Maximilian Schell, Judy Garland e Montgomery
Clift
03
BANDEIRANTES do NORTE
direção de King Vidor
elenco: Robert Young, Walter Brennan, Ruth
Hussey
04
FRUTO PROIBIDO
direção de Jack Conway
elenco: Clark Gable, Claudette Colbert, Hedy
Lamarr
e Frank Morgan
05
DOIS no CÉU
direção de Victor Fleming
elenco: Irene Dunne, Van Johnson, Ward Bond,
James Gleason, Lionel Barrymore e Esther
Williams
06
A LANÇA PARTIDA
direção de Edward Dmytryk
elenco: Robert Wagner, Jean Peters, Richard
Widmark,
Katy Jurado e E.G. Marshall
07
CONSPIRAÇÃO do SILÊNCIO
direção de John Sturges
elenco: Robert Ryan, Anne Francis, Dean
Jagger,
Walter Brennan, John Ericson, Ernest
Borgnine
e Lee Marvin
08
TRINTA SEGUNDOS sobre TÓQUIO
direção de Mervyn LeRoy
elenco: Van Johnson, Robert Walker, Phyllis
Thaxter,
Stephen McNally e Robert Mitchum
09
A SÉTIMA CRUZ
direção de Fred Zinnemann
elenco: Signe Hasso, Hume Crony, Jessica Tandy
e Agnes Moorehead
10
A COSTELA de ADÃO
direção de George Cukor
elenco: Katharine Hepburn, Judy Holliday, Tom
Ewell,
David Wayne, Jean Hagen e Hope
Emerson
11
20.000 ANOS em SING SING
direção de Michael Curtiz
elenco: Bette Davis e Louis Calhern
12
O PAPAI da NOIVA
direção de Vincente Minnelli
elenco: Joan Bennett e Elizabeth Taylor
13
O ÚLTIMO HURRAH
direção de John Ford
elenco: Jeffrey Hunter, Dianne Foster, Pat
O'Brien,
Basil Rathbone, Donald Crisp, James
Gleason
e Ricardo Cortez
14
O MÉDICO e o MONSTRO
direção de Victor Fleming
elenco: Ingrid
Bergman, Lana Turner, Donald Crisp
e C. Aubrey Smith
15
MARUJO INTRÉPIDO
direção de Victor Fleming
elenco: Freddie
Bartholomew, Lionel Barrymore
e Melvyn Douglas
16
A MULHER do DIA
direção de George Stevens
elenco: Katharine Hepburn, Fay Bainter e
Reginald Owen
17
A um PASSO DO FIM
direção de John Sturges
elenco: Pat O'Brien, Diana Lynn, John Hodiak,
Eduardo Ciannelli e James Arness
18
PILOTO de PROVAS
direção de Victor Fleming
elenco: Clark Gable, Myrna Loy, Lionel
Barrymore
e
Marjorie Main
GALERIA de FOTOS
10 comentários:
Tbm gosto muito dele.
Ator maravilhoso.
Na minha opinião o melhor ator da história do cinema disparado. Já assistir quase toda obra dele. Com destaque para os filmes, Olha só quem veio para Jantar, Julgamento em Noremberg, O velho e o Mar. Ele tem 09 indicações ao Óscar e ganhou dois, mais deveria ter ganho uns 05 no mínimo, um ator inesquecível.
Grande ator!
Um dos melhores! A matéria no blog é muito boa. Parabéns.
Gostei muito de sua atuação no filme: Julgamento em Nuremberg. "Quatro juízes alemães são acusados de legalizar as atrocidades cometidas pelos nazistas durante a 2a. Guerra Mundial. O juiz aposentado Dan Haywood (Spencer Tracy) é designado para a árdua tarefa de presidir o julgamento deles na cidade de Nuremberg."
Grande Spencer!
Bom no drama, na comédia e na aventura.
A historia que eu conheço é que seu amor por Katharine era único mas por ser católico e casa do, não se permitiram
Conspiração do Silêncio é um dos seus melhores filmes.
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