maio 25, 2024

********** O CINEMA ELEGANTE de MAX OPHÜLS

 

 


“Qual cineasta foi mais ignorado que Max Ophüls? Um ostracismo mesquinho e teimoso foi praticado em relação ao seu trabalho.”
CLAUDE BEYLIE
crítico e historiador de cinema
 
“Ele não era o virtuoso, o esteta ou o cineasta decorativo que tem sido chamado. Assim como seu amigo Jean Renoir, Ophüls sempre sacrificou a técnica pelo ator. Ele fez com que os atores fossem mais naturais do que a maioria dos diretores.”
FRANÇOIS TRUFFAUT
cineasta


O cinema sedutor, refinado e barroco do mestre MAX OPHÜLS (1902 – 1957. Saarbrücken / Alemanha) é pouco conhecido no Brasil. Ele foi um exímio narrador de histórias de amor, confirmando sua sensibilidade romântica, sua identificação com a consciência e os apuros das mulheres. Uma das suas características mais notáveis é a importância dada à identidade feminina. Destaco também os extraordinários e vivos jogos de câmera, os travellings absurdos acompanhando a narrativa e a peculiar elegância do diretor. Embora seu cinema também prospere com tramas envolventes, atuações fortes e um manejo hábil de múltiplos temas e concentrações históricas, hipnotiza principalmente pelo profundo fascínio visual. Há algo de mágico em sua obra, algo especial em seu estímulo emocional-sensorial.
 
Sua filmografia está repleta de uma arte de tirar o fôlego. A câmera gira e faz curvas captando cada faceta da decoração e do figurino. Tal como essas elaboradas manobras que enriquecem a sua trajetória cinematográfica, sua carreira foi de flutuações dinâmicas. Desde seu primeiro longa-metragem em 1932, até o último em 1955, teve momentos de tremenda produtividade, seguidos por adversidades desanimadoras. Ele definhou em períodos de estagnação, se levantando novamente e florescendo com uma série de sucessos sensíveis e aplaudidos.

max ophuls
Nascido Maximillian Oppenheimer, começou sua carreira no show business como ator teatral aos 17 anos, mudando seu sobrenome para não manchar o nome da família rica e tradicional. Em 1924, trabalhou como diretor no prestigioso Bürgtheater de Viena. Em 1926, casou-se com a atriz Hilde Wall, com quem teve Marcel, o futuro documentarista de “A Tristeza e a Piedade / Le Chagrin et la Pitié” (1969).  Em 1930, com cerca de duzentas peças no currículo, iniciou sua arte cinematográfica como assistente de Anatole Litvak na UFA, em Berlim.
 
Dirigiu seu primeiro filme em 1930, o curta-metragem “Prefiro ter Óleo de Fígado de Bacalhau / Dann Schon Lieber Lebertran”, considerado perdido, seguindo-se o longa-metragem, “A Companhia Apaixonada / Die Verliebte Firma” (1932). O sucesso veio com “Uma História de Amor / Liebelei”, em 1933. Nele, seu estilo sofisticado já se define na adaptação de Arthur Schnitzler, em quem mais tarde se inspiraria para criar um dos seus mais importantes filmes, “Conflitos de   Amor”, em 1950. A ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha obrigou o diretor judeu a abandonar o país e a instalar-se na França, onde, de 1934 a 1940, fez sete filmes, intercalados entre uma realização na Itália e outra na Holanda. Em 1938, adquiriu a cidadania francesa.
 
O avanço das tropas nazistas levou-o à Suíça, mas a falta de autorização de trabalho (que só lhe seria concedida caso se declarasse desertor do exército francês, o que ele recusou) resultou no fim do seu projeto de filmar a comédia “Escola de Mulheres”, de Molière, com Louis Jouvet, e na sua expulsão do país. Antes, em Zurique, dirigiu com sucesso duas peças. Em seguida, em 1941, mudou para os Estados Unidos. Os primeiros anos em Hollywood foram difíceis. Ele vivia graças à ajuda dos amigos refugiados. Desempregado até 1946, aproveitou para escrever sua autobiografia. Preston Sturges, impressionado com “Uma História de Amor”, conseguiu que dirigisse “Vendetta / Idem” para a RKO Radio Pictures. Porém a filmagem foi conturbada pelas interferências do produtor Howard Hughes. Uma discordância causou a demissão do diretor e de Sturges. Mel Ferrer terminou assinando o filme inexpressivo.
 
A oportunidade de MAX OPHÜLS sentar atrás das câmeras em Hollywood chegou com o auxílio do cineasta alemão Robert Siodmak, que sugeriu seu nome a Douglas Fairbanks. Jr. para “O Exilado” (1947), aventura histórica que o próprio astro produziu. Seguiram-se três outros filmes, todos com receitas medianas. Após “Na Teia do Destino”, seu último trabalho nos EUA, o produtor Walter Wanger decidiu confiar ao diretor a possibilidade de concretização de um dos seus sonhos mais desejados: a adaptação do famoso romance de Honoré de Balzac, “A Duquesa de Langeais”. Balzac era um dos escritores preferidos do cineasta e ele encarou o projeto com muito entusiasmo. A obra seria rodada em Paris, onde regressou em fins de 1949, após nove anos de ausência. Greta Garbo e James Mason seriam os protagonistas. Infelizmente, a ambiciosa adaptação não se concretizou por falta de dinheiro.

max ophuls e joan fontaine
Em 1950, reiniciou sua filmografia na França com o prestígio de ter sido descoberto pela nova crítica da revista “Cahiers du Cinéma”. Com uma carreira marcada por fracassos críticos e comerciais, por projetos iniciados e abandonados, mas também por conquistas renomadas, MAX OPHÜLS certamente conhecia a natureza precária do negócio do entretenimento. Seu último filme, o magnífico “Lola Montès”, uma coprodução internacional, foi recebido com hostilidade desenfreada. Sua linha do tempo inovadora levou a cortes e reorganizações narrativas, resultando em uma versão provisória de 91 minutos em ordem cronológica, retirando exatamente o que melhor caracterizava a originalidade da técnica empregada pelo diretor. De modo que ele só foi visto integralmente, como hoje conhecemos, muito mais tarde. Na época do lançamento, indignados, famosos diretores e críticos da França – entre eles, François Truffaut, Jean Cocteau, Roberto Rossellini e Jacques Tati – publicaram uma carta aberta em defesa das inovações e audácia do filme e elogiando seu diretor como um artista de vanguarda.
 
A mutilação da obra abalou MAX OPHÜLS que – afetado por problemas cardíacos – morreu em 1957, aos 54 anos. Suas cinzas estão no Père-Lachaise, em Paris. Ele trabalhava em “Os Amantes de Montparnasse/ Les Amants de Montparnasse” (1958), cinebiografia sobre o pintor italiano Amedeo Modigliani, que foi concluído por Jacques Becker. Seu último trabalho completo, a encenação em Hamburgo de “As Bodas de Fígaro”, no Schauspiel Theater, resultou num sucesso extraordinário. Na estreia, os intérpretes tiveram 46 chamadas ao palco.
 
FONTES
“Max Ophüls: Visão Magistral e a Figura da Mulher” (1995) de Susan M. White;

“Max Ophüls nos Estúdios de Hollywood” (1996) de Lutz Bacher;

“O Prazer de Ver Max Ophüls” (1991) de Klaus Vetter e Carlos Augusto Calil.

“desejos proibidos”

DEZ FILMES de MAX OPHÜLS
(por ordem de preferência)
 
01
DESEJOS PROIBIDOS
(Madame De..., 1953)

Elenco: Charles Boyer, Danielle Darrieux, Vittorio De Sica e Jean Debucourt
 
Baseado no romance de Louise de Vilmorin. Da frivolidade à tragédia amorosa, a trajetória de mulher superficial e, por fim, apaixonada, e suas relações com o marido e o amante. Clássico, oferece uma representação de amplo espectro de uma estrutura social. Começa como uma inteligente comédia, eleva-se às alturas de um romance, e resolve-se em tragédia. Um dos filmes que constituem a expressão mais alta do estilo do diretor. Combina os ingredientes típicos e interesses temáticos que ocuparam sua carreira, relacionando os sofisticados elementos cinematográficos numa complexa tensão dramática. Interpretação impecável do trio central, despontando Danielle Darrieux, que cria com inteligência uma personagem atraente e fútil.
 
02
CONFLITOS de AMOR
(La Ronde, 1950)

Elenco: Anton Walbrook, Simone Signoret, Serge Reggiani, Simone Simon, Daniel Gélin, Danielle Darrieux, Jean-Louis Barrault, Isa Miranda e Gérard Philipe
 
Adaptação livre da peça de Arthur Schnitzler, composta de dez episódios entrelaçados por um narrador, que oferece uma visão satírica e, às vezes, amarga, da libertinagem. Construído sobre uma série de situações em torno de amantes cuja única ou principal relação é a sexual, foi o maior sucesso do diretor, largamente reprimido e até mesmo censurado em certos países, por sua apresentação do erotismo. Representou, à sua época, o compêndio do espirituoso, do sofisticado e do elegante. Com ele, MAX OPHÜLS voltou à sua pátria adotiva, a França. Depois de nove anos de exílio nos EUA, marcou a abertura da última e mais bela fase da errante carreira do diretor.
 
03
O PRAZER
(Le Plaisir, 1952)

Elenco: Claude Dauphin, Gaby Morlay, Madeleine Renaud, Danielle Darrieux, Pierre Brasseur, Jean Gabin, Jean Servais, Daniel Gélin, Simone Simon e Paulette Dubost
 
Baseado em contos de Guy de Maupassant, trata do prazer sensual através de refinadas relações e sutis reflexões em torno de episódios envolvendo um estranho mascarado, o comportamento inusitado de profissionais de um bordel e a modelo de um pintor. Segundo Jean-Luc Godard, “o mais ophulsiano dos filmes do diretor”.
 
04
LOLA MONTÈS
(Idem, 1955)

Elenco: Martine Carol, Peter Ustinov, Anton Walbrook, Lise Delamare, Paulette Dubost, Oskar Werner e Ivan Desny
 
A vida e amores de notória aventureira, cortesã e dançarina de cabaré, que acabou contratada por um circo para um espetáculo baseado em sua biografia. O filme trabalha o tema da aniquilação pessoal face aos cruéis e imorais artifícios da indústria do escândalo, sob a forma de uma condenação vigorosa do mundo decadente retratado de maneira luxuosa. Desde sua estreia, criou grande controvérsia. Depois de lançado em versão mutilada, criou-se uma aura ao seu redor. Com novas abordagens, tem o substrato fundamental para o desenvolvimento do cinema moderno. Em 1968 foi relançado numa versão integral de 140 minutos.
 
05
CARTA de uma DESCONHECIDA
(Letter from an Unknown Woman, 1948)

Elenco: Joan Fontaine, Louis Jourdan e Mady Christians
 
Comovente e melancólica história poeticamente fotografada por Franz Planer. Na Viena do começo do século XX, a narração em flashback a partir do drama de um pianista de concerto, transformado em playboy, que recebe carta de uma mulher morta relatando a breve relação entre eles. O filme arma o contraste entre a leitura (do homem), que desconhece os motivos e as intenções, e a consciência (da câmera e da mulher) que domina e manipula a ação. Um melodrama exemplar. Irrepreensível nos aspectos técnicos e perfeito do começo até o seu inesquecível final.
 
06
WERTHER
(Le Roman de Werther, 1938)

Elenco: Pierre Richard-Willm, Annie Vernay e Jean Galland
 
Inspirado no clássico romance de Goethe, apresenta os sofrimentos de jovem, que, apaixonado por uma mulher comprometida, não consegue conter a idealização de seu amor, tornando-se obcecado pela ideia do suicídio. Um drama sensível e bem interpretado. Os aspectos mais marcantes são a cinematografia e a direção. Há um uso de iluminação muito interessante, com focos de luz chamando a atenção para partes específicas do cenário e as emoções dos personagens.
 
07
O EXILADO
(The Exile, 1947)

Elenco: Douglas Fairbanks Jr., Maria Montez, Henry Daniell e Nigel Bruce
 
Alegre fantasia sobre as aventuras do Rei Charles Stuart na Holanda. O diretor aproveita a oportunidade para mostrar a Hollywood o que ele sabia fazer com a câmera. A força do filme vem de suas composições, da intricada mise-en-scène, do movimento permanente e do carisma de Fairbanks Jr., que homenageia seu pai.
 
08                                                                
Na TEIA do DESTINO
(The Reckless Moment, 1949)

Elenco: James Mason, Joan Bennett, Geraldine Brooks e Shepperd Strudwick
 
Um drama como paródia crítica dos valores tradicionais da classe média. Último filme de MAX OPHÜLS nos EUA e, tal como “Coração Prisioneiro” (que o antecedeu) na sua gênese interveio o ator britânico James Mason, um dos maiores amigos do diretor. Produzido por Walter Wanger, marido de Joan Bennett e um dos mais cultos produtores de Hollywood, se situa num meio social abastado, com Bennett (magnificamente dirigida) chantageada por cafajeste que apaixona-se por ela.
 
09
CORAÇÃO PRISIONEIRO
(Caught, 1949)

Elenco: James Mason, Barbara Bel Geddes, Robert Ryan e Curt Bois
 
Insatisfeita com seu marido sádico e milionário, garota vai trabalhar com um médico. Eles se apaixonam. Grávida, ela pede o divórcio, mas o marido exige em troca a custódia da criança. O filme fornece uma clara demonstração das possibilidades críticas inerentes ao melodrama. O diretor mostra-se inteiramente à vontade nas convenções do filme noir, dominante em Hollywood na época.
 
10
SEM PERDÃO
(Sans Lendemain, 1939)

Elenco: Edwige Feuillère, Jorge Rigaud e Daniel Lecourtois
 
Artista de cabaré, com um pequeno filho, reencontra um antigo amor, mas está envolvida amorosamente com um rico mafioso. Ela se vê forçada a situações comprometedoras, até que surge uma saída desesperada. Pode ser visto como um ensaio para “Carta de Uma Desconhecida”. No elenco, brilha Edwige Feuillère.
 
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lola montèz

Um comentário:

Paulo Moura disse...


Grande diretor. “Lola Montez” é um clássico.