abril 19, 2019

**************************** NOSSAS MUSAS NUAS

leila diniz

Símbolos sexuais e belezas lendárias do Cinema Novo, não eram intérpretes de impressionantes qualidades dramáticas, mas rasgaram o coração e trabalharam incansavelmente. Angustiadas, insatisfeitas e libertárias, forjaram existência no livre-arbítrio, no consumo de drogas e na exuberância erótica, em pleno Regime Militar.

Suas biografias foram contadas inúmeras vezes, nem sempre com justiça. Fascinantes e contraditórias, LEILA DINIZ, DARLENE GLÓRIA e ODETE LARA deixaram sua marca no cinema brasileiro, mas não suportaram o peso da fama. Consumidas pelo êxito, terminaram por repudiar cinema e badalações, em busca de algum júbilo.

LEILA DINIZ
(Niterói, Rio de Janeiro. 1945 - 1972)
 
Defensora do amor livre e do prazer sexual, a carismática fluminense mais personalidade que propriamente atriz, é a nossa Brigitte Bardot. Representa o espírito inquieto dos anos 1960, ousadia esta afirmada em 1969 no jornal “O Pasquim”, numa sincera entrevista que causou furor. Na ocasião, separada de Domingos de Oliveira, vivia com o cineasta Ruy Guerra, pai de sua filha Janaína. Ela falava da vida privada sem pudor, sendo perseguida pela censura.

Alegando razões morais, a TV Globo não renovou o contrato da atriz. Segundo o recado malvado da dramaturga Janete Clair, não havia papel de prostituta nas próximas telenovelas da emissora. Considerada à frente de seu tempo, chocava o país com frases como: “Transo de manhã, de tarde e de noite” ou “Homem tem que ser durão”. Invejada e criticada pela sociedade machista, era malvista pela direita, difamada pela esquerda e considerada vulgar por muita gente.

Enfrentando a barra, foi à luta, colecionando êxitos no cinema, televisão e teatro. Atuou em mais de dez telenovelas, entre elas, “O Sheik de Agadir” (1966) e “E Nós, Aonde Vamos?” (1970). Esteve nas peças “O Preço de um Homem” (1962), direção de Ziembinski, e “Tem Banana na Banda” (1970), uma revista musical de sucesso. No cinema, estreou aos 21 anos, em 1967, atuando em 15 filmes. Com “Mãos Vazias”, LEILA DINIZ ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cinema da Austrália.

Ao voltar da viagem australiana, seu avião explodiu na Índia, numa tragédia que sensibilizou o Brasil. Tinha somente 27 anos. Em 1987, Louise Cardoso encarnou a musa na cinebiografia dirigida por um amigo da estrela, Luiz Carlos Lacerda.

DARLENE GLÓRIA
(São José do Calçado, Espírito Santo. Nasceu em 1943)
 
Ex-cantora de rádio e ex-atriz de circo, a bela capixaba levou às telas a vivacidade da experiência como vedete de Teatro de Revista. Sua estreia no cinema aconteceu em 1964, em “Um Ramo para Luiza”. Atuou nos emblemáticos “São Paulo S. A.”, de Luís Sérgio Person, e “Terra em Transe”, de Glauber Rocha. Participou de filmes inexpressivos, como “Os Homens Que Eu Tive” (1973), de Tereza Trautman, inspirado na vida de Leila Diniz e proibido durante anos.

Ela teve seu grande momento como a nelsonrodriguiana prostituta Geni de “Toda Nudez Será Castigada”, de Arnaldo Jabor, numa atuação visceral que lhe rendeu prêmios, inclusive o de Melhor Atriz no Festival de Berlim, no Festival de Gramado e a Coruja de Ouro. “O papel de Geni foi o primeiro que recebi, em toda a minha vida, à altura do meu talento. Só que, quando eu fui convidada, já estava morrendo. Estava mergulhada num mundo de drogas, vivia à base de cocaína, LSD, maconha e álcool, para escapar a frustração dos meus desencontros amorosos e fiz o filme com ódio, com muito ódio! Depois, quando o filme estreou e fez sucesso no mundo inteiro, já não tinha condições de reagir”, disse DARLENE GLÓRIA em uma entrevista reveladora em 1991.

Após “Um Homem Célebre”, passou por uma depressão, tentou o suicídio e trocou o cinema pela religião evangélica, tornando-se a pastora Helena Brandão e se mudando para Nova Iorque, onde fez vídeos religiosos. Voltou às telas em “Até que a Vida nos Separe” (1999), de José Zaragosa, e nas telenovelas “Carmen” (1987) de Glória Perez e “Araponga” (1999) de Dias Gomes, Ferreira Gullar e Lauro César Muniz. Ela confessou que foi estuprada por vários homens quando ainda era menor de idade.

De vida pessoal atribulada, casou-se duas vezes, uma delas com o policial Mariel Mariscot, acusado de pertencer ao Esquadrão da Morte (sua vida pode ser vista no filme “Eu Matei Lúcio Flávio”, de 1979) e pai do seu primeiro filho. Em 2008 brilhou no denso longa de estreia de Selton Mello como diretor, “Feliz Natal”, interpretando Mércia, uma mãe alcoólatra e protetora. Pela atuação venceu o prêmio de Melhor Atriz nos festivais de cinema do Paraná, Paulínia e Goiânia. No curta-metragem “Ninguém Suporta a Glória” (2004), de Adriano Lírio, são lembrados fragmentos da vida camaleônica.

ODETE LARA
(São Paulo, SP. 1929 - 2015)
 
Deusa maior do cinema nacional, sensual e enigmática, ela incendiou a imaginação do público desde sua participação na chanchada “O Gato de Madame” (1956), ao lado de Mazzaropi. De origem italiana, queria ser dançarina, abraçando casualmente a carreira cinematográfica e atuando em mais de trinta filmes. Era secretária de um escritório, quando foi convidada para desfilar no MASP. Em pouco tempo, foi lançada como atriz na peça “Santa Marta Fabril”, de Abílio Pereira de Almeida. Sinônimo de talento, capaz de interpretar o tipo popular vulgar e mulheres sofisticadas. Um dos seus primeiros filmes, “Na Garganta do Diabo” (1959), de Walter Hugo Khouri, levou-a a muitos personagens interessantes. Em 1962, causou sensação na versão de Nelson Pereira dos Santos para “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues.

Repetiu com Khouri no famoso “Noite Vazia”, ao lado de Norma Bengell, como uma dupla de prostitutas de luxo que dois amigos atraem para uma noitada libidinosa. Esteve muito bem em “Copacabana me Engana” e “A Rainha Diaba” (1974), ambos de Antonio Carlos Fontoura. Como a Irene do primeiro recebeu o Air France e a Coruja de Ouro de Melhor Atriz. Bruno Barreto transformou-a numa lésbica cantora de rádio, Dulce Veiga, amante de Betty Faria em “A Estrela Sobe”. Fez parte do universo de Glauber Rocha em “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, premiado em Cannes, e “Câncer” (1972).

Abandonou o cinema em 1974, ainda no auge. Voltaria a fazer mais adiante três filmes e a telenovela global “O Dono do Mundo” (1991), de um dos seus admiradores, Gilberto Braga. Como o contista Caio Fernando Abreu, o jornalista Eduardo Logullo e tantos outros, sou da turma que reconhece ODETE LARA como a mais “fascinante estrela do cinema nacional”. Norma Bengell chegou perto, mas o título pertence a formosa protagonista de “Os Herdeiros” (1969). Ela atuou também no teatro, fazendo 15 peças, entre elas, “Se Correr o Bicho Pega se Ficar o Bicho Come”, de Ferreira Gullar e Oduvaldo Vianna Filho, em 1966. Verdadeira lenda, teve algum êxito como cantora bossanovista, lançando dois discos e participando de shows. 
 
Como LEILA DINIZ e DARLENE GLÓRIA, ODETE LARA mergulhou fundo no sexo descartável e nas drogas. Terminou por abandonar tudo, inclusive o cinema, pelo budismo e temporadas em mosteiros na Índia, Japão e Estados Unidos. “Angústia e ansiedade na minha vida eram uma constante absoluta. Até certo período, eu ainda tinha esperança de que, se obtivesse muito sucesso esta angústia iria se dissolver. Achava que me sentia angustiada por não me achar realizada, entende? Mas aí, quando tive sucesso, vi que ela não passava, e, pelo contrário, se intensificava. Então procurei dissolvê-la de outra forma, já que não conseguia através da profissão”, desabafou.

Casou-se com o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho e o diretor de cinema Antonio Carlos Fontoura. Durante muitos anos recolheu-se em um sítio em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, plantando, escrevendo, lendo e meditando. “Eu, Nua”, o primeiro volume de sua autobiografia distribuída em mais duas publicações, deu o que falar. Sua história chegou às telas em “Lara” (2000), de Ana Maria Magalhães.

Atrizes sensuais, paparicadas, capa de revistas e convidadas especiais de programas de tevê. Mulheres iluminadas, joias da melhor qualidade. Machucadas, feridas, rotuladas e infelizes, descontrolaram-se, perdendo a satisfação com a profissão de atriz. Este universo sem entusiasmo, exagerado e frustrante, revelou uma complexidade de espantos, oscilando entre a afirmação artística e o sentimento opressivo de rejeição. Por fim, reiniciaram suas vidas, com um futuro incerto e diferenciado. LEILA DINIZ morreu jovem, DARLENE GLÓRIA e ODETE LARA trocaram a fama pelo anonimato.

A beleza sedutora e os costumes avançados delas jamais foram olvidados (como esquecer LEILA DINIZ de biquíni, grávida e sorridente, nas águas de Ipanema?). São aves raras de um tempo em que o cinema brasileiro tinha prestígio, arrebatava prêmios em festivais internacionais e produzia atrizes de excelência cinematográfica como Luiza Maranhão, Adriana Prieto, Isabella, Helena Ignêz, Irene Stefânia, Anecy Rocha, Norma Bengell, Lillian Lemmertz, Isabel Ribeiro ou Jacqueline Myrna. Recordá-las é celebrar a arte nacional que ilumina mentes e corações. 


FILMOGRAFIA SELECIONADA

CINCO FILMES de LEILA DINIZ

01
TODAS as MULHERES do MUNDO (1967)
direção de Domingos de Oliveira

02
EDU, CORAÇÃO de OURO (1968)
direção de Domingos de Oliveira

03
FOME de AMOR (1968)
direção de Nelson Pereira dos Santos

04
AZYLO MUYTO LOUCO (1969)
direção de Nelson Pereira dos Santos

05
MÃOS VAZIAS (1971)
direção de Luiz Carlos Lacerda

CINCO FILMES de DARLENE GLÓRIA

01
SÃO PAULO S. A. (1965)
direção de Luís Sérgio Person

02
TERRA em TRANSE (1967)
direção de Glauber Rocha

03
TODA NUDEZ será CASTIGADA (1973)
direção de Arnaldo Jabor

04
Um HOMEM CÉLEBRE (1974)
direção de Miguel Faria Jr.

05
FELIZ NATAL (2008)
direção de Selton Melo

CINCO FILMES de ODETE LARA

01
BOCA de OURO (1962)
direção de Nelson Pereira dos Santos

02
NOITE VAZIA (1964)
direção de Walter Hugo Khouri

03
COPACABANA me ENGANA (1968)
direção de Antonio Carlos Fontoura

04
O DRAGÃO da MALDADE contra o SANTO GUERREIRO (1969)
direção de Glauber Rocha

05
A ESTRELA SOBE (1974)
direção de Bruno Barreto

GALERIA de FOTOS


Um comentário:

Regina Conti disse...

Mulheres maravilhosas! Mulheres inesquecíveis! Parabéns pela matéria.