A primeira
vez que vi de pertinho MARÍLIA PÊRA (Rio de Janeiro, RJ. 1943 - 2015) ela se
preparava para uma cena do filme “Tieta do Agreste”. O olhar da estrela mirava
um tanque metálico cheio d’água no outro extremo da praça, e depois se perdeu no
horizonte sem árvores. Com o roteiro entre os dedos, murmurava falas. Nos arredores, Zezé Motta, curiosos
e a voz mansa de Carlos Diegues pedindo atenção. A atriz de pouco mais de 50
anos teve a difícil missão de encontrar um caminho próprio para a seca e algo
cômica Perpétua, figura do universo amadiano, vivida na TV com talento e
popularidade por Joana Fomm. Havia visto a atriz anteriormente em “Elas por
Elas” (1989), um musical em que ela se desdobra em várias cantoras brasileiras;
e, mais adiante, a conheceria nos bastidores de “Mademoiselle Chanel” (2004),
trabalhando na produção do espetáculo em Salvador.
Caminhando
entre técnicos e figurantes, insistindo para entrevistar Sonia Braga, eu passei
os olhos por aquela expressividade magra, sentada, ausente, os dedos apertando o
manuscrito. “Uma mulher inesquecível. Ela é uma sacerdotisa”, escrevi no bloco
de notas. “Tieta” foi arrasado pela crítica, mas ela ganhou
prêmios no Festival de Cinema de Cuba e na Associação Paulista de Críticos de
Arte. O ano era 1995, e essa mulher magnética, famosa no teatro e na televisão,
já tinha currículo dos bons no cinema: “O Rei da Noite”, “Bar Esperança, o
Último que Fecha” (Hugo Carvana, 1982), “Anjos da Noite”, “Dias Melhores Virão”
etc. Nos anos seguintes, atuaria em alguns bons filmes: “Jenipapo”, “Central do
Brasil”, “O Viajante” (Paulo César Saracceni, 1998) etc. Sempre fulgurante.
Passados 22
anos, MARÍLIA PÊRA não está entre nós. Morreu em dezembro de 2015, vítima de câncer
no pulmão. Deixou um legado de personagens inesquecíveis, como a prostituta
Suely em “Pixote – A Lei do Mais Fraco”,
que simboliza muito bem o talento do cinema nacional. Uma figura de ficção que fez
história. A atriz foi comparada à Anna Magnani. Levou prêmios internacionais,
entre eles o de Melhor Atriz da Associação Nacional dos Críticos de Cinema dos
Estados Unidos, chegando pertinho do míope tio Oscar. Em “O Viajante”, uma versão do romance
inacabado de Lúcio Cardoso – notável escritor injustamente esquecido -, ela se destaca como uma madura viúva de pequena cidade do interior mineiro,
apaixonada por um desconhecido ambíguo.
Ela é uma
das maiores atrizes do Brasil, gigantesca no teatro, cinema e tevê. Antes dela, somente Cacilda Becker apropriou-se de tal comoção
frente ao talento. Resplandecente, o universo artístico da carioca MARÍLIA PÊRA, filha de uma tradicional família de atores que trabalhava na
Companhia Henriette Morineau, começou na infância, no palco. Entrou em cena pela
primeira vez aos quatro anos de idade, em “Medéia”, a tragédia de Eurípedes. Trabalhou muito tempo como
bailarina, fazendo parte do balé fixo da TV Tupi do Rio, dançando em programas
como “Grande Teatro Tupi”, “Teatrinho Trol”, “Espetáculos Tonelux” e em revistas
musicais como “De Cabral a JK” (1959).
A primeira aparição em telenovelas foi em “Rosinha do Sobrado”, na Rede Globo, em
1965 e, em seguida, em “A Moreninha”.
Anos 1980, época das densas minisséries “Quem Ama não Mata” (1982), de Euclides Marinho, direção de
Daniel Filho, e “O Primo Basílio” (1988),
lembrando Eça de Queiróz. Na década anterior, carimbou sua
presença em clássicos da história da tevê brasileira: “Beto Rockfeller” (1968), “Super
Plá” (1969), “O Cafona” (1971),
“Bandeira 2” (1971) e “Uma Rosa com Amor” (1972). Tempos de
Joana Martini, Shirley Sexy, Noeli, Serafina Rosa. Voltou às
telenovelas em 1987 na engraçada “Brega e Chique”. Ninguém resistiu ao escracho. Na pele de Rafaela, fez bastante
sucesso. Anos depois, diria que essa foi a telenovela que mais gostou de
fazer. Ela voltaria a interpretar Rafaela no remake “Ti-Ti-Ti” (2011), escrito por Maria Adelaide Amaral. Na
minissérie “JK” (2006) fez a ex-primeira dama do Brasil Sarah Kubitschek.
Em plena
ditadura, ela causou polêmica com espetáculos rebeldes do naipe de “Roda Viva” (1968), sendo espancada
por membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que invadiram o teatro
onde a peça era encenada. Chegou a ser presa e obrigada a correr nua por um
corredor polonês. Foi presa uma segunda vez, visto que era tida como comunista,
quando policias invadiram a sua residência. Conquistou a crítica e o público
definitivamente com o êxito de “Fala
Baixo Senão Eu Grito” (1969). A abominável professora de “Apareceu a Margarida” (1973), de
Roberto Athayde, rendeu o Prêmio Molière. Repetiu esse célebre espetáculo em 78,
94 e 95.
Em 1987 encarnou Dalva de Oliveira em “A Estrela Dalva”; em 1996 foi a mitológica Maria Callas em “Master Class”, dirigida por Jorge Takla, e em 1998, com direção de Moacyr Góes, a nelsonrodriguiana prostituta Geni de “Toda Nudez Será Castigada”. Além disso, nos palcos interpretou Carmen Miranda em diversas ocasiões – “O Teu Cabelo não Nega” (1963), “A Pequena Notável” (1966), “A Tribute to Carmen Miranda” (1975), apresentada em Nova York, “A Pêra da Carmen” (1986 e 1995) e “Marília Pêra canta Carmen Miranda” (2005).
Em 1987 encarnou Dalva de Oliveira em “A Estrela Dalva”; em 1996 foi a mitológica Maria Callas em “Master Class”, dirigida por Jorge Takla, e em 1998, com direção de Moacyr Góes, a nelsonrodriguiana prostituta Geni de “Toda Nudez Será Castigada”. Além disso, nos palcos interpretou Carmen Miranda em diversas ocasiões – “O Teu Cabelo não Nega” (1963), “A Pequena Notável” (1966), “A Tribute to Carmen Miranda” (1975), apresentada em Nova York, “A Pêra da Carmen” (1986 e 1995) e “Marília Pêra canta Carmen Miranda” (2005).
A expressividade mapeia o corpo enxuto e o rosto admirável de MARÍLIA PÊRA, tal
qual uma Kay Kendall, uma Rosalind Russell, uma Arletty ou uma Marisa Paredes.
Em “Brava Gente: A Cabine” (2002)
sensibiliza Antonio Fagundes com um largo sorriso enamorado. Nessa história de
amor, nada parece inverossímil ou excessivo, afinal a atriz desenha sua
interpretação em gestos cúmplices. No chato “Dias Melhores Virão” rouba a cena como a dubladora Marialva. O
mesmo aconteceu na enfadonha “Meu Bem
Querer” (1998). A vilã Custódia supera sem máculas a telenovela, graças
a reputação e habilidade da atriz. A Pupi de “O Rei da Noite” é outro momento seu de qualidade. Ela e Paulo José são a alma desta comédia à italiana. A atriz se conecta muito bem com Paulo José; e também com Marco Nanini. Há
uma química perfeita entre eles. Foi maravilhoso vê-los em cena tantas vezes.
Em 2013, fez
“Pé na Cova”, interpretando Darlene, uma suburbana maquiadora da funerária do
ex-esposo Ruço (Miguel Falabella). Antes do seriado, a amizade com Miguel
Falabella já havia rendido papéis no seriado “A Vida Alheia” (2010), no filme
“Polaroides Urbanos” (2008), onde interpreta duas irmãs gêmeas, e na telenovela
“Aquele Beijo” (2011), todos escritos por ele. No carnaval de 2015, ela foi
homenageada pela Escola de Samba Mocidade Alegre, de São Paulo. Em agosto do
mesmo ano, foi a grande homenageada do Festival de Cinema de Gramado, onde
recebeu o Troféu Oscarito. MARÍLIA PÊRA casou-se pela primeira vez aos
dezessete anos, com o músico Paulo Graça Mello, morto num acidente de carro em
1969. Aos dezoito, foi mãe de Ricardo. Mais tarde, foi
casada com o ator Paulo Villaça, seu parceiro em “Fala Baixo Senão Eu Grito”, e
com Nelson Motta, com quem teve as filhas Esperança e Nina. Era casada, desde
1998, com o economista carioca Bruno Faria.
Ela atuou em
26 filmes, desde a estreia como a ingênua Rosinha de “O Homem que Comprou o Mundo”
(1968), de Eduardo Coutinho. Revelou-se uma presença soberana, uma das artistas
mais completas do Brasil: além de interpretar, era cantora, bailarina,
diretora, produtora e coreógrafa. Trabalhou em mais de 50 peças e cerca de 40
novelas, minisséries e programas de televisão. Entre os trabalhos favoritos na
TV, no entanto, MARÍLIA PÊRA escolhia as minisséries: “O Primo Basílio” (1988),
em que interpretou a vilã Juliana, e “Os Maias” (2001). Morreu aos 72 anos.
FILMOGRAFIA SELECIONADA
(por ordem de preferência)
01
PIXOTE: a LEI do MAIS FRACO
de Hector Babenco
com Fernando Ramos da Silva, Jardel
Filho,
Rubens de Falco, Elke Maravilha,
Tony Tornado e Beatriz Segall
Rubens de Falco, Elke Maravilha,
Tony Tornado e Beatriz Segall
02
ANJOS da NOITE
(1987)
de Wilson Barros
com Zezé Motta, Antônio Fagundes, Marco Nanini,
Chiquinho Brandão e Guilherme Leme
03
CENTRAL do BRASIL
de Walter Salles
com Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira,
Othon Bastos, Otávio Augusto
e Matheus Nachtergaele
Othon Bastos, Otávio Augusto
e Matheus Nachtergaele
04
MIXED BLOOD
de Paul Morrissey
com Richard Ulacia e Linda Kerridge
05
AMÉLIA
(2001)
de Ana Carolina
com Béatrice Agenin, Camila Amado,
Marcélia Cartaxo e Cristina Pereira
06
O REI da NOITE
(1975)
de Hector Babenco
com Paulo José, Vick Militello, Cristina
Pereira
e Yara Amaral
07
O VIAJANTE
(1998)
de Paulo César Saraceni
com Jairo Mattos, Leandra Leal
e Paulo César Pereio
e Paulo César Pereio
08
JENIPAPO
(1995)
de Monique Gardemberg
com Otávio Augusto, Patrick Bauchau,
Júlia Lemmertz
e Ana Beatriz Nogueira
09
DIAS MELHORES VIRÃO
de Carlos Diegues
com Paulo José, Zezé Motta, José Wilker
e Paulo César Pereio
10
TIETA do AGRESTE
de Carlos Diegues
com Sonia Braga, Chico Anysio, Cláudia
Abreu,
20 comentários:
Muito conpetente foi uma pena ela ter partido
Os mitos não morrem,viajam,mas foi uma pena essa viagem em volta de Marília.Perdemos um dos maiores talentos sutis da televisão,teatro e cinema brasileiro!
Maravilhosa!
Uma das maiores atrizes no nosso cinema, teatro e TV. Conheci Marília em "Apareceu a Margarida", na década de 1960, em São Paulo. Um "presente" bem no dia do professor (15/10).
Insubstituível
Grande estrela.
O toque de ironia que ela imprimia em todas as personagens que ela interpretava era uma registro constante. Esse ,foi sem duvida o toque que diferenciava Marilia Pera das demais atrizes e atores.Nela sempre este presente o outro lado da personagem. Foi exatamente esse toque que fez dela a mais completa atriz brasileira. Marilia mostra a personagem em 3d.
Saudades eternas!
Grande atriz ! Saudades
Diva!
Insubstituivel fas muita falta que esteja feliz onde estiver
Ah!!!!!!!!!! MARÍLIA. SEMPRE MARÍLIA!!!!!!!!!!!!!!!
Insubstituível...estrela com brilho próprio e inesquecível!!!
Foi otima ate o fim . Luz para ela , que que tantas alegrias e emocoes deu ao nosso povo.
Foi otima ate o fim . Luz para ela , que que tantas alegrias e emocoes deu ao nosso povo.
Reinou soberana
Amo! Eterna! Glamorosa! Que te conheceu, nunca te esquecerá. Grande Marília Pera!!!
Que falta essa gde atriz nos faz!!!
Poucas no Brasil podem ser comparadas a Marília... Talvez Dina Sfat, talvez Renata Sorrah... Quem mais?!!
Eterna!
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