maio 14, 2015

******** A LENDA EXÓTICA de MERLE OBERON



A diva peruana Yma Sumac dizia ser descendente do último imperador inca, Atahualpa, sendo assim uma princesa por sangue. Anna Kashfi se fez passar por indiana para conquistar Hollywood e casar com Marlon Brando, mas, na verdade, era do País de Gales. Com MERLE OBERON (1911 – 1979) o enigma é mais complexo, fabuloso, gerou biografias, bestseller (“Queenie”, 1985, de Michael Korda, seu sobrinho), documentários e popular minissérie (“Queenie”, 1987). Uma das estrelas mais sofisticadas da década de 1930 e 40, uma sereia morena de características exóticas e olhos amendoados. Graciosa e bela. Em seu ápice, 1939, cativou o mundo no romântico “O Morro dos Ventos Uivantes”, como Cathy, o amor do Heathcliff de Laurence Olivier.

Biografada na imprensa como filha de um oficial do exército britânico e de uma francesa de origem irlandesa, nascida na Tasmânia, Austrália, e educada na Índia, a estrela tinha um passado secreto ainda mais intrigante, mesmo ela garantindo que viveu até os seis anos na Tasmânia e depois foi morar com a avó em Bombaim e Calcutá, na Índia. A real história permanece um mistério, existem várias versões, já que, ela nunca revelou sua origem verdadeira, a fim de esconder a mistura racial. Algumas fontes falam que sua mãe era uma eurasiana do (antigo) Ceilão (hoje Sri-Lanka) e seu pai um inglês. Outras falam de uma descendência chinesa. Uma terceira versão, no Ceilão, apresenta a anglo-hindu Constance Selby como sua verdadeira mãe. Mas durante toda a vida, a atriz negou-se a encontrar com ela e seus quatro “meio-irmãos”.
 
leslie howard e merle
em “o pimpinela escarlate”
Em 1928, aos dezessete anos, depois de um romance com um rico ex-ator inglês (que terminou a relação ao ver a pele escura da mãe da moça, percebendo que ela era mestiça), MERLE OBERON deixou a Índia e foi morar em Londres, sobrevivendo como figurante de filmes e taxi-dancer em clubes noturnos - conhecida como Queenie (apelido em homenagem à Queen Mary). 
 
Tornou-se uma artista celebrada no Café de Paris e escandalizou os londrinos ao namorar um músico de jazz negro e norte-americano. Na época, os irmãos Korda, Alexander, Zoltan e Vincent, judeus húngaros, eram poderosos profissionais do cinema britânico. Alexander Korda descobriu Queenie no restaurante de um estúdio de cinema, mudou seu nome e a colocou no drama de época “Os Amores de Henrique VIII” (1933), a primeira produção da Inglaterra nomeada para o Oscar de Melhor Filme. 

Após sua interpretação de Lady Marguerite Blakeney em “O Pimpinela Escarlate / The Scarlet Pimpernel (1934), ao lado de Leslie Howard (que se tornou seu amante), a atriz recebeu convite para trabalhar em Hollywood. Os executivos da meca do cinema já tinha alguma ideia do talento dela, porque seu “Melodia Trágica / The Broken Melody (1934) foi um sucesso nos EUA. Com a nomeação para o Oscar de Melhor Atriz como Kitty Vane em “O Anjo das Trevas” (1935), seu primeiro filme como contratada do produtor independente Samuel Goldwyn, ela passou a ser uma estrela. Namorando David Niven, quase casou-se com ele, mas a infidelidade do ator arruinou a relação.

MERLE e o ClÁSSICO de EMILY BRONTË

Seu mais afamado desempenho - aclamado pelos críticos como magistral -, foi a Cathy Linton de “O Morro dos Ventos Uivantes” (1939), a segunda de sete adaptações cinematográficas que o romance de Emily Brontë teve, até o momento. A primeira foi produzida em 1920. Vivien Leigh queria desempenhar o papel principal, ao lado de seu amante e futuro marido Laurence Olivier, mas os executivos do estúdio decidiram que o papel seria de MERLE OBERON. Mais tarde, eles ofereceram para Leigh o papel de Isabella Linton, mas ela recusou e Geraldine Fitzgerald ficou com o papel. O filme retrata apenas 16 dos 34 capítulos do livro. 
 
Samuel Goldwyn mais tarde afirmou que esta foi a sua produção favorita. Ronald Colman, Douglas Fairbanks Jr. e Robert Newton foram considerados para o papel de Heathcliff. A fama de Olivier cruzou o Atlântico e Hollywood o convidou para estrelar o filme. A arrogância do ator nas filmagens e sua constante agressividade com sua co-protagonista quase o fizeram ser dispensado da produção, mas uma bronca homérica do produtor Samuel Goldwin o fez rever suas atitudes e Laurence mudou radicalmente sua postura. Diz a lenda que depois de uma cena particularmente romântica, a estrela gritou ao diretor sobre seu co-astro: Diga a ele para parar de cuspir em mim!”.
 
flora robson, merle e david niven
em “o morro dos ventos uivantes”
O ponto de partida do longa foi um roteiro assinado por Charles MacArthur e Ben Hecht - este último chegou a ser chamado de “Shakespeare de Hollywood”. De qualquer modo, Hecht esteve envolvido em quase 160 roteiros que chegaram a ser filmados. A dupla escreveu o roteiro baseado no romance em 1936 sem que ninguém se interessasse por ele até que, por caminhos tortuosos, chegou às mãos do diretor, na época em prestígio ascendente, William Wyler. 
 
Como era comum nesta fase considerada a época áurea do sistema de produção dos grandes estúdios de Hollywood, Wyler estava preso por contrato ao produtor Samuel Goldwyn. Ele havia conseguido que Goldwyn produzisse uma versão para as telas da polêmica peça de Lillian Hellmann, “The Children’s Hour”, apesar do tema explosivo para a década de 1930: uma menina mentirosa levanta infâmias sobre a vida íntima de suas professoras. A mentira da peça, segundo a qual as professoras seriam lésbicas, teve que ser mudada para o filme, ficando que uma delas estaria enamorada do noivo da outra; daí o final feliz e conformado à moral oficial vigente. Apesar da censura, foi um marco na carreira de Wyler. Embora tenha tido êxito na empreitada anterior, Wyler precisou de dois anos para convencer Goldwyn a aceitar a ideia de produzir “O Morro dos Ventos Uivantes”. Na biografia de Wyler, escrita por Axel Madsen, li que Goldwyn teria alegado que não gostava de “histórias com gente morrendo no final, isso é coisa de tragédia”, ao que Wyler contestou, vendendo a imagem de “uma grande história de amor”.

Ao finalmente aceitar produzir o filme, Samuel Goldwyn só fez uma pergunta: “Há lugar no elenco para Merle?”. Sua contratada, ele estava procurando um filme que servisse de veículo para ela. Depois de aceitar a ideia de Wyler e ver o filme pronto (com boa receptividade de crítica e prestígio junto ao público) o produtor passou a dizer que o filme era “seu” e que “Wyler apenas o dirigiu”. De fato, o desfecho foi obra apenas de Goldwyn e contra a vontade de Wyler: um take final foi acrescentado pelo produtor, sugerindo que os fantasmas de Heathcliff e Catherine estavam reunidos, caminhando para o além. O diretor havia se recusado a rodar essa tomada que mesmo assim foi feita à sua revelia depois do filme pronto. Não eram nem Laurence Olivier e nem Merle Oberon, já dispensados das filmagens. No mesmo ano do badalado lançamento, MERLE OBERON se casa com Alexander Korda (o primeiro dos seus quatro maridos), tornando-se lady quando ele foi nomeado cavaleiro em 1942. O divórcio veio em 1945, deixando-a rica.

CICATRIZES FACIAIS e PASSADO MISTERIOSO

alexander korda e merle
Durante as filmagens de “I, Claudius”, em 1937, onde fazia Messalina, a atriz sofreu um sério acidente de carro que a deixou com cicatrizes faciais. Após a cirurgia dolorosa e recuperação, ela voltou a atuar, mas encobrir as marcas em seu rosto era uma tarefa complicada. Só com a ajuda de grandes maquiadores ela pode continuar sua carreira. Felizmente, durante as filmagens do suspense “Ódio que Mata / The Lodger” (1944), apaixonou-se pelo diretor de fotografia, Lucien Ballard. Ele criou um spotlight compacto com o qual disfarçava as cicatrizes do rosto de MERLE OBERON, chamando-o de “Obie”, em homenagem à futura esposa. 
 
A década de 1940 foi generosa com ela, atuando em bons filmes, entre eles o famoso “À Noite Sonhamos” (1945), personificando a escritora francesa George Sand, o amor de Chopin. Na época, numa clínica de beleza, sofreu reação alérgica aos produtos, resultando em manchas permanentes no rosto. Nas décadas seguintes, sempre bela, continuaria trabalhando. “Hotel de Luxo / Hotel” (1967), de Richard Quine, e “Interval” (1973), de Gavin Lambert, foram seus últimos filmes. Aposentada, mudou-se para Malibu, na Califórnia, morrendo em 1979, aos 69 anos de idade.

A biografia de Charles Higham, “Princesa Merle”, que escreveu com Roy Moseley, revelou pela primeira vez que a estrela era anglo-indiana. Ele argumenta que a proveniência da Tasmânia foi inventada pelo estúdio de Alexander Korda. Na época, uma estrela de raça mista não era aceitável. Tasmânia foi escolhida como seu novo local de nascimento, porque era muito longe dos EUA e Europa e tinha selo “british”. Então, Estelle Thompson, de Bombaim, metamorfoseou-se em MERLE OBERON, uma branca que se mudou da Tasmânia para a Índia após seu ilustre pai morrer em um acidente de caça. Na Tasmânia, muitos são convencidos de que ela é a mais famosa filha da ilha, mas que não nasceu de pais ricos, e sim de uma chinesa que trabalhava num hotel. 
 
A atriz manteve até o fim a versão publicitária de Korda (dizem que passou a acreditar nela) e em 1978 aceitou o convite de recepção de boas-vindas a Hobart, na Tasmânia, onde supostamente nascera. Mesmo sem encontrar a certidão de nascimento, o Conselho da cidade concluiu que ela era definitivamente da Tasmânia, filha de uma mulher chamada Lottie Chintock, de uma desaparecida comunidade chinesa de mineração de estanho, no nordeste da ilha, Weldborough. Lottie tinha saudade de sua filha perdida. Ela foi forçada a abandoná-la, com a garota sendo levada para a Índia por comerciantes de seda ou, diz outra versão, por uma trupe itinerante de atores. Outra história garante que foi para a Índia com o primo do patrão de sua mãe.


O biógrafo Charles Higham sugere que atriz foi a Hobart, na Tasmânia, pela insistência do último marido, o ator holandês Robert Wolders (mais tarde companheiro das atrizes Audrey Hepburn e Leslie Caron). Ele queria conhecer a terra natal da esposa. Será que ela não lhe disse a verdade? Seja qual for a intenção, a visita não foi nada fácil para MERLE OBERON. Ela se recusou a dar entrevistas e tampouco visitou o teatro nomeado em sua honra, escondendo-se no hotel onde se hospedou. No caminho para a recepção, disse ao motorista nativo uma história diferente de seu nascimento, alegando que estava viajando em um navio que passava por Hobart quando seu pai ficou doente e, como resultado, ela viveu seus primeiros anos na Tasmânia. No evento em sua homenagem, negou que nasceu na Tasmânia, tendo um colapso público e deixando a cidade após o fiasco. Como Higham diz: “Foi uma tragédia. Ela nunca deveria ter ido lá.”

Na Índia, os registros da passagem da estrela também são obscuros. Sabe-se que levou uma existência miserável em Bombaim, tendo mais sorte em Calcutá, onde ganhou uma bolsa para estudar numa das melhores escolas particulares, mas era constantemente insultada pelas colegas. O mais crível nesse mistério, registra MERLE OBERON como filha da anglo-indiana Constance Selby, que se desfez da filha quando deu à luz aos quinze anos, mantendo o segredo de sua família por toda a vida. A atriz, no entanto, nunca reconheceu diretamente a família Selby, exceto ao enviar-lhes pequenas quantidades de dinheiro ao longo do tempo. Quando Harry, seu meio-irmão, vivendo em Los Angeles, tentou visitá-la, ela se recusou a recebê-lo. A estrela perdeu sua identidade, seu país e sua família, renascendo em Hollywood como uma aristocrata exótica. O truque deu certo. Teve uma carreira digna e uma estrela na Calçada da Fama.

cornel wilde e merle 
em “a noite sonhamos”

10 FILMES de MERLE OBERON

01
O MORRO dos VENTOS UIVANTES
(Wuthering Heights, 1939)
direção de William Wyler
  elenco: Laurence Olivier, David Niven, Flora Robson,
Donald Crisp e Geraldine Fitzgerald

02
O COWBOY e a GRÃ-FINA
(The Cowboy and the Lady, 1938)
direção de H. C. Potter
  elenco: Gary Cooper, Walter Brennan e Patsy Kelly

03
INFÂMIA
(These Three, 1936)
direção de William Wyler
  elenco: Miriam Hopkins, Joel McCrea, Bonita Granville
e Walter Brennan

04
OS AMORES de HENRIQUE VIII
(The Private Life of Henry VIII, 1933)
direção de Alexander Korda
  elenco: Charles Laughton, Robert Donat, Wendy Barrie,
Binnie Barnes e Elsa Lanchester

05
QUE SABE VOCÊ do AMOR?
(That Uncertain Feeling, 1941)
direção de Ernst Lubitsch
  elenco: Melvyn Douglas, Burgess Meredith e Eve Arden

06
LYDIA
(Idem, 1941)
direção de Julien Duvivier
  elenco: Joseph Cotten, Edna May Oliver e Alan Marshal

07
O ANJO das TREVAS
(The Dark Angel, 1935)
direção de Sidney Franklin
  elenco: Fredric March, Herbert Marshall e John Halliday

08
EXPRESSO para BERLIM
(Berlin Express, 1948)
direção de Jacques Tourneur
  elenco: Robert Ryan, Charles Korvin e Paul Lukas

09
O ÚLTIMO ENCONTRO
(Til we meet Again, 1940)
direção de Edmund Goulding
  elenco: George Brent, Pat O'Brien e Geraldine Fitzgerald

10
A NOITE SONHAMOS
(A Song to Remember, 1945)
direção de Charles Vidor
  elenco: Paul Muni, Cornel Wilde e Nina Foch

GALERIA de FOTOS

 
 
 



26 comentários:

Maria Madalena Santos disse...

Bela, de uma beleza bem exótica... Só assisti um filme com ela.

Daiane Machado disse...

Também só vi um filme com ela.

Stelle de Rocio disse...

Linda demais

Danielle Carvalho disse...

Como era bonita!

Daiane Machado disse...

Obrigada Antonio Nahud. Seu blog é maravilhoso, é bom poder conhecer um pouquinho da Merle.

Cristina Madeira disse...

Merle Oberon - grande atriz e sempre achei enigmática e exótica. Agradeço alguma dica! abs

Sibely Vieira Cooper disse...

Adoro ela, Merle é a eterna Cathy de Heathcliff.

Ary Ximendes disse...

Que belíssimo artigo!
Claro que as incertezas são múltiplas, afinal nos tempos pré-facebookeanos ninguém conhecia a origem das pessoas... Mas o trabalho do Antonio Nahud é um primor de pesquisa... Muito legal! Devorei na leitura. Emoticon like

Bob Gazzale disse...

beautiful!

Sergio Lavor disse...

Sua origem é obscura. Era uma atriz medíocre. Teve o rosto desfigurado num acidente de carro que destruiu sua carreira...

Angelus Magno disse...

Ela era linda...Não conhecia essa atriz, mas vejo em seu rosto uma mistura de doçura e sedução

Vanuzia Nogueira disse...

amigo Antonio Nahud como sempre você arrasando um filmaço “O Morro dos Ventos Uivantes” seu Blog é um dos melhores ao meu ver

Marcos Pedini disse...

O nome soa como uma lenda, um mito e obrigado, Antonio Nahud, irei pesquisar

Daniele Moura disse...

Gente, como era linda!!

Sibely Vieira Cooper disse...

Gosto demais, ela é um luxo, eterna Cathy do Heatclif

Chico Lopes disse...

Era bonita. Mas não era boa atriz de modo algum.

Eraldo Urano disse...

Era muito bela, uma beleza exótica. Inesquecível na melhor versão de "O Morro dos Ventos Uivantes".

Ana Carol disse...

Muito linda!!!

Thais Negrão Furini disse...

"O Morro dos Ventos Uivantes" .... sem dúvidas,inesquecível !!!!!

Daniel Pilotto disse...

Maravilhosa!!!!!!! Fez filmes que são memoráveis, adoro Merle em INFÂMIA!!!!!!!

Daniele Moura disse...

Muito bom, Antonio Nahud! Parabéns!!

Sonia Brazão disse...

Fascinante história num texto deslumbrante.
Mais uma vez fiquei encantada com a leitura, amigo Antonio Nahud querido.

disse...

Excelente texto. É louco e fascinante como os estúdios inventavam passados mirabolantes para suas estrelas. Merle era linda e exótica, não importa sua origem.
Abraços!

Luna Hepburn disse...

O morro dos ventos uivantes, filme favorito de minha inesquecível mãe. Ela também tinha o livro. A Merle esteve ótima nesse filme.

Carlos José Marques de Carvalho disse...

"O Morro dos Ventos Uivantes" é um belo filme e um grande romance da genial Emile Bronte !...

claudia brando freitas disse...

Linda e excelente atriz esteve maravilhoso como ana Bolena desejo assistir mais filmes dessa deusa!