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em cena é um estado
de pureza, uma bênção,
que nos faz ter essa paixão.
DINA
SFAT
A
história do cinema nacional é marcada por uma galeria de mitos femininos:
Aurora Fúlgida, bailarina romena; Eva Nil, atriz dos anos 20; Carmen Santos,
que construiu um estúdio e dirigiu um filme; Gilda Abreu, do sucesso
“Bonequinha de Seda” (1936); Carmen Miranda, estrela de musicais; Eliana no
ciclo das chanchadas; Eliane Lage e Tônia Carrero na Vera Cruz; o Cinema Novo
revelando Norma Bengell, Odete Lara, Leila Diniz, Adriana Prieto, Anecy Rocha,
Jacqueline Myrna e Helena Ignez; o talento de Isabel Ribeiro, Lillian Lemmertz,
Irene Stefânia, Ítala Nandi, Ana Maria Magalhães, Selma Egrei, Rossana Ghessa,
Darlene Glória e Zezé Motta. Em 1969, seria a hora e a vez de DINA SFAT
(1938 - 1989. São Paulo / SP) arrebatar público e crítica como a guerrilheira Cy, do emblemático
e tropicalista “Macunaíma”, inspirado na obra homônima de Mário de Andrade
sobre a falta de caráter do brasileiro, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e
estrelado por Grande Otelo e Paulo José. Nunca mais seu talento seria
esquecido. Carismática,
bela e excelente intérprete, a atriz morreu vítima de um câncer aos
50 anos, mas ainda hoje vive na memória de muita gente. De pai russo e mãe
israelense, além de sua obra, deixou de legado uma família
de artistas. Do casamento com Paulo José, nasceram Clara, Ana e Bel
Kutner, as duas últimas atrizes.
Dina
Kutner de Souza se apaixonou pelo teatro enquanto assistia Cacilda Becker
atuando em “Arsênico e Alfazema” (1949). Escolheu
ser chamada artisticamente como DINA SFAT em homenagem à sua mãe, já que Sfat
era seu povoado de origem em Israel, estreando profissionalmente nos palcos em 1962,
no espetáculo “Antígone América”, dirigida por Antonio Abujamra. No histórico
Teatro de Arena viveu a Manuela de “Os Fuzis da Senhora Carrar” (1962), de
Bertold Brecht. Conquistou o Prêmio Governador do Estado de São Paulo de Melhor
Atriz por seu desempenho em “Arena Conta Zumbi” (1965), um musical político de
Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, e destacou-se na polêmica e mítica
montagem de “O Rei da Vela” (1967), dirigida por José Celso Martinez Corrêa, ao
substituir às pressas Ítala Nandi no papel de Heloisa de Lesbos. Sem nunca
abandonar os palcos, fez “Dorotéia Vai à Guerra” (1973), “A Mandrágora” (1975),
“Seis Personagens à Procura de Um Autor” (1977), “Murro em Ponta de Faca”
(1979), “As Criadas” (1981), “Hedda Gabler” (1982) e, em Portugal, “Florbela
Espanca” (1984), entre outras montagens elogiadas. Inicia
sua trajetória na televisão no final da década de 1960, trabalhando na Tupi,
Excelsior e Record. Mesmo
diante do sucesso, jamais se deixou seduzir por personagens caricatos, arriscando-se em papéis sem as amarras das heroínas habituais,
sofredoras e românticas. Estreou na Globo em 1970, a convite de Dias Gomes, protagonizando “Verão
Vermelho”, onde formou par com Jardel Filho, e permaneceu nela
até a sua morte.
Brilhou em minisséries, telenovelas
e integrou o elenco de vários programas, como o “Caso Especial” e “Aplauso”. De autoria de Janete Clair fez “O
Homem Que Deve Morrer” (1971), “Selva de Pedra” (1972, Prêmio de Melhor Atriz
da Associação Paulista de Críticos de Arte), “Fogo Sobre Terra” (1974) e “O
Astro” (1978), mas também roubou cenas em outras como “Assim na Terra Como no
Céu” (1970), “Os Ossos do Barão” (1973) e “Saramandaia” (1976). Um dos seus
maiores momentos na tevê aconteceu em 1975, em
“Gabriela”, de Walter George Durst, baseada na obra de Jorge Amado. Apesar de
aparecer apenas nos primeiros capítulos, como a prostituta Zarolha, dominou a cena, obtendo um extraordinário sucesso. Dirigida por Walter Avancini, o diretor preferido dela. Segundo ele, ela jamais recusar qualquer
papel proposto por ele.
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dina e paulo josé
Versátil,
com uma fantástica presença em cena, e o gosto apurado por se arriscar em
papéis complexos, teve momentos especiais no cinema nacional. O mais lembrado e
comentado, sem dúvida, é “Macunaíma”. Em 27 anos de carreira artística, fez 20
filmes, atuando no engajado Cinema Novo e no libertário Cinema Marginal.
Estreou em 1966 pelas mãos de Walter Hugo Khouri em “O Corpo Ardente”. Faria
“Os Deuses e os Mortos” (1970, Melhor Atriz no Festival de Brasília), filmado
no sul da Bahia; “A Culpa” (1971, Prêmio Air France de Melhor Atriz); uma mãe
solteira em “Tati, a Garota” (1973), estreia de Bruno Barreto; e “O Homem do
Pau Brasil” (1981), no papel da pintora Tarsila do Amaral. Atuou em “Das Tripas
Coração” (1982), que discute educação, sexo e religião num colégio de meninas
ricas, ao lado de Antonio Fagundes, Othon Bastos e Christiane Torloni; e “Eros,
o Deus do Amor” (1981), sinfonia pictórica do prazer e da ansiedade, contando a
vida de um cinquentão para qual o sexo é tudo e nada. No elenco, Renée de
Vielmond, Norma Bengell e Lillian Lemmertz. Seu último trabalho
cinematográfico, “O Judeu”, baseado na vida de Antônio José da Silva, escritor
luso-brasileiro do século XVIII que morreu na fogueira da inquisição, foi
rodado em Portugal, na segunda metade da década de 1980. Inacabado por falta de
verba, só iria estrear em 1995, seis anos após a morte da atriz.
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Inquieta
e polêmica, DINA SFAT dizia o que pensava, mesmo quando não agradava às correntes sociais ou
ideológicas. Dona de interpretação singular, com emoções à flor da pele,
revelava uma sensualidade desconcertante e beleza agressiva, moldada na sua
personalidade. Olhos grandes, infinitos, extremamente expressivos. Voz
penetrante. De aguda inteligência, entregava-se de forma completa aos desafios propostos e se distinguia pela coerência com que
selecionava os seus compromissos profissionais. Na intimidade era discreta, não
se deixando levar pelo holofotes da mídia. Mesmo inquieta, nunca se filiou a qualquer sigla ou facção partidária. No
final da vida, doente, não deixou de trabalhar. Em viagem de
tratamento à União Soviética, ao lado de Daniel Filho, realizou o documentário
“Dina Sfat na União Soviética” (1988). Escreveu um livro, publicado em 1988, sobre sua
carreira e a luta contra o câncer, “Dina Sfat- Palmas pra que te Quero”, junto
com a jornalista Mara Caballero. Debilitada, fez seu último trabalho
na TV na comédia “Bebê a Bordo”. Foi única no cenário nacional. Dina faz falta.

FILMOGRAFIA
O CORPO ARDENTE (1966)
direção de Walter Hugo Khouri
TRÊS HISTÓRIAS de AMOR (1966)
direção de Albert D’Aversa
EDU CORAÇÃO de OURO (1967)
direção de Domingos de Oliveira
JARDIM de GUERRA (1968)
direção de Neville D’Almeida
A VIDA PROVISÓRIA(1968)
direção de Maurício Gomes Leite
MACUNAÍMA (1969)
direção de Joaquim Pedro de Andrade
Os DEUSES e os MORTOS (1970)
direção de Ruy Guerra
PERDIDOS e MALDITOS (1970)
direção de Geraldo Veloso
O BARÃO OTELO no BARATO dos MILHÕES (1971)
direção de Miguel Borges
O CAPITÃO BANDEIRA CONTRA o DOUTOR MOURA BRASIL (1971)
direção de Antônio Calmon
GAUDÊNCIO! O CENTAURO dos PAMPAS (1971)
direção de Fernando Amaral
A CULPA (1971)
direção de Domingos de Oliveira
TATI, a GAROTA (1973)
direção de Bruno Barreto
ÁLBUM de FAMÍLIA (Uma HISTÓRIA DEVASSA) (1981)
direção de Braz Chediak
O HOMEM do PAU-BRASIL (1981)
direção de Joaquim Pedro de Andrade
EROS, o DEUS do AMOR (1981)
direção de Walter Hugo Khouri
Das TRIPAS CORAÇÃO (1982)
direção de Ana Carolina
TENSÃO no RIO (1984)
direção de Gustavo Dahl
A FÁBULA da BELA PALOMERA (1987)
direção de Ruy Guerra
O JUDEU (1995)
direção de Tom Job Azulay
GALERIA de FOTOS
Quando
as palavras são inúteis, só um grande suspiro
pode ajudar a encontrar forças
DINA SFAT