janeiro 20, 2011

************ CONFISSÕES de JOAN CRAWFORD






“Qualquer pessoa no mundo terá levado a sua bofetada. De qualquer maneira, seja dos homens ou do destino, ninguém confessará que a recebeu com prazer, mas, eu devo dizer que sinto uma profunda gratidão por todos aqueles que me esbofetearam. Deram-me ânimo para reagir em meu próprio proveito. Foram-me, grandemente, úteis. Ainda guardo – sem rancor – a lembrança da primeira vez que senti minhas faces vermelhas e todo meu corpo agitado por incrível ressentimento. Contava, então, meus nove anos. Estudava no convento-escola de Santa Agnes, em Kansas City, quando aconteceu que a minha mãe e o meu padrasto se separaram. Ela me explicou que, se quisesse continuar os estudos, teria que ganhar dinheiro para custeá-los. O fato não me preocupou de verdade. Não tinha medo do trabalho nem muita vontade de instruir-me, embora disso me tenha arrependido mais tarde, procurando remediar a minha negligência quando possível. Naquele momento, porém, a minha maior preocupação era ganhar com que viver. Empreguei-me como garçonete. Passei a servir mesas, lavar pratos e arrumar quartos. E durante um certo tempo continuei estudando. Mas, aconteceu que, aos poucos, as atitudes dos meus colegas em relação a mim se modificaram. Ao saberem qual era o meu trabalho, foram evitando a minha companhia. Senti-me desprezada e socialmente posta de lado. Naquele tempo isto significou para mim a primeira bofetada. Chorei muito, e acredito que tenha desejado morrer. Mas... quanto aprendi desta primeira amarga experiência! Admito que o caso influa até hoje na minha reserva quanto às novas amizades e na descrença em relação ao próximo. Mas, na época, após o impacto, senti uma grande vontade de trabalhar, para tornar-me alguém que pudesse ser cortejada, invejada e tivesse o direito de escolher os que mereciam o nome de verdadeiros amigos.


Minha infância foi passada quase na pobreza. Ainda bastante jovem, trabalhei em lojas de liquidação e nos corpos de coros de teatros, mas jamais pensei em ir para Hollywood, porque eu nunca tivera gosto para vestir-me. Como sentia inveja das estrelas de cinema, sempre com modelos tão bonitos e tão elegantes... O destino da gente já vem traçado, e apesar da minha falta de esperança, um dia achei-me em Hollywood. Tudo parecia um sonho. Nos velhos tempos de Hollywood, como tantas outras jovens, tinha papéis tão pequenos que mais pareciam trabalhos de extras. Uma vez reclamei ao assistente do produtor, perguntando-lhe o que deveria fazer para desenvolver minha carreira no cinema. “Que tem feito você mesma para melhorar sua aparência?”, perguntou-me ele. Senti-me esmagada. Foi talvez uma das bofetadas mais violentas que recebi. Estava certa de que o estúdio se sentia satisfeito comigo. Que estava errado comigo? Mas ele não tinha motivos para me ofender, e isto me desesperava. Fiz dieta e cheguei a perder nove quilos, ficando reduzida a 66. Pedi conselhos ao maquiador e ao cabeleireiro, e segui, fielmente, tudo que indicaram. Entreguei-me, também, aos figurinistas. Estava agora no caminho, tinha melhorado minha aparência, mas comecei a compreender também que precisava de mais instrução. Atirei-me ao estudo com todas as minhas energias. Pela primeira vez, descobri o valor da boa música e da literatura.

Estive com a Metro durante muitos anos e fiz vários filmes de sucesso, quando o estúdio anunciou a produção de “Uma Alma livre”. Queria ser a protagonista, mais do que em qualquer outro filme de minha carreira. Disso isso a Louis B. Mayer. “Joan, você é uma das nossas estrelas mais valiosas, porém, você ainda não tem a experiência necessária como atriz dramática para interpretar esse papel”, ele respondeu. Procurei sair do seu escritório antes que começasse a chorar, mas as lágrimas não esperaram até eu chegar em casa. Senti-me insultada como atriz. Hoje compreendo que foi uma das melhores bofetadas que recebi em minha carreira. Porque o meu trabalho fora, tão profundamente, ferido, que trabalhei, arduamente, em meus filmes subsequentes. Percebo que, na verdade, não estava apta para o papel que foi dado à Norma Shearer. Mas a bofetada mais severa que senti, por certo, foi quando não fazia um filme havia dois anos, antes de interpretar “Almas em suplício”. Parte do tempo estive sob contrato... esperando. Outra parte passei sentada por minha própria conta, pois, voluntariamente, deixara de receber o salário, para aguardar uma boa história. Durante aqueles dias desanimadores, aprendi o valor da humildade e da gratidão, e a rezar com mais fervor.

A minha vida particular é só minha, e tenho aprendido muito à minha custa, ou melhor, à custa das bofetadas que tenho levado. Mas, graças a Deus, sou feliz, porque sem pai e sem mãe para me guiar, lágrimas e reflexões não me faltaram após cada látego, para me ensinar a lutar e a alcançar o que desejo.”

FONTE
“O Cruzeiro”, agosto de 1955


25 comentários:

Roderick Verden disse...

Nunca fui fã dela. Nunca a achei bonita. Ainda assim, ela tinha talento. E gostei muito do q ela disse- me surpreendeu.

Eu tb tenho reserva às novas amizades e descrença em relação ao próximo.rs

Carla Marinho disse...

Esse teu blog é muito bom.

helenahistory disse...

primo

Impressionante vermos as fotos e filmes desses icones do cinema. Pensar que eles não estão mais entre nós é duro. Suas trajetórias de vidas nem sempre foram fáceis. Mas, foram estonteate quando atuavam, tanto que nos fascina até hoje.
Parabéns pela sua coletânia.

Octavio Caruso disse...

Não sou fã dela, mas gosto de sua participação em Baby Jane do Aldrich.

Chico Lopes disse...

Excelente, o teu site. Chico Lopes

M. disse...

Oi Antonio!!!! Esse seu blog é o que há! Estou te seguindo! Um abraço.

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Olá, Antonio.

Esse texto é um achado! As revistas brasileiras dessa época muitas vezes publicavam coisas interessantes sobre cinema, saídas de revistas americanas dedicadas ao assunto.

Gosto muito da Joan em "Alma em Suplício" - mais dela do que do próprio filme, aliás... Porém, conheço poucos trabalhos dela. Ela era uma grande atriz dramática, porém, ao contrário de Bette Davis, era dura demais para fazer cenas românticas, que sempre parecem artificiais. Não é uma de minhas atrizes clássicas preferidas.

Adorei as fotos!

Bjos
Dani

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Antonio, acabei de ver que deu certo a barra de "localizar"! Posso fazer uma sugestão? Coloque-a logo no início do blog, pra facilitar sua visualização.

AMEI sua lista dos melhores musicais. Todos esses são meus preferidos tb, tirando Sapatinhos vermelhos e Os guarda-chuvas do amor, que nunca vi (mea culpa...). Adorei a inclusão do "Pirata", filme sensacional. Não sei porque ele é tão desdenhado. Por aqui nem saiu em DVD ainda - só o assistimos graças a uma versão disponibilizada no monova...

Bjs
Dani

IVO BARROSO disse...

Meu caro Antonio Júnior,

quero valer-me dos seus enciclopédicos conhecimentos cinematográficos e cumprimentá-lo por morar em Natal, cidade da minha predileção, onde tenho amigos eternos como o Diógenes e o Dorian Gray. Um filme que vi há muito tempo, certamente antigo, provavelmente mudo, agarrou-me na memória e não consigo me livrar dele a não ser que o identifique e prove a mim mesmo que não o sonhei. Já recorri a vários amigos cinéfilos daqui e de SP e mesmo dois de João Pessoa, mas até agora todas as indicações foram furadas. Você é pois a minha última esperança. Peço que leia o e-mail em que conto a história. Abraços e recomendações aos nossos amigos comuns daí,

Ivo Barroso

Rato disse...

Obrigado pela visita ao Rato Cinéfilo. Também já linkei este "Falcão Maltês", que estou agora a começar a descobrir.

Danielle Crepaldi Carvalho disse...

Antonio, ficou ótimo!

Vou baixar "Os sapatinhos vermelhos" e "O guarda-chuva do amor". "O pirata" é perfeito pela ótima trilha sonora de Cole Porter, pela química entre Judy e Gene (e como ela está bonita nesse filme, não) e pela história hilária. Espero ansiosamente o lançamento de sua versão em DVD nessas paragens - com todos os extras que tem a americana.

Bjos e inté mais
Dani

Paulo Telles disse...

Saudações Antonio

Embora tenha feito grandes e excelentes trabalhos (meu preferido é JONNY GUITAR, seguido de ALMAS EM SUPLÍCIO) e reconhecendo seu talento como atriz, Joan nunca me cativou, talvez mesmo por ela demonstrar prepotência e uma certa arrogância em seus traços.

Esta entrevista revela e confirma de fato que foi uma mulher que já passou por maus bocados em sua vida, e há algumas biografias (talvez fidedignas ou não) que afirmam que ela teria sido prostituta e feito filmes eróticos na década de 20. Bem que tentaram através disso arruinar a carreira da atriz, que sofreu chantagens e acabou por pagar aos chantagistas para recuperar estes filmes e destruir.

Quanto a relação com sua filha, também é outro ponto a questionar. No site FIND A GRAVE, um espaço para túmulos de famosos em que fãs depositam notas e dedicatórias na página de seu ídolo, Joan Crawford é impopular, tanto que a administração do site proibiu que se publicassem notas sobre a memória da atriz cujo vilipêndio chegou ao auge. Seja como for, é difícil dizer se Cristina realmente falou a verdade ou não sobre sua "mãe". Mas vale lembrar sempre de Joan como um ícone que deu sua grande contribuição a Sétima Arte.

Antonio, respondi aos seus questionamentos sobre "Paixão Eterna" e DeMille em meu blog. Passse lá. Grande abraço

JOÃO DE DEUS NETTO disse...

O "Falcão Maltez" não é só uma delícia de viagem: merece Oscar!

disse...

Olá! Adorei seu blog, muito criativo! Joan Crawford foi uma das maiores divas de todos os tempos. Esse texto é incrível, obrigada por postar! Também tenho um blog sobre cinema e gostaria que vc desse uma olhada.
O endereço é: http://www.criticaretro.blogspot.com/
Passe por lá! Lê ^_^

M. disse...

Antonio venha pegar o seu selo Padrão de Qualidade no http://www.salalatinadecinema.blogspot.com

Um abraço.

Gilberto Carlos disse...

Também adorei o seu blog. Virei seguidor e coloquei o link no meu blog. Vire seguidor do Gilberto Cinema também. Abraços!

Camila Henriques disse...

Sou fascinada pela história de Crawford - confesso que parte desse fascínio começou depois que assisti "Mamãezinha Querida", suposta biografia da diva. Pena que dos seus filmes, até agora só vi baby Jane e Grand Hotel... Mas uma das metas para 2011 é mudar esse quadro, sem dúvidas.

Também adorei o blog!

História é Pop! disse...

Magnífica postagem sobre Joan,
mulher de força espetacular.

Sonia disse...

Interessante e vale a pena conferir o relato feito pela Diva Joan Crawford, sobre os obstáculos que teve que superar até chegar a ser uma Super Star.

Sonia

AnnaStesia disse...

Joan é um grande ícone. Carisma, presença, força e (imensa) personalidade. Estrelas como ela estão em extinção.

Alex Gonçalves disse...

Adorei essa postagem, era um lado de Joan Crawford que eu desconhecia um pouco. Mais do que uma atriz extraordinária, Joan é um exemplo de determinação a ser seguido. O que ela aponta sobre amizades, e as bofetadas que levamos na vida por elas, é a mais pura verdade.

xanduko(alexandre) disse...

Joan é uma de minhas atrizes preferidas, ainda que para muitos ela seja uma personalidade controversa.Porém é inegável a força e determinação que ela teve pra levar sua carreira.
Parabén pelo blog!

Anônimo disse...

O que me fascina nela é a sagacidade,ela era dentuça,magra,e de
lábios finos...porém mudou toda sua imagem na década de 30 em diante.teve fases que ficou parecida com Garbo,no filme "mamãezinha querida' na abertura
vc vê assombrado a rotina de uma estrela que dormia com uma mascara de tração para evitar o envelhecimento, e banhava o rosto com gelo triturado,e acordava pelas 5 da madruga.uma leoa.

Elisandra Pereira disse...

Também acho a Joan um tanto fria, ainda mais nas comédias românticas dos anos 30. Sua performance em "Folias no Gelo", de 1939, é de matar. No entanto, reconheço sua importância para o Cinema. Gosto muito dela em Baby Jane.

Erasmo Bonotto disse...

Que blog! Bem escrito e bem como foram as vidas deles. Vou ler tudo assim que possível. Ah e Joan, mais uma enigmática, muitas vezes tachada de ruim e má. Vai saber... Abraços.