agosto 27, 2024

************************* BETTE DAVIS, a MAGNÍFICA


 
para Rita Assemany, a nossa Bette
 
“Eu lutei por bons diretores e bons roteiros.
Isso era tudo o que importava.
E fiz alguns excelentes filmes.”
BETTE DAVIS
 
“Mesmo o filme mais insignificante
parecia melhor do que era por causa
daquela voz precisa e nervosa, o cabelo louro
acinzentado, os olhos arregalados e neuróticos,
uma espécie de beleza corrupta
e fosforescente.”
GRAHAM GREENE
(1904 – 1991. Berkhamsted / Reino Unido)
 
Olhos: azuis
Cabelos: castanhos
Apelidos: The Fourth Warner Brother e The First Lady of Film
Altura: 1,60 cm

 
 
Obstinada e independente, olhos pesados, dicção nítida e maneirismos distintos, ela deixou uma marca indelével - e muitas vezes parodiada - na história do cinema, sendo uma das atrizes mais importantes e condecoradas de Hollywood. Disciplinada, imprevisível, sincera e orgulhosa, manteve a cabeça erguida na infância exilada em internatos e na disputa com magnatas de estúdios prontos para esmagar sua teimosia. Conseguiu o que queria e pagou caro por isso: mais de cem filmes nem sempre dignos, dois Oscar de Melhor Atriz, quatro casamentos fracassados, uma filha inimiga, alcoolismo e uma vida solitária. Primeira mulher presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, seus últimos anos foram marcados por graves problemas de saúde, mas continuou atuando até pouco antes da morte por câncer de mama. Em 1999, ficou em segundo lugar, depois de Katharine Hepburn, na lista do American Film Institute das maiores estrelas femininas de todos os tempos.
 
Em seus primeiros filmes, BETTE DAVIS (1908 – 1989. Lowell, Massachusets / EUA) já apresenta os gestos firmes, a fumaça exuberante do cigarro, a dicção precisa. E, claro, os olhos, que lança como bolas de fogo. Depois de aparecer em peças da Broadway, mudou-se para a Universal Studios em 1930, aos 22 anos, mas o produtor Carl Laemmle sentenciou que ela não tinha apelo sexual suficiente e era tensa, nunca chegaria a lugar nenhum. Demitida, mudou-se para a Warner Bros. em 1932, onde trabalhou por 17 anos. Inicialmente utilizada em filmes ruins, provou seu talento ao ser emprestada à RKO Radio Pictures, em 1934, para “Escravos do Desejouma adaptação do best-seller de W. Somerset Maugham. Faz Mildred Rogers, uma garçonete vulgar, cruel e libertina, numa mistura de sedução e perversidade. Em 1936, ganhou seu primeiro Oscar, por “Perigosa”. Em 1937, tentou se libertar do contrato com a Warner e perdeu a causa em rumoroso processo judicial. 
 
spencer tracy, bette e o oscar
Conhecida por seu estilo intenso, ganhou a reputação de perfeccionista e combativa, e seus confrontos com executivos de estúdios, cineastas e colegas atores eram frequentemente relatados na mídia. Ela se inspirou para se tornar atriz depois de ver Rudolph Valentino em “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse / The Four Horsemen of the Apocalypse” (1921) e mudou a grafia de seu nome para Bette (no original, Betty) em homenagem a “A Prima Bette” (1846) de Honoré de Balzac. Fumava muito, cerca de 100 cigarros por dia, esse foi seu segundo maior vício, o primeiro era o álcool. Entre suas melhores amigas, Kay Francis, Olivia de Havilland, Geraldine Fitzgerald e Anne Baxter, atrizes talentosas e inteligentes. Ela adorava trabalhar e tinha uma energia infinita. Segunda a estrela, William Wyler foi o grande amor de sua vida, além de ser o seu diretor favorito. O romance começou quando Wyler foi emprestado pelo produtor Samuel Goldwyn à Warner para fazer o clássico “Jezebel’” (1938).
 
No set dessa produção cara e premiada surgiu a faísca romântica entre eles. Ela engravidou e pouco depois do filme fez um aborto. A própria BETTE DAVIS contou essa história, muitos anos depois. Numa entrevista no final dos anos 80, afirmou: “Ele tinha tudo que eu sempre sonhei em um homem, por isso o amor e a paixão surgiram”. Naquele ano, era casada com o músico Harmon O. Nelson, mas seu casamento estava por um fio. Wyler chegou a pedi-la em casamento, por escrito, mas os desentendimentos profissionais minaram a relação e ele casou com outra, Margaret Tallichet. Mesmo assim, fizeram mais dois excelentes filmes, “A Carta” e “Pérfida”. Neste último, brigaram muito, e as coisas ficaram tão sérias que nunca mais trabalharam juntos. O longa baseado em uma peça de Lillian Hellman foi um dos sucessos de bilheteria de 1941 e recebeu críticas extraordinárias. Anos depois, em 1977, o diretor participou de um programa em homenagem à estrela no qual a elogiou.
 
Na mesma época, a disputa entre BETTE DAVIS e Miriam Hopkins era famosa. As conhecidas picuinhas da atriz com colegas (Errol Flynn, Joan Crawford, Robert Montgomery, Susan Hayward, Faye Dunaway, Karen Black etc.) foram insignificantes em comparação com a intensa competição e animosidade entre ela e Miriam. Uma rivalidade antiga, antes mesmo de estrearem no cinema. Em 1928, jovens e ambiciosas, contratadas para uma peça dirigida por George Cukor, se antipatizaram de cara. Em 1933, na Broadway, Miriam estrelou “Jezebel” no teatro e não teve êxito. Ela tinha os direitos autorais do texto. Quando a Warner Bros. mostrou interesse numa adaptação cinematográfica, ela vendeu os direitos com a promessa de que seria a protagonista. Não foi o que aconteceu, o papel e o Oscar foram para a arqui-inimiga, levando-a ao desespero. Piorando a rivalidade, BETTE DAVIS teve um caso com o diretor Anatole Litvak, marido de Miriam, provocando o divórcio deles.
 
bette e miriam hopkins
Em 1938, Miriam Hopkins assinou contrato com a Warner. O seu primeiro filme, “Eu Soube Amar / The Old Maid” (1939), era justamente ao lado da inimiga. A tensão nos bastidores beirou a loucura, com discussões e ofensas. O departamento de publicidade aproveitou para aumentar a venda de ingressos, divulgando a batalha na mídia. O filme foi um sucesso e elas foram unidas novamente em “Uma Velha Amizade / Old Acquaintance” (1943). Escalado para dirigi-las, Edmund Goulding se estressou com os constantes enfrentamentos, teve um ataque cardíaco e terminou substituído por Vincent Sherman. Ao descobrir que o salário de Miriam era superior ao seu, BETTE DAVIS perdeu a cabeça. Já Miriam se dedicava a boicotar a atuação da outra. Depois das filmagens, aos 41 anos de idade, Miriam Hopkins vendeu sua mansão na Califórnia, fez as malas e voltou a brilhar na Broadway. Voltaria a filmar somente a partir de 1949, com seu amigo William Wyler. As duas estrelas nunca fizeram as pazes.
 
O primeiro casamento de BETTE DAVIS aconteceu em 1932, com o músico Harmon O. Nelson. Ele se ressentia por ela ganhar muito mais que ele e em 1938 terminou a união. Sem laços, a atriz tornou-se uma amante discreta do milionário Howard Hughes, do diretor William Wyler e, por fim, do ator George Brent, que propôs casamento e ela recusou. Em 1940 casou-se com Arthur Farnsworth, um estalajadeiro da Nova Inglaterra. Em 1943, Arthur desmaiou enquanto caminhava e morreu dois dias depois. Uma autópsia revelou a causa da morte: uma misteriosa fratura no crânio que havia sofrido semanas antes. Em 1945, ela se casou com o pintor fracassado William Grant Sherry. Tiveram uma filha e o divórcio aconteceu em 1950. Durante as filmagens de “A Malvada”, iniciou um relacionamento romântico com o ator Gary Merrill. Casaram no mesmo ano e adotaram duas crianças, mas o abuso de álcool e a violência doméstica resultaram em divórcio dez anos depois.
 
A filha mais velha de BETTE DAVIS nasceu em 1947. Em 1950 foi legalmente adotada por Gary Merrill. Ela interpretou a adolescente vizinha das irmãs Hudson em “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?” (1962). Chamada desde a infância de B.D. (abreviação de Barbara Davis), adotou o sobrenome Hyman, do marido. Em 1985 lançou um livro maldoso, “My Mother's Keeper”, descrevendo a mãe famosa como cruel, abusiva, bêbada e egocêntrica, que dormia com qualquer um que pudesse ajudar em sua carreira. Também narrou torturas psicológicas, com a atriz simulando suicídios para punir os filhos pequenos por mau comportamento. Foi um escândalo mundial e o livro tornou-se um best seller, mas a autora foi muito criticada. Vários colegas saíram em defesa da veterana artista, negando os fatos. Os irmãos cortaram relações com ela, e nunca mais se falaram. Deserdada, fundou sua própria igreja e tornou-se pastora fanática, escrevendo livros sobre religião e criação de filhos.
 
bette em meu reino por um amor
Ela tinha apetite por papéis desagradáveis. Mudou a exigência de que as estrelas de cinema fossem simpáticas ou atraentes. Muitas vezes retratou personagens neuróticos ou obstinados. Assim como eles, BETTE DAVIS não evitava confrontos. Recusou-se corajosamente a se conformar e desafiou os patrões exigindo salários melhores e roteiros com personagens femininas realistas. Seus melhores papéis são uma exibição deslumbrante de mulheres ultrajantes. Muitas de suas cenas nas telas são bizarras, desde atirar em um amante seis vezes até que a arma fumegante se esvazie em “A Carta”, até seus diálogos avassaladores em “A Malvada”. Quando o crítico James Agee escreveu que em “Vaidosa” ela “demonstra uma maratona dos horrores do egocentrismo”, ele poderia estar se referindo tanto à vida e à carreira dela quanto ao seu personagem insensato.
 
Após o ataque a Pearl Harbor, BETTE DAVIS vendeu títulos de guerra nos primeiros meses de 1942. Sua fama rendeu US$ 2 milhões em títulos em poucos dias. Por sugestão de John Garfield abriu um clube de militares em Hollywood, com a ajuda de Jack Warner e Cary Grant, transformando uma velha boate na emblemática “Hollywood Canteen”, que surgiu com pompa e circunstância em 3 de outubro de 1942. Sempre filmando, errou ao recusar “Alma em Suplício / Mildred Pierce” (1945), que deu o Oscar a Joan Crawford; “À Margem da Vida / Caged” (1950) e “Uma Aventura na África / The African Queen” (1951). Eleanor Parker e Katharine Hepburn, que ficaram com os personagens desses dois últimos, foram indicadas ao Oscar. Com a carreira em declínio, substituiu Claudette Colbert em “A Malvada”, concorrendo ao Oscar e ganhando o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes. Os críticos descreveram Margo Channing como seu melhor desempenho em todos os tempos.
 
Seus filmes na década de 1950 não foram bem-sucedidos. Em 1961, estreou na Broadway “A Noite do Iguana”, de Tennessee Williams, filmada três anos depois por John Huston. Massacrada pela crítica, deixou a produção após quatro meses. Em 1962, colocou um anúncio na “Variety” pedindo trabalho. Convidada para o terror gótico “O Que Aconteceu a Baby Jane?”, ao lado da inimiga Joan Crawford, negociou um acordo que lhe pagaria 10% dos lucros brutos mundiais, além de seu salário. O filme se tornou um dos sucessos do ano e ela concorreu mais uma vez ao Oscar. Continuou fazendo filmes, muitos deles desprezíveis, além de trabalhos para a TV. Apareceu em talk-shows populares e passou a ser imitada por inúmeros transformistas, celebrada como um ícone da subcultura gay. Em 1981, um público mais jovem a conheceu através da canção “Bette Davis Eyes”, interpretada por Kim Carnes, que ficou em primeiro lugar nas paradas musicais dos EUA.
 
Considerava a Judith Traherne de “Vitória Amarga” o seu melhor desempenho nas telas. Representando com precisão o que Hollywood era, o tempo legou para ela uma celebridade de atriz fenomenal e superestrela. Em 1989, com câncer, BETTE DAVIS viajou para a Espanha, onde foi homenageada no Festival de Cinema de San Sebastian, mas sua saúde se deteriorou. Levada para ser tratada na França, morreu no Hospital Americano, em Neuilly-sur-Seine, aos 81 anos de idade. Poucos meses antes de sua morte, apareceu na capa da “Life”. Em retrospectiva que celebrou os filmes dos anos 1930, a revista concluiu que ela foi a atriz mais importante de sua época. Sua morte resultou em notícia de primeira página em todo o mundo como o “encerramento de mais um capítulo da Era de Ouro de Hollywood”. Em sua lápide, o epitáfio “Ela fez do jeito difícil”, mencionado pela diva em seu livro de memórias.
 
FONTES
“Bette Davis: An Intimate Memoir” (1989)
de Roy Mosely;
“Miss D. and Me: Life with the Invincible Bette Davis” (2017)
de Kathryn Sermak;
“More Than a Woman: An Intimate Biography of Bette Davis” (1993)
de James Spada;
“Mother Goddam: The Story of the Career of Bette Davis” (1974)
de Whitney Stine;
“My Mother's Keeper” (1985)
de B. D. Hyman.
 
vídeo
“BETTE DAVIS EYES” 
performance vocal: KIM CARNES
paul henreid e bette davis em “a estranha passageira

15 FILMES de BETTE DAVIS
(por ordem de preferência)
 
01
A CARTA
(The Letter, 1940)
 

direção de William Wyler
elenco: Herbert Marshall, Gale Sondergaard e Cecil Kellaway
 
02
A MALVADA
(All About Eve, 1950)
 

direção de Joseph L. Mankiewicz
elenco: Anne Baxter, George Sanders, Celeste Holm,
Gary Merrill, Hugh Marlowe, Thelma Ritter,
Gregory Ratoff e Marilyn Monroe
 
03
PÉRFIDA
(The Little Foxes, 1941)
 

direção de William Wyler
elenco: Herbert Marshall, Teresa Wright, Dan Duryea
e Patricia Collinge
 
04
ESCRAVOS do DESEJO
(Of Human Bondage, 1934)

direção de John Cromwell
elenco: Leslie Howard, Frances Dee, Kay Johnson
e Alan Hale
 
05
JEZEBEL
(Idem, 1938)

direção de William Wyler
elenco: Henry Fonda, George Brent, Margaret Lindsay,
Donald Crisp, Fay Bainter e Spring Byington
 
06
VAIDOSA
(Mr. Skeffington, 1944)

direção de Vincent Sherman
elenco: Claude Rains e George Coulouris
 
07
Uma VIDA ROUBADA
(A Stolen Life, 1946)
 

direção de Curtis Bernhardt
elenco: Glenn Ford, Dane Clark, Walter Brennan
e Charles Ruggles
 
08
O QUE TERÁ ACONTECIDO a BABY JANE?
(What Ever Happened to Baby Jane?, 1962)

direção de Robert Aldrich
elenco: Joan Crawford e Victor Buono
 
09
JUAREZ 
(Idem, 1939)
 

direção de William Dieterle
elenco: Paul Muni, Brian Aherne, Claude Rains,
John Garfield, Donald Crisp, Joseph Calleia
e Gale Sondergaard
 
10
A ESTRANHA PASSAGEIRA
(Now, Voyager, 1942)
 

direção de Irving Rapper
elenco: Paul Henreid, Claude Rains e Gladys Cooper
 
11
VITÓRIA AMARGA
(Dark Victory, 1939)
 

direção de Edmund Goulding
elenco: George Brent, Humphrey Bogart, Geraldine Fitzgerald
e Ronald Reagan
 
12
PERIGOSA
(Dangerous, 1935)
 

direção de Alfred E. Green
elenco: Franchot Tone e Margaret Lindsay
 
13
O CORAÇÃO não ENVELHECE
(The Corn Is Green, 1945)
 

direção de Irving Rapper
elenco: John Dall, Nigel Bruce e Rosalind Ivan
 
14
A GRANDE MENTIRA
(The Great Lie, 1941)
 

direção de Edmund Goulding
elenco: George Brent, Mary Astor, Lucile Watson
e Hattie McDaniel
 
15
NASCIDA para o MAL
(In This Our Life, 1942)
 
 
direção de John Huston 
elenco: Olivia De Havilland, George Brent, Dennis Morgan,
Charles Coburn, Billie Burke e Hattie McDaniel
 
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