fevereiro 12, 2017

********** LUCHINO VISCONTI: o CONDE CINEASTA




Prefiro contar as derrotas, 
descrever as almas solitárias, 
os destinos esmagados pela realidade.
LUCHINO VISCONTI
1976


BELEZA e DENSIDADE

Dilacerado entre convicções socialistas e a nostalgia dos valores perdidos da sua formação aristocrática, o esteta italiano de fama internacional LUCHINO VISCONTI (1906 - 1976. Milão / Itália) juntou épico e intimismo, morte e decadência, sensualidade e política em filmes de arquitetura rigorosa e refinamento visual. Apaixonado pela beleza, filmou com minúcia enamorada alguns dos mais belos rostos que passaram nas telas: Romy Schneider, Alain Delon, Jean Sorel, Silvana Mangano, Massimo Girotti, Charlotte Rampling, Claudia Cardinale, Alida Valli, Claudia Cardinale, Pierre Clémenti, Burt Lancaster, Marisa Berenson, Dominique Sanda, Anna Karina e Florinda Bolkan.

luchino visconti
De um cinema autoral e passional, tornou-se mestre em adaptações literárias, rodando obras de Thomas Mann, Albert Camus, Camillo Boito, Lampedusa, Gabriele D’Annunzio, James B. Cain, Dostoievski. Ele nasceu em Milão, nobre, filho de um duque, Seu nome de batismo: Luchino dei Duchi di Grazzano Visconti, Conde di Lonate Pozzolo, Signore di Corggeno, Consignore di Somma, Crenna e Agnadello. Durante a juventude interagiu com intelectuais e artistas, do compositor Puccini ao escritor D'Annunzio. 

Interessou-se desde cedo por música, literatura e teatro, e também por cavalos. Fez o serviço militar na cavalaria, passando a criar cavalos puro-sangue destinados às corridas. O cinema surgiria bem mais tarde. Morreu em 1976, aos 70 anos, ao som da Segunda Sinfonia de Brahms e sem realizar os sonhos de filmar “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann, e “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust.

ASSISTENTE de RENOIR

Dedicado à cenografia e aos figurinos teatrais, em 1936 conheceu o produtor Gabriel Pascal, acenando-lhe a possibilidade de dirigir a adaptação de um conto de Gustave Flaubert para o produtor Alexander Korda. O projeto não vingou. Ao 20 anos, mudou-se para Paris, ficando amigo de Coco Chanel. Através dela foi apresentado a Jean Cocteau e Jean Renoir. Este último, contratou-o como assistente de “Une Partie de Compagne” (1935), “Toni” (1935) e “Les Bas-Fonds” (1936). O genial Renoir seria uma influência marcante e o primeiro passo de uma carreira que brilharia na Itália.

Em CENA, a ESTRELA ANNA MAGNANI

anna magnani e visconti
Ele vendeu joias da família para realizar sua estreia cinematográfica, “Obsessão”, considerado o primeiro filme neo-realista. Queria Anna Magnani como protagonista. Não foi fácil, pois na época os produtores não acreditavam no talento dramático da diva. Eles a viam apenas como uma excelente comediante. No entanto, LUCHINO VISCONTI tinha como garantia a atuação dela em “Teresa Venerdi / Idem” (1941), de Vittorio De Sica. Convencendo os produtores, partiu para Ferrara com a atriz. Interessada no papel, ela disse que estava grávida de apenas dois meses, mas na verdade estava com mais de cinco meses.

Para substituí-la como a infeliz esposa do dono de um boteco e posto de gasolina de beira de estrada, convidou Clara Calamai. Ela diria mais tarde que o diretor era “um senhor medieval com chicote”.  Em cena, Massimo Girotti, que faria outros filmes com VISCONTI: “Sedução da Carne”, “As Bruxas” e “O Inocente”. O cineasta trabalharia com Anna Magnani em “Belíssima”, de 1951, ela dando show como a mãe humilde que sonha em tornar sua filha uma estrela infantil de cinema e é apaixonada por Burt Lancaster.

Na II GUERRA MUNDIAL

Em 1944, Roma foi declarada “cidade aberta”. Denominação dada em tempos de guerra a uma cidade que, na iminência de ser atacada ou invadida, abandona os esforços de defesa, disposição de luta e se entrega ao inimigo. Politicamente comunista e antifascista, LUCHINO VISCONTI se juntou à Resistência italiana, escondendo aliados em seu palácio e permitindo que o lugar fosse utilizado como centro de um comando secreto, arriscando-se. Participou de ações armadas contra os alemães. Foi preso pela Gestapo em 1944, durante três meses. Vingou-se da prisão filmando a execução do chefe da policia política Pietro Caruso para o documentário “Dias de Glória”.

O CONDE VERMELHO

Ligado ao Partido Comunista Italiano, daí a alcunha de “Conde Vermelho”, nunca chegou a ser admitido como membro. O puritanismo do PCI da época jamais aceitaria um homossexual assumido no seu quadro. E sua origem também não recomendava. Na verdade, VISCONTI nunca foi totalmente aceito pelas esquerdas. Jamais perdoaram não ter dado continuidade à chamada “trilogia proletária”, iniciada com “A Terra Treme”. A partir de “O Leopardo”, quando, na opinião de muitos militantes, ele abandonou de vez a temática política, essa rejeição ficou clara. Passou a ser patrulhado duramente.

Na RIBALTA

alain delon e romy schneider
dirigidos por visconti
Nos últimos anos da década de 1940, direcionou sua energia para o teatro. Foi um atuante, inovador, criativo e audacioso diretor teatral. Sua primeira peça, “Os Pais Terríveis”, de Jean Cocteau, despontou como sucesso e escândalo. Fez cerca de 50 apresentações com casa lotada, algo extraordinário para a época. Houve grande tumulto e êxito ainda maior ao encenar “Adamo”, de Achard, lidando com a homossexualidade. A reação do público para “Caminho Áspero”, de Erskine Caldwell (filmado por John Ford), não foi menos violenta. A montagem chocou a classe alta. Sua ópera “Fígaro” foi criticada, descontentes com as inovações. Dirigiu com sucesso “Crime e Castigo” e “À Margem da Vida”, e nomes como Vittorio Gassman e Marcelo Mastroianni faziam parte de sua companhia teatral.

Após a opulência de “Rosalinda”, patrocinado por Salvador Dali – que afirmou que o realizador “era um comunista que só gostava do luxo” -, montou em 1949 “Um Bonde Chamado Desejo” - com Gassman como Stanley Kowalski -, conduzindo habilmente a agressividade e o erotismo latentes no texto. Dirigiu a tragédia “Orestes”; “A Morte do Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, com Mastroianni; “O Sedutor”, de Diego Fabro; “La Locandiera”, de Goldoni; “As Três Irmãs”, de Tchekov. Em Paris, 1961, brilhou com Alain Delon e Romy Schneider na comédia “Pena Que Ela é Uma Puta”, de John Ford. No final da vida, doente, montou Harold Pinter, “Tanto Tempo Faz”, e a ópera “Manon”.

A DIVA LÍRICA

Ele teve um grande envolvimento com a produção de óperas. Montou 21 delas entre 1953 e 1973, sendo dez de Verdi, seu compositor preferido. Por volta de 1954 tornou-se amigo de Maria Callas, montando e dirigindo espetáculos inesquecíveis para a soprano, no Scala de Milão. Essa inesquecível parceria resultou em óperas como “La Vestale”, “La Sonnambula”, “La Traviata” e “Anna Bolena”. A famosa cantora lírica afirmaria que aprendeu a representar com LUCHINO VISCONTI. O diretor usou música clássica em muitos de seus filmes. Giuseppe Verdi (“Obsessão”, “Sedução da Carne”, “O Leopardo”); Anton Bruckner (“Sedução da Carne”); Gustav Mahler (“Morte em Veneza”); Cesar Frank (“Vagas Estrelas da Ursa”); Donizetti (“Belíssima”); Richard Wagner (“Ludwig”) etc.

De OLIVIER a LANCASTER

burt lancaster e luchino visconti
Sonhou Laurence Olivier para o papel do príncipe Fabrizio di Salina na obra-prima cult “O Leopardo”, personagem que acredita que se deve dar a impressão de estar mudando tudo para que tudo permaneça igual. O esnobe inglês tinha outros compromissos profissionais. Quando sugeriram Burt Lancaster, relutou, mas terminou por se encantar com a semelhança física dele com o protagonista de Lampedusa. Ficaram amigos. O ator norte-americano garantiu que foi o melhor momento de sua carreira. O filme ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Mostra a mudança de rumo da nobreza siciliana para a nova sociedade burguesa. O desempenho magistral de Lancaster é distinto e profundamente humano. O diretor lapida o ex-artista de circo, fazendo com que fale pausadamente, brilhando mais nos silêncios, nas pausas. Onze anos depois, voltariam a trabalhar juntos no soberbo “Violência e Paixão”, onde ele faz um professor solitário, alter ego do diretor.

INTIMIDADE

visconti e alain delon
Apesar dos casos amorosos vividos, em diferentes períodos, com várias mulheres, como Coco Chanel, as atrizes Clara Calamai, María Denis, Marlene Dietrich e a escritora Elsa Morante, VISCONTI jamais escondeu sua homossexualidade, explicitamente referida em muitos dos seus filmes e nas montagens teatrais que dirigiu. Nos anos 1930, em Paris, teve um relacionamento com o fotógrafo Horst P. Horst. Entre o final dos anos 1940 e o início dos 1950, já consagrado como diretor, manteve uma longa relação afetiva e profissional com o seu então cenógrafo Franco Zeffirelli, que vivia então na vila do diretor, na via Salaria, em Roma. Biógrafos garantem romances dele com Alain Delon, Mario Girotti (depois Terence Hill) e Giuliano Gemma. Profissionalmente convidava homossexuais para atuar em seus filmes (Massimo Girotti, Farley Granger, Jean Marais, Dirk Bogarde, Burt Lancaster etc.). Depois de 1965, ligou-se ao ator austríaco Helmut Berger. A relação se manteve, com altos e baixos, até a morte do diretor, em 1976.

Uma HISTÓRIA de AMOR e DOR

helmut berger e visconti
Acostumado a descrever em filmes e peças os meandros complexos do afeto e do amor, LUCHINO VISCONTI mergulhou num universo destrutivo a partir do relacionamento amoroso com o temperamental Helmut Berger, ator de pouco talento, drogado e escandaloso. Ele foi sua inspiração em vários de seus dramas, desde o pequeno papel em “As Bruxas”, aos 23 anos. Tenso e inseguro, Berger se destacou em “Os Deuses Malditos”, principalmente na famosa cena da Lola-Lola de “O Anjo Azul / Der Blaue Engel” (1930). O jovem ator também viveu o papel-título de “Ludwig, a Paixão de um Rei”. Nessa filmagem de 1972, o diretor sofreu um colapso que o deixou semiparalítico. Em 1975 voltaria a escalar o amante para “Violência e Paixão”, deixando claro na narrativa que a lucidez não é capaz evitar a sedução carnal. Com a morte do protetor, Helmut Berger decaiu, mesmo atuando em diversos filmes. Terminaria por tentar o suicídio, incendiando o apartamento onde morava.

QUASE PROUST, QUASE GARBO

Desde jovem LUCHINO VISCONTI foi leitor atento e fiel de Proust. O conhecimento e a intimidade com o universo do escritor francês deixaram marcas profundas no seu imaginário. Um dos seus maiores sonhos era o de adaptar ao cinema um dos volumes de “Em Busca do Tempo Perdido”. Em 1969, a produtora Nicole Stéphane convidou o cineasta para realizá-lo. Apesar de apreciar muitos pontos do roteiro de Ennio Flaiano, preferiu uma versão mais pessoal, encarregando sua parceira habitual de ajudá-lo, a ótima roteirista Suso Cecchi D’Amico. Projeto promissor. Locações foram escolhidas, figurinos desenhados, elenco anunciado: o Barão de Charlus, personagem principal da versão viscontiana, caberia a Laurence Olivier ou Marlon Brando; Marcel, o narrador, seria interpretado por Alain Delon (falou-se também em Dustin Hoffman); Helmut Berger interpretaria Morel; Silvana Mangano, a duquesa (Oriane) de Guermantes; Charlotte Rampling faria Albertine (Visconti também pensou em uma desconhecida para o papel); Edwige Feuillère, madame Verdurin; a avó de Marcel, Madeleine Renaud; Marie Bell encarnaria a Berma; Simone Signoret, Françoise; e luxo supremo, Greta Garbo, convidada pela produtora, pedira um tempo para se decidir.

silvana mangano
O diretor não se conteve e anunciou numa coletiva que a veterana estrela sueca, afastada das telas desde os anos 1940, estaria no seu filme como a Rainha de Nápoles. A divulgação provocou a recusa da mítica atriz. Por razões não esclarecidas, o filme não foi realizado. A produtora adiou as filmagens, a fim de captar recursos, mas o diretor partiu para outro projeto: “Ludwig – A Paixão de Um Rei”. A amiga Suso D’Amico alega que ele temia realizar a obra de Proust, acreditando que seria seu último trabalho.

A MUSA

Atriz maravilhosa e uma das grandes estrelas do cinema europeu, Silvana Mangano se tornou musa de LUCHINO VISCONTI em seus últimos filmes. Interpretou Glória no episódio “A Bruxa Queimada Viva” em “As Bruxas”; a mãe de Tadzio em “Morte em Veneza”; Cosima Von Buelow, esposa do compositor Richard Wagner, em “Ludwig, a Paixão de um Rei” e a Marquesa Bianca Brumonti em “Violência e Paixão”. Obcecado pela recordação da mãe falecida em 1939, o cineasta italiano via ecos maternos na elegância e na personalidade forte da magnífica estrela italiana.

FONTES
“Da Mann a Proust. Intervista con Visconti” (2008)
de Giuliana Bianchi
 
“Visconti” (1966)
de Yves Guillame
 
“Visconti: Classicisme et Subvertion” (1995)
de Michèle Lagny
 
“Luchino Visconti: Les Béances de Ludwig” (2005)
do Cahiers du Cinéma
 
“Esplendor de Visconti”
de Maria Rosária Fabris, Alex Calheiros e Carlos Augusto Calil

alain delon e claudia cardinale em o leopardo

FILMOGRAFIA

OBSESSÃO
(Ossessione, 1943)

adaptação do romance de James B. Cain
elenco: Massimo Girotti e Clara Calamai

DIAS de GLÓRIA
(Giorni di Gloria, 1945)

documentário

A TERRA TREME
(La Terra Trema, 1948)

elenco: pescadores sicilianos

BELÍSSIMA
(Bellissima, 1951)

adaptação do conto de Cesare Zavattini
elenco: Anna Magnani e Walter Chiari

NÓS, as MULHERES
(Siamo Donne, 1953)

elenco: Anna Magnani
episódio “Anna”

SEDUÇÃO da CARNE
(Senso, 1954)

adaptação do romance de Camillo Boito
elenco: Alida Valli, Farley Granger, Massimo Girotti
e Christian Marquand

Um ROSTO na NOITE
(Le Notti Bianche, 1957)

adaptação do romance de Fiodor Dostóievski
elenco: Maria Schell, Marcello Mastroianni, Jean Marais
e Clara Calamai

Leão de Prata no Festival de Veneza

ROCCO e seus IRMÃOS
(Rocco e i suoi Fratelli, 1960)

adaptação do romance de Giovanni Testori
elenco: Alain Delon, Renato Salvatori, Annie Girardot,
Katina Paxinou e Claudia Cardinale

Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza

BOCCACCIO 70
(Idem, 1962)

elenco: Romy Schneider, Thomas Milian e Romolo Valli
episódio “O Trabalho”

O LEOPARDO
(Il Gattopardo, 1963)

adaptação do romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa
elenco: Burt Lancaster, Alain Delon, Claudia Cardinale,
Paolo Stoppa e Romolo Valli

Palma de Ouro (Melhor Filme) no Festival de Cannes

VAGAS ESTRELAS da URSA
(Vaghe Stelle dell'Orsa..., 1965)

elenco: Claudia Cardinale, Jean Sorel, Michael Craig
e Marie Bell

Leão de Ouro (Melhor Filme) no Festival de Veneza

As BRUXAS
(Le Streghe, 1967)

elenco: Silvana Mangano, Annie Girardot, Fernando Rabal,
Massimo Girotti, Clara Calamai e Helmut Berger
episódio “A Bruxa Queimada Viva”

O ESTRANGEIRO
(Lo Straniero, 1967)

adaptação do romance de Albert Camus
elenco: Marcello Mastroianni, Anna Karina e Bernard Blier

Os DEUSES MALDITOS
(La Caduta degli Dei, 1969)

elenco: Dirk Bogarde, Ingrid Thulin, Helmut Griem,
Helmut Berger, Charlotte Rampling e Florinda Bolkan

MORTE em VENEZA
(Morte a Venezia, 1971)

adaptação do romance de Thomas Mann
elenco: Dirk Bogarde, Silvana Mangano, Björn Andrésen,
Romolo Valli e Marisa Berenson

David di Donatello de Melhor Direção

LUDWIG: a PAIXÃO de um REI
(Ludwig, 1973)

elenco: Helmut Berger, Romy Schneider, Trevor Howard,
Silvana Mangano e Helmut Griem

David di Donatello de Melhor Filme e Melhor Direção

VIOLÊNCIA e PAIXÃO
(Gruppo di Famiglia in un Interno, 1974)

elenco: Burt Lancaster, Helmut Berger, Silvana Mangano
e Romolo Valli

David di Donatello de Melhor Filme 

O INOCENTE
(L'Innocente, 1976)

adaptação do romance de Gabriele D'Annunzio
  elenco: Giancarlo Giannini, Laura Antonelli, Jennifer O`Neill
e Massimo Girotti

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