Prefiro contar as derrotas,
descrever
as almas solitárias,
os destinos esmagados pela realidade.
LUCHINO VISCONTI
1976
BELEZA e DENSIDADE
Dilacerado entre convicções
socialistas e a nostalgia dos valores perdidos da sua formação aristocrática, o
esteta italiano de fama internacional LUCHINO VISCONTI (1906 - 1976. Milão / Itália) juntou épico e intimismo, morte e decadência, sensualidade e política em filmes de
arquitetura rigorosa e refinamento visual. Apaixonado pela beleza, filmou com minúcia
enamorada alguns dos mais belos rostos que passaram nas telas: Romy Schneider,
Alain Delon, Jean Sorel, Silvana Mangano, Massimo Girotti, Charlotte Rampling, Claudia Cardinale, Alida Valli, Claudia Cardinale, Pierre Clémenti, Burt Lancaster, Marisa Berenson, Dominique
Sanda, Anna Karina e Florinda Bolkan.
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Interessou-se desde cedo por música, literatura e teatro, e também por cavalos. Fez o serviço militar na cavalaria, passando a criar cavalos puro-sangue destinados às corridas. O cinema surgiria bem mais tarde. Morreu em 1976, aos 70 anos, ao som da Segunda Sinfonia de Brahms e sem realizar os sonhos de filmar “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann, e “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust.
ASSISTENTE de RENOIR
Dedicado à cenografia e aos
figurinos teatrais, em 1936 conheceu o produtor Gabriel Pascal, acenando-lhe a
possibilidade de dirigir a adaptação de um conto de Gustave Flaubert para o produtor Alexander Korda. O projeto não vingou. Ao 20 anos, mudou-se para Paris, ficando amigo de Coco Chanel. Através dela foi
apresentado a Jean Cocteau e Jean Renoir. Este último, contratou-o como assistente
de “Une Partie de Compagne” (1935), “Toni” (1935) e “Les Bas-Fonds”
(1936). O genial Renoir seria uma influência marcante e o
primeiro passo de uma carreira que brilharia na Itália.
Em CENA, a ESTRELA ANNA MAGNANI
Ele vendeu joias da família para
realizar sua estreia cinematográfica, “Obsessão”, considerado o primeiro filme
neo-realista. Queria Anna Magnani como
protagonista. Não foi fácil, pois na época os produtores não acreditavam no
talento dramático da diva. Eles a viam apenas como uma excelente
comediante. No entanto, LUCHINO VISCONTI tinha como garantia a atuação dela em “Teresa Venerdi / Idem” (1941), de Vittorio De Sica. Convencendo os produtores, partiu para Ferrara com a atriz. Interessada no papel, ela disse que
estava grávida de apenas dois meses, mas na verdade estava com mais de cinco meses.
Para substituí-la como a infeliz esposa do dono de um boteco e posto de gasolina de beira de
estrada, convidou Clara Calamai. Ela diria mais tarde que o diretor
era “um senhor medieval com chicote”. Em
cena, Massimo Girotti, que faria outros filmes com VISCONTI:
“Sedução da Carne”, “As Bruxas” e “O Inocente”. O cineasta trabalharia com Anna
Magnani em “Belíssima”, de 1951, ela dando show como a mãe humilde que sonha em
tornar sua filha uma estrela infantil de cinema e é apaixonada por Burt
Lancaster.
Na II GUERRA MUNDIAL
Em 1944, Roma foi declarada
“cidade aberta”. Denominação dada em tempos de guerra a uma cidade que, na
iminência de ser atacada ou invadida, abandona os esforços de defesa,
disposição de luta e se entrega ao inimigo. Politicamente comunista e antifascista,
LUCHINO VISCONTI se juntou à Resistência italiana, escondendo aliados em seu
palácio e permitindo que o lugar fosse utilizado como centro de um comando
secreto, arriscando-se. Participou de ações armadas contra os alemães. Foi preso pela Gestapo em 1944, durante três meses. Vingou-se
da prisão filmando a execução do chefe da policia política Pietro
Caruso para o documentário “Dias de Glória”.
O CONDE VERMELHO
Ligado ao Partido Comunista
Italiano, daí a alcunha de “Conde Vermelho”, nunca chegou a ser admitido como
membro. O puritanismo do PCI da época jamais aceitaria um homossexual assumido no
seu quadro. E sua origem também não recomendava. Na verdade, VISCONTI nunca foi
totalmente aceito pelas esquerdas. Jamais perdoaram não ter dado continuidade à
chamada “trilogia proletária”, iniciada com “A Terra Treme”. A partir de “O
Leopardo”, quando, na opinião de muitos militantes, ele abandonou de vez a temática política,
essa rejeição ficou clara. Passou a ser patrulhado duramente.
Na RIBALTA
Nos últimos anos da década de 1940,
direcionou sua energia para o teatro. Foi um atuante, inovador, criativo e
audacioso diretor teatral. Sua primeira peça, “Os Pais Terríveis”, de Jean
Cocteau, despontou como sucesso e escândalo. Fez cerca de 50 apresentações com
casa lotada, algo extraordinário para a época. Houve grande tumulto e êxito ainda
maior ao encenar “Adamo”, de Achard, lidando com a homossexualidade. A reação
do público para “Caminho Áspero”, de Erskine Caldwell (filmado por John Ford),
não foi menos violenta. A montagem chocou a classe alta. Sua ópera “Fígaro” foi criticada, descontentes com as inovações. Dirigiu com sucesso “Crime e Castigo” e “À Margem da Vida”, e nomes como Vittorio Gassman e Marcelo Mastroianni faziam parte de sua
companhia teatral.
Após a opulência de “Rosalinda”,
patrocinado por Salvador Dali – que afirmou que o realizador
“era um comunista que só gostava do luxo” -, montou em 1949 “Um Bonde Chamado
Desejo” - com Gassman como Stanley Kowalski -, conduzindo
habilmente a agressividade e o erotismo latentes no texto. Dirigiu a tragédia “Orestes”; “A Morte do Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, com Mastroianni;
“O Sedutor”, de Diego Fabro; “La Locandiera”, de Goldoni; “As Três Irmãs”, de
Tchekov. Em Paris, 1961, brilhou com Alain Delon e Romy Schneider
na comédia “Pena Que Ela é Uma Puta”, de John Ford. No final da vida, doente, montou Harold Pinter, “Tanto Tempo Faz”, e a ópera
“Manon”.
A DIVA LÍRICA
Ele teve um grande envolvimento
com a produção de óperas. Montou 21 delas entre 1953 e 1973, sendo dez de
Verdi, seu compositor preferido. Por volta de 1954 tornou-se amigo de Maria
Callas, montando e dirigindo espetáculos inesquecíveis para a soprano, no Scala de Milão. Essa
inesquecível parceria resultou em óperas como “La Vestale”, “La Sonnambula”,
“La Traviata” e “Anna Bolena”. A famosa cantora lírica afirmaria que aprendeu a
representar com LUCHINO VISCONTI. O diretor usou música clássica em
muitos de seus filmes. Giuseppe Verdi (“Obsessão”, “Sedução da Carne”, “O
Leopardo”); Anton Bruckner (“Sedução da Carne”); Gustav Mahler (“Morte em
Veneza”); Cesar Frank (“Vagas Estrelas da Ursa”); Donizetti (“Belíssima”); Richard
Wagner (“Ludwig”) etc.
De OLIVIER a LANCASTER
Sonhou Laurence Olivier para o
papel do príncipe Fabrizio di Salina na obra-prima cult “O Leopardo”, personagem que acredita que se deve dar a impressão
de estar mudando tudo para que tudo permaneça igual. O esnobe inglês tinha
outros compromissos profissionais. Quando sugeriram Burt Lancaster, relutou,
mas terminou por se encantar com a semelhança física dele com o protagonista de
Lampedusa. Ficaram amigos. O ator norte-americano garantiu que foi o melhor
momento de sua carreira. O filme ganhou a Palma de Ouro no
Festival de Cannes. Mostra a mudança de rumo da nobreza siciliana
para a nova sociedade burguesa. O desempenho magistral de Lancaster é distinto
e profundamente humano. O diretor lapida o ex-artista de circo, fazendo com que
fale pausadamente, brilhando mais nos silêncios, nas pausas. Onze anos depois,
voltariam a trabalhar juntos no soberbo “Violência e Paixão”, onde ele faz
um professor solitário, alter ego do diretor.
INTIMIDADE
Apesar dos casos amorosos
vividos, em diferentes períodos, com várias mulheres, como Coco Chanel, as atrizes
Clara Calamai, María Denis, Marlene Dietrich e a escritora Elsa Morante, VISCONTI
jamais escondeu sua homossexualidade, explicitamente referida em muitos dos
seus filmes e nas montagens teatrais que dirigiu. Nos anos 1930, em Paris, teve
um relacionamento com o fotógrafo Horst P. Horst. Entre o final dos anos 1940 e
o início dos 1950, já consagrado como diretor, manteve uma longa relação
afetiva e profissional com o seu então cenógrafo Franco Zeffirelli, que vivia
então na vila do diretor, na via Salaria, em Roma. Biógrafos garantem romances
dele com Alain Delon, Mario Girotti (depois Terence Hill) e Giuliano Gemma. Profissionalmente convidava homossexuais para atuar em seus filmes (Massimo Girotti,
Farley Granger, Jean Marais, Dirk Bogarde, Burt Lancaster etc.). Depois de
1965, ligou-se ao ator austríaco Helmut Berger. A relação se manteve, com altos
e baixos, até a morte do diretor, em 1976.
Uma HISTÓRIA de AMOR e DOR
Acostumado a descrever em filmes
e peças os meandros complexos do afeto e do amor, LUCHINO VISCONTI mergulhou
num universo destrutivo a partir do relacionamento amoroso com o temperamental
Helmut Berger, ator de pouco talento, drogado e escandaloso. Ele foi sua
inspiração em vários de seus dramas, desde o pequeno papel em
“As Bruxas”, aos 23 anos. Tenso e inseguro, Berger se destacou em “Os Deuses
Malditos”, principalmente na famosa cena da Lola-Lola de “O Anjo Azul / Der Blaue Engel” (1930). O jovem ator também viveu o
papel-título de “Ludwig, a Paixão de um Rei”. Nessa filmagem de 1972, o diretor
sofreu um colapso que o deixou semiparalítico. Em 1975 voltaria a escalar o
amante para “Violência e Paixão”, deixando claro na narrativa que a lucidez não
é capaz evitar a sedução carnal. Com a morte do protetor, Helmut Berger decaiu, mesmo atuando em diversos filmes. Terminaria por tentar o
suicídio, incendiando o apartamento onde morava.
QUASE PROUST, QUASE GARBO
Desde jovem LUCHINO VISCONTI foi
leitor atento e fiel de Proust. O conhecimento e a intimidade com o universo do
escritor francês deixaram marcas profundas no seu imaginário. Um dos seus
maiores sonhos era o de adaptar ao cinema um dos volumes de “Em Busca do Tempo
Perdido”. Em 1969, a produtora Nicole Stéphane convidou o cineasta para realizá-lo.
Apesar de apreciar muitos pontos do roteiro de Ennio Flaiano, preferiu uma versão
mais pessoal, encarregando sua parceira habitual de ajudá-lo, a ótima
roteirista Suso Cecchi D’Amico. Projeto promissor. Locações foram
escolhidas, figurinos desenhados, elenco anunciado: o Barão de Charlus,
personagem principal da versão viscontiana, caberia a Laurence Olivier ou
Marlon Brando; Marcel, o narrador, seria interpretado por Alain Delon (falou-se
também em Dustin Hoffman); Helmut Berger interpretaria Morel; Silvana Mangano,
a duquesa (Oriane) de Guermantes; Charlotte Rampling faria Albertine (Visconti
também pensou em uma desconhecida para o papel); Edwige Feuillère, madame
Verdurin; a avó de Marcel, Madeleine Renaud; Marie Bell encarnaria a Berma;
Simone Signoret, Françoise; e luxo supremo, Greta Garbo, convidada pela
produtora, pedira um tempo para se decidir.
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silvana mangano |
A MUSA
Atriz maravilhosa e uma das
grandes estrelas do cinema europeu, Silvana Mangano se tornou musa de LUCHINO
VISCONTI em seus últimos filmes. Interpretou Glória no episódio “A Bruxa
Queimada Viva” em “As Bruxas”; a mãe de Tadzio em “Morte em Veneza”; Cosima Von
Buelow, esposa do compositor Richard Wagner, em “Ludwig, a Paixão de um Rei” e
a Marquesa Bianca Brumonti em “Violência e Paixão”. Obcecado pela recordação da
mãe falecida em 1939, o cineasta italiano via ecos maternos na elegância e na
personalidade forte da magnífica estrela italiana.
FONTES
“Da Mann a Proust.
Intervista con Visconti” (2008)
de Giuliana Bianchi
“Visconti” (1966)
de Yves Guillame
“Visconti: Classicisme et Subvertion” (1995)
de Michèle Lagny
“Luchino Visconti: Les
Béances de Ludwig” (2005)
do Cahiers du Cinéma
“Esplendor de Visconti”
de Maria
Rosária Fabris, Alex Calheiros e Carlos Augusto Calil
FILMOGRAFIA
OBSESSÃO
adaptação do romance de James B.
Cain
elenco: Massimo Girotti e Clara
Calamai
DIAS de GLÓRIA
documentário
A TERRA TREME
elenco: pescadores sicilianos
BELÍSSIMA
adaptação do conto de Cesare
Zavattini
elenco: Anna Magnani e Walter Chiari
NÓS, as MULHERES
elenco: Anna Magnani
episódio “Anna”
SEDUÇÃO da CARNE
adaptação do romance de Camillo
Boito
elenco:
Alida Valli, Farley Granger, Massimo Girotti
e
Christian Marquand
Um ROSTO na NOITE
adaptação do romance de Fiodor
Dostóievski
elenco: Maria Schell, Marcello
Mastroianni, Jean Marais
ROCCO e seus IRMÃOS
adaptação do romance de Giovanni
Testori
elenco: Alain Delon, Renato
Salvatori, Annie Girardot,
Katina Paxinou e Claudia
Cardinale
Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza
Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza
BOCCACCIO 70
elenco: Romy Schneider, Thomas Milian
e Romolo Valli
episódio “O Trabalho”
O LEOPARDO
adaptação do romance de Giuseppe
Tomasi di Lampedusa
elenco: Burt Lancaster, Alain Delon, Claudia Cardinale,
Paolo Stoppa e Romolo Valli
Palma de Ouro (Melhor Filme) no Festival de Cannes
Palma de Ouro (Melhor Filme) no Festival de Cannes
VAGAS ESTRELAS da URSA
elenco: Claudia Cardinale, Jean Sorel, Michael Craig
e Marie Bell
Leão de Ouro (Melhor Filme) no Festival de Veneza
Leão de Ouro (Melhor Filme) no Festival de Veneza
As BRUXAS
elenco: Silvana Mangano, Annie
Girardot, Fernando Rabal,
Massimo Girotti, Clara Calamai e
Helmut Berger
episódio “A Bruxa Queimada Viva”
O ESTRANGEIRO
adaptação do romance de Albert
Camus
elenco: Marcello Mastroianni, Anna
Karina e Bernard Blier
Os DEUSES MALDITOS
elenco: Dirk Bogarde, Ingrid Thulin,
Helmut Griem,
Helmut Berger, Charlotte Rampling
e Florinda Bolkan
MORTE em VENEZA
adaptação do romance de Thomas
Mann
elenco: Dirk Bogarde, Silvana
Mangano, Björn Andrésen,
Romolo Valli e Marisa Berenson
David di Donatello de Melhor Direção
David di Donatello de Melhor Direção
LUDWIG: a PAIXÃO de um REI
elenco: Helmut Berger, Romy Schneider, Trevor Howard,
Silvana Mangano e Helmut Griem
David di Donatello de Melhor Filme e Melhor Direção
David di Donatello de Melhor Filme e Melhor Direção
VIOLÊNCIA e PAIXÃO
elenco: Burt Lancaster, Helmut
Berger, Silvana Mangano
e Romolo Valli
David di Donatello de Melhor Filme
David di Donatello de Melhor Filme
O INOCENTE
adaptação do romance de Gabriele
D'Annunzio
elenco: Giancarlo Giannini, Laura Antonelli, Jennifer O`Neill
e
Massimo Girotti
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