Uma das atrizes europeias mais intensas e significativas. Seu
extraordinário talento dramático deixou como legado grandes interpretações,
numa incrível capacidade de esconder e revelar simultaneamente os sentimentos
de um personagem. Os olhos verdes expressivos eram sua marca registrada. A beleza
sofisticada, o rosto impecável de porcelana, cabelo escuro e voluptuoso, também
caracterizam a italiana de origem nobre Alida Maria Laura von Altenburger,
baronesa de Marckenstein e Freuenberg, conhecida no cinema como ALIDA VALLI
(1921 - 2006). Nascida na Ístria italiana, hoje território da Croácia, abandonou
os estudos para dedicar-se à sétima arte. Atriz irrequieta e sensibilíssima, na
ativa durante sete décadas, atuou em mais de 100 filmes, o último deles em
2002, aos 81 anos.
Após a morte do pai, ela e sua mãe foram para Roma, onde a
mocinha estudou no Centro Sperimentale di Cinematografia (CSC), a academia de
cinema criada pelo ditador Benito Mussolini. Em 1936, aos 15 anos de idade, fez
sua primeira aparição
cinematográfica, nos estúdios Cinecittà, em “Os Dois Sargentos / I Due Sergenti”
(1936), estrelado por Gino Cervi. Logo tornou-se a atriz da moda,
os produtores a disputavam. Estrelou muitas vezes produções escapistas e populares chamadas de
“Telefoni Bianchi” (telefone branco) - comédias sentimentais e melodramas descartáveis
em ambientes luxuosos. ALIDA VALLI arrebatou o coração dos jovens, acolhida
como a “Namoradinha da Itália”.
Durante a Segunda Guerra Mundial, teve grande êxito com “Pequeno
Grande Mundo”. Ao lado de Massimo Serato, faz uma mulher traumatizada pela
morte da filha. O filme mais aclamado e controverso que fez nessa época foi “Atrás da Cortina de Ferro
(Oprimidos) / Noi Vivi” (1942), de Goffredo Alessandrini, um drama de guerra anti-comunista baseado
- sem permissão do autor - em um romance de Ayn Rand. Outro sucesso dessa fase,
“Esta Noite Nada de Novo / Stasera Niente di Nuovo” (1942), narra a história
de uma cantora prostituta que não aceita ajuda do repórter (Carlo Ninchi) que a
ama.
A popularidade de ALIDA VALLI na indústria cinematográfica italiana
era fenomenal. Uma pesquisa realizada no início da década de 1940 a colocou como
a estrela mais popular do país. Em plena ascensão, recusou-se a fazer filmes de
propaganda do regime fascista de Mussolini - que a considerava “a mulher mais
bonita do mundo” -, passando a ser perseguida e tendo que se esconder no
apartamento de um amigo para evitar a prisão. Em 1944 casou-se com Oscar De
Mejo, pintor surrealista e compositor de jazz, e se divorciou dele em 1952.
Ela provou sua versatilidade com o drama de época “Manon Lescaut”,
adaptado do clássico romance de Abbé Prévost, no qual faz o papel-título e
divide cena com o ator mais popular na Itália naqueles anos, Vittorio De Sica. Após
a II Guerra brilhou em “Eugenia Grandet”. Como a sofrida heroína de Honoré de
Balzac, ALIDA VALLI ganhou o prêmio de Melhor Atriz - Nastro d'Argento, do
Sindicato Italiano de Jornalistas de Cinema, chamando a atenção do produtor
independente David O. Selznick (“...E o Vento Levou / Gone with
the Wind”). Ele procurava na Europa uma “Nova Garbo” e a atriz italiana foi
contratada por sete anos com essa difícil missão.
No entanto, a aposta do produtor não vingou como se esperava. Tão
forte era o sotaque de ALIDA VALLI, que sua carreira no mercado norte-americano
se encerrou mais cedo do que seu significativo talento anunciava. No primeiro
filme em Hollywood, “Agonia de Amor / The Paradine Case” (1947), de Alfred Hitchcock,
ela interpreta Maddalena Case, suspeita de assassinato e defendida nos
tribunais por um jovem Gregory Peck. Com a aprovação de Selznick, a atriz partiu
para a Inglaterra, onde foi colocada como a misteriosa refugiada checa Anna
Schmidt, procurada pelos russos na Viena de pós-guerra, em “O Terceiro Homem”.
O seu papel mais reverenciado: Anna, a amante dedicada de Harry
Lime (fenomenal Orson Welles), uma figura sombria no mundo do mercado negro. O thriller é um clássico do cinismo
político, auxiliado por uma inesperada trilha sonora de cítara e cenas
inesquecíveis e poderosas. Um dos melhores é a cena final, em um cemitério, a
trágica heroína caminha por uma longa alameda, enquanto Joseph Cotten a aguarda
em primeiro plano. Ele é um romancista, e apesar
provas ao contrário, quer ver o personagem misterioso como uma donzela em
perigo, numa aula de ambiguidade.
Ainda sob contrato, ALIDA VALLI faria três filmes simpáticos nos
EUA, sob a direção de Irving Pichel, Ted Teztlaff e Robert Stevenson, dividindo
cena com atores de grande categoria: Glenn Ford, Claude Rains, Oskar Homolka, Cedric
Hardwicke, Fred MacMurray, Frank Sinatra, Lee J. Cobb e Joseph Cotten. Insatisfeita,
ela voltou para a Europa, trabalhando com excelentes diretores. Primeiro estrelou
com Jean Marais o franco-italiano “Milagres Acontecem Uma Vez / Les Miracles n'ont Lieu qu'une Fois”
(1951), de Yves Allégret. Na trama, dois estudantes enamorados, separados pela
guerra, reencontram-se dez anos depois. Em 1954, o mestre Luchino Visconti
ofereceu-lhe o papel principal em “Sedução da Carne”, um belo drama de paixão e
traição do romance de Camillo
Boito.
Para a Condessa Lívia Serpieri, o cineasta desejou
inicialmente Ingrid Bergman, mas o ciumento Roberto Rossellini, marido da
estrela na ocasião, tornou esse sonho impossível, e o personagem precioso foi
parar nas mãos de ALIDA VALLI. Situado em Veneza, no século XVIII, gira em
torno dessa nobre veneziana dividida entre sentimentos nacionalistas e um
amor adúltero por um oficial (Farley Granger) das forças austríacas de
ocupação. Seu desempenho apaixonado é considerado o ápice de sua carreira, e
ganhou o Globo de Ouro italiano de Melhor Atriz. A derrota de “Sedução da
Carne” no Festival de Veneza de 1954 - o Leão de Ouro de Melhor Filme foi para “Romeu e Julieta / Romeo and
Juliet”, de Renato Castellani - causou furor.
SEXO, DROGAS e MORTE
No auge do sucesso, em 1954, sua popularidade foi abalada por um
escândalo recheado de sexo, drogas, ritual pagão e morte. Ela estava em
Torvajanica, praia particular próxima a Nápoles, participando de uma orgia coordenada pelos Illuminati (um grupo
secreto que tem como objetivo uma Nova Ordem Mundial), ao lado de poderosas autoridades
da igreja
católica e da política, quando a desconhecida modelo Wilma Montesi, de 21 anos,
utilizada como sacerdotisa de uma missa satânica e escrava sexual, morreu de
esgotamento físico, e também, de overdose de drogas. A atriz foi chamada para testemunhar
sobre o assassinato da jovem mulher. Após o julgamento, ela lutou para
restaurar sua carreira, mas levou algum tempo. A publicidade negativa foi tão
fervorosa que quase arruinou sua bonita trajetória.
O infortúnio provocou a renúncia do ministro das Relações
Exteriores da Itália, Attilio Piccioni, pois um filho seu, Piero, amante de
ALIDA VALLI, fazia parte da maratona sexual. O escândalo inspirou uma cena de
“A Doce Vida / La Dolce Vita” (1960), de Federico Fellini. Todos os suspeitos
foram absolvidos, deixando o caso sem solução. A atriz alegou que ela e Piccioni
estavam hospedados em uma vila em Capri no momento da morte. O júri
apaixonado fingiu que acreditou e ela foi absolvida. Em 1957, de volta ao
cinema, foi elogiada pela excelência em um clássico do cinema europeu, “O
Grito”, de Michelangelo Antonioni, com o ator norte-americano Steve Cochran.
Ela é uma mulher cansada e empobrecida que rejeita seu amante operário.
Ainda nos anos 1950, iniciou uma fenomenal carreira teatral que a
levou aos palcos de toda a Itália, França e Estados Unidos, com obras de Jean-Paul Sartre,
D'Annunzio, Albert Camus, Tennessee Williams e Arthur Miller. Na TV italiana, conduziu
o seu próprio programa. Em 1956, sob a direção de seu futuro marido, Giancarlo
Zagni, no Teatro Biondo de Palermo, interpretou Henrik Ibsen e Luigi
Pirandello. Ela apareceria em mais de trinta peças nas próximas quatro décadas.
Na década de 1960, viveu três anos no México, atuando em filmes para cinema e televisão.
Trabalhou três vezes com Bernardo Bertolucci, em “A Estratégia da Aranha”, “1900
/ Novecento” (1976) e “La Luna / Idem” (1979). Ela também foi dirigida por
mestres de terror como Mario
Bava em “Lisa e o Diabo / Lisa e il Diavolo” (1973) e Dario Argento em
“Suspiria / Idem” (1977) e “A Mansão do Inferno / Inferno” (1980).
Em 1997, aos 76 anos, homenageada no Festival de Veneza, recebeu o
Leão de Ouro Honorário pelo conjunto da obra, ressaltando suas importantes
atuações em filmes de Antonioni, Visconti, Claude Chabrol,
Pier Paolo Pasolini, Valerio Zurlini, Clement, Bertolucci, Patrice
Chéreau, Gillo Pontecorvo etc. Suas
aparições cinematográficas mais recentes foram em “Il Lungo Silenzio” (1993), de
Margaretha von Trotta; “Um Encontro para Sempre / A Month by the Lake” (1995),
com Vanessa Redgrave; “Il Dolce Rumore della Vita” (1999), de Giuseppe
Bertolucci; e “Anjo da Morte / Angel of Death” (2002). ALIDA VALLI morreu
em Roma aos 84 anos, em 2006. Ela deixou dois filhos com Oscar De Mejo, o ator Carlo De
Mejo e Lorenzo De Mejo. Seu neto Pierpaolo De Mejo, ator e diretor,
rodou o documentário “Como me Tornei Alida Valli / Come Diventai Alida Valli”
(2008) sobre sua avó.
Seu poético nome,
Alida, significa “voando como um pássaro”. Gregory Peck, em entrevista, declarou: “Não são apenas suas formas e
traços que são perfeitos: os seus olhos irradiam uma irresistível luminosidade
amorosa.”
FONTES
“Il Romanzo di Alida Valli”, de Lorenzo Pellizzari e Claudio M. Valentinetti;
“Alida Valli”, de Ernesto G. Laura e Maurizio Porro.
valli e farley granger em “sedução da carne” |
10 GRANDES ATUAÇÕES de VALLI
01
Manon Lescaut
Manon Lescaut
em MANON LESCAUT
direção de Carmine Gallone
elenco: Vittorio De Sica e Andrea Checchi
02
Luisa Rigey Maironi
Luisa Rigey Maironi
em PEQUENO MUNDO ANTIGO
direção de Mario Soldati
elenco: Massimo Serato
03
Eugenia Grandet
Eugenia Grandet
em EUGENIA GRANDET
direção de Mario Soldati
elenco: Gualtiero Tumiati
04
Anna Schmidt
Anna Schmidt
em O TERCEIRO HOMEM
direção de Carol Reed
elenco: Orson Welles,
Joseph Cotten
e Trevor Howard
05
Condessa Livia Serpieri
Condessa Livia Serpieri
em SEDUÇÃO DA CARNE
direção de Luchino Visconti
elenco: Farley Granger, Massimo Girotti
e Christian Marquand
06
Irma
Irma
em O GRITO
direção de Michelangelo Antonioni
elenco: Steve Cochran, Dorian Gray
e Betsy Blair
07
Rosetta
Rosetta
em A GRANDE ESTRADA AZUL
direção de Gillo Pontecorvo
elenco: Yves Montand, Francisco Rabal
e Terence Hill
08
Louise
Louise
em OS OLHOS SEM ROSTO
direção de Georges Franju
elenco: Pierre Brasseur, Juliette Mayniel
e Claude Brasseur
09
Merope
Merope
em ÉDIPO REI
direção de Pier Paolo Pasolini
elenco: Silvana Mangano e Franco Citti
10
Draifa
Draifa
em A ESTRATÉGIA DA ARANHA
direção de Bernardo Bertolucci
elenco: Giulio Brogi
GALERIA de FOTOS
22 comentários:
Nossa, Antonio, "A Freira Assassina" não é aquele trash com a Anita Ekberg? Se for esse, eu vi.
Adorei saber mais sobre essa ótima e bela atriz.
Abraço
Dani
Mais uma vez tenho muita dificuldade em identificar os filmes, por só serem indicados as traduções em brasileiro. Era muito bom e útil que os títulos originais também fossem referidos.
Abraço
O Rato Cinéfilo
Parece que não tem jeito mesmo, sempre esses astros tem um esqueleto no armario, será esse o preço para adquirir o sucesso no mundo do cinema?
A beleza de Alida valli era antológica. Porque ela não virou uma grande estrela internacional é um dos grandes absurdos e exemplos de cegueira de Hollywood.
Muito bonita e charmosa. Infelizmente, seu encontro com meu mestre Hitchcock se deu em um dos seus filmes mais fracos. Mas gosto muito dela em Senso e O terceiro homem (clássico!).
Parabéns pelo seu trabalho, pretendo visitar bastante o seu blog. Alida Valli é um dos meus ídolos. A imagem que segue (via orkut) é o cartaz de um filme que vi recentemente com nossa querida Valli, mais terno e inesperado, impossível.
Um abraço fraterno e mais uma vez obrigado.
Victor Emanuel
Parabéns pelo seu blog. É um verdadeiro presente para cinéfilos como eu. Amei principalmente essa matéria sobre a linda e enigmática Alida Valli.
Hola, Antonio.
Gracias por tus palabras!
y Bienvenido.
Hasta pronto, Saludos!.
Muy buenas fotografías tienes en tu blog y mucho cine.
As italianas Gina Lollobrigida e Sophia Loren enlouqueceram o mundo com suas curvas. Valli, linda, se destacou por seu talento. Em O Terceiro Homem, apoiada por um elenco de apoio quase todo formado por atores alemães e austríacos experientes, ela fornece credibilidade e dinâmica ao longa-metragem como a desesperada Anna Schmidt. Um show de primeiríssima. Quando penso neste filme, penso no diálogo final entre Joseph Cotten e Alida Valli e nela se afastando dele, altiva, irônica, indo para um destino incerto. Ela hoje é uma atriz esquecida, mas tem pinta de eternidade.
Agonia de Amor está na lista de filmes de Hitchcock que não entraram para a história do cinema. Um dos pontos altos da trama é a atriz Alida Valli, que interpreta a sra. Paradine do título original. Sua presença em cena é memorável. Sempre com expressão de superioridade, ela compõe uma mulher forte e disposta a enfrentar o que for sem fazer concessões. No entanto, os olhos trazem sempre uma fragilidade que contrasta com a figura aparentemente inabalável. Essa magnitude da atriz foi explorada à exaustão todas as vezes que aparece. São inúmeros os planos fechados em seu rosto (que recebe toda a iluminação, deixando o fundo escuro), que se mostra quase indiferente, inacessível. Seu personagem é fundamental e rouba o filme. Não é à toa que todos os homens se apaixonam pela sra. Paradine.
Leandra Leal
Como é incrível a beleza desta atriz e tantas outras na história do cinema fotografadas em preto e branco. Fico imaginando as atrizes do passado em fotos coloridas com as tecnologias que existem hoje, ressaltando ainda em uma época que não existiam os Photoshops de hoje.
Parabéns por mais esta postagem fantástica foto.
Valli em O terceiro Homem demonstra um talento que por justiça a elevaria a grande status de estrela. Ela era linda.
ALIDA É LINDISSIMA!
A saudosa e adorável Alida Valli foi mesmo uma atriz européia realmente belíssima e muito talentosa e na minha opinião é uma das atrizes internacionais mais lindas e deslumbrantes da história do cinema mundial em todos os tempos junto com as igualmente belíssimas, charmosas e ilustres Gina Holden, Natasha Henstridge, Gloria Guida e Carla Gravina só para citar alguns dos melhores exemplos. Alida figura oficialmente entres as mais lindas e encantadoras musas e beldades do cinema italiano junto com Ania Pieroni, Marilu Tolo, Mirella D'Angelo e Sabrina Siani entre inúmeras outras além dela ser na minha humilde opinião a Heddy Lamarr italiana. E por falar em Alida Valli, a nossa querida atriz brasileira Regina Braga é muito parecida fisicamente com a própria Alida pois ambas tem os mesmos olhos verdes igualmente lindos e luminosos e a mesma beleza elegante classuda e aristocrática de traços finos meigos e delicados além de serem duas excelentes e renomadas atrizes profissionais. E me lembro muito bem da doce e linda Alida em duas cultuadas produções italianas dos anos setenta, "O Anticristo" com a pópria Carla Gravina no papel principal e que infelizmente eu nunca pude assistir inteiro e "A Freira Assassina" onde Alida contracenou com a veterana e saudosa estrela sueca Anita Ekberg, outra grande diva do cinema europeu.
Alida Valli também me faz lembrar bastante de Suzanne Danielle, uma linda, angelical, elegante e charmosa atriz e ex-modelo inglesa morena de olhos claros que atuou nos filmes "Flash Gordon" e "Carry On Emmanuelle" e que foi uma espécie de Kelly Brook dos anos setenta e oitenta do século vinte. Ambas Alida e Suzanne são duas lindas, ótimas, adoráveis e encantadoras atrizes européias da segunda metade do século vinte.
Alida é uma das maiores. Seu desempenho em "Senso" é irrepreensível
Vi Alida Valli recentemente, num grande desempenho dramático, em "O Grito" de Michelangelo Antonioni, numa Mostra dedicada ao diretor. Um trabalho impressionante pela intensidade mesmo. Ela é o estopim da tragédia do protagonista e sofre muito, por saber disto, sentindo-se com grande culpa. .
Acho lindas as atrizes que se entregam inteiras ao personagem! Não a conheço, preciso conhecê-la!
Linda!
Fantástica
Maravilhosa no cult Olhos sem rosto.
Muito bom o artigo
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