setembro 24, 2023

*** O ROMANCE de JEAN MARAIS e JEAN COCTEAU

 

“Obrigado do fundo do meu coração por ter me salvado. Eu estava me afogando e você se jogou na água sem hesitar, sem olhar para trás.”
De JEAN COCTEAU para JEAN MARAIS, em 1939.
 
 
Ele foi um dos atores mais populares do cinema francês. Começou a se destacar nos anos 40 e teve um percurso cinematográfico célebre. JEAN MARAIS (1913 – 1998. Cherbourg, Manche/ França) deixou como legado um porte romântico e atlético perpetuado em mais de 80 filmes, destacando-se no gênero capa-e-espada no final dos anos 50 e meados de 60. Em 1975, publicou uma de suas memórias, “Histórias da Minha Vida / Histoires de Ma Vie”, muito comentado por sua franqueza. Nele, recordou sua infância ingrata, a mãe possessiva meio louca que ele amava, o trabalho como ator prejudicado pela voz afetada e seu longo affair com o genial dramaturgo, poeta e cineasta JEAN COCTEAU (1889 – 1963.Maisons-Laffitte, Yvelines / França).
 
Apesar de belo, JEAN MARAIS tinha pouco talento e uma voz lamentável. Nunca entendi sua fama. Tudo começou em 1937. O ator desde 1933 trabalhava no cinema como figurante ou em papéis minúsculos e fazia teatro amador. Ao passar no teste em uma peça que seria dirigida por seu futuro amante, foi utilizado em cena vestido apenas com uma minúscula faixa branca, imóvel como uma estátua e revelando seu corpo impactante. Em poucos dias ele se apaixonou pelo gênio. Assim começou a íntima colaboração profissional e amorosa que durou décadas.
 
cocteau e marais
Quando se conheceram, tinha 24 anos e JEAN COCTEAU, 48. Juntos, fizeram clássicos como “A Bela e a Fera (1946), “A Águia de Duas Cabeças (1948), “O Pecado Original / Les Parents Terribles” (1948), “Coriolano / Coriolan” (1950), “Orfeu (1950) e “Testamento de Orfeu” (1960). Todos ricos em imagens inesquecíveis. O ator afirmou que o cineasta foi o amor de sua vida e gostaria de tê-lo encontrado antes.
 
Conhecido por filmes poéticos, a filmografia de JEAN COCTEAU faz parte da história do cinema. Na vida privada, teve casos com figuras notáveis, como o escritor Raymond Radiguet e o boxeador Panama Al Brown. No entanto, o ponto alto foi o relacionamento com JEAN MARAIS. Apelidado de O Príncipe Frívolo, nasceu em uma rica família parisiense. Após sair de casa, publicou um livro de poemas aos 19 anos de idade e logo se tornou conhecido nos círculos artísticos e boêmios de Paris, associado aos escritores Marcel Proust e André Gide. Nos anos seguintes, ele se relacionou com o poeta Guillaume Apollinaire e os pintores Picasso e Modigliani.
 
Seu talento se estendeu por toda a Europa e, em 1917, o empresário russo Sergei Diaghilev o convenceu a escrever o livreto para o ballet “Parade”. Em 1920, tornou-se viciado em ópio, depois do choque causado pela morte inesperada do poeta francês Raymond Radiguet, seu amante, o que o fez submeter-se a várias internações em clínicas. Apesar de ter um caso com a princesa Natalie Paley - filha de um duque Romanov, atriz e modelo – as suas relações mais longas foram com os atores JEAN MARAIS e Edouard Dermithe, a quem adotou formalmente depois de contratá-lo como um jardineiro. Teve alguns casos menores com algumas mulheres e namorou homens mais velhos bem relacionados, como o conhecido ator Eduard De Max. 
 
o jovem cocteau
De Max apresentou JEAN COCTEAU ao quem é quem da cena parisiense e usou sua influência para organizar um encontro de poesia dedicada ao jovem poeta, considerado um grande sucesso nos círculos literários. Logo ele começou a contribuir com poemas e desenhos para revistas literárias. De Max também o ajudou a publicar seus três primeiros livros. Em essência, ele foi um poeta que escreveu romances, peças, crítica literária, dirigiu filmes e foi um artista plástico inspirado, que deixou sua marca em capelas da Provence e Côte D’Azur. Este talento múltiplo não se diluiu em suas atividades, somou-se. Como ele explica: “Explorei tantos caminhos para que minha semente se espalhasse por toda a parte.”.
 
Uma vez famoso, JEAN COCTEAU começou a namorar homens mais jovens, seus “enfants”, como ele se referia a eles, belos jovens amantes e colaboradores. A partir de 1916, incentivou a carreira do poeta John LeRoy, que morreria apenas dois anos depois. Ele escreveu sobre LeRoy: “…coloquei nele o que foi desperdiçado em mim pela vida desordenada. Ele era jovem, bonito, bom, corajoso, cheio de gênio, nada afetado, tudo o que a Morte gosta.”. A próxima obsessão foi Raymond Radiquet, de 15 anos. A dupla escreveu quatro romances de sucesso enquanto moravam juntos. Em 1923, Radiquet morreu de febre tifóide, aos 20 anos de idade.
 
Nem todos os seus amantes eram talentosos ou bem-sucedidos. Maurice Sachs roubou o seu apartamento e depois escreveu “Witches Sabbath”, um relato contundente de seu relacionamento. Sachs acabou sendo morto pelos nazistas. “Les Enfants Terrible”, o romance publicado em 1929 e depois adaptado para um filme por Jean-Pierre Melville, foi em parte inspirado na vida familiar de seu próximo amante, Jean Bourgoint. O relacionamento não durou muito e Bourgoint acabou se tornando um monge trapista, trabalhando em uma colônia de leprosos nos Camarões.
 
Em 1927, JEAN COCTEAU morava com o poeta Jean Desbordes, que escreveu em 1928, “J’Adore”, conhecido como uma carta de amor de 200 páginas ao amante. Foi algo muito picante para a época. Eles passaram o verão no interior da França com Gertrude Stein e Coco Chanel, que ficou irritada porque os dois viviam a maior parte do dia trancados no quarto fumando ópio. Desbordes tornou-se um líder da Resistência durante a Segunda Guerra Mundial. Tragicamente, os nazistas o capturaram, arrancaram-lhe os olhos e depois o mataram. Em 1930, JEAN COCTEAU lançou sua primeira obra-prima cinematográfica, “Sangue do Poeta”, influenciado por sua amizade com surrealistas e dadaístas. Ele realizou sete filmes e é um dos mais importantes cineastas de todos os tempos.
 
Com uma infância sofrida, porque a sua mãe era mentalmente instável, JEAN MARAIS nasceu na antiga cidade portuária de Cherbourgh. Seus pais se separaram depois da Primeira Guerra Mundial e a mãe, ele e o irmão Henri se mudaram para os subúrbios de Paris. Fascinado pelo teatro desde criança, dizia aos amigos que a mãe era uma atriz da Comedie Française. Incapaz de conseguir um trabalho regular, a mãe tornou-se ladra de lojas e foi presa várias vezes. Sozinhas, as crianças tiveram que aprender a se defender sozinhas. Expulso da escola por se vestir de menina e flertar com um professor, o futuro ator fazia biscates como desenhista, jornaleiro e fotógrafo.
 
Enquanto lutava para se estabelecer como ator em Paris, foi rejeitado pelas principais escolas de arte dramática até conhecer JEAN COCTEAU. Juntos formaram um dos casais mais admirados da vida cultural francesa. Trabalhou na peça “Les Parents Terribles” e mais tarde na versão cinematográfica de 1948, batizada “O Pecado Original” em português. Deu vida ao conto infantil “A Bela e a Fera”, de 1946, o filme mais popular dos dois. O ator trabalhou também com outros diretores magistrais como Jean Renoir, Luchino Visconti e Bernardo Bertolucci.
 
marais e cocteau
O relacionamento deles foi extremamente apaixonado e intenso, com COCTEAU escalando MARAIS para seus próprios projetos cinematográficos. Ele estrelou a maioria dos filmes do amante. O cineasta afirmou que sua atuação em “Orfeu” “ilumina o filme com sua alma”. Na verdade, o ator passou a ser conhecido como muso do cineasta. Eles tomaram a decisão de permanecer numa Paris ocupada pelos nazistas, apesar da oposição a homossexualidade. Eram abertamente gays e o ator foi rejeitado pela Resistência por isso. Já COCTEAU, dependia do ópio para se inspirar. Com o amado superou o vício.
 
O cineasta tinha admiradores poderosos que protegiam os dois, mesmo quando JEAN MARAIS deu um soco em um crítico colaboracionista por escrever uma crítica negativa sobre uma das peças do amante. Os seus nomes foram arrastados pela lama da imprensa controlada pelos nazis, mas nunca foram presos ou enviados para um campo de concentração. JEAN COCTEAU morreu de um ataque cardíaco em seu castelo em Milly-la-Forêt, Essonne, em 1963, com 74 anos. Contam que seu coração parou depois de ouvir que Edith Piaf, uma de suas grandes amigas, tinha morrido. JEAN MARAIS mandou gravar na sua lápide: “Eu fico com você”.
 
Falecido em 1998, aos 85 anos, entre os trabalhos mais recentes de JEAN MARAIS estão apresentações no Cabaré Les Folies Bergères e a interpretação de Próspero em “A Tempestade”, de Shakespeare, nos palcos de Paris. Seus últimos filmes foram “Os Miseráveis / Les Misérables” (1995), de Claude Lelouch; e “Beleza Roubada” (1996), de Bernardo Bertolucci. Publicou mais de uma autobiografia e organizou uma retrospectiva de seu trabalho como artista plástico em 1995. Tinha um filho adotivo, Sobre JEAN COCTEAU, ele comentou: “Lamento amargamente não ter passado toda a minha vida servindo Cocteau em vez de me preocupar com minha carreira.”
 
jean marais em “orfeu”

CINCO FILMES de JEAN COCTEAU
(por ordem de preferência)
 
01
A BELA e a FERA
(La Belle et la Bête, 1946)
 
elenco: Jean Marais, Josette Day e Michael Auclair
 
02
A ÁGUIA de DUAS CABEÇAS
(L'aigle à Deux Têtes, 1948)
 
elenco: Edwige Feuillère
 
03
O SANGUE de um POETA
(Le Sang d'un Poète, 1932)
 
elenco: Enrique Rivero, Elizabeth Lee Miller e Pauline Carton
 
04
ORFEU 
(Orphée, 1950)
 
elenco: François Périer, María Casarés, Marie Déa e Juliette Gréco
 
05
O TESTAMENTO de ORFEU
(Le Testament d'Orphée ou ne me Demandez pas Pourquoi, 1960)
 
elenco: Françoise Arnoul, Claudine Auger, Jean Marais, Charles Aznavour, Lucia Bosè, Yul Brynner e María Casarés
 
jean marais em “a bela e a fera

DEZ FILMES de JEAN MARAIS
(por ordem de preferência)
 
01
A BELA e a FERA
(La Belle et la Bête, 1946)
 
direção: Jean Cocteau 
elenco: Josette Day e Michael Auclair
 
02
NOITES BRANCAS
(Le Notti Bianche,1957)
 
direção: Luchino Visconti
elenco: Maria Schell, Marcello Mastroianni, Clara Calamai e Giorgio Albertazzi
 
03
O CASTELO de CRISTAL
(Le Chateau De Vêrre, 1950)
 
direção: René Clement 
elenco: Michèle Morgan, Jean Servais e Fosco Giachetti
 
04
A ÁGUIA de DUAS CABEÇAS
(L'aigle à Deux Têtes, 1948)
 
direção: Jean Cocteau 
elenco: Edwige Feuillère
 
05
As ESTRANHAS COISAS de PARIS
(Elena et les Hommes, 1956)
 
direção: Jean Renoir 
elenco: Ingrid Bergman, Mel Ferrer, Juliette Gréco e Dora Doll
 
06
ORFEU
(Orphée, 1950)
 
direção: Jean Cocteau 
elenco: François Périer, María Casarés, Marie Déa e Juliette Gréco
 
07
ENTRE o AMOR e o TRONO
(Ruy Blas, 1948)
 
direção: Pierre Billon 
elenco: Danielle Darrieux, Marcel Herrand e Gabrielle Dorziat
 
08
MILAGRES ACONTECEM uma VEZ
(Les Miracles n'ont Lieu qu'une Fois, 1951)
 
direção: Yves Allégret 
elenco: Alida Valli
 
09
BELEZA ROUBADA
(Stealing Beauty, 1996)
 
direção: Bernardo Bertolucci 
elenco: Liv Tyler, Joseph Fiennes, Jeremy Irons, Stefania Sandrelli e Rachel Weisz
 
10
Os AMORES de CARMEN
(Carmen, 1944)
 
direção: Christian-Jaque
 elenco: Viviane Romance, Marguerite Moreno e Bernard Blier
 
GALERIA de FOTOS
 

 

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