louise brooks em “diário de uma garota perdida” |
“Antes de
tudo, um filme não deve ser exclusivamente uma diversão. Mesmo numa fita de
opereta, gênero tão apreciado pelo público, pode-se exprimir ideias sociais.”
G. W. PABST
G. W. PABST
Estranhíssimo destino o de GEORG WILHELM PABST (1885 – 1967. Raudnitz, Boêmia / Tchecoslováquia), entre o considerável renome internacional que conheceu no cinema mudo e princípios dos anos trinta e o cancelamento depois disso. Um gigante do cinema alemão, inovador e versátil, apenas rivalizava com Fritz Lang em popularidade e reconhecimento. O outrora venerado cineasta experimentou o exílio, a emigração, uma temporada em Hollywood, um regresso fatídico à Europa e uma tentativa mal sucedida de recuperar o prestígio no pós-guerra. Por fim, sua obra se tornou subvalorizada e pouco vista.
Nasceu em Raudnice, na Boêmia, uma província do Império Austro-Húngaro, agora República Tcheca. Frequentou a escola em Viena, para onde a família se mudou quando ele era criança. Estudou engenharia até 1902. Em 1904 fez teatro e no ano seguinte mudou-se para Zurique, na Suíça. Nos quatro anos seguintes, circulou atuando por Salzburgo, St. Gallen e Danzig. Em 1910, em Nova York, dirigiu e atuou em peças de língua alemã. Voltou para a Europa em 1914, ao início da Primeira Guerra Mundial, quando, então, na França, foi detido como “estrangeiro inimigo”, mantido em um campo de prisioneiros durante a guerra.
Retornou a Viena depois que o armistício foi assinado em 1918, e se encaixou rapidamente no teatro de vanguarda. Dirigiu teatro expressionista em Praga, incluindo duas peças de Frank Wedekind. Em 1919, tornou-se chefe do Novo Palco de Viena, mas logo teve dúvidas sobre seu futuro artístico teatral e se interessou por cinema. Em Berlim, colaborou com o diretor Carl Froelich em “lm Banne der Kralle” (1921). Logo depois, em 1922, trabalhou como assistente de direção e roteirista de “Der Taugenichts” e “Luise Millerin”.
Dirigiu seu primeiro filme, “O Tesouro / Der Schatz”, em 1923, sobre um tesouro enterrado que destrói uma família feliz. Não foi um sucesso comercial. Em 1924, G.W. PABST se casou com Gertrude Henning. Em 1925, concluiu seu primeiro grande filme, “Rua das Lágrimas”, estrelado por Greta Garbo antes de mudar para Hollywood um ano depois. Nele, expressou o desespero e a resignação durante os anos da República de Weimar que dominaram uma Alemanha derrotada. A abertura cita o “Inferno” de Dante, “Abandonem a esperança, todos os que entram aqui”. Na trama, assassinato, prostituição, fome e infortúnio econômico. Fez sucesso, embora os censores de todo o mundo tenham cortado cenas.
“Rua das Lágrimas” inaugurou o seu período áureo, marcado por filmes arrojados estética e tematicamente, e pelo frequente retrato de figuras femininas que se tornaram memoráveis. Durante esse período, em que rodou produções ambiciosas comercialmente e artisticamente, admirador de Sigmund Freud, voltou-se para o psicológico e o surreal em “Segredos de uma Alma / Geheimnisse einer Seele” (1926), um drama sobre ansiedade e impotência sexual, intercalado com hipnose e sequências de sonhos. Seu próximo filme, “O Amor de Jeanne Ney”, de 1927, teve origem no romance do autor russo Ilya Ehrenburg.
A seguir, fez a fita que mais gosto, “Crise” (1928). A frustração sexual de uma mulher casada que procura a companhia de outros homens, na Berlim dos anos loucos que antecederam o nazismo. Marcada pela expressiva presença de Brigitte Helm no papel principal, serve de pretexto a uma realização rigorosa, que explica as relações humanas pelo comportamento, as ações, o ambiente e os rostos. Cada elemento participa de uma narração visual, cujo ritmo é flexível.
brigitte helm e pabst |
Louise Brooks aceitou o convite europeu apenas porque seu amante, George Preston Marshall, precisava de “uma viagem relaxante à Europa”. No set, seu colega de elenco, Fritz Kortner, não falava com ela, acreditando que ela simplesmente não sabia atuar. Além do diretor, a única pessoa que simpatizava com a atriz de 22 anos era seu figurinista, que a considerava perdida e “a pior atriz do mundo”. Brooks não levava seu trabalho a sério. Na maior parte do tempo, entregava-se a vida noturna de Weimar e a martinis matinais. Mesmo assim, rodou outro filme com G.W. PABST, “Diário de uma Garota Perdida / Tagebuch einer Verlorenen”, em 1929.
Também em 1929, o diretor co-dirigiu “O Inferno Branco de Pitz Palü”, em torno de uma tragédia no alpinismo, protagonizado por Leni Riefenstahl, que ganharia fama eterna como diretora de talentosos documentários nazistas. Os primeiros filmes falados de G.W. PABST são conhecidos como “trilogia social”. Incluem “Guerra, Flagelo de Deus” (1930), “A Ópera dos Três Vinténs” (1931) e “A Tragédia da Mina / Kameradschaft” (1932). O primeiro é a história de quatro soldados alemães nas trincheiras durante os meses finais da Primeira Guerra Mundial. Aclamado na época como o filme anti-guerra mais eficaz já feito e pouco depois proibido pelos nazistas.
Baseado na opereta de Bertolt Brecht e Kurt Weill, “A Ópera dos Três Vinténs” é um dos filmes mais vistos do diretor. Já o último da trilogia retrata a amizade entre franceses e alemães partindo de um desastre em uma mina de carvão na fronteira França-Alemanha. Significativamente, utilizou atores de ambos os países, cada um falando a sua própria língua, aumentando a tensão e o realismo. No mesmo ano, o governo francês concedeu o diretor com a Ordem da Legião de Honra.
Segunda
adaptação ao cinema do romance de Pierre Benoît, depois da bela versão de
Jacques Feyder, em 1921,
“Atlântida” (1932) é uma extravagante narrativa que põe dois oficiais
europeus, que foram à África em busca do mítico reino da Atlântida, diante de
Antineia, a trágica rainha deste reino. Longe dos cenários naturais utilizados
por Feyder, a versão dá à história da civilização perdida nas areias do Saara,
uma atmosfera expressionista, explorando os cenários oníricos de Erno Mutzer
com fotografia de Eugen Schuftan.
No dia em que Adolf Hitler assumiu o poder na Alemanha como chanceler, o diretor partiu para França, junto com muitos outros da indústria cinematográfica alemã. Lá permaneceu por oito anos, realizando seis filmes. Com um breve interlúdio nos Estados Unidos, numa experiência infeliz em Hollywood, fez “Herói Moderno / A Modern Hero”, estrelado por Richard Barthelmess e Jean Muir. A Warner Brothers reclamou que ele dava “muita liberdade” à sua atriz principal. A experiência foi desastrosa, e G.W. PABST partiu para Nova York em 1935, planejando a versão cinematográfica de “Fausto”, que seria estrelada por Greta Garbo e Louise Brooks, mas isso nunca se materializou. Ele então voltou para a França.
Em 1939, cinco meses antes do início da II Guerra Mundial, regressou à Áustria, agora sob controle nazista. Durante a guerra, Joseph Goebbels o encarregou de rodar três filmes. Isso causou danos irreversíveis à sua reputação. Depois do conflito, o diretor não ajudou sua causa ao não fazer qualquer declaração de arrependimento. O fato é que nunca mais recuperou o antigo prestígio. Décadas depois, sua viúva veio com uma história sobre como ficaram presos por uma série de circunstâncias na Áustria quando a guerra estourou. Poucos acreditaram, e a verdade sobre os motivos dele permanecer na Áustria nazista permanece um mistério.
O primeiro dos filmes que dirigiu para Goebbels foi “Comediantes / Komodianten” (1941), pelo qual ganhou a medalha de ouro de Melhor Direção no Festival de Cinema de Veneza. Em 1943 foi a vez de “Paracelsus / Idem”, um drama histórico sobre o metafísico do século XVI, e em 1944 “O Caso de Molander / Der Fall Molander”, filmado em Praga controlada pelos alemães, mas deixado inacabado quando o exército soviético libertou a cidade. Em 1947, com “O Julgamento / Der Prozess” ganhou novamente o prêmio de direção no Festival de Veneza.
No dia em que Adolf Hitler assumiu o poder na Alemanha como chanceler, o diretor partiu para França, junto com muitos outros da indústria cinematográfica alemã. Lá permaneceu por oito anos, realizando seis filmes. Com um breve interlúdio nos Estados Unidos, numa experiência infeliz em Hollywood, fez “Herói Moderno / A Modern Hero”, estrelado por Richard Barthelmess e Jean Muir. A Warner Brothers reclamou que ele dava “muita liberdade” à sua atriz principal. A experiência foi desastrosa, e G.W. PABST partiu para Nova York em 1935, planejando a versão cinematográfica de “Fausto”, que seria estrelada por Greta Garbo e Louise Brooks, mas isso nunca se materializou. Ele então voltou para a França.
Em 1939, cinco meses antes do início da II Guerra Mundial, regressou à Áustria, agora sob controle nazista. Durante a guerra, Joseph Goebbels o encarregou de rodar três filmes. Isso causou danos irreversíveis à sua reputação. Depois do conflito, o diretor não ajudou sua causa ao não fazer qualquer declaração de arrependimento. O fato é que nunca mais recuperou o antigo prestígio. Décadas depois, sua viúva veio com uma história sobre como ficaram presos por uma série de circunstâncias na Áustria quando a guerra estourou. Poucos acreditaram, e a verdade sobre os motivos dele permanecer na Áustria nazista permanece um mistério.
O primeiro dos filmes que dirigiu para Goebbels foi “Comediantes / Komodianten” (1941), pelo qual ganhou a medalha de ouro de Melhor Direção no Festival de Cinema de Veneza. Em 1943 foi a vez de “Paracelsus / Idem”, um drama histórico sobre o metafísico do século XVI, e em 1944 “O Caso de Molander / Der Fall Molander”, filmado em Praga controlada pelos alemães, mas deixado inacabado quando o exército soviético libertou a cidade. Em 1947, com “O Julgamento / Der Prozess” ganhou novamente o prêmio de direção no Festival de Veneza.
pabst e louise brooks |
Os críticos de cinema da sua época não encontraram uma terminologia que o classificasse dentro dos padrões vigentes, achando que ele oscilava entre o caligarismo e o naturalismo. Henri Agel, em “Les Grands Cinéastes” (1959), reconheceu se tratar de o mais indefinível entre os realizadores alemães. Por seu turno, Sifgried Kracauer, teórico e especialista do cinema alemão - autor de “De Caligari a Hitler – Uma História Psicológica do Cinema Alemão” (1947) - compara-o com Pudovkin, no tocante de contextos sociais definidos. “É um realista - a vida real é a sua verdadeira vocação no cinema”, disse.
O próprio G.W. PABST, numa entrevista, revelou que o problema era ultrapassar o real – “o realismo é um meio, e não um fim; é uma passagem”. E mais: “desde os primeiros filmes, escolhi temas realistas a fim de me manifestar decididamente como um estilista - o tema não importa”. Parte de sua filmografia implica em adaptações de romances e peças de teatro. Abordou vários temas, passando pelo intimismo, pelo espetacular, pela morbidez, pela euforia, pelo drama histórico, pela comédia e ainda a guerra, o meretrício, o crime, a luxúria. Notável diretor de atores, procurava imprimi-los na tela com uma adequação física e psicológica aos personagens e situações.
Ele elogiava René Clair. Numa entrevista feita em 1933, disse: “Sou admirador de Clair. Este artista de grande talento compreendeu a missão do cinema. Em cada uma de suas películas, sempre conferindo cuidados às formas estéticas, exprime uma ideia social”. A respeito de G.W. PABST, assim se manifestou, em 1963, outro magistral diretor, Jean Renoir: “É, entre os mestres, aquele sobre o qual todo mundo está de acordo. Sabe fazer brotar um universo estranho, com elementos captados da vida cotidiana. Sabe melhor do que ninguém como dirigir os atores”.
Durante as últimas décadas de vida, G.W. PABST sofreu de diabetes, e isso se complicou quando, em 1957, foi diagnosticado com Parkinson. Morreu em Viena em 29 de maio de 1967. Nos últimos anos, seus filmes voltaram a ser recuperados e reavaliados. Eu o considero um mestre.
FONTES
“O Cinema
Alemão” (1971), de Roger Manvell e Heinrich Fraenkel.
“De Caligari a Hitler – Uma História Psicológica do Cinema Alemão” (1947), de Sifgried Kracauer.
“Os Filmes de G.W. Pabst: Um Cinema Extraterritorial” (1990), de Eric Rentschler.
“G.W, Pabst” (1977), de Lee Atwell.
“Les Grands Cinéastes” (1959), de Henri Agel.
DEZ
FILMES de PABST
(por ordem de preferência)
(por ordem de preferência)
01
CRISE
(Abwege, 1928)
(Abwege, 1928)
ATLÂNTIDA
(Die Herrin von Atlantis, 1932)
(Die Herrin von Atlantis, 1932)
RUA das
LÁGRIMAS
(Die Freudlose Gasse, 1925)
(Die Freudlose Gasse, 1925)
A CAIXA
de PANDORA
(Die Büchse der Pandora, 1929)
(Die Büchse der Pandora, 1929)
elenco: Louise
Brooks, Fritz Kortner, Francis Lederer, Carl Goetz, Alice Roberts, Gustav
Diessl e Sig Arno
05
05
GUERRA,
FLAGELO de DEUS
(Westfront 1918: Vier von der Infanterie, 1930)
(Westfront 1918: Vier von der Infanterie, 1930)
A ÓPERA
dos TRÊS VINTÉNS
(Die 3 Groschen-Oper, 1931)
(Die 3 Groschen-Oper, 1931)
elenco: Rudolf
Forster, Albert Préjean, Florelle, Margo Lion, Fritz Rasp, Valeska Gert, Vladimir
Sokoloff, Lotte Lenya e Antonin Artaud
07
07
O INFERNO BRANCO do PIZ PALÜ
(Die weiße Hölle vom Piz Palü, 1929)
(Die weiße Hölle vom Piz Palü, 1929)
O AMOR de
JEANNE NEY
(Die Liebe der Jeanne Ney, 1927)
(Die Liebe der Jeanne Ney, 1927)
O ÚLTIMO
ATO
(Der Letzte Akt, 1955)
10
ACONTECEU
em 20 de JUNHO
(Es Geschah am 20. Juli, 1955)
(Es Geschah am 20. Juli, 1955)
2 comentários:
Vi a Caixa de Pandora. O diferencial é a atriz que age naturalmente em sua performance.
Final de arrasar da Lulu (Brooks) assassinada na casa onde acolhe um cidadão acima de qualquer suspeita.
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