fevereiro 26, 2017

********** MICHÈLE MORGAN – A LENDA DOURADA



Seus belos olhos fizeram história no cinema. De fascínio dourado, a francesa MICHÈLE MORGAN (1920 - 2016) foi uma das mais populares e importantes atrizes do cinema europeu por cinco décadas. Começou aos 17 anos em “Mulher Fatal / Gribouille” (1937), de Marc Allégret. No ano seguinte, com o estouro de “Cais das Sombras”, ao lado de Jean Gabin e com diálogos de Jacques Prévert, o poeta parceiro do diretor Marcel Carné, confirmou-se de vez na mitologia do cinema. 

Enigmática e de olhar gélido, foi chamada de “nova Greta Garbo”. A belíssima também partiria para Hollywood. A meca do cinema, deslumbrada pelas formosas e talentosas atrizes da Europa, importou Greta Garbo, Marlene Dietrich, Danielle Darrieux, Hedy Lamarr, Ingrid Bergman, Vivien Leigh, Viveca Lindfors, Simone Simon, Signe Hasso, Alida Valli, Valentina Cortese, Micheline Presle, Leslie Caron, Sophia Loren etc.

jean gabin e michèle
Nas filmagens de “Cais das Sombras”, o mítico Jean Gabin conheceu MICHÈLE MORGAN. Ela tinha 18 anos. Eles se apaixonaram, mas só começaram o romance durante a rodagem de “Águas Tempestuosas / Remorques” (1941). Gabin foi convocado como fuzileiro naval para a Segunda Guerra. A atriz assinou um contrato com a RKO para trabalhar em Hollywood. Fim de caso.  

Com aqueles olhos e a elegância que lhe era natural, ela não conquistou Hollywood. Atuou com Paul Henreid e Humphrey Bogart, mas sua trajetória norte-americana se mostrou decepcionante. Atuou em cinco filmes – sendo o mais importante “Passagem para Marselha / Passage to Marseille” (1944), de Michael Curtiz - e voltou a França, recebendo acolhida entusiasmada do público e prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes por “Sinfonia Pastoral”, adaptação do romance de Andre Gide.

Conhecida pelos cinéfilos como “os mais belos olhos” do cinema, durante dez anos seguidos, uma década inteira, ela foi eleita pelo público a mais popular estrela de cinema da França, nos anos 1940 e 50. Após o fim do namoro com Gabin, ela se casou em 1942 com o ator norte-americano William Marshall, divorciando-se em 1948. Tiveram um filho, nascido em 1944. Em 1950, casou com Henri Vidal, que conheceu nas filmagens de “Fabíola”. Aparecerem juntos em diversas películas. O ator morreu em 1959, vítima de enfarte, aos 40 anos. Em 1960, MICHÈLE MORGAN casou-se com o cineasta Gérard Oury, com quem viveu até o falecimento dele em 2006.
humphrey bogart e michèle
Finalizando “Benjamin – O Despertar de um Jovem Inocente / Benjamin ou Les Memoires d’un Puceau” (1968), a estrela se dedicou a pintar e escrever poemas, aparecendo raramente em público. Fez sucesso no teatro nos anos 1980 e 1990, e publicou sua autobiografia em 1977, “Com Aqueles Olhos / De Yeux-là dos ces avec”. Participou de aproximadamente 70 filmes em sua extensa carreira. Diziam que era uma atriz “fria”, distante. Era uma deusa. Teria sido genial como loira fria de Alfred Hitchcock. 

Em 1975, o italiano Giuseppe Tornatore deu-lhe seu último papel no cinema em “Estamos Todos Bem / Stanno tutti Bene” (1990), com Marcello Mastroianni. Aos 70 anos, MICHÈLE MORGAN despedia-se do cinema, mas ainda faria uma participação no folhetim de TV “A Rival / La Rivale”, em 1999. Morreu em dezembro de 2016, aos 96 anos de idade.


10 FILMES de MICHÈLE MORGAN
(por ordem de preferência)

01
CAIS DAS SOMBRAS
(Le Quai des Brumes, 1938)

de Marcel Carné
com Jean Gabin, Michel Simon e Pierre Brasseur

02
As GRANDES MANOBRAS
(Les Grandes Manoeuvres, 1955)

de René Clair
com Gérard Philipe, Brigitte Bardot e Magali Noel

03
O ÍDOLO CAÍDO
(The Fallen Idol, 1948)

de Carol Reed
com Ralph Richardson e Jack Hawkins

04
A SINFONIA PASTORAL
(La Symphonie Pastorale, 1946)

de Jean Delannoy
com Pierre Blanchar

05
FABÍOLA
(Idem, 1948)

de Alessandro Blasetti
com Henri Vidal, Michel Simon, Massimo Girotti
e Gino Cervi

06
A LEI do NORTE
(La Loi du Nord, 1939)

de Jacques Feyder
com Pierre Richard-Willm e Charles Vanel

07
LE CHÂTEAU de VERRE
(1949)

de René Clément
com Jean Marais e Jean Servais

08
MAXIME
(Idem, 1958)

de Henri Verneuil
com Charles Boyer e Arletty

09
Os ORGULHOSOS
(Les Orgueilleux, 1953)

de Yves Allégret
com Gérard Philipe

10
O HOMEM que VENDEU a ALMA
(Marguerite de la Nuit, 1955)

de Claude Autant-Lara
com Yves Montand e Massimo Girotti

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fevereiro 19, 2017

*************** MARÍLIA – TALENTO a TODA PROVA




A primeira vez que vi de pertinho MARÍLIA PÊRA (Rio de Janeiro, RJ. 1943 - 2015) ela se preparava para uma cena do filme “Tieta do Agreste”. O olhar da estrela mirava um tanque metálico cheio d’água no outro extremo da praça, e depois se perdeu no horizonte sem árvores. Com o roteiro entre os dedos, murmurava falas. Nos arredores, Zezé Motta, curiosos e a voz mansa de Carlos Diegues pedindo atenção. A atriz de pouco mais de 50 anos teve a difícil missão de encontrar um caminho próprio para a seca e algo cômica Perpétua, figura do universo amadiano, vivida na TV com talento e popularidade por Joana Fomm. Havia visto a atriz anteriormente em “Elas por Elas” (1989), um musical em que ela se desdobra em várias cantoras brasileiras; e, mais adiante, a conheceria nos bastidores de “Mademoiselle Chanel” (2004), trabalhando na produção do espetáculo em Salvador.

Caminhando entre técnicos e figurantes, insistindo para entrevistar Sonia Braga, eu passei os olhos por aquela expressividade magra, sentada, ausente, os dedos apertando o manuscrito. “Uma mulher inesquecível. Ela é uma sacerdotisa”, escrevi no bloco de notas. “Tieta” foi arrasado pela crítica, mas ela ganhou prêmios no Festival de Cinema de Cuba e na Associação Paulista de Críticos de Arte. O ano era 1995, e essa mulher magnética, famosa no teatro e na televisão, já tinha currículo dos bons no cinema: “O Rei da Noite”, “Bar Esperança, o Último que Fecha” (Hugo Carvana, 1982), “Anjos da Noite”, “Dias Melhores Virão” etc. Nos anos seguintes, atuaria em alguns bons filmes: “Jenipapo”, “Central do Brasil”, “O Viajante” (Paulo César Saracceni, 1998) etc. Sempre fulgurante.

Passados 22 anos, MARÍLIA PÊRA não está entre nós. Morreu em dezembro de 2015, vítima de câncer no pulmão. Deixou um legado de personagens inesquecíveis, como a prostituta Suely em “Pixote – A Lei do Mais Fraco”, que simboliza muito bem o talento do cinema nacional. Uma figura de ficção que fez história. A atriz foi comparada à Anna Magnani. Levou prêmios internacionais, entre eles o de Melhor Atriz da Associação Nacional dos Críticos de Cinema dos Estados Unidos, chegando pertinho do míope tio Oscar. Em “O Viajante”, uma versão do romance inacabado de Lúcio Cardoso – notável escritor injustamente esquecido -, ela se destaca como uma madura viúva de pequena cidade do interior mineiro, apaixonada por um desconhecido ambíguo.

Ela é uma das maiores atrizes do Brasil, gigantesca no teatro, cinema e tevê. Antes dela, somente Cacilda Becker apropriou-se de tal comoção frente ao talento. Resplandecente, o universo artístico da carioca MARÍLIA PÊRA, filha de uma tradicional família de atores que trabalhava na Companhia Henriette Morineau, começou na infância, no palco. Entrou em cena pela primeira vez aos quatro anos de idade, em “Medéia”, a tragédia de Eurípedes. Trabalhou muito tempo como bailarina, fazendo parte do balé fixo da TV Tupi do Rio, dançando em programas como “Grande Teatro Tupi”, “Teatrinho Trol”, “Espetáculos Tonelux” e em revistas musicais como “De Cabral a JK” (1959). A primeira aparição em telenovelas foi em “Rosinha do Sobrado”, na Rede Globo, em 1965 e, em seguida, em “A Moreninha”.

francisco cuoco e marília
em “o cafona”
Anos 1980, época das densas minisséries “Quem Ama não Mata” (1982), de Euclides Marinho, direção de Daniel Filho, e “O Primo Basílio” (1988), lembrando Eça de Queiróz. Na década anterior, carimbou sua presença em clássicos da história da tevê brasileira: “Beto Rockfeller” (1968), “Super Plá” (1969), O Cafona” (1971), “Bandeira 2” (1971) e “Uma Rosa com Amor” (1972). Tempos de Joana Martini, Shirley Sexy, Noeli, Serafina Rosa. Voltou às telenovelas em 1987 na engraçada “Brega e Chique”. Ninguém resistiu ao escracho. Na pele de Rafaela, fez bastante sucesso. Anos depois, diria que essa foi a telenovela que mais gostou de fazer. Ela voltaria a interpretar Rafaela no remake “Ti-Ti-Ti” (2011), escrito por Maria Adelaide Amaral. Na minissérie “JK” (2006) fez a ex-primeira dama do Brasil Sarah Kubitschek.

Em plena ditadura, ela causou polêmica com espetáculos rebeldes do naipe de “Roda Viva” (1968), sendo espancada por membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que invadiram o teatro onde a peça era encenada. Chegou a ser presa e obrigada a correr nua por um corredor polonês. Foi presa uma segunda vez, visto que era tida como comunista, quando policias invadiram a sua residência. Conquistou a crítica e o público definitivamente com o êxito de “Fala Baixo Senão Eu Grito” (1969). A abominável professora de “Apareceu a Margarida” (1973), de Roberto Athayde, rendeu o Prêmio Molière. Repetiu esse célebre espetáculo em 78, 94 e 95. 

Em 1987 encarnou Dalva de Oliveira em “A Estrela Dalva”; em 1996 foi a mitológica Maria Callas em “Master Class, dirigida por Jorge Takla, e em 1998, com direção de Moacyr Góes, a nelsonrodriguiana prostituta Geni de “Toda Nudez Será Castigada”. Além disso, nos palcos interpretou Carmen Miranda em diversas ocasiões – “O Teu Cabelo não Nega” (1963), “A Pequena Notável” (1966), “A Tribute to Carmen Miranda” (1975), apresentada em Nova York, “A Pêra da Carmen” (1986 e 1995) e “Marília Pêra canta Carmen Miranda” (2005).

A expressividade mapeia o corpo enxuto e o rosto admirável de MARÍLIA PÊRA, tal qual uma Kay Kendall, uma Rosalind Russell, uma Arletty ou uma Marisa Paredes. Em “Brava Gente: A Cabine” (2002) sensibiliza Antonio Fagundes com um largo sorriso enamorado. Nessa história de amor, nada parece inverossímil ou excessivo, afinal a atriz desenha sua interpretação em gestos cúmplices. No chato “Dias Melhores Virão” rouba a cena como a dubladora Marialva. O mesmo aconteceu na enfadonha “Meu Bem Querer” (1998). A vilã Custódia supera sem máculas a telenovela, graças a reputação e habilidade da atriz. A Pupi de “O Rei da Noite” é outro momento seu de qualidade. Ela e Paulo José são a alma desta comédia à italiana. A atriz se conecta muito bem com Paulo José; e também com Marco Nanini. Há uma química perfeita entre eles. Foi maravilhoso vê-los em cena tantas vezes.

Em 2013, fez “Pé na Cova”, interpretando Darlene, uma suburbana maquiadora da funerária do ex-esposo Ruço (Miguel Falabella). Antes do seriado, a amizade com Miguel Falabella já havia rendido papéis no seriado “A Vida Alheia” (2010), no filme “Polaroides Urbanos” (2008), onde interpreta duas irmãs gêmeas, e na telenovela “Aquele Beijo” (2011), todos escritos por ele. No carnaval de 2015, ela foi homenageada pela Escola de Samba Mocidade Alegre, de São Paulo. Em agosto do mesmo ano, foi a grande homenageada do Festival de Cinema de Gramado, onde recebeu o Troféu Oscarito. MARÍLIA PÊRA casou-se pela primeira vez aos dezessete anos, com o músico Paulo Graça Mello, morto num acidente de carro em 1969. Aos dezoito, foi mãe de Ricardo. Mais tarde, foi casada com o ator Paulo Villaça, seu parceiro em “Fala Baixo Senão Eu Grito”, e com Nelson Motta, com quem teve as filhas Esperança e Nina. Era casada, desde 1998, com o economista carioca Bruno Faria. 

Ela atuou em 26 filmes, desde a estreia como a ingênua Rosinha de “O Homem que Comprou o Mundo” (1968), de Eduardo Coutinho. Revelou-se uma presença soberana, uma das artistas mais completas do Brasil: além de interpretar, era cantora, bailarina, diretora, produtora e coreógrafa. Trabalhou em mais de 50 peças e cerca de 40 novelas, minisséries e programas de televisão. Entre os trabalhos favoritos na TV, no entanto, MARÍLIA PÊRA escolhia as minisséries: “O Primo Basílio” (1988), em que interpretou a vilã Juliana, e “Os Maias” (2001). Morreu aos 72 anos.

FILMOGRAFIA SELECIONADA
(por ordem de preferência)

01
PIXOTE: a LEI do MAIS FRACO
(1981)

de Hector Babenco
com Fernando Ramos da Silva, Jardel Filho, 
Rubens de Falco, Elke Maravilha, 
Tony Tornado e Beatriz Segall

02
ANJOS da NOITE
(1987)
de Wilson Barros
com Zezé Motta, Antônio Fagundes, Marco Nanini,
Chiquinho Brandão e Guilherme Leme

03
CENTRAL do BRASIL
(1998)

de Walter Salles
com Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira, 
Othon Bastos, Otávio Augusto 
e Matheus Nachtergaele

04
MIXED BLOOD
(1984)

de Paul Morrissey
com Richard Ulacia e Linda Kerridge

05
AMÉLIA
(2001)
de Ana Carolina
com Béatrice Agenin, Camila Amado,
Marcélia Cartaxo e Cristina Pereira

06
O REI da NOITE
(1975)
de Hector Babenco
com Paulo José, Vick Militello, Cristina Pereira
e Yara Amaral

07
O VIAJANTE
(1998)
de Paulo César Saraceni
com Jairo Mattos, Leandra Leal 
e Paulo César Pereio

08
JENIPAPO
(1995)
de Monique Gardemberg
com Otávio Augusto, Patrick Bauchau, Júlia Lemmertz
e Ana Beatriz Nogueira

09
DIAS MELHORES VIRÃO
(1990)

de Carlos Diegues
com Paulo José, Zezé Motta, José Wilker
e Paulo César Pereio

10
TIETA do AGRESTE
(1996)

de Carlos Diegues
com Sonia Braga, Chico Anysio, Cláudia Abreu,
Zezé Motta e Jece Valadão

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