abril 30, 2012

********* O CINEMA MARGINAL de SAMUEL FULLER

mark hamill e lee marvin em “agonia e glória”

Perceber o talento peculiar indiscutível de um cineasta é pura emoção. Nestas ocasiões, vejo alguns de seus filmes e leio sobre sua vida e obra. Aconteceu com Terrence Malick, F. W. Murnau, Sean Penn (como diretor), Max Ophuls, Jules Dassin, Robert Siodmak, Mauro Bolognini e Robert Mulligan, entre outros. Atualmente percorro os caminhos perigosos de SAMUEL FULLER, um excepcional diretor norte-americano anti-racista e anti-guerra, de mise en scène diabólica, injustiçado pela crítica e pouco conhecido do público, mas responsável por uma filmografia livre e independente.

Diretor de longas B, sem nunca cair nos estereótipos do thriller ou do gênero melô, a restrição financeira que afetava a produção dos seus filmes não o impediu de rodar títulos com qualidade. Admirado pela trupe de jovens críticos da revista “Cahiers du Cinema”, encabeçado por François Truffaut e Jean-Luc Godard, que o trataram como um autêntico “auteur”, por seus poderosos golpes nos sentimentos humanos, é considerado um existencialista.
samuel fuller

Ex-jornalista policial de Nova York, vagabundo que saltava de trens de carga, escritor de “pulp fiction” e soldado da Segunda Guerra Mundial, sua cáustica visão geralmente apresenta personagens amorais lutando para sobreviver no hospício da vida. Guerra e criminalidades são temas centrais em sua filmografia, com sua hiperativa câmara vasculhando os submundos e revelando os becos mais sórdidos das grandes cidades, onde cada figura é submetida a um violento rito de passagem em que certezas morais estabelecidas são testadas ao máximo. 

O amor destrutivo entre os personagens é uma constante na sua obra. A consolidação ordenada e harmoniosa de uma comunhão romântica inexiste nesse universo. Apesar de se esquivar de rótulos, o seu cinema flerta diretamente com o gênero “noir”, cujo surgimento aconteceu em 1941, com O FALCÃO MALTÊS / The Maltese Falcon, de John Huston. Ao menos cinco filmes do diretor podem ser assim classificados: “Anjo do Mal”, “A Casa de Bambu / House of Bamboo” (1955), “O Quimono Escarlate / The Crimson Kimono” (1959), “A Lei dos Marginais / Underworld U.S.A.” (1961) e “O Beijo Amargo”.
james dean em "baionetas caladas"

Num filme de SAM FULLER, a ação é sempre repentina, sem motivação profunda ou explicação detalhada. Ele expressou a violência e o caos do mundo em dezenas de policiais, westerns, dramas e filmes de guerra. A maioria com orçamento baixo e rejeitados pelos críticos de sua época, que o consideravam “primitivo e bárbaro”, mas redimidos através dos anos pela crescente admiração dos cinéfilos e cineastas (Robert Bresson e Claude Chabrol, por exemplo) em todo o mundo. Começou no cinema escrevendo roteiros para produções baratas nos anos 30. 

Teve a sua primeira chance de dirigir em 1949, agarrando-a com unhas e dentes. Simples e impactante, “Eu Matei Jesse James” já revela a garra do diretor. Em 1952, o poderoso produtor Darryl F. Zanuck, da Fox, convidou-o para uma produção “classe A”, ou seja, de orçamento polpudo e atores famosos como protagonistas. Sombrio e sem heroísmo, o bonito “Anjo do Mal” não fez sucesso de bilheteria. Ele continuou filmando, numa persistência louvável, mostrando honestamente uma América do Norte não-oficial, de rejeitados, desconstruindo a noção de herói e vilão que dominava o cinema clássico.

Ensaiando uma ou duas vezes e filmando, SAMUEL FULLER não voltava a repetir a tomada. Fez um filme em 10 dias, com um único cenário e sem externas. Seus protagonistas são homens duros, simples, e, portanto, de confiança, em histórias de um dramatismo exacerbado, pontuadas por uma fotografia diferenciada e por momentos de absoluta e estranha beleza. Repudiado por colaborar com a política de caça aos comunistas liderada pelo senador republicano Joseph McCarthy, pouco a pouco foi sendo deixado de lado em Hollywood, instalando-se na França onde promoveu diversos workshops. Durante um deles, conheceu Wim Wenders, que o convenceu a participar como ator em “O Amigo Americano / Der Amerikanische Freund” (1977) e “Hammett / Idem” (1982). Teve também participação especial em “O Demônio das Onze Horas / Pierre Le Fou” (1965), de Jean-Luc Godard. Morreu em 1997, aos 86 anos, deixando na memória coletiva a imagem provocativa do seu gigantesco charuto e estilo contundente.
gene evans em “capacete de aço”

Pouco se viu e muito se falou sobre os filmes de SAMUEL FULLER. Sua filmografia sobreviveu como seus personagens, renegada por muito tempo à margem do cinema. Dirigiu um total de 22 filmes para cinema e outros projetos para televisão. O seu último trabalho foi o telefilme “Le Jour du Chatiment” (1990). É um daqueles realizadores de segunda linha que nunca chegou verdadeiramente ao topo. Quase todos os seus filmes foram insucessos. “Cão Branco / White Dog” (1982), um dos últimos, nem sequer foi exibido comercialmente nos Estados Unidos, forçando-o a roubar as bobinas e fugir para o México, com medo que fosse permanentemente destruído. À sua maneira deixou um legado recheado de personagens cujo vigor de sobrevivência a qualquer custo incomoda os observadores mais antiquados.

FONTES
“Il était une fois… Samuel Fuller”, Cahiers du Cinéma, 1986; e “1000 Que Fizeram 100 Anos de Cinema”, Isto é/The Times)

wim wenders e samuel fuller

NOVE FILMES de SAM FULLER

EU MATEI JESSE JAMES
(I Shot Jesse James, 1949)
Com Preston Foster, Barbara Britton e John Ireland

Seu Jesse não é o Robin Hood da lenda cinematográfica, muito pelo contrário. E Robert Ford, o assassino, é retratado com simpatia. A relação suspeita deles é algo pouco visto em faroestes (como também em “O Proscrito / The Outlaw”, 1943; “Rio Vermelho / Red River”, 1948; “Johnny Guitar / Idem”, 1954; “Um De Nós Morrerá / The Left Handed Gun”, 1958; “Minha Vontade é a Lei / Warlock”, 1959; etc.): um sub tom homoerótico razoavelmente óbvio. Há algo de feminino nas preocupações de Jesse James (Reed Hadley). Algo provocante e sedutor. Ford (John Ireland) não consegue tirar os olhos dele. Estreia arrasadora, em tese é um faroeste, mas o diretor rompe os mitos que cercam os gêneros.

CAPACETE de AÇO
(The Steel Helmet, 1951)
Com Gene Evans e Robert Hutton

O primeiro título a trazer algum reconhecimento para o diretor, despe mitos, representando a diversidade étnica norte-americana e os bastidores de uma guerra cruel. Não é um filme sobre heroísmo, mas sobre a luta pela sobrevivência, sem mistificações. Sam se orgulhava de ter feito o primeiro filme sobre a Guerra da Coréia, enquanto ela acontecia.


BAIONETAS CALADAS
(Fixed Bayonets!, 1951)
Com Richard Basehart e Gene Evans

O mesmo cenário do drama de guerra anterior, a Coréia, e o mesmo ator, um dos favoritos do diretor: Gene Evans. Ele faz o duro sem ilusões num destacamento designado para uma batalha de retaguarda quase suicida. Todos os soldados são sujeitos comuns, nada heroicos. Ponta de James Dean como o soldado Doggie.

ANJO do MAL
(Pickup on South Street, 1953)
Com Richard Widmark, Jean Peters e Thelma Ritter

Primeiro grande filme de estúdio do diretor, protagonizado por Richard Widmark como um larápio que furta uma carteira que contém um microfilme valioso. Foi galardoado com o Leão de Bronze do Festival de Veneza. Noir clássico, fora de época, uma de suas características incomuns é a personalidade criminosa do protagonista. A femme fatale é uma prostituta que trabalha para os dissidentes comunistas. A polícia local utiliza métodos pouco ortodoxos para identificar o carteirista. Tudo isso numa Nova Iorque miserável e violenta, envolta num mundo negro de melancolia. Talvez a maior atuação de Ritter, que concorreu ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.

RENEGANDO o MEU SANGUE
(Run of the Arrow, 1957)
Com Rod Steiger, Sarita Montiel e Ralph Meeker

Um soldado sulista confederado (excelente atuação de Rod Steiger, do Actor’s Studio) se refugia na terra dos índios Sioux após o fim da Guerra Civil nos EUA. História de perseverança, cenários épicos e defesa aberta à causa indígena. Charles Bronson, em início de carreira, faz um indígena.

DRAGÕES da VIOLÊNCIA
(Forty Guns, 1957)
Com Barbara Stanwyck, Barry Sullivan e Dean Jagger

Um dos faroestes mais audaciosos de todos os tempos. A super star Barbara Stanwyck, numa interpretação marcante, faz a baronesa do gado Jessica Drummond. Sem escrúpulos, ela luta pelo controle dos pastos no Arizona, estalando o seu chicote e escoltada por 40 soldados mercenários.  Faz de tudo para proteger seu irmão desordeiro. Quando um novo delegado chega à cidade para colocar tudo em ordem, ela se apaixona pelo homem da justiça.

PAIXÕES que ALUCINAM
(Shock Corridor, 1963)
Com Peter Breck, Constance Towers e Gene Evans

Intensidade, força e fúria na história de um jornalista que se infiltra em um hospício passando-se por louco para descobrir o autor de um assassinato, e de quebra, ganhar o Prêmio Pullitzer.

O BEIJO AMARGO
(The Naked Kiss, 1964)
Com Constance Towers e Anthony Eisley

Uma das obras fundamentais do diretor. Disfarçado na redenção de uma prostituta que tenta ser aceita na sociedade hipócrita, trata de um outro assunto, muito mais aterrador, a pedofilia. E a forma como nos é mostrado, uma revelação horrível antecedida de uma cena de uma beleza ímpar, é marcante. Os fracos resultados de bilheteira levaram o diretor a trabalhar em televisão.

AGONIA e GLÓRIA
(The Big Red One, 1980)
Com Lee Marvin, Mark Hamill e Stéphane Audran

Após dez anos sem filmar, Sam retornou à ativa ajudado pelo amigo e fã incondicional Peter Bogdanovich, que capitaneou fundos para esse ambicioso projeto, um drama anti-guerra com Lee Marvin numa sensacional atuação lacônica. Ele interpreta um sargento veterano, que com seu pelotão de infantaria luta na costa argelina contra as tropas nazistas, desembarcando na Normandia, no episódio que ficou conhecido como Dia D. John Wayne havia sido cotado para o papel, mas foi descartado pelo diretor. “Eu queria fazer um filme sobre um cara que se mistura com os outros, não um herói. Eu queria um homem cansado, macilento, ossudo”, justificou. Glorificado pela crítica, não resultou muito bem em termos comerciais.

abril 26, 2012

************************* SALA VIP: “ISADORA”




A MARCA de uma REBELDE

É possível um filme imperfeito se aproximar da perfeição? Segundo comentário da famosa crítica de cinema Pauline Kael, “Grandes filmes raramente são perfeitos”. Portanto, a resposta é sim, principalmente se ele for centrado num personagem excepcional interpretado com corpo e alma. ISADORA é uma prova evidente disso. Injustamente esquecido, quase desconhecido do grande público, sua extrema perícia na atuação iluminada de Vanessa Redgrave produz um efeito inesquecível, principalmente em quem se sente atraído por dança ou figuras históricas irreverentes. Sem a deslumbrante Vanessa, o filme corria o risco de cair no ridículo. Com ela, passou a beirar a perfeição na caprichosa evocação da sacerdotisa do balé moderno, Isadora Duncan (1877 - 1927), uma artista sexualmente desinibida que revolucionou o mundo da dança e desafiou os conservadores. 

A atriz inglesa passou seis meses se preparando para o papel, repetindo incansavelmente movimentos coreográficos. Aos 31 anos, ela envelhece em cena com realismo e adota um sotaque norte-americano sem cair na caricatura. É quase impossível imaginar outra atriz de sua época no seu lugar. Talvez Julie Christie ou Jane Fonda.

Difícil hoje ver o filme à luz do que era originalmente: uma obra de fluxo de quase três horas, aparentemente mais caótica e obstinada. Lançado com pouco alarde e dirigido pelo talentoso Karel Reisz (1926 - 2002), prejudicou-se quando seu estúdio, a Universal, cortou 40 minutos da metragem, numa nova versão mais discreta (cenas de nudez explícitas foram eliminadas) que desperdiçou personagens e momentos essenciais da vida da biografada.

Incompreendido, embora com fãs ardorosos, o original terminou por ser exibido no Festival de Cannes e Vanessa levou para casa o prêmio de Melhor Atriz, salvando a pátria. Em seguida, desapareceu da paisagem, mesmo com a atriz concorrendo ao Oscar pelo papel (ela acabou perdendo para um discutível empate entre Katharine Hepburn e Barbra Streisand).  Nos anos 90, lançado em VHS sem cortes, não teve qualquer repercussão e desapareceu novamente. O último prego no caixão aconteceu este ano, quando a British Academy Film Awards premiou Vanessa Redgrave pelo conjunto de obra e clips de praticamente todos os seus filmes emblemáticos foram exibidos, mas se “esqueceram” de ISADORA. No entanto, o longa é belíssimo e merece ser reverenciado. Ele descreve a existência de uma trágica dançarina abandonada pelo pai, pelos amantes, e, finalmente, pela plateia que a idolatrava. Pior de tudo, seus dois filhos se afogam no rio Sena em um acidente de carro e ela morre aos 50 anos estrangulada por uma echarpe que se enrola na roda de um carro de luxo.

Mulher de heroica coragem, perseverante, feminista, lutou contra uma sociedade rígida e hipócrita, chocando o público com suas atitudes - e era essa a intenção. Ela não se constrangia em mostrar seu corpo nu, pregava o amor livre e criou moda na maneira de se vestir. Idealista e autodestrutiva, usou a habilidade artística para desafiar a dança tradicional, as convenções morais e impor seu senso de liberdade. Tudo isso nas primeiras décadas do século 20. Ao se rebelar contra as técnicas da dança clássica e as ideias convencionais de seu tempo, inspirou-se na Grécia antiga para criar movimentos ousados, apresentando-se descalça, sem cenário ou efeitos de luz e com túnicas que quase nada escondiam do seu corpo. Com a iminente Revolução Russa e a Primeira Guerra Mundial no horizonte, Isadora manifestou as suas dúvidas políticas e morais em arte, transformando as injustiças sociais e as emoções ao seu redor em poesia dançada. 

O filme explora o desejo da dançarina em difundir e popularizar a dança moderna como uma forma de rebelião contra a moral convencional. Um caso em questão é o seu compromisso em educar através da dança e do pensamento os filhos dos mais humildes, acreditando que poderia beneficiá-los. Ironicamente, quando dá à luz a uma filha fora do casamento, seus patrocinadores ricos deixam de bancar sua escola inovadora. Em última análise, o argumento se concentra em uma mulher que vivia na contramão, não tendo medo de esconder sua natureza selvagem, o pensamento liberal, o ateísmo e o desapego ao matrimônio. Revolucionária, mesmo em decadência, sem dinheiro e humilhada pelo público norte-americano, recusou-se a pedir desculpas por suas definições de beleza e arte, inspirando muita gente com o seu espírito livre e se tornando uma das mais importantes dançarinas de todos os tempos.

Dez anos antes de ISADORA, o diretor Karel Reisz fundou com Lindsay Anderson e Tony Richardson (marido de Vanessa de 1962 a 1967), o movimento Free Cinema, cujo objetivo era apostar no realismo, rompendo com a tradição do cinema convencional inglês. Assim surgiram clássicos como “Um Gosto de Mel / A Taste of Honey” (Richardson, 1961), “Esta Vida Esportiva / This Sporting Life” (Anderson, 1963) e, especialmente, “Deliciosas Loucuras de Amor / Morgan: A Suitable Case for Treatment” (Reisz, 1966), que evoca de forma humorística um caso de loucura pós-divórcio. No principal papel feminino, Vanessa Redgrave ganhou seu primeiro prêmio em Cannes e uma indicação ao Oscar, tornando-se uma estrela internacional. 

Quando Reisz foi escolhido para dirigir ISADORA, todos desconfiaram que não seria uma cinebiografia convencional. E estavam certos. Singular, ele apostou num tratamento audacioso, ambicioso e construído experimentalmente. Inspirado na autobiografia “Minha Vida / My Life” (1928), o diretor parece mais interessado na mulher do que na artista, ao contrário das cinebiografias habituais que enaltecem o trabalho do biografado. 


Numa velocidade vertiginosa, às vezes confusa, a vida de Isadora Duncan é repassada como uma viagem alucinante. Paradoxalmente, o momento mais vibrante da obra talvez seja na sua temporada na tradicional Rússia, simpatizando-se com o comunismo e casando com o poeta Sergei Iesseienin (excelente Ivan Tchenko). Isadora viveu muitas outras histórias impetuosas de amor, inclusive com mulheres – que o filme apenas insinua de leve na pele da bela Maria, que a acompanha na última parte de sua vida, isolada na Riviera Francesa enquanto escrevia suas memórias -, mas nenhuma das aventuras amorosas retratadas comove o público. 

O premiado Jason Robards, como o milionário francês Eugene Singer, é quase figuração de luxo. O mesmo acontece com o excêntrico cenógrafo teatral Gordon Graig (James Fox, de “O Criado / The Servant”, 1963, de Joseph Losey). A força do personagem e da atriz é tão imperiosa que devora a importância de seus amores e até mesmo de seus fracassos. Sutil e elegante, o filme é um tributo caleidoscópico a uma artista lendária totalmente comprometida com a arte, a verdade e a beleza.


ISADORA (Idem, 1968). País: Inglaterra e França; Duração: 138 mins.; Cor; Gênero: Drama; Produção: Raymond e Robert Hakim (Hakim, Paris Film / Universal Pictures); Direção: Karel Reisz; Roteiro: Melvyn Bragg e Clive Exton, adaptado da biografia de Isadora Duncan e do livro de Sewell Stokes; Fotografia: Larry Pizer; Edição: Tom Priestley; Música: Maurice Jarre; Cenografia: Jocelyn Herbert, Zeljko Senecic e Michael Seymour (d.a.); Vestuário: Ruth Myers; Elenco: Vanessa Redgrave (“Isadora Duncan”), James Fox (“Gordon Craig”), Ivan Tchenko (“Sergei Iessienin”), John Fraser, Jason Robards (“Eugene Singer”), Vladimir Leskovar, Cynthia Harris e Bessie Love

Nota: **** (muito bom)

Prêmios: Melhor Atriz no Festival de Cannes;
Melhor Atriz da Associação Nacional dos Críticos de Cinema dos EUA;


abril 21, 2012

************************ DINA SFAT, à FLOR da PELE




A história do cinema nacional é marcada por uma galeria de mitos femininos: Aurora Fúlgida, bailarina romena; Eva Nil, atriz dos anos 20; Carmen Santos, que construiu um estúdio e dirigiu um filme; Gilda Abreu, do sucesso “Bonequinha de Seda” (1936); Carmen Miranda, estrela de musicais; Eliana no ciclo das chanchadas; Eliane Lage e Tônia Carrero na Vera Cruz; o Cinema Novo revelando Norma Bengell, Odete Lara, Leila Diniz, Adriana Prieto, Anecy Rocha, Jacqueline Myrna e Helena Ignez; o talento de Isabel Ribeiro, Lillian Lemmertz, Irene Stefânia, Ítala Nandi, Ana Maria Magalhães, Selma Egrei, Rossana Ghessa, Darlene Glória e Zezé Motta. 

Em 1969, seria a hora e a vez de DINA SFAT (1938 - 1989) arrebatar público e crítica como a guerrilheira Cy, do emblemático e tropicalista “Macunaíma”, inspirado na obra homônima de Mário de Andrade sobre a falta de caráter do brasileiro, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e estrelado por Grande Otelo e Paulo José. Nunca mais seu talento seria esquecido. Carismática, bela, politizada e excelente intérprete, a atriz morreu vítima de um câncer aos 50 anos, mas ainda hoje vive na memória de muita gente. De pai russo e mãe israelense, nasceu em São Paulo. Além de sua obra, deixou de legado uma família de artistas. Do casamento com o ator Paulo José, nasceram Clara, Ana e Bel Kutner, as duas últimas atrizes.

Estreou profissionalmente nos palcos em 1962, no espetáculo “Antígone América”, dirigida por Antonio Abujamra. No histórico Teatro de Arena viveu a Manuela de “Os Fuzis da Senhora Carrar” (1962), de Bertold Brecht. Conquistou o Prêmio Governador do Estado de São Paulo de Melhor Atriz por seu desempenho em “Arena Conta Zumbi” (1965), um musical político de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, e destacou-se na polêmica e mítica montagem de “O Rei da Vela” (1967), dirigida por José Celso Martinez Corrêa, ao substituir às pressas Ítala Nandi no papel de Heloisa de Lesbos. Sem nunca abandonar os palcos, fez “Dorotéia Vai à Guerra” (1973), “A Mandrágora” (1975), “Seis Personagens à Procura de Um Autor” (1977), “Murro em Ponta de Faca” (1979), “As Criadas” (1981), “Hedda Gabler” (1982) e, em Portugal, “Florbela Espanca” (1984), entre outras montagens elogiadas.

no teatro, em o rei da vela
Inicia sua trajetória na televisão no final da década de 1960, trabalhando na Tupi, Excelsior e Record, até se tornar uma das estrelas da Rede Globo. Mesmo diante do sucesso televisivo, jamais se deixou seduzir por personagens caricatos, arriscando-se em papéis sem as amarras das heroínas habituais, sofredoras, românticas e insossas. Estreou na Globo em 1970, a convite de Dias Gomes, protagonizando “Verão Vermelho”, onde formou par amoroso com Jardel Filho, e permaneceu na emissora até a sua morte. 

Brilhou em telenovelas de autoria de Janete Clair, como “O Homem Que Deve Morrer” (1971), “Selva de Pedra” (1972, Prêmio de Melhor Atriz da Associação Paulista de Críticos de Arte), “Fogo Sobre Terra” (1974) e “O Astro” (1978), mas também roubou cenas em outras como “Assim na Terra Como no Céu” (1970), “Os Ossos do Barão” (1973) e “Saramandaia” (1976). Um dos seus maiores momentos na tevê aconteceu em 1975, em “Gabriela”, de Walter George Durst, baseada na obra de Jorge Amado. Apesar de aparecer apenas nos primeiros capítulos, vivendo a prostituta Zarolha, a atriz dominou a cena, obtendo um extraordinário sucesso. Walter Avancini, o diretor, era o preferido dela, que dizia jamais recusar qualquer papel proposto por ele.

dina e paulo josé

Versátil, com uma fantástica presença em cena, e o gosto apurado por se arriscar em papéis complexos, teve momentos especiais no cinema nacional. O mais lembrado e comentado, sem dúvida, é “Macunaíma”. Em 27 anos de carreira artística, fez 20 filmes, atuando no engajado Cinema Novo e no libertário Cinema Marginal. Estreou em 1966 pelas mãos de Walter Hugo Khouri em “O Corpo Ardente”. Faria “Os Deuses e os Mortos” (1970, Melhor Atriz no Festival de Brasília), filmado no sul da Bahia; “A Culpa” (1971, Prêmio Air France de Melhor Atriz); uma mãe solteira em “Tati, a Garota” (1973), estreia de Bruno Barreto; e “O Homem do Pau Brasil” (1981), no papel da pintora Tarsila do Amaral. 

Atuou em “Das Tripas Coração” (1982), que discute educação, sexo e religião num colégio de meninas ricas, ao lado de Antonio Fagundes, Othon Bastos e Christiane Torloni; e “Eros, o Deus do Amor (1981), sinfonia pictórica do prazer e da ansiedade, contando a vida de um cinquentão para qual o sexo é tudo e nada. No elenco, Renée de Vielmond, Norma Bengell e Lillian Lemmertz. Seu último trabalho cinematográfico, “O Judeu”, baseado na vida de Antônio José da Silva, escritor luso-brasileiro do século XVIII que morreu na fogueira da inquisição, foi rodado em Portugal, na segunda metade da década de 1980. Inacabado por falta de verba, só iria estrear em 1995, seis anos após a morte da extraordinária atriz. 



Inquieta e polêmica, DINA SFAT  dizia o que pensava, mesmo quando não agradava às correntes sociais ou ideológicas. Dona de interpretação singular, com emoções à flor da pele, revelava uma sensualidade desconcertante e beleza agressiva, moldada na sua personalidade. Olhos grandes, infinitos, extremamente expressivos. Voz penetrante. De aguda inteligência, entregava-se de forma completa aos desafios propostos e se distinguia pela coerência com que selecionava os seus compromissos profissionais. Na intimidade era discreta, não se deixando levar pelo holofotes da mídia. Mesmo inquieta, nunca se filiou a qualquer sigla ou facção partidária.

no teatro, com ítalo rossi
No final da vida, doente, não deixou de trabalhar. Em viagem de tratamento à União Soviética, ao lado de Daniel Filho, realizou o documentário “Dina Sfat na União Soviética” (1988). Escreveu um livro, publicado em 1988, sobre sua carreira e a luta contra o câncer, “Dina Sfat- Palmas pra que te Quero”, junto com a jornalista Mara Caballero. Debilitada, fez seu último trabalho na TV na comédia “Bebê a Bordo”. Foi única no cenário nacional. Ninguém herdou o seu carisma ou a vigorosa técnica. Dina faz falta.


FILMOGRAFIA

O CORPO ARDENTE (1966)
direção de Walter Hugo Khouri

TRÊS HISTÓRIAS de AMOR (1966)
direção de Albert D’Aversa

EDU CORAÇÃO de OURO (1967)
direção de Domingos de Oliveira

JARDIM de GUERRA (1968)
direção de Neville D’Almeida

A VIDA PROVISÓRIA(1968)
direção de Maurício Gomes Leite 

MACUNAÍMA (1969)
direção de Joaquim Pedro de Andrade

Os DEUSES e os MORTOS (1970)
direção de Ruy Guerra

PERDIDOS e MALDITOS (1970)
direção de Geraldo Veloso

O BARÃO OTELO no BARATO dos MILHÕES (1971)
direção de Miguel Borges

O CAPITÃO BANDEIRA CONTRA o DOUTOR MOURA BRASIL (1971)
direção de Antônio Calmon

GAUDÊNCIO! O CENTAURO dos PAMPAS (1971)
direção de Fernando Amaral

A CULPA (1971)
direção de Domingos de Oliveira

TATI, a GAROTA (1973)
direção de Bruno Barreto

ÁLBUM de FAMÍLIA (Uma HISTÓRIA DEVASSA) (1981)
direção de Braz Chediak

O HOMEM do PAU-BRASIL (1981)
direção de Joaquim Pedro de Andrade

EROS, o DEUS do AMOR (1981)
direção de Walter Hugo Khouri

Das TRIPAS CORAÇÃO (1982)
direção de Ana Carolina

TENSÃO no RIO (1984)
direção de Gustavo Dahl

A FÁBULA da BELA  PALOMERA (1987)
direção de Ruy Guerra

O JUDEU (1995)
direção de Tom Job Azulay

GALERIA de FOTOS