novembro 20, 2011

***** O CINEMA EXISTENCIALISTA de KIESLOWSKI




Um dos grandes cineastas europeus a beber na fonte do existencialismo, de Soren Kierkegaard a Jean-Paul Sartre - a exemplo de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni -, o diretor KRZYSZTOF KIESLOWSKI (Varsóvia, Polônia. 1941 - 1996) compõe ao lado de Andrzej Wajda e Roman Polanski, a santíssima trindade do cinema polonês. Construiu em torno de 30 anos de carreira – principalmente a partir da segunda fase de sua vida, nos anos 80, quando se desiludiu com a política – uma cinematografia mergulhada nos mistérios e misérias do ser humano, nos seus medos e angústias mais profundos. “Quero filmar as dores universais”, disse o diretor em entrevista. 

Tudo começou nos anos 60, quando a vontade de fazer cinema bateu forte no jovem que era contra o comunismo que dominava o seu país. Simpatizante das idéias defendidas pelo Sindicato Solidariedade (que liderava a oposição ao regime), passou a realizar curtas politicamente engajados, resolvendo estudar cinema para melhor realizar o trabalho e, em 1969, graduou-se na Lodz State Theatrical and Film College, a mesma escola em que Polanski estudou.
“decálogo”

Durante os tempos de estudante, casou-se com Marysia, com quem viveu até o fim da vida e teve uma filha. Ao sair da faculdade, passou a dirigir uma série de documentários políticos como “Fabryka” (curta, 1971), “Murarz” (curta, 1973) e “Zyciorys” (curta, 1975). Em1976, realizou a primeira obra de ficção, “Blizna”. A partir de 1979, a carreira de KRZYSZTOF KIESLOWSKI começou a ganhar reconhecimento internacional, com a realização de “Amador / Amator”, premiado nos Festivais de Cinema de Moscou e Chicago. Este filme, que conta a história de um cineasta abandonado pela mulher, marcou nova, e definitiva, fase na sua carreira: uma cinematografia que foge de uma abordagem mais social e política e se aprofunda de vez nos dramas e tragédias pessoais que sufocam os seres humanos, independentemente dos regimes políticos a que estão submetidos. Foi o tempo de “Przypadek” (1981) e “Sem Fim / Bez Konca” (1985). 

Em 1988, realizou “Não Amarás / Krótki Film o Milosci” e “Não Matarás / Krótki Film o Zabijaniu” (Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes), consagrando-se como um dos maiores cineastas do mundo. No primeiro, um funcionário do correio obcecado por uma mulher madura e independente, tenta uma aproximação. O segundo, narra uma visão amarga da vida.


Entre 1989 e 1990, rodou o “Decálogo / Decalogue”, filmes magistrais realizados para a tevê, livremente inspirados nos dez mandamentos bíblicos. Um trabalho monumental que reúne em dez filmes, de cerca de uma hora cada, a vida de vários moradores de um condomínio em Varsóvia. O acaso, a tragédia e a beleza das coisas simples são o mote para o diretor polonês criar talvez o maior panorama do cotidiano já realizado na história do cinema. 
irène jacob em
“a dupla vida de veronique”

Ele filmou os episódios de “Decálogo” com diferentes diretores de fotografia, mas a unidade visual é bastante evidente. Também providenciou que os diferentes protagonistas de cada episódio aparecessem, como figurantes, em outros; assim, o espectador atento pode reconhecer o médico do episódio dois dividindo um elevador com o casal que protagoniza o episódio três, e assim por diante. Há ainda um personagem misterioso, que não tem nome e jamais abre a boca, que aparece nos dez episódios, observando a ação sem nunca tomar parte dela. O sujeito é um mistério que KIESLOWSKI nunca quis elucidar, apenas pediu que o “homem sem nome” não servisse de distração para os verdadeiros enigmas que quis apresentar nos enredos de cada história. “Decálogo” é cinema em um nível de excelência rara, obrigatório na coleção de qualquer cinéfilo que se interessa pelos segredos da natureza humana.

juliette binoche em “a liberdade é azul”
No inicio dos 90, KRZYSZTOF KIESLOWSKI trocou Varsóvia por Paris e começou a mais importante fase da carreira, realizando suas obras mais fundamentais: “A Dupla Vida de Véronique / La Double Vie de Véronique” (1991) e a trilogia baseada nas cores da bandeira francesa: “A Liberdade é Azul / Trois Couleurs: Bleu” (1993), “A Fraternidade é Vermelha / Trois Couleurs: Rouge” (1994) e “A Igualdade é Branca / Trois Couleurs: Blanc” (1994). Em “A Liberdade é Azul”, o meu favorito, Leão de Ouro no Festival de Veneza, o drama toma conta da história. Conhecemos Julie (sensacional Juliette Binoche), que após perder o marido e a filha em um acidente de carro, renega tudo e todos e passa a viver evitando tudo que lhe cause qualquer emoção. O silêncio dá o tom, focando em objetos e pontos aparentemente vazios para explorar a solidão da protagonista. 

“A Igualdade é Branca”, Urso de Prata de Melhor Diretor no Festival de Berlim, é um filme mais leve, mas não menos tenso. Nele, Karol (Zbigniew Zamachowski) leva a vida com uma incrível falta de tato e principalmente de sorte. Sua mulher Dominique (Julie Delpy), o abandona às traças porque simplesmente ele não dá mais conta do recado de satisfazê-la. Karol então volta para a Polônia e trama calmamente sua vingança contra a ex-mulher. 

Em “A Fraternidade é Vermelha”, prêmio César de Melhor Diretor e indicado ao Oscar na mesma categoria, Valentine (Irène Jacob) é uma modelo que vive em Paris, longe do namorado e da sua família em ruínas. Ao conhecer um juiz aposentado (um extraordinário Jean-Louis Trintignant), que passa o tempo espionando os vizinhos, Valentine vê sua vida mudar e tomar rumos inesperados. Nesses três filmes da trilogia, KIESLOWSKI uniu emoção, sentimentos e degradação humana.
julie delpy em
a igualdade é branca"

Consagrado, KRZYSZTOF KIESLOWSKI surpreendeu o mundo dizendo que iria deixar de realizar filmes. “Estou cansado, achando tudo muito chato. Para mim, atualmente viver é mais importante que fazer cinema. E quero viver!”, disse em entrevista em 1995. Ele cumpriu a promessa: não fez mais filmes. Não teve tempo: morreu de enfarte, às vésperas de completar 55 anos, em 1996. 

Ainda assim, escreveu o roteiro da trilogia “Paraíso, Purgatório e Inferno”, baseada na “Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Em 2002, o alemão Tom Twyker filmou o roteiro de “Paraíso / Heaven”; o bósnio Danis Tanovic dirigiu Inferno / L'Enfer em 2005; e o polonês Stanislaw Mucha completou a trilogia do mestre com Purgatório / Nadzieja, de 2007. 


18 comentários:

Lara Mello disse...

Conhecia muito pouco sobre ele, obrigada pelo aprendizado =)

Fábio Henrique Carmo disse...

Kieslowski é um dos grandes. Genial e marcante, sua obra virou obrigação para qualquer cinéfilo. Gosto muito de "A Dupla Vida de Véronique", "A Liberdade é Azul" e "A Igualdade é Branca". Pena que morreu ainda cedo. Tinha mais contribuições da dar com sua arte apurada.

Emmanuela disse...

Kieslowski é um dos meus favoritos. Sua acuidade foi intensamente emocionante. Deixou obras-primas indeléveis, lindas!

Ruby disse...

Dele, o que mais gosto ainda é "Não amarás", tenho esse DVD, quando não o tinha ainda ia muitas vezes à locadora e o alugava.
O caso a Natalie me faz lembrar o seriado Cold case, acho legal esclarecer uma morte que nao foi bm contada sua real versão.

Rafael Carvalho disse...

Pra mim, Kieslowski é rei. Adoro o estilo humanista do diretor. Gosto muito da trilogia das cores (A Liberdade é Azul é o meu preferido), o Decálogo é monumental, mas meu Kieslowski do coração, e um dos filmes de minha vida, é Não Amarás. É um dos melhores filmes sobre as potencialidades do amor, mesmo que já não acreditemos mais nele.

E uma curiosidade, além do Tykwer ter dirigido Paraíso, o diretor bósnio Danis Tanovic dirigiu Inferno, e um outro cineasta fez o Purgatório.

O Narrador Subjectivo disse...

Foi pena ter morrido tão cedo, sem dúvida um realizador que ficava melhor a cada novo filme que fazia... Cumprimentos

As Tertulías disse...

Descobrindo coisas novas... Oba!!! Obrigado, amigo!!!!

Marcelo Castro Moraes disse...

Tai uma filmografia que preciso conhecer.

Telma Monteiro disse...

Além da "trilogia das cores" um filme do Kieslowski que amo é "Não Amarás"!

João Roque disse...

Não é um realizador de filmes lineares, mas é sempre muito interessante.
Infelizmente, só vi dele "A Dupla Vida de Véronique" (que música fantástica) e a trilogia das cores, mas gostei muito.

Lucia Helena Pereira disse...

NAHUDE, LIGUE PRA MIM.


L.HELENA


8821 5195

linezinha disse...

do Kieslowski só assisti "Não Amarás",belo filme!
e sobre a Natalie eu espero que o que aconteceu no dia da sua morte seja esclarecido.
bj

Alexandre Fabbri disse...

Um bom artigo! Bem feito!

Alexandre Fabbri
KIESLOWSKI'S WORLD

O Neto do Herculano disse...

Dona de uma beleza natural, e que ainda me encanta, Natalie Wood não é tão cultuada, como outras atrizes de sua geração, mas, certamente, possui um lugar importante na história do cinema. Merece a lembrança.

O Neto do Herculano disse...

Quanto ao Kieslowski, gosto bastante de "Amador" (muitas vezes reprisado no canal Futura).

Rodrigo Duarte disse...

Kieslowski é uma das melhores coisas que aconteceram nos últimos 30 anos. Ainda me falta o Decálogo, embora eu já tenha visto Não Matarás.

disse...

Meu favorito também é "A Liberdade é Azul". Adorei conhecer mais sobre a carreira desse ótimo cineasta de nome impronunciável.
Abraços!

AnnaStesia disse...

Maravilhoso e existencialista, lindamente filosófico, original, sensível, transcendente e essencial. Decálogo realmente é uma beleza, em especial o episódio cinco (e sua versão longa). A trilogia das cores é uma das mais belas criações do cinema de todos os tempos. A liberdade é azul é o meu favorito dos três. Parabéns pela merecida homenagem a Kieslowski, Antônio!